EXCELÊNCIA EM EDUCAÇÃO
Leitura de Mundo, Empatia e Aprendizagem
Júlio Furtado*
Chamamos de leitura de mundo o conjunto de percepções que temos do mundo que nos cerca e que
nos leva a formar um conceito sobre esse mundo e a interpretar as coisas, pessoas, fatos e relações, presentes
nesse mundo, a partir desse conceito. Genericamente, podemos dizer que o mundo, a partir da leitura de cada
um, pode ser um lugar ameaçador, cheio de surpresas, acolhedor, desafiador,desagradável, etc., etc. A forma
específica de “ler” o mundo que cada ser humano possui é responsável por sua peculiaridade perceptiva, ou
seja, cada um de nós percebe a realidade de forma específica, particular em função das crenças e dos valores
que adquirimos e desenvolvemos ao longo da vida. Imagine uma pessoa que acredita no sobrenatural, na
existência de fantasmas, por exemplo. Essa pessoa se estiver sozinha em casa e ouvir o barulho de um copo
quebrando ao cair no chão, vindo da cozinha, será tomada por uma onda de arrepios, começará a rezar e terá
muito medo de ir até a cozinha para verificar o que de fato ocorreu. A mesma cena ocorrendo com uma pessoa
que não acredita no sobrenatural, causará pensamentos e reações coerentes com sua percepção que está
sempre de acordo com suas crenças e valores. Provavelmente, tal pessoa irá imediatamente à cozinha conferir
se não deixou a janela aberta e com isso um vento súbito ou um gato faminto tenha entrado e provocado a queda
do copo.
É em função da nossa forma peculiar de perceber a realidade que precisamos “alinhar percepções”, que
significa reduzir ao mínimo as discrepâncias perceptivas com relação à interpretação que temos de pessoas,
coisas, fatos e relações. Quantas vezes temos que enfrentar conflitos em função das diferentes maneiras
através das quais vemos uma mesma pessoa? O que nos faz ver de forma diferente é o nosso “filtro perceptual”.
Dele, fazem parte nossos valores e nossas crenças, adquiridos através de nossas experiências, que são fruto da
forma através da qual interagimos com pessoas, coisas, fatos e relações ao longo da nossa vida. O filtro
perceptual é a nossa marca registrada, é a nossa forma individual de ver a realidade.
O grande paradoxo que se estabelece é que, para crescermos, precisamos confrontar nossas
percepções para que nossa forma de ver a realidade se amplie e passemos a enxergar coisas que não víamos
antes. Esse processo é paradoxal porque até a adolescência, lutamos para construir uma opinião própria, uma
forma específica de encarar o mundo e, quando nos tornamos adultos, precisamos aprender a abrir mão dessa
visão peculiar se quisermos crescer e amadurecer.
Talvez a melhor estratégia de que podemos lançar mão para conseguir ver “além dos nossos olhos” seja
desenvolver nossa habilidade empática. Empatia é a habilidade de enxergar o mundo o mais próximo possível
da forma como os outros enxergam. Costumo dizer que empatia é “ver com os olhos do outro”, sem perder nosso
próprio olhar. Na medida em que conseguimos perceber da maneira que o outro percebe, compreendemos
melhor suas opiniões e podemos avaliar melhor uma pessoa, coisa, fato ou relação. É dessa forma que
ampliamos o sentido que damos à realidade e é essa a essência do crescimento humano: ampliar, cada vez
mais, o sentido que temos do mundo. A síntese disso tudo é que crescemos através de novas aprendizagens,
que ocorrem a cada vez que acrescentamos novas informações ao sentido que construímos a respeito da
realidade. Quanto mais acrescentamos novos significados a nossa forma de ver o mundo, mais “inclusiva” se
torna a nossa percepção e mais empáticos nos tornamos. O ato de aprender depende diretamente desse
processo de “inclusão perceptiva” e o papel do professor é facilitar esse processo.
O “erro” na escola é uma questão que precisa ser urgentemente analisada segundo essa abordagem. A
princípio, “erramos” coerentes com nossa forma de ver o mundo. Uma resposta diferente do esperado não
significa, necessariamente, um erro. É papel do professor, ter um olhar empático com relação ao “erro” para que
possa, de forma efetiva, ajudar o aluno a ampliar seu campo perceptual. As artes se prestam de forma muito
eficaz à facilitação desse exercício de olhar. Uma obra de arte, seja ela uma pintura, uma escultura, uma música,
uma dança ou uma atuação teatral, atiça o nosso olhar e provoca nossos sentidos de maneira a construirmos
algum significado com relação a ela e, dessa forma, ampliarmos nosso campo perceptual. A discussão a
respeito das muitas formas de leitura do mundo amplia e “autoriza” o aluno a arriscar novas percepções, sem ter
medo do castigo que geralmente acompanha o “erro” na realidade escolar.
* Doutor em Ciências da Educação pela Universidade de Havana (Cuba); Mestre em Educação pela UFRJ;
Diplomado em Psicopedagogia pela Universidade de Havana; autor de vários livros.
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