INTENSIVO
Disciplina: Direito Civil
Tema: Direito de Família IV – Casamento espírita
Prof.: Pablo Stolze Gagliano
Data: 18/01/2007
Casamento celebrado em centro espírita: possibilidade legal de atribuição de efeitos civis
http://jus2.uol.com.br/pecas/texto.asp?id=659
Parecer emitido em mandado de segurança em trâmite na Bahia, o qual considera possível o registro civil
de casamento celebrado em centro espírita. O parecer recebeu parecer favorável do Ministério Público
(promotor José Edivaldo Rocha Rotondano e procurador-geral de Justiça Carlos Frederico Brito), tendo
sido também acolhido pelo voto da relatora (desembargadora Ruth Pondé Luz).
Elaborado por Dalmo de Abreu Dallari, jurista, professor da Faculdade de Direito da Universidade de
São Paulo, membro da Comissão de Justiça e Paz da Arquidiocese de São Paulo, da Associação Brasileira
de Juristas Democratas e do Instituto dos Advogados de São Paulo.
CASAMENTO CELEBRADO EM CENTRO ESPÍRITA
Possibilidade Legal de Atribuição de Efeitos Civis
Recusa da Autoridade Cartorária
Mandado de Segurança nº 34739.8/05, de Salvador
Opinião Jurídica
Um casal nubente decidiu que em lugar da realização do casamento num Cartório do Registro
Civil iria realizá-lo num Centro Espírita, perante a autoridade religiosa reconhecida pela respectiva comunidade. Realizado o casamento, foi solicitado seu registro no registro civil próprio, para que produzisse
efeito civil. Entretanto, a autoridade cartorária recusou o registro, alegando que o casamento em Centro
Espiríta não atendia ao requisito legal de casamento religioso.
Examinando as disposições constitucionais e legais aplicáveis ao caso, deve-se ressaltar, desde
logo, que desde a primeira Constituição republicana brasileira, de 1891, o Brasil é um Estado leigo, não se
admitindo religião oficial. A par disso, é princípio fundamental a igualdade de todos perante a lei, o que
significa, desde logo, que nenhuma religião poderá gozar de privilégios em relação às demais. O que for
permitido ou proibido a uma deverá aplicar-se igualmente a todas. Outro ponto importante que deve ser
considerado é que a Constituição assegura expressamente a liberdade religiosa, incluindo-se aí o direito
de escolher uma religião e de participar dos cultos religiosos. Reforçando a consagração da liberdade da
liberdade de crença e de realização de cultos, a Constituição proíbe expressamente qualquer discriminação
baseada em motivo de crença religiosa.
Embora exista uma discussão teórica a respeito da diferenciação entre religião e seita religiosa, a
legislação brasileira não define religião e não trata dessa diferenciação, o que deixa para as autoridades
públicas a discrição para decidir se determinado grupo religioso caracteriza ou não uma religião. Em caso
de dúvida, a decisão final caberá ao Poder Judiciário, que deverá decidir tendo em conta as circunstâncias
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concretas do caso que lhe for submetido. A discussão sobre a caracterização de um grupo social como
religião pode assumir grande importância em determinados casos, sendo interessante lembrar que há várias décadas um Tribunal dos Estados Unidos recusou o pedido de um grupo de pessoas que dizia ter fundado uma nova religião que incluía em seu ritual o uso de maconha em comunidade. Nessa mesma linha,
a Suprema Corte dos Estados Unidos deverá decidir agora o caso de um pequeno grupo do Novo México,
que pretende ser reconhecido como congregação religiosa e obter autorização para usar no ritual do culto
o chá alucinógeno de ayahuasca. No Brasil, tem-se notícia de que desde 1999 está em curso no Judiciário
uma pretensão semelhante, externada por um grupo que se denomina Centro Espírita União do Vegetal,
não havendo ainda uma decisão.
Entretanto, no caso em exame nada disso tem influência, pois além de ser muito antigo no Brasil
o reconhecimento social do espiritismo como religião, esse reconhecimento está formalmente expresso em
documentos oficiais. Assim é que na tabela das religiões brasileiras usadas pelo Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística - IBGE no censo de 2002 constam quinze religiões e mais quatro grupos religiosos,
sendo expressamente referida, entre as religiões do povo brasileiro, a "religião Espírita". Não há dúvida,
portanto, de que no Brasil o espiritismo é reconhecido como uma das religiões tradicionais.
Considerando agora a questão do ponto de vista legal, o ponto de partida é o fato de que o Código Civil Brasileiro, fixando as normas legais sobre o casamento, dispõe sobre os requisitos para a validade
do casamento e estabelece a exigência de um processo prévio de habilitação, perante a autoridade pública, dispondo que após a celebração deverá ser feito o registro na repartição pública competente. No artigo
1515 do Código Civil, encontra-se a seguinte disposição: "o casamento religioso, que atender às exigências da lei para a validade do casamento civil, equipara-se a este, desde que registrado no registro próprio, produzindo efeitos a partir da data de sua celebração."
Note-se que a expressão da lei é "casamento religioso", sem especificar religiões e sem estabelecer requisitos quanto a estas. A expressão é genérica, o que significa que, verificando o atendimento dos
requisitos que seriam necessários para a validade do casamento realizado perante a autoridade pública, o
casamento celebrado perante autoridade religiosa produzirá os mesmos efeitos. O próprio artigo 1515
prevê o registro do casamento religioso no registro próprio, o que significa que a autoridade encarregada
dos registros de casamento deverá registrar também o casamento religioso.
Pode ocorrer que a autoridade cartorial tenha dúvidas quanto à caracterização do ato como casamento religioso e nesse caso deverá solicitar informações precisas, deixando a decisão para o Poder Judiciário se mesmo depois de obtidas todas as informações ainda subsistir dúvida. No caso presente, entretanto, a recusa da autoridade cartorária foi equivocada, se tiver sido baseada apenas na dúvida quanto à
aceitação do espiritismo como religião. A recusa terá sua razão de ser se tiver sido motivada por outra
causa, como, por exemplo, a falta de esclarecimento ou a dúvida quanto ao cumprimento de algum requisito legal para que os mesmos nubentes pudessem realizar o casamento perante a autoridade pública.
Seria também razoável a recusa se a celebração religiosa incluísse alguma prática vedada por lei, como,
por exemplo, o uso de alucinógeno ou qualquer droga proibida. O relatório da ilustre Desembargadora, no
Mandado de Segurança em curso, limita-se a consignar que o casamento foi celebrado num Centro Espírita e que, "de posse do termo da realização do casamento, a autoridade cartorária recusou o registro, parecendo, pelo conjunto da documentação, que a dúvida do cartorário foi quanto a validade jurídica de uma
cerimônia realizada perante autoridade religiosa e não autoridade pública, não ficando claro se essa dúvida também ocorreria se fosse outra a religião".
Quanto a este ponto, cabe observar que o Código Civil abriu exceção para o casamento religioso
para permitir dispensa da presença da autoridade pública nessa hipótese. Esse é o sentido de "casamento
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religioso". Seria desnecessário e inútil introduzir na lei uma exceção para dizer que o casamento pode ser
celebrado num templo religioso, desde que presidido por autoridade pública, pois já faz parte das antigas
práticas brasileiras a realização de casamento por autoridade civil fora dos cartórios, seja em residências,
clubes ou em outros locais, sendo clássica a advertência dos civilistas de que, nesse caso, o único pormenor formal que deve ser observado é que as portas e janelas fiquem abertas, para deixar assinalado o
caráter público da celebração. Nessa linha, poderia se realizado o casamento no interior de um templo
religioso, sem necessidade de abrir na lei uma exceção. O que isso deixa evidente é que a expressão "casamento religioso" não se refere apenas ao local de celebração, mas à sua realização segundo o ritual religioso. A única exigência da lei para o uso dessa exceção é que sejam observados os requisitos legais
para o casamento e que se faça depois o registro em cartório, no registro próprio. Nesses casos, a autoridade religiosa substitui a autoridade pública, sendo sabido que toda religião reconhece alguma espécie de
autoridade com atribuições religiosas e administrativas.
Em síntese, o que se pode concluir é que o casamento realizado num Centro Espírita, perante a
autoridade reconhecida pela comunidade, tem validade jurídica e se equipara ao casamento celebrado
perante autoridade pública, devendo ser registrado no registro próprio. A única exigência do Código Civil
para essa validade é que tenham sido observados os requisitos legais para o casamento. Se tiverem sido
observados esses requisitos e se o casamento tiver sido realizado perante a autoridade religiosa reconhecida pela comunidade respectiva, a recusa da autoridade cartorária a efetuar o registro foi equivocada e
não deverár subsistir. Essa é a minha opinião quanto aos aspectos jurídicos da questão.
São Paulo, 04 de Novembro de 2005.
Prof. Dr. Dalmo de Abreu Dallari
Ministério Público entende que casamento em centro espírita pode ter efeitos civis
O Ministério Público da Bahia entendeu que a negação de efeitos civis a casamento realizado em centro
espírita violaria os valores constitucionais da dignidade da pessoa humana e da liberdade religiosa, azudindo que, como o Brasil é um Estado laico, não poderia recusar efeitos civis a casamentos celebrados por
líderes de qualquer religião ou crença.
Elaborado por José Edivaldo Rocha Rotondano, Procurador de justiça do Ministério Público do Estado
da Bahia.
Processo N° 34739-8/2005 – Mandado de segurança
PARECER nº. 7540/2005
EMENTA: MANDANDO DE SEGURANÇA. CASAMENTO RELIGIOSO ESPÍRITA. AUTORIDADE OU
MINISTRO RELIGIOSO. POSSIBILIDADE. PRINCÍPIO DA DIGNIDADE DA PESSSOA HUMANA E LIBERDADE
RELIGIOSA. INADMISSIBILIDADE DA INTERVENÇÃO DO AMICUS CURIAE.
1. A figura jurídica do Amicus Curiae é instituto típico da modalidade de controle concentrado de
constitucionalidade, portanto inapropriada em sede de mandamus;
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2. A celebração de casamento religioso realizado por líder espírita encontra perfeita consonância
com o princípio constitucional da dignidade da pessoa humana;
3. A fé, algo maior que a religião, é o bem protegido pelos valores constitucionais da liberdade de
culto e crença;
4. Ordem que merece ser concedida.
1. DO FATO
Maneja-se MANDADO DE SEGURANÇA impetrado por..................e....................., já qualificados
nos autos, contra ato da CORREGEDORA-GERAL DO TRIBUNAL DE JUSTIÇA DO ESTADO DA BAHIA e...,
que reputam ilegal, inconstitucional e violador de direito líquido e certo.
Em razões expostas na exordial, às fls. 02 usque 06 dos autos, os Impetrantes sustentam que o
ato coator consistiu na decisão que indeferiu o requerimento para se proceder ao registro civil do casamento religioso de ambos, realizado no dia 02 de julho de 2005, no Centro Espírita Cavaleiros da Luz,
nesta cidade.
Aduzem que cumpriram todos os trâmites legais exigidos para a realização da cerimônia religiosa.
Contudo, o devido registro civil lhes foi negado, sob o argumento de não ter o ato sido celebrado perante
autoridade ou ministro religioso, conforme determina a lei.
Pretendem comprovar a violação a direito líquido e certo apresentando cópia do decisum publicado no Diário do Poder Judiciário do dia 5 de julho de 2005 e anexado aos autos à fl. 09, onde consta o
seguinte: "Acolho, pois, o opinativo da Douta Juiza Corregedora e INDEFIRO o requerimento do Presidente
do Centro Espírita Cavalheiros da Luz, José Alberto Lima Medrado, pelos argumentos expendidos.".
Os Impetrantes alegam que a decisão ora impugnada fere frontalmente os direitos e garantias
fundamentais individuais secundados na liberdade religiosa e assegurados na Constituição da República
Federativa do Brasil, de 1988 – CF/88, bem como na Declaração Universal dos Direitos Humanos, de
1948.
Suscitam, ainda, precedente ocorrido em 24 de novembro de 1989, nesta capital, quando foi celebrado casamento religioso espírita com efeito civil devidamente registrado.
Pugnam pela concessão de liminar que visa suspender o prazo legal de 90 (noventa) dias para o
registro do matrimônio religioso até o julgamento final do writ.
Por fim, no mérito, argumentam que não haveria no ordenamento jurídico pátrio qualquer óbice a
impedir a realização de casamento religioso espírita, devendo ser concedida a segurança autorizando o
registro civil do matrimônio dos Impetrantes.
Instruíram a inicial os documentos de fls. 07/65.
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A Relatora deferiu a segurança liminar, às fls. 69 e 70, destinada a suspender o prazo de registro
em cartório.
Às fls. 75 usque 82, o Teatro Espírita Leopoldo Machado e o Centro de Estudos e Pesquisas Carlos
Imbassahy [sociedades civis sem fins lucrativos, que propõem entre os objetos de seus atos constitutivos
o estudo, a difusão e a prática do Espiritismo, bem como o esclarecimento à comunidade sobre o conceito
desta Doutrina], com sede em Salvador e Lauro de Freitas, respectivamente, ingressaram nos autos com
pedido de admissão na qualidade de Amicus Curiae, para que possam realizar a apresentação de memoriais e sustentação oral na data do julgamento.
Juntaram documentação de fls. 83/171.
A primeira Autoridade Impetrada prestou as informações necessárias às fls. 177 e 178, aduzindo
que o pedido formulado pelo Centro Espírita Cavaleiros da Luz – Cidade da Luz, para poder celebrar casamento religioso com efeito civil foi indeferido, em razão de tratar-se aquela entidade de pessoa jurídica e,
como tal, não possuir competência para fazê-lo, faltando, portanto, ao "chamado ‘casamento espírita’,
uma das condições essenciais à sua existência jurídica: celebração por autoridade competente.".
Apresentou documentos de fls. 179 e 180.
Às fls. 185 e 186, a segunda Autoridade Impetrada prestou informações, alegando que o registro
do casamento religioso dos Impetrantes não pôde ser executado, pois provimento da Corregedoria-Geral
de Justiça não o autorizava.
Os Impetrantes ingressaram com petição às fls. 191/193, declarando a impossibilidade da figura
jurídica do Amicus Curiae no processo de mandado de segurança, requerendo, assim, fossem as considerações pessoais apartadas do processo.
Vieram os autos a esta Procuradoria Geral de Justiça, para pronunciamento, à fl. 196.
Este o RELATÓRIO. Passemos ao opinativo.
2. Do instituto do Amicus Curiae - Inadmissibilidade
Preliminarmente, cumpre ressaltar a inadmissibilidade de atuação do Amicus Curiae em sede de
mandado de segurança, haja vista a inexistência de dispositivo legal concernente no ordenamento jurídico
pátrio.
O Amicus Curiae ("Amigo da Corte"), instituto jurídico originário do Direito Norte-Americano, utilizado por sua Suprema Corte desde o início do século XX, objetiva proteger direitos coletivos e direitos
difusos.
A atuação do Amicus Curiae, no âmbito de um processo, é exercida por quem dele não é parte
mas detém grande conhecimento a respeito de determinada matéria, objeto da demanda, com vistas a
auxiliar a corte julgadora a proferir uma decisão acertada sob o prisma constitucional.
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Tal figura jurídica, apesar de prevista na legislação brasileira desde 1976, quando a Lei nº.
6.385/76 criou a Comissão de Valores Imobiliários (CVM), só veio a adquirir destaque no direito brasileiro
recentemente, a partir do advento da Lei nº. 9.868, de 10 de novembro de 1999, que dispõe sobre o processo e julgamento da ação direta de inconstitucionalidade e da ação declaratória de constitucionalidade
perante o Supremo Tribunal Federal.
A lei aludida veda em seu artigo 7º, caput, a intervenção de terceiros. No entanto, permite o instituto do Amicus Curiae no § 2º, conforme texto ora transcrito:
"Art. 7º Não se admitirá intervenção de terceiros no processo de ação direta de inconstitucionalidade.
§ 1º VETADO.
§ 2º O relator, considerando a relevância da matéria e a representatividade
dos postulantes, poderá, por despacho irrecorrível, admitir, observado o prazo fixado no parágrafo anterior, a manifestação de outros órgãos ou entidades." (grifos aditados)
O mesmo diploma legal introduziu ainda três parágrafos no artigo 482 do Código de Processo Civil, cuja redação é a seguinte:
"Art. 482. Remetida a cópia do acórdão a todos os juízes, o Presidente do
Tribunal designará a sessão de julgamento.
§ 1º O Ministério Público e as pessoas jurídicas de direito público responsáveis pela edição do ato questionado, se assim o requererem, poderão manifestar-se no incidente de inconstitucionalidade, observados os prazos e condições fixados no Regimento Interno do Tribunal.
§ 2º Os titulares do direito de propositura referidos no art. 103 da Constituição poderão manifestar-se, por escrito, sobre a questão constitucional objeto
de apreciação pelo órgão especial ou pelo Pleno do Tribunal, no prazo fixado em
Regimento, sendo-lhes assegurado o direito de apresentar memoriais ou de pedir
a juntada de documentos.
§ 3º O relator, considerando a relevância da matéria e a representatividade
dos postulantes, poderá admitir, por despacho irrecorrível, a manifestação de outros órgãos ou entidades." (grifos aditados)
A utilização da figura do Amigo da Corte em nosso ordenamento jurídico permitiu que pessoas,
órgãos, entidades, associações e outros pudessem requerer o ingresso em processos nos quais se discutem a constitucionalidade de leis e os atos governamentais que ameacem ou violem direitos e interesses
coletivos e difusos.
A atuação processual desses entes se dá por meio da apresentação de petições, da juntada de
documentos, de requerimento de oitiva de testemunhas, de realização de perícia, de sustentação oral no
julgamento do processo, dentre outros.
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Ocorre que a figura jurídica do Amicus Curiae é instituto típico da modalidade de controle concentrado (ou abstrato) de constitucionalidade, não havendo qualquer previsão legal acerca de sua atuação em
controle difuso (ou concreto) de constitucionalidade, que possui tão-somente efeitos inter partes.
Deve-se ressaltar, porém, que a Lei n°. 9.868/99 pode ser aplicada subsidiariamente no controle
concentrado de constitucionalidade nos Tribunais de Justiça Estaduais, não havendo impedimento legal
para tanto. Contudo, a sua aplicação em sede de controle difuso de constitucionalidade não se faz possível, porquanto não há dispositivo de lei nesse sentido, bem como não encontra respaldo na jurisprudência
de nossos tribunais.
Destarte, não há legitimidade para que o Teatro Espírita Leopoldo Machado e o Centro de Estudos
e Pesquisas Carlos Imbassahy possam atuar na condição de Amicus Curiae nos presentes autos, realizando, como postulam, a apresentação de memoriais e sustentação oral na data do seu julgamento, pois tal
instituto se afigura inapropriado em sede de mandamus.
Portanto, a inadmissão das entidades supra-alinhadas na figura do Amigo da Corte é medida que
se impõe.
3. Do mérito
No que tange ao mérito, data venia dos argumentos contrários, temos que a pretensão dos Impetrantes merece prosperar.
O pleito a ser apreciado encontra inteiro amparo civil e constitucional para que o casamento religioso espírita seja admitido e devidamente registrado na forma da lei, constituindo ilegalidade a recusa
das Autoridades Impetradas em proceder às respectivas anotações.
O Direito Civil Moderno deve ser inteiramente interpretado sob a ótica constitucional e, como exemplifica Cristiano Chaves de Farias:
a "Constituição Federal de 1988 impôs uma verdadeira releitura dos institutos fundamentais do Direito Civil, em razão de tê-los reformulado internamente,
em seu conteúdo". [01]
O denominado Direito Civil Constitucional (constitucionalização ou publicização do Direito Civil ou
Direito Civil socializado) predispõe-se a uma reinterpretação do Direito Civil, redefinindo suas categorias
jurídicas a partir dos valores principiológicos constitucionais como, por exemplo, o da dignidade da pessoa
humana.
A Constituição Federal de 1988, em seu artigo 1º, inciso III, prevê como fundamento da República Federativa do Brasil a dignidade da pessoa humana, valor supremo de um Estado Democrático de Direito, segundo se observa em:
"Art. 1º A República Federativa do Brasil, formada pela união indissolúvel
dos Estados e Municípios e do Distrito Federal, constitui-se em Estado Democrático
de Direito e tem como fundamentos:
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(...)
III – a dignidade da pessoa humana;" (grifos aditados)
Como visto, erige-se assim a dignidade da pessoa humana como um pilar norteador das relações
entre os cidadãos, devendo sempre ser considerada quando da interpretação das normas infraconstitucionais, haja vista a sua extrema relevância no sistema jurídico brasileiro.
A doutrina mais autorizada, ao comentar o mencionado dispositivo, explica a importância desse
valor constitucional, conforme lição de JOSÉ AFONSO DA SILVA:
"Dignidade da pessoa humana é um valor supremo que atrai o conteúdo de
todos os direitos fundamentais do homem, desde o direito à vida. ‘Concebido como
referência constitucional unificadora de todos os direitos fundamentais observam
Gomes Canotilho e Vital Moreira, o conceito de dignidade da pessoa humana obriga a uma densificação valorativa que tenha em conta o seu amplo sentido normativo-constitucional e não qualquer idéia apriorística do homem, não podendo reduzir-se o sentido da dignidade da pessoa humana à defesa dos direitos pessoais
tradicionais, esquecendo-a nos casos de direitos sociais, ou invocá-la para construir ‘teoria do núcleo da personalidade’ individual, ignorando-a quando se trate
de garantir as bases da existência humana’". [02]
A Carta Magna, por outro lado, em seu artigo 5º prevê direitos e garantias fundamentais acerca
da proteção à liberdade religiosa, atrelando-os diretamente ao princípio da dignidade da pessoa humana.
Observemos o regramento constitucional:
"Art. 5º Todos são iguais perante a lei, sem distinção de qualquer natureza,
garantindo-se aos brasileiros e aos estrangeiros residentes no País a inviolabilidade do direito à vida, à liberdade, à igualdade, à segurança e à propriedade, nos
termos seguintes:
(...)
VI – é inviolável a liberdade de consciência e de crença, sendo assegurado
o livre exercício dos cultos religiosos e garantida, na forma da lei, a proteção aos
locais de culto e a suas liturgias;
VIII – ninguém será privado de direitos por motivo de crença religiosa ou
de convicção filosófica ou política, salvo se as invocar para eximir-se de obrigação
legal a todos imposta e recusar-se a cumprir prestação alternativa, fixada em lei;"
(grifos aditados)
Os dispositivos constitucionais aqui transcritos estendem-se à proteção da liberdade religiosa,
instituindo-a como cláusula pétrea em favor do cidadão brasileiro, também lhe conferindo respaldo a Declaração Universal de Direitos Humanos de 1948, que a torna, portanto, direito fundamental da humanidade, em seu Art. XVIII, merecedor de transcrição:
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"Art. XVIII. Toda pessoa tem o direito à liberdade de pensamento, consciência e religião; este direito inclui a liberdade de mudar de religião ou crença e a
liberdade de manifestar essa religião ou crença, pelo ensino, pela prática, pelo culto e pela observância, isolada ou coletivamente, em público ou particular."
Destarte, a liberdade de religião enseja ao direito individual desdobramentos que asseguram a
liberdade de crença, de culto e de organização.
Na liberdade de credo, o que se preserva é a escolha da religião, o direito de aderir, mudar ou
mesmo de não adotar crença alguma.
A liberdade de culto é a proteção conferida à prática dos ritos, cerimônias, manifestações, reuniões, tradições e hábitos da religião escolhida.
A liberdade de organização religiosa concerne à possibilidade do estabelecimento e organização
das igrejas e suas relações com o Estado
Por sua vez, o artigo 19, inciso I da CF/88 aborda a questão, estabelecendo a separação entre
Estado e Igreja:
"Art. 19. É vedado à União, aos Estados, ao Distrito Federal e aos Municípios:
I – estabelecer cultos religiosos ou igrejas, subvencioná-los, embaraçarlhes o funcionamento ou manter com eles ou seus representantes relações de dependência ou aliança, ressalvada, na forma da lei, a colaboração de interesse público;
(...)"
Pela análise desse dispositivo, constata-se que o Estado Brasileiro é laico, ou seja, não há uma
religião estatal oficializada. Todavia, isso não o isenta de amparar os valores religiosos populares, e, muito
pelo contrário, induz ao respeito a todas as vocações nesse sentido.
São princípios do estado laico, ou leigo, a tolerância religiosa e a proibição do Estado em impor ao
foro íntimo do crente uma religião oficial, salvaguardando o direito de cada um à verdadeira fé.
Saliente-se que a liberdade de convicção religiosa abrange inclusive o direito de não se acreditar
ou professar nenhuma fé, devendo o Estado respeitar até mesmo o ateísmo.
Essa preservação estabelece vigoroso elo com os Princípios Fundamentais previstos na própria
Constituição, dentre eles o da dignidade da pessoa humana, anteriormente analisado, cujos valores associam-se àqueles da liberdade religiosa e norteiam todos os demais, inspirando o sistema do direito positivo de uma maneira geral, buscando sempre solucionar questões que digam respeito aos diversos direitos,
incluindo-se aqueles atinentes à liberdade, compreendida em sua multifacetária acepção, que abrange o
contexto da religião.
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Na análise dessa ligação entre a liberdade religiosa e a dignidade pessoal, pergunta-se, então:
protege-se a dignidade da pessoa humana quando o Estado proíbe o cidadão de exercer a sua fé?
Façamos considerações a respeito do tema.
Ora, os Impetrantes, como informam na inicial, são espíritas e decidiram realizar o casamento
religioso com efeito civil no Centro Espírita Cavaleiros da Luz, localizado nesta capital.
Com efeito, a Carta Maior, em seu artigo 226, § 2º, confere proteção ao chamado casamento religioso, pois o considera de grande importância para a construção de uma família sólida, base de toda sociedade, consoante se infere do seguinte texto:
"Art. 226. A família, base da sociedade, tem especial proteção do Estado.
(...)
§ 2º O casamento religioso tem efeito civil, nos termos da lei." (grifos aditados)
Ademais, a Lei Fundamental não indicou que espécies de cultos religiosos são suscetíveis de gozar
da prerrogativa de celebrar casamentos. Logo, o casamento religioso com efeitos civis será aquele celebrado por qualquer culto, sem distinções, desde que não vá de encontro à ordem pública ou aos bons costumes. Foi o que ocorreu no presente caso, posto que a cerimônia se deu em consonância com as formalidades elencadas na norma constitucional e na legislação ordinária.
De fato, nada mais digno, portanto, que permitir aos Impetrantes casarem-se perante a comunidade espírita que freqüentam e onde se sentem acolhidos por todos os fiéis. Seria inoportuno e inconstitucional obrigá-los a fazê-lo no seio de outra crença ou somente no âmbito civil, argumentando-se não ser
possível o casamento espírita. Tal entendimento contraria totalmente os valores constitucionais da dignidade da pessoa humana e da liberdade religiosa.
O Código Civil de 2002, ao tratar sobre o casamento religioso, disciplinou também sua modalidade e respectivos efeitos nos artigos 1.515 e 1.516, como se depreende da leitura do texto legal abaixo:
"Art. 1.515. O casamento religioso, que atender às exigências da lei para a
validade do casamento civil, equipara-se a este, desde que registrado no registro
próprio, produzindo efeitos a partir da data de sua celebração.
Art. 1.516. O registro do casamento religioso submete-se aos mesmos requisitos exigidos para o casamento civil.
§ 1º O registro civil do casamento religioso deverá ser promovido dentro de noventa dias de sua realização, mediante comunicação do celebrante ao ofício competente, ou por
iniciativa de qualquer interessado, desde que haja sido homologada previamente a habilitação regulada neste Código. Após o referido prazo, o registro dependerá de nova habilitação.
§ 2º O casamento religioso, celebrado sem as formalidades exigidas neste Código,
terá efeitos civis se, a requerimento do casal, for registrado, a qualquer tempo, no registro
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civil, mediante prévia habilitação perante a autoridade competente e observado o prazo do
art. 1.532.
§ 3º Será nulo o registro civil do casamento religioso se, antes dele, qualquer dos
consorciados houver contraído com outrem casamento civil." (grifos aditados)
A Lei nº. 6.015, de 31 de dezembro de 1973, que dispõe sobre os Registros Públicos e foi recepcionada pela atual Constituição, discorre a respeito do registro do casamento religioso para efeitos civis,
disciplinando a sua realização perante autoridade ou ministro religioso, no artigo 71, in verbis:
Art. 71. Os nubentes habilitados para o casamento poderão pedir ao oficial
que lhes forneça a respectiva certidão, para se casarem perante a autoridade ou
ministro religioso, nela mencionando o prazo legal de validade da habilitação.
Esses dispositivos legais retroalinhados determinam o procedimento para que o casamento religioso possa ser realizado perante a autoridade competente e produza seus regulares efeitos jurídicos.
Tem-se que o casamento religioso pode ser de duas espécies: a) com prévia habilitação (art.
1.516, § 1º, CC); b) com habilitação posterior à celebração religiosa (art. 1.516, § 2º, CC).
Em ambos os casos é exigido o processo de habilitação, sendo a celebração realizada pela autoridade da religião professada pelos nubentes, e a sua validade civil condicionada à habilitação e ao assentamento no Cartório do Registro Civil das Pessoas Naturais (art. 1.515, CC).
Na primeira hipótese, que ocorreu no caso em questão, processada e homologada a habilitação,
na forma da Lei Substantiva, e obtido o certificado pertinente, será este apresentado à autoridade ou ministro religioso, que o arquivará.
Uma vez celebrado o casamento, deverá ser promovido o registro respectivo no prazo de 90 (noventa) dias de sua realização, mediante a comunicação do celebrante ao ofício competente, ou por iniciativa de qualquer interessado.
Depreende-se dos autos que os Impetrantes, devidamente habilitados e dentro do prazo legal,
realizaram a cerimônia religiosa de seu casamento no dia 2 de julho de 2005, no Centro Espírita Cavaleiros da Luz – Cidade da Luz, em Salvador, perante a autoridade espírita José Alberto Lima Medrado.
Entretanto, em 19 de julho de 2005, quando retornaram ao Cartório do Registro Civil de Pessoas
Naturais do Subdistrito de Itapuã, apresentando o termo de realização de casamento religioso com efeitos
civis e requerendo o devido registro, tiveram seu pedido indeferido, ao argumento de ter sido o matrimônio celebrado por pessoa não investida da qualidade de autoridade ou ministro religioso, na forma determinada pelo artigo 71 da Lei nº. 6.015/73.
LUIZ EDSON FACHIN, precursor e grande expoente do Direito Civil-Constitucional Brasileiro, ao
versar sobre o casamento e autoridade religiosos, ensina:
"A autoridade religiosa, em determinadas circunstâncias, também se investe não apenas do ‘poder temporal’, como da função do Estado para, naquele caso,
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declarar existente e válido um casamento. (...) No casamento celebrado realizado
perante o ministro religioso, valida o Estado a sua própria ausência. " [03]
Cediço que em nosso sistema jurídico não há determinação legal do que seja autoridade ou ministro religioso. Não regulou o Estado, portanto, a conceituação de autoridade religiosa, deixando a tarefa a
cargo da doutrina.
Segundo o Novo Dicionário Aurélio da Língua Portuguesa, o vocábulo Autoridade encerra o seguinte significado:
"autoridade. [Do lat. Auctoritate.] S.f. 1. Direito ou poder de se fazer obedecer, de
dar ordens, de tomar decisões, de agir, etc. 2. Aquele que tem por encargo fazer respeitar
as leis; representante do poder público. 5. Domínio, jurisdição. 6. Influência, prestígio;
crédito. 7. Indivíduo de competência indiscutível em determinado assunto: F. é uma autoridade em física nuclear. 8. Permissão, autorização." (grifos aditados) [04]
Pois bem, considera-se autoridade ou ministro religioso aquele indivíduo que dedica a sua vida ao
ofício da religião, gozando de prestígio e influência perante a sua comunidade, com ou sem habilitação
conferida por instituto religioso.
E mais, é a pessoa que se dedica à difusão, propaganda e ensinamento de doutrinas e crenças, à
celebração de cultos e cerimônias, à organização das comunidades religiosas e à observância das normas
estabelecidas, desde que devidamente indicado para o exercício de suas funções pela associação ou comunidade a que esteja vinculado, ou por superior religioso.
Reportando-se ao caso em tela, o casamento religioso dos Impetrantes foi celebrado num centro
que goza de reconhecimento na sociedade religiosa kardecista baiana, cuja cerimônia foi presidida por
líder espírita de caráter público e notório não só entre os seguidores da doutrina, como no âmbito das lideranças religiosas do Estado da Bahia.
Em que pese opiniões noutro sentido, não se pode querer desqualificar o celebrante do ato matrimonial da condição de autoridade ou ministro religioso, sob alegação de que o Espiritismo não constitui
uma religião e que, conseqüentemente, não possuiria essas figuras, pois, como já visto, os preceitos constitucionais elencados protegem qualquer forma de manifestação da fé e da religiosidade, tratando-se meramente de uma questão terminológica a ser adotada.
Dissertando acerca da cultura religiosa e das religiões em todo o mundo, o autor IRINEU WILGES
traz um conceito de Espiritismo, como se depreende da lição a seguir:
"O Espiritismo é uma filosofia com bases científicas e conseqüências religiosas. No
campo científico faz a prova da sobrevivência da alma. Como filosofia vem trazer luz sobre
problemas como a existência de Deus, da alma, da reencarnação, do livre arbítrio e do determinismo, das causas e objetivos dessa existência na terra. Como religião orienta o
homem no sentido do ensino moral do Evangelho de Cristo, e é a revivescência do
cristianismo na pureza e na simplicidade dos tempos de Jesus e da época apostólica." [05] (grifos aditados)
A própria doutrina de Kardec diverge quanto a ser ou não o Espiritismo uma religião. Divergências
conceituais, entretanto, não constituem objeto da manifestação do Parquet, porquanto, de forma inequí- 12 Meus Documentos/Noemy/site
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voca, o bem em questão, violado na demanda in casu, é algo maior, é a própria fé dos Impetrantes, valor
imaterial protegido em sede constitucional pelos direitos e garantias à liberdade religiosa.
Portanto, a despeito de ser ou não uma religião, o espiritismo guarda princípios fundamentais que
o aproximam de outros credos, quais sejam: Deus; evolução; reencarnação; sobrevivência da alma; comunicação entre os mundos físico e espiritual; lei de causa e efeito; pluralidade dos mundos habitados.
Sem qualquer hesitação, esses requisitos o tornam merecedor da tutela dos valores fundamentais
da liberdade de crença, devendo ser permitida a celebração do casamento religioso por seus lideres espirituais, cujo ato, entendemos, vê-se em perfeita consonância com o princípio-maior da dignidade da pessoa
humana, bem como com outros preceitos constitucionais e infra-constitucionais.
Perlustrando os autos, observa-se à fl. 17 que há em nosso estado importante precedente de casamento espírita com efeito civil, realizado em 24 de novembro de 1989, entre os nubentes..
...................................... e.. ....................................................., perante o líder espírita Edgar Nunes, então Presidente do Núcleo Espírita "Jesus é a Fé e a Caridade", tendo sido devidamente registrado
na forma da lei e sem qualquer embaraço.
Os tribunais do país não têm se mantido à margem da situação ora verificada. Em recente decisão, no ano de 2000, a 8ª Câmara Cível do Tribunal de Justiça do Rio Grande do Sul, julgando a Apelação
Cível 70003296555, reconheceu efeitos civis a casamento celebrado em religião afro-brasileira, conforme
se pode constatar da análise de trecho do voto do relator Des. Rui Portanova, abaixo transcrito:
"Nesse particular, entendo, primeiro, que o casamento no candomblé ou na umbanda tem o mesmo valor dos casamentos realizados nas religiões católicas e israelitas.
Não devemos valorar mais os pactos realizados em grandes sinagogas ou catedrais pomposas, pelo fato de o casamento ter sido realizado em terreiros. Em todas essas cerimônias, o que está em questão, antes de mais nada é a fé que cada um dos parceiros
tem numa força sobrenatural. Além disso, vale também, a confiança nos padres, pais de
santos, rabinos e pastores, legítimos representantes das entidades dignas de fé de cada
um. Enfim, mais do que um frio e burocrático casamento civil, a relevância do casamento religioso centra-se em valores transcendentes que o direito deve aprender a reconhecer seus efeitos." (TJRGS – AC 70003296555 – 8ª C. Cív. – Rel. Des. Rui
Portanova – j. 27/06/2002) (grifos aditados)
Em virtude do quanto argumentado acima, cabe reconhecer a possibilidade da realização de ato
religioso de qualquer credo servir para fins registrais de casamento, pelo que não podem as Impetradas
se recusar a efetuar o registro civil do enlace espírita dos Impetrantes, sob a égide de que o Espiritismo
não é religião e que, por conseguinte, o celebrante não é investido de autoridade religiosa apta a efetuar
casamentos.
Nunca é demais lembrar que o Brasil é um estado laico, onde não se pode priorizar determinada
religião ou crença em detrimento de outras, sendo inadmissível a recusa em atribuir efeitos civis aos casamentos celebrados por líderes de qualquer religião ou crença, desde que professe fé adequada aos princípios estruturantes da sociedade humana.
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4. CONCLUSÃO
Sob esse prisma, em obediência às expressas disposições constitucionais e legais supramencionadas, e porque sangra à vista de todos o direito liquido e certo dos Impetrantes, o Ministério Público opina pela concessão da ordem, para determinar que as Autoridades Impetradas levem a efeito
o registro civil do casamento religioso do casal, uma vez que realizado em perfeita consonância
com o ordenamento jurídico pátrio.
Salvador, 31 de outubro de 2005.
JOSÉ EDIVALDO ROCHA ROTONDANO
Promotor de Justiça
Assessor Especial
Notas
01
Direito Civil – Teoria Geral. 3ª edição. Rio de Janeiro: Editora Lúmen Juris, 2005, p. 25.
02
Curso de Direito Constitucional Positivo. 19ª edição. São Paulo: Malheiros Editores, 2001, p. 109.
03
Direito de Família – Elementos críticos à luz do novo Código Civil brasileiro. 2ª edição. Rio de Janeiro - São Paulo: Renovar, 2003, p. 139 e 140.
04
Novo Dicionário Aurélio da Língua Portugues. 2ª edição. Editora Nova Fronteira, p. 204.
05
Cultura Religiosa – As religiões no mundo. 15ª edição. Petrópolis: Editora Vozes, 2005, p. 116 e
117.
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