Tailândia e o 12º Golpe Militar em menos de um século Paulo D. Watanabe Desde novembro de 2013, as ruas da capital tailandesa, Bangkok, foram tomadas por manifestações contrárias ao governo de Yingluck Shinawatra. Tais manifestações foram centralizadas nas ruas da metrópole tailandesa, tomando rumos imprevisíveis. Em 22 de maio de 2014, o comandante do exército, Prayut Chan-Ocha, anunciou, ao vivo em rede nacional, que uma junta militar havia assumido o controle do Estado. Essa foi a 12ª tomada de poder pelos militares desde o fim da monarquia absolutista em 1932. Atualmente, a Tailândia possui uma monarquia constitucional. Yingluck Shinawatra, do partido Pheu Thai, foi a primeira mulher eleita para ocupar o cargo de primeira-ministra, em agosto de 2011, apoiada por seu irmão, o bilionário e expremiê, Thaksin Shinawatra. Thaksin foi primeiro-ministro do país de 2001 a 2006, quando foi deposto por um golpe militar, acusado de estar envolvido em esquemas de corrupção. Contudo, Thaksin contava com o apoio das camadas mais pobres e rurais do país, sendo popular por ter trazido grandes conquistas sociais. Após o golpe, Thaksin foi julgado e condenado a dois anos de prisão, mas atualmente se encontra exilado. Yingluck, empossada democraticamente, sofria uma grande pressão da oposição. Era freqüentemente acusada de criar um governo fantoche de seu irmão, uma vez que não tinha nenhuma experiência na política. Yingluck sempre negou qualquer tipo de dependência, apesar de nunca ter escondido sua ligação com Thaksin. Os protestos tiveram início no final de 2013, quando Yingluck tentou aprovar uma lei de anistia que beneficiaria seu irmão. Nesse momento, a oposição criou um discurso contrário ao ato da premiê, conseguindo uma grande adesão da classe média-alta de Bangkok. A partir disso, as manifestações não cessaram: os manifestantes passaram a exigir a renúncia da governante, ocupando ruas, estradas e prédios públicos. Mesmo diante da grande pressão, Yingluck nunca assumiu qualquer responsabilidade pela situação política. Ao mesmo tempo em que queriam tirá-la do poder, havia uma parcela considerável da população que a defendia. Os apoiadores de Thaksin, conhecidos como “Camisas Vermelhas” iriam às ruas em nome da democracia e em defesa do governo Shinawatra. Yingluck chegou a vencer uma moção de censura no Parlamento no final do ano, ratificando o apoio do seu partido sobre ela. Aberta ao diálogo, Yingluck concordou em convocar eleições em fevereiro, tendo grandes chances de seu partido vencer novamente. Contudo, houve um considerável boicote às eleições, em que muitos eleitores foram impedidos de votar. Isso levou o Tribunal Constitucional da Tailândia a anulá-las, aumentando tensões entre a população e o governo, que postergou as eleições. No dia 07 de maio de 2014, Yingluck foi surpreendida pela decisão do Tribunal Constitucional. A Corte julgou que ela abusara de sua autoridade durante seu mandato e que, por isso, deveria ser retirada do cargo. Em resposta, Yingluck se declarou inocente de todas as acusações, e reafirmou seu compromisso com a democracia, aceitando deixar o cargo. Prontamente, o partido nomeou Niwattumrong Boonsongpaisan como PrimeiroMinistro, que continuou sendo alvo de protestos e descontentamentos da oposição, mas negava renunciar. No dia 20 de maio, poucos dias após a queda de Yingluck, os militares tailandeses, pautados em uma antiga lei que previa a intervenção militar em épocas de crises, declararam a Lei Marcial, alegando que algumas restrições eram necessárias para preservar a lei e a ordem no país, uma vez que o governo e a oposição não chegavam a nenhum acordo a fim de acabar com os protestos que se tornaram violentos. Ainda, afirmaram que não se tratava de um golpe e que não havia necessidade de pânico, uma vez que o governo ainda respondia pelo Estado. Niwattumrong Boonsongpaisan declarou que não havia sido consultado sobre a Lei Marcial, acusando os militares de terem realizado um “Golpe de Estado Parcial”. Poucas horas mais tarde, aproximadamente às 17h do dia 22 de maio de 2014, Prayuth Chan-Ocha, comandante do Exército Tailandês, transmitiu ao vivo em rede nacional um pronunciamento de que as Forças Armadas haviam tomado o controle do Estado, a fim de restaurar a ordem no país. Prayuth Chan-Ocha afirmou que tentou uma negociação entre os dois lados, contudo, sem sucesso. Assim, foi decidida a intervenção militar. Houve um rompimento da ordem constitucional, instaurando-se um toque de recolher, proibindo-se manifestações, aglomerações, a mídia foi censurada, inclusive, as redes internacionais como CNN e BBC foram proibidas de transmitir. Além disso, a junta militar convocou o então Primeiro-Ministro e outros membros do governo para se apresentarem aos militares, incluindo a ex-premiê, Yingluck Shinawatra. A ex-premiê se apresentou às autoridades militares no dia seguinte ao golpe, mas foi liberada três dias mais tarde. Nas primeiras horas do governo, os militares emitiram ordens e anúncios repetidamente nos meios de comunicação. Um deles afirmava que Prayuth Chan-Ocha seria o novo Primeiro Ministro em exercício, comandando a junta militar, nomeada Conselho Nacional para a Manutenção da Paz e da Ordem. No dia 26 de maio, o Rei Bhumibol Adulyadej aprovou o novo governo militar, que dissolvera o Senado, assumindo as funções legislativas. Não há nenhuma previsão da restauração da ordem constitucional ou de eleições. Prayuth, ao receber o aval formal da Casa Real, declarou que irá utilizar a força para impedir manifestações contrárias ao novo governo, a fim de garantir a ordem e a lei. Qualquer um que atentar contra será julgado por instâncias militares. Ainda, Prayuth ameaçou o retorno dos “dias anteriores”, em que havia a violência generalizada nas ruas, caso não sejam obedecidas as ordens e as determinações da Junta Militar. A deposição do governo, que foi eleito, teve uma rápida repercussão internacional. No mesmo dia, diversos países se manifestaram contrários ao Golpe, inclusive as grandes potências, como França, Alemanha e Japão. O Secretário Geral da Organização das Nações Unidas (ONU), Ban Ki-moon, lamentou o ocorrido e pediu pelo rápido retorno da ordem constitucional. O Secretário de Estado dos Estados Unidos, John Kerry, anunciou que não havia justificativa para o golpe e que teme pelos direitos humanos naquele país, e prometeu rever a assistência prestada pelos EUA. Após o Golpe, o Pentágono anunciou o cancelamento de exercícios militares conjuntos com os militares tailandeses até que haja o retorno da democracia. Um dia após o golpe, o Brasil, por meio do Ministério das Relações Exteriores, se manifestou preocupado com os acontecimentos, esperando que a ordem constitucional seja restabelecida num quadro de paz. Não há mais garantias de direitos individuais. As manifestações contra o golpe estão surgindo em todos os lados do país. Algumas já foram dissolvidas e reprimidas. Antes, em novembro de 2013, o povo de Bangkok gritava por um “golpe do povo”, em que um novo líder seria empossado, de acordo com a vontade popular. Agora, o povo grita pela devolução do poder. Enfim, antes, o desafio era marcar novas eleições, conforme a vontade dos dois lados. Agora, além das novas eleições, o desafio é lidar com um Estado repressor, que está disposto a neutralizar qualquer ameaça, inclusive acadêmicos e jornalistas em território tailandês. O que levou ao golpe? Segundo Prayuth Chan-Ocha, a tomada de poder pelos militares foi causada pelas manifestações, que atentaram contra a ordem do país. Então, os exercícios da cidadania e da democracia são responsáveis pelo rompimento constitucional e pela imposição de uma ordem repressora? Para Prayuth Chan-Ocha, sim. Infelizmente.