ESTADO DE NECESSIDADE EXCULPANTES NOS DELITOS DE
SONEGAÇÃO FISCAL
José Cláudio Marques Barboza Jr*
Conceitua o Código Penal em vigor o estado de necessidade (art. 24): "Considera-se
em estado de necessidade quem pratica o fato para salvar-se de perigo atual, que não
provocou por sua vontade, nem podia de outro modo evitar, direito próprio ou alheio,
cujo sacrifício, nas circunstâncias, não era razoável exigir-se".
Consolidada a partir de uma decisão do Tribunal do Reich alemão, datada de 11 de
marco de 1927, a chamada "teoria diferenciadora do estado de necessidade" assenta
o seu fundamento lógico na possibilidade de inculcar determinadas ambiências
necessárias caracterizadoras ora como causa de justificação, ora como causa de
exculpação (Cf. PIRES, André de Oliveira. Estado de necessidade: um esboço à luz
do art. 24 do código penal brasileiro. São Paulo: Juarez de Oliveira, 2000, pp 14-15).
Tendo como substrato dialético um critério estritamente objetivo, a teoria dualista
admite causa justificativa quando o bem preservado for de valor superior ao ofendido.
Nesses casos, o ordenamento jurídico faculta ao agente a pratica lesiva para a
salvação do bem mais valioso, sendo lícita, portanto, a ação praticada nesses termos.
Noutro giro, tal teoria vem a admitir, ainda, a exculpação da prática lesiva, quando
contrária a bens de igual ou inferior ao valor preservado, se do agente não lhe era
exigivel conduta diversa à praticada. Assim, apenas a culpabilidade se torna
afastada, mantendo-se, todavia, a ilicitude do ato, porém, sem juízo de reprovação a
si imputável.
No Brasil, o nosso Código Penal em vigor (1940) não prevê expressamente o estado
de necessidade exculpante, dado que o havia no Código Penal natimorto de 1969
(Decreto-Lei 1.004, de 21.10.1969), baseado no projeto de Nélson Hungria, que teve
sua vigência sucessivamente adiada até sua final revogação (Cf. BATISTA, Nilo.
Concurso de agentes: uma investigação sobre os problemas da autoria e da
participação no direito penal brasileiro. 4a ed. Rio de Janeiro: Lumen Juris, 2008, p.
18); todavia, suprindo tal lacuna, o vigente Código Penal Militar - aplicado no caso por
analogia in bonam partem - adota a teoria diferenciadora explicitamente em seu art.
39, que aduz não ser igualmente culpado quem, para proteger direito próprio ou de
pessoa a quem está ligado por estreitas relações de parentesco ou afeição, contra
perigo certo e atual, que não provocou nem podia de outro modo evitar, sacrifica
direito alheio, ainda quando superior ao direito protegido, desde que não lhe era
razoavelmente, por óbvio, exigível conduta diversa. Em arremate, o estado de
necessidade do art. 39, do CPM, portanto, funciona como excludente de culpabilidade
por inexigibilidade de conduta diversa, (Nesse sentido: CRUZ, Ione de Souza e
MIGUEL, Claudio Amin. Elementos de direito penal militar: parte geral. 2a ed. Rio de
Janeiro: Lumen Juris, 2008, p. 92) não como causa "supralegal" de excludente de
culpabilidade, eis que devidamente prevista na legislação nacional, a ser utilizada,
como já dito, em perfeita analogia in bonam partem obrigatória e vinculante à norma.
Assim, são elementos do estado de necessidade exculpante: 1) o perigo de lesão a um
bem jurídico, próprio ou de parente ou pessoa afeita ao agente; 2) a iminência deste
perigo, que não deve ter sido voluntariamente provocado pelo agente do fato
necessário; 3) inexistência de outro modo de evitar o perigo; 4) sacrifício de direito
alheio igual ou superior ao direito protegido; 5) inexigibilidade de conduta diversa, ou
seja, a não reprovação social do agir sindicado.
É sabido, dessarte, que, nos ditos delitos contra a ordem tributária - mais
especificamente o tipificado no inc. II, do art. 2º, da Lei 8.137/90, a aduzir ser crime
deixar de recolher, no prazo legal, valor de tributo ou de contribuição social,
descontado ou cobrado, na qualidade de sujeito passivo da obrigação tributária e que
deveria recolher aos cofres públicos -, e no famigerado delito de apropriação indébita
de contribuição previdenciária (art. 168-A, CP), por inúmeras vezes o agente não
possui outra conduta a lhe ser exigida, a salvo a mora fiscal ou a omissão temporária
no repasse das contribuições previdenciárias de seus empregados; assim como é
notório, mormente em períodos de grave crise político-econômica e de grandes
dificuldades financeiras de sua atividade empresarial, que o eventual agente poderá
ter de sacrificar provisoriamente as burras públicas, isto é, deixar de recolher tributo
ou contribuição previdenciária quando de seus respectivos vencimentos, a fim de
evitar dispensa de funcionários, atrasos consideráveis nos pagamentos de seus
salários ou, até mesmo, a quebra da sociedade em apuros, ficando, ipso facto,
afastada necessariamente sua culpabilidade, pela incidência do estado de necessidade
exculpante, conforme previsto no art. 39, do CPM, e não como esdrúxula causa
"supralegal" de inexigibilidade de conduta diversa, consoante apregoa aos quadrantes
do Direito a doutrina brasileira em geral, o que daria margem a que o Magistrado
pudesse desconsiderar tal garantia, em prol de um suposto legalismo, decalcado da
sistemática penal hodierna.
Seja como o for, o elemento normativo do tipo "deixar de recolher" tributo ou
contribuição previdenciária, quando de seus vencimentos, é omissão que não possui
juízo de reprovabilidade pelo mero fato de as pessoas juridicas de direito publico,
como sujeitos ativos da relação jurídico-tributária, serem de maior grau de
importância do que o empresário - sujeito passivo da obrigação tributária - em
dificuldades. Porém, é evidente que a situação de fato da crise financeira do
contribuinte em mora deve ser devidamente demonstrada na fase instrutória do
processo, sem o que inexiste a hipótese do estado de necessidade exculpante, a dar o
substrato de licitude à mora do agente.
Logo, deve-se impor a causa exculpante à norma judicante, não como estúpida
tertúlia acadêmica de favores, mas como regra obrigatória do art. 39, do CPM em
vigor.
Membro efetivo do IAB; Doutorando em Ciências Políticas e Relações
Internacionais pelo IUPERJ; Mestre em Direito Tributário pela UCAM;
* O texto publicado não reflete necessariamente o posicionamento do IAB
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