CORPO E O MUNDO DO TRABALHO NA DIALÉTICA DO CIBERESPAÇO Renato Coelho 1 Resumo É a partir da chamada mundialização do capital que se configura o desenvolvimento do ciberespaço como constituição maciça das redes informacionais digitais em escala global, e também como espaço virtual de mediação e de interação das práticas sócio-humanas. É justamente devido ao ciberespaço que podemos caracterizar a vida moderna formada como sociedade em rede, dentro da continuidade de uma sociedade organizada sob a lógica do capital. A internet constitui-se atualmente numa extensão do espaço social propriamente dito, assim como também um novo espaço de fluxos de trocas de mercadorias e de investimentos de capitais, e neste trabalho, além de situarmos historicamente as transformações tecnológicas e informacionais, fruto do desenvolvimento das forças produtivas do trabalho social humano, dentro da chamada IV Revolução Tecnológica sob o mundo do capital, buscaremos também investigar os complexos e dinâmicos processos de sociabilidade humana no chamado ciberespaço e suas implicações sobre o conceito de corporeidade na modernidade atual e também seus impactos no chamado mundo do trabalho. Analisaremos ainda as contradições advindas das relações humanas inseridas dentro do espaço virtual em rede, ora como espaço de reprodução da dinâmica capitalista, da alienação e de negação da subjetividade humana, e ora como ambiente com possibilidades de criação e cooperação social, pois o ciberespaço representa a contradição entre as formas alienadas de interação sócio-humana, característica predominante da (des)socialização do mundo capitalista, e entre novos espaços de antropogênese e de criação e cooperação em redes virtuais. Nesta pesquisa qualitativa, buscaremos compreender através de um estudo de caso, como o convívio no ciberespaço tem contribuído para a intensificação dos processos de socialização e/ou alienação de jovens matriculados numa escola pública estadual de Goiânia. Analisaremos ainda as relações e implicações das redes informacionais no contexto do trabalho docente e seus reflexos quanto à precarização do trabalho. Palavras-chave: trabalho; corpo; ciberespaço. Introdução É a partir da chamada mundialização do capital que se configura o desenvolvimento do ciberespaço, ou seja, a constituição maciça das redes informacionais digitais, espaço virtual de mediação e de interação das práticas sócio-humanas. É justamente devido ao ciberespaço 2 que podemos caracterizar a vida moderna formada como sociedade em rede, 1 Universidade Estadual de Goiás – UnU ESEFFEGO. E-mail: [email protected]. “Um campo de integração difusa e flexível dos fluxos de informações e de comunicação entre máquinas computadorizadas, um complexo mediador entre homens baseado totalmente em dispositivos técnicos, um 2 2 dentro da continuidade de uma sociedade organizada sob a lógica do capital (ALVES, 2002). Ciberespaço como ambiente das ações e interações dos sujeitos sociais organizados, sob a percepção de que as redes que se compõe na sociedade não reinventam, na sua essência, os movimentos sociais, mas certamente lhe conferem outras dimensões culturais, sustentados pela diversidade e amplitude das conexões ensejadas pelas tecnologias da informação e da comunicação, determinantes para a instauração da (ciber)cultura contemporânea (VELLOSO, 2008, p.103). Para Alves (2002) o surgimento do ciberespaço inaugura a chamada IV Revolução Tecnológica, através do desenvolvimento de novas formas tecnológicas informatizadas em rede. E, segundo o mesmo, é sob o contexto do capitalismo moderno, principalmente com as novas máquinas de virtualização, onde se constitui o novo espaço de sociabilidade virtual: o ciberespaço. O ciberespaço é um espaço sócio-virtual, baseado em técnicas informacionais em rede, que, como quaisquer outros espaços sociais criados pelo trabalho social do homem, tais como os espaços urbanos, contribui para desenvolver a interação sócio humana (ALVES, 2002, p.105). A globalização juntamente com a informatização da sociedade tem provocado uma forte tecnização da vida social, ao ponto de colocarem o conhecimento e o saber em posição de destaque e como fonte de valor e poder, provocando fortes mudanças no denominado mundo do trabalho, dentro do contexto histórico capitalista da mudança do modelo taylorista-fordista para o modelo da especialização flexível (MACHADO, 1993). Ora o surgimento do ciberespaço deverá contribuir para a constituição de um novo espaço virtual de fluxos de mercadorias e de capitais, de objetivações imateriais e de produção de subjetividades mais desenvolvidas(ALVES, 2002, p.103). Segundo Monteiro (2007) a Internet constitui-se atualmente numa extensão do espaço social propriamente dito, assim como também, um novo espaço de fluxos de trocas de mercadorias e de investimentos de capitais.Neste trabalho, além de situarmos historicamente as transformações tecnológicas e informacionais, dentro da chamada IV Revolução Tecnológica sob o mundo do capital, propomos também investigar os complexos e dinâmicos processos de sociabilidade humana no chamado ciberespaço, um novo espaço de interação (e de controle) sócio humano criado pelas novas máquinas e seus protocolos de comunicação e que tende a ser a extensão virtual do espaço social propriamente dito”. (ALVES, 2002, p.127) 3 ambiente de interação e comunicação humana na forma virtual e em redes. Tentaremos ainda abarcar as contradições advindas das relações humanas inseridas dentro do espaço virtual em rede, o ciberespaço, como espaço de reprodução da dinâmica capitalista, da alienação e de negação da subjetividade humana, e também como ambiente com possibilidades de criação e cooperação social. Na verdade, é por se desenvolver sob a lógica do capital que o ciberespaço tende a não realizar suas potencialidades humano-genéricas (que aparecem como pressupostos negados). Ocorre uma frustração das promessas antecipadas da técnica que aparecem apenas como aspectos do ser humano genérico(ALVES, 2002, p.117). Para Machado (1993), o mundo capitalista atual tem experimentado um novo padrão internacional de competitividade, provocando redefinições nos sistemas industriais, alterações profundas nas estruturas dos empregos, mudanças nas relações trabalhistas e também na reestruturação nas definições de trabalho qualificado e não qualificado, caracterizando um aumento substancial nos padrões de exploração da classe trabalhadora em escala global. Ainda conforme Machado (1993) as mudanças na organização do trabalho e a introdução de novas tecnologias de gestão e de produção, tem tornado o trabalho mais flexível e integrado, introduzindo novas exigências e novos comportamentos aos trabalhadores, no sentido de otimização de tarefas, aumento de lucros e conseqüentemente maior exploração da força de trabalho humana. Junto à constituição da rede mundial de computadores, a internet, e sua expansão aos diversos setores da sociedade, surgiram empresas, serviços e produtos especificamente voltados aos segmentos ligados às tecnologias da informação, resultando no desenvolvimento de novos processos de trabalho e um mercado consumidor tanto de bens materiais como de bens simbólicos (ditos imateriais). Mais que isso, o advento da internet trouxe consigo formas peculiares de acumulação de capital (MONTEIRO, 2007, p.10). 4 E é justamente dentro das relações de trabalho, no sistema capitalista, onde se deflagra a espoliação do homem através da racionalização científica das práticas corporais, do controle dos gestos e do tempo, da cooptação do pensamento, e conseqüentemente a “captura” da subjetividade do trabalhador no ambiente fabril. No fordismo observamos que houve uma tendência clara de separação entre corpo e mente, sendo o corpo humano reduzido a apenas apêndice da máquina-ferramenta, e “mobilizado e capturado” para as tarefas mecânicas e rotinizadas nas fábricas, pautado numa lógica de racionalização do trabalho. Os automatismos corpóreos se transformavam em hábitos espontâneos através da coação e da imposição da violência (MACHADO, 2002). A figura humana era fragmentada no interior da linha de produção de mercadorias, onde o cérebro se “separa” do corpo, reduzindo as operações produtivas a um aspecto “físico-maquinal”. Assim sendo, podemos analisar as experiências sócio-psicológicas sobre a representação e imagem corporal (subjetividade) dentro dos processos de organização produtiva de trabalho, seja no sistema taylorista-fordista ou toyotista, tentando captar assim as concepções, implicações e as determinações sobre a formação da subjetividade do trabalhador no contexto do mundo capitalista globalizado. Ainda na atual mundialização do capital (CHESNAIS, 1996), onde a reprodução social se dá através do chamado complexo de reestruturação produtiva, com seus processos de acumulação flexível, ocorre uma nova recomposição da linha produtiva articulada com dispositivos tayloristas-fordistas, o chamado toyotismo(leanproduction), que tem como características principais o apelo à administração participativa (trabalho em equipe), programas de gerenciamento de qualidade total, introdução de novas tecnologias, as terceirizações e a captura da subjetividade do trabalhador, exigindo a integração do pensamento aos objetivos da produção de mercadorias, criando uma nova e mais cruel subsunção do trabalho vivo à lógica do capital (ALVES, 2000). O toyotismo inaugura uma nova hegemonia do capital no “chão da fábrica” através de uma exigência maior na dimensão intelectual dentro das atividades laborais, “capturando” a subjetividade do trabalhador através do seu maior envolvimento cognitivo no trabalho, integrando de forma anacrônica e problemática a relação corpo-mente, gerando uma falsa conexão pisicofísica como meio de reprodução e legitimação dos interesses do capital que recria uma corporeidade fragmentada e descontínua (ALVES, 2005). A categoria subjetividade pressupõe o sujeito autônomo, constituído a 5 partir do processo histórico da modernidade capitalista. Mas o sujeito autônomo é uma ficção burguesa. É uma promessa civilizatória frustrada pelo capital. O que significa que estamos diante de uma processo histórico-dialético intrinsicamente contraditório: o capitalismo em seu devir histórico, como sistema social produtor de mercadorias, constitui (e, ao mesmo tempo desconstitui) o sujeito humano autônomo. Ao mesmo tempo em que criou as bases materiais para o pleno desenvolvimento da individuação social, limitou e obliterou esse próprio desenvolvimento humano-genérico (ALVES, 2006, p.20). A unidade pisicorporal do toyotismo representa uma promessa frustrada do capital, a chamada compressão psicocorporaltoyotista, significa uma tentativa fracassada do capitalismo moderno em reconstruir a subjetividade do trabalhador, outrora perdida nas linhas de montagem fordista, criando assim um simulacro humano dentro das fábricas, uma integração corporal anacrônica e ainda descontínua, cujo objetivo é de apenas dispor este mesmo corpo, agora de forma total, aos interesses e às altas exigências do capital atual (ALVES, 2005). Observamos assim que sendo as principais características laborais humanas na modernidade capitalista a alienação e a transformação da força de trabalho em mercadoria, logo teremos também uma subjetividade humana alienada e fetichizada. Assim como Monteiro (1999), não queremos com este trabalho tentar negar o desenvolvimento do processo humano civilizatório através dos avanços da ciência e da tecnologia, refletidos hoje nas formas de interação virtual em rede, mas destacar que a lógica do mercado, do lucro e da propriedade privada, obliteram o pleno desenvolvimento das potencialidades humanas, negando o seu caráter genérico. Em síntese, as mesmas tecnologias que ampliaram notavelmente as possibilidades de emissão, acesso e distribuição de informação tornam-se eficientes instrumentos de controle (e poder) que se confundem com a própria “paisagem” do ciberespaço tornando explícita a promessa frustrada (e reprimida) do pós-máquina e da mediação plena de uma sociabilidade mais genericamente humana e auto-determinada. (MONTEIRO, 1999) Objetivos Objetivo Geral Discutir sobre os processos contraditórios de sociabilidade humana mediados por tecnologias virtuais em rede dentro do mundo capitalista globalizado. Objetivos Específico 6 • Analisar a (des)construção da sociabilidade/subjetividade humana dentro das chamadas relações virtuais em rede; • Investigar as implicações do desenvolvimento das tecnologias virtuais dentro do chamado mundo do trabalho; • Avaliar os processos de fetichização e alienação das relações humanas através das redes virtuais; • Compreender a apropriação contraditória do ciberespaço pelo capital como sistema de reprodução sócio-metabólico; • Estudar dentro das relações virtuais em rede, quaisos conceitos e valores construídos sobre corpo. Metodologia Neste trabalho, ainda em andamento, através de uma abordagem materialista histórico dialética, buscaremos realizar uma crítica da sociedade e do capitalismo moderno, tentando abarcar suas contradições sociais e também o rompimento de leituras e visões de mundo lineares e mecânicas de influência do pensamento positivista. Construiremos uma pesquisa do tipo qualitativa, onde a ênfase se dá ao processo e não simplesmente nos resultados ou produtos, através de uma abordagem direcionada a significados, motivos, valores e atitudes, e que não se traduzem de forma linear, em números ou ainda em apenas indicadores quantitativos, mas que enfatiza os processos sociais, mediante o contato direto, dialógico e interativo com a situação a ser pesquisada (MINAYO, 2007). Buscar-se-á também a compreensão dos fenômenos relacionados às relações humanas construídas dentro de espaços virtuais em redes (ciberespaço), tentando elencar as características desses processos contraditórios de (des)construção da subjetividade e sociabilidade humana envolvidas nestes ambientes virtuais. 7 Nesta pesquisa realizaremos um estudo de caso (TRIVINOS, 1987), através de um recorte temporal e espacial sobre o fenômeno a ser estudado, no caso, as influências das relações virtuais em rede dentro de uma comunidade escolar de Goiânia, com o intuito de realizar uma descrição e análise dos sujeitos envolvidos no contexto do ciberespaço, buscando compreendercomo o convívio no ciberespaço tem contribuído para a intensificação dos processos de (des)socialização e alienação dos sujeitos inseridos nesta escola pública estadual de Goiânia. O estudo de caso é caracterizado pela interpretação de dados dentro do contexto em que eles acontecem, faz-se uma busca constante de novas respostas e indagações utilizando uma variedade de fontes de informação, permitindo também a possibilidade de generalizações sobre o objeto de estudo. Sendo assim, esta pesquisa será construída perfazend as seguintes fases: 1. Exploratória, onde se focalizará quais serão as fontes de dados necessários; 2. Delimitação do estudo, na qual se determinará o foco da investigação e onde se realizará a coleta dos dados; 3. Análise dos Dados e Elaboração do Relatório, onde se buscará estabelecer um movimento entre a teoria e a prática (COUTO, 2007). Serão realizadas entrevistas semi-estruturadas com alunos, funcionários e também com professores que fazem parte desta comunidade escolar localizada na cidade de Goiânia. REFERÊNCIAS ALVES, G. Dialética do Ciberespaço: trabalho, tecnologia e política no capitalismo global. Bauru; editora Document Arminda, 2002. _________. O Novo (e precário) Mundo do Trabalho: reestruturação produtiva e crise do sindicalismo. São Paulo: Boitempo Editora, 2000. _________. Trabalho, Corpo e Subjetividade: Toyotismo e Formas de Precariedade no Capitalismo Global. Revista Trabalho, Educação e Saúde, v.03, n.02, p. 409-428, 2005. _________. Trabalho, Subjetividade e Lazer: estranhamento, fetichismo e reificação no capitalismo global In: PADILHA, V. Dialética do Lazer. São Paulo: Cortez, 2006. CHESNAIS, F. A Mundialização do Capital. São Paulo: Xamã, 1996 CHIZZOTTI, A. Pesquisa em Ciencias Humanas e Sociais. São Paulo: Cortez, 2000. COUTO, N. S. O faz-de-conta como atividade promotora de desenvolvimento infantil e algumas contribuições acerca de suas implicações para o aprender a ler e escrever. 8 2007. Dissertação (Mestrado em Educação). Universidade Estadual Paulista, UNESP, Marília. 2007. MACHADO, J.A.S. 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