Fundamentos de Direito Penal 229 § 12 – CLASSIFICAÇÕES DAS FONTES DE DIREITO PENAL Leandro Ayres França1 Fernanda Guerra Drummond2 Sumário: 1. Referência Jurisprudencial. 2. O Caso. 3. Os Fundamentos da Decisão. 4. Problematização. 5. Referências. 1 REFERÊNCIA JURISPRUDENCIAL Corte Interamericana de Direitos Humanos – Caso Gomes Lund e outros (“Guerrilha do Araguaia”) vs – Brasil – Juiz Presidente Diego García-Sayán, com voto fundamentado do Juiz ad hoc Roberto de Figueiredo Caldas – j. em: 24.11.2010. 2 O CASO Em decorrência da morosidade das investigações oficiais de buscas dos corpos das vítimas da Guerrilha no Araguaia3, o Centro de Justiça e Di1 2 3 Mestrando do Programa de Pós-Graduação em Ciências Criminais pela Pontifícia Universidade Católica do Rio Grande do Sul. Pesquisador do Grupo de Pesquisa Modernas Tendências do Sistema Criminal. Advogado e escritor. Graduada pela Universidade Federal do Paraná; e pós-graduanda pela Associação Brasileira de Direito Constitucional – ABDConst. Pesquisadora do Grupo de Pesquisa Modernas Tendências do Sistema Criminal. Assessora Jurídica do Ministério Público do Paraná. “Em meio à fase de exceção estabelecida no Brasil durante a ditadura, por volta de 1972, um dos grupos de resistência armada, dirigido pelo Partido Comunista do Brasil (PCdoB), e contando com cerca de 70 pessoas, fazia seu treinamento na região de São João do Araguaia, no estado do Pará. (...), entre abril de 1972 e janeiro de 1975, um contingente entre 3 mil e 10 mil representantes das Forças Armadas e da polícia militar ocuparam a região, dizimando a resistência, no episódio que ficou conhecido como a Guerrilha do Araguaia. / Conforme relatórios sobre o Direito à Memória e à 230 Leandro Ayres França e Fernanda Guerra Drummond reito Internacional (CEJIL), em conjunto com a Human Rigths Watch – Americas, interpôs, em 07.08.1995, uma demanda para a Corte Interamericana de Direitos Humanos (CIDH), em representação aos familiares dos desaparecidos. A Corte Interamericana foi suscitada para que realizasse um controle de convencionalidade da Lei da Anistia (Lei 6.683/1979): questionava-se a compatibilidade da referida lei com as obrigações internacionais do Brasil contidas na Convenção Americana4. Note-se que o pleito não solicitava que a CIDH realizasse um exame de constitucionalidade da Lei da Anistia – questão de direito interno brasileiro –, sequer se pretendeu que a CIDH revisasse o julgamento do Supremo Tribunal Federal na Arguição de Descumprimento de Preceito Fundamental (ADPF) 153 – vez que, quando da apresentação da demanda, sequer haviam sido emitidos os votos dos Ministros5. 4 5 Verdade (referidos pela CIDH na sentença), a partir de 1973, sob o comando do General Médici, a repressão à Guerrilha do Araguaia se intensificou, sendo que a ordem oficial ‘passou a ser a eliminação dos capturados’. Por volta de 1974, segundo o informe, já não havia mais guerrilheiros no Araguaia; existem muitos relatórios que indicam que seus corpos foram desenterrados e queimados, ou então atirados nos rios da região: ‘o governo militar impôs silêncio absoluto sobre os acontecimentos do Araguaia e proibiu a imprensa de divulgar notícias sobre o tema, enquanto o exército negava a existência do movimento’ ”. (FRANÇA, Leandro Ayres; OLIVEIRA, Roberta Cunha de. Quando o dia raiou sem pedir licença: a responsabilização internacional do Estado brasileiro pelos atos cometidos contra seus inimigos na Guerrilha do Araguaia (1972-1975). In: FRANÇA, Leandro Ayres (Org.). Tipo: Inimigo. Curitiba: FAE Centro Universitário, 2011.) O direito de não ser submetido a um desaparecimento forçado, decorrente dos arts. 3º, 4º, 5º e 7º; o direito à proteção judicial e às garantias judiciais relativos ao esclarecimento dos fatos e à determinação das responsabilidades individuais por esses mesmos fatos, decorrentes dos arts. 8º e 25; todos da Convenção Americana. Conforme previsão dos art. 102, § 1º, da Constituição da República, e do art. 1º da Lei 9.882/99, a ADPF é a ação por via da qual se suscita a jurisdição constitucional abstrata e concentrada do Supremo Tribunal Federal para evitar ou reparar lesão a preceito fundamental resultante de ato do Poder Público. Na ADPF 153, o Conselho Federal da Ordem dos Advogados do Brasil questionou o teor do § 1º do art. 1º da Lei 6.683/79: “Art. 1º. É concedida anistia a todos quantos, no período compreendido entre 02.09.1961 e 15.08.1979, cometeram crimes políticos ou conexo com estes, crimes eleitorais, aos que tiveram seus direitos políticos suspensos e aos servidores da Administração Direta e Indireta, de fundações ligadas ao poder público, aos Servidores dos Poderes Legislativo e Judiciário, aos Militares e aos dirigentes e representantes sindicais, punidos com fundamento em Atos Institucionais e complementares. § 1º Consideram-se conexos, para efeito deste artigo, os crimes de qualquer natureza relacionados com crimes políticos ou praticados por motivação política”. Até o termo da redação deste artigo, a decisão não transitou em julgado, uma vez que o arguente interpôs Embargos de Declaração (13.08.2010) e apresentou relevante fato novo (23.03.2011) a ser apreciado pela corte: a juntada da sentença proferida pela Corte Interamericana de Direitos Humanos. Fundamentos de Direito Penal 3 231 OS FUNDAMENTOS DA DECISÃO Ao recordar que o art. 27 da Convenção de Viena sobre o Direito dos Tratados de 1969 estabelece que os Estados não podem, por razões de ordem interna, descumprir obrigações internacionais, a CIDH explicou as consequências das obrigações convencionais dos Estados: Este Tribunal estabeleceu em sua jurisprudência que é consciente de que as autoridades internas estão sujeitas ao império da lei e, por esse motivo, estão obrigadas a aplicar as disposições vigentes no ordenamento jurídico. No entanto, quando um Estado é Parte de um tratado internacional, como a Convenção Americana, todos os seus órgãos, inclusive seus juízes, também estão submetidos àquele, o que os obriga a zelar para que os efeitos das disposições da Convenção não se vejam enfraquecidos pela aplicação de normas contrárias a seu objeto e finalidade, e que desde o início carecem de efeitos jurídicos. O Poder Judiciário, nesse sentido, está internacionalmente obrigado a exercer um ‘controle de convencionalidade’ ex officio entre as normas internas e a Convenção Americana, evidentemente no marco de suas respectivas competências e das regulamentações processuais correspondentes. Nessa tarefa, o Poder Judiciário deve levar em conta não somente o tratado, mas também a interpretação que a ele conferiu a Corte Interamericana, intérprete última da Convenção Americana6. Uma vez que o Brasil internalizou a Convenção Americana em 1992, tendo reconhecido a competência contenciosa da CIDH em 10.12.1998, a Corte Interamericana era competente para conhecer e julgar o pedido de controle de convencionalidade. Em sua decisão, a CIDH reconheceu que o regime militar implantado no Brasil foi responsável por práticas sistemáticas de detenções arbitrárias, torturas, execuções e desaparecimentos forçados perpetrados pelas forças de segurança do governo militar. E, em específico, que o extermínio ocorrido no episódio da Guerrilha do Araguaia fez parte de um padrão de repressão, perseguição e eliminação sistemática e generalizada da oposição política do regime ditatorial. Comprovou-se perante a Corte Interamericana que as vítimas dessa operação estiveram sob custódia – isolada e incomunicável – do Estado em algum momento antes de seus desaparecimentos. E que essas mesmas vítimas foram torturadas durante a custódia, conforme o “modus operandi seguido pelos agentes estatais nas detenções da região, bem como em outros desaparecimentos forçados e prisões de opositores políticos no Brasil”7. 6 7 CORTE INTERAMERICANA DE DIREITOS HUMANOS. Caso Gomes Lund e outros (“Guerrilha do Araguaia”) vs. Brasil. p. 65-66 (da sentença). CORTE INTERAMERICANA DE DIREITOS HUMANOS. Caso Gomes Lund e outros (“Guerrilha do Araguaia”) vs. Brasil. p. 31 (da sentença). Adquira já o seu exemplar! Fundamentos de Direito Penal Organizador: Paulo César Busato ISBN: 978853624289-7 Número de Páginas: 306 R$ 79,90 * Preço sujeito à alteração sem aviso-prévio Encontre esta obra nas melhores livrarias ou faça seu pedido! (41) 3352-1200 - [email protected] www.jurua .com.br