JOSÉ LUIZ RAGAZZI
A INTERVENÇÃO DE TERCEIROS NAS
LIDES INDIVIDUAIS DE CONSUMO
DOUTORADO EM DIREITO
PONTIFÍCIA UNIVERSIDADE CATÓLICA
SÃO PAULO
2005
JOSÉ LUIZ RAGAZZI
A INTERVENÇÃO DE TERCEIROS NAS
LIDES INDIVIDUAIS DE CONSUMO
Tese apresentada à Banca Examinadora da
Pontifícia Universidade Católica de São
Paulo, como exigência parcial para
obtenção do título de Doutor em Direito,
área de concentração Direito Processual
Civil sob a orientação da Professora
Doutora Patrícia Miranda Pizzol.
PONTIFÍCIA UNIVERSIDADE CATÓLICA
SÃO PAULO
2005
BANCA EXAMINADORA
__________________________
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Nota:_________________________
__________________________
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Nota:_________________________
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Nota:_________________________
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Nota:_________________________
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Nota:_________________________
São Paulo, ___ de ________ de 2005.
DEDICATÓRIA
À Ivana e aos nossos filhos Guilherme e Rafaela.
AGRADECIMENTOS
À Professora Doutora Patrícia Miranda Pizzol, pelos
ensinamentos e firmeza no conduzir a realização do
presente trabalho.
À Instituição Toledo de Ensino que me possibilitou os
recursos financeiros necessários para que eu concluísse
o doutorado.
À Doutora Joselaine C. Bueno pelo indispensável
auxílio nas pesquisas realizadas.
RESUMO
‹‹‹
O objetivo do presente trabalho é efetuar um estudo comparativo entre
as modalidades de intervenção de terceiros no Código de Processo Civil, ou
seja, a assistência; o chamamento ao processo, a denunciação da lide, a
oposição e a nomeação à autoria. No Código de Defesa do Consumidor, a
única forma de intervenção admitida é o chamamento ao processo nos casos
de seguro de responsabilidade civil, sendo que a finalidade do presente
trabalho é aferirmos se o Código de Defesa do Consumidor proíbe toda e
qualquer modalidade interventiva e se estas realmente vêm em seu prejuízo. O
método para elaboração do trabalho foi o de pesquisa na legislação processual
e consumerista em vários países do mundo. Após minuncioso exame das
modalidades interventivas, chegamos a conclusão de que, em algumas
hipóteses a adoção das modalidades intervencionistas não prejudicam o
consumidor no seu amplo acesso à justiça, mas sim beneficiá-lo e propicia sua
efetiva tutela jurisdicional nos moldes do que preconiza o Código de Defesa
do Consumidor Brasileiro.
ABSTRACT
‹‹‹
We aim with this work to accomplish a comparative study among the
third party intervention modalities in the Civil Process Code, or, the
assistence; the calling to process, the toil denounciation, the opposition and
the nomination to the authorship. In the Consumer Defense Code, the only
way of admiting intervention is the calling to process in the cases of civil
responsibility security, since the aim of this work is to check if the
Consumer Defense Code forbids all and any interventive modality and if
they really come to its damage. The method we used to prepare this work,
was the research on the consuming processual legislation of several
countries in the world. After a detailed survey of the interventive
modalities, we got to the final conclusion that in some hypothesis the
adoption of the interventionist modalities doesn’t damage the consumer as
to his wide access to justice, but it only benefits and brings up to him its
effective jurisdictional tutelage just like what is said in the Brazilian
Consumer Defense Code.
LISTA DE ABREVIATURAS E SIGLAS
a.C.
ADCT
ampl.
art.
arts.
atual.
Câm.
CDC
CF
CF/88
coord.
CPC
Des.
DJ
DOU
Dr.
Dra.
ed.
inc.
j.
LACP
Min.
nº
ONU
p.
Profº.
Profª.
Rel.
rev.
SP
ss.
STF
STJ
T.
TACivSP
tirag.
TJRJ
TJSP
vol.
–
–
–
–
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–
–
–
–
–
–
–
–
–
–
–
–
–
–
–
antes de Cristo
Ato das Disposições Constitucionais Transitórias
ampliada
artigo
artigos
atualizada
Câmara
Código de Defesa do Consumidor
Constituição Federal
Constituição Federal de 1988
coordenação
Código de Processo Civil
Desembargador
Diário de Justiça
Diário Oficial da União
Doutor
Doutora
edição
inciso
julgado
Lei sobre a Ação Civil Pública
Ministro
número
Organização das Nações Unidas
página
Professor
Professora
Relator
revisada
São Paulo
seguintes
Supremo Tribunal Federal
Superior Tribunal de Justiça
Turma
Tribunal de Alçada Civil de São Paulo
tiragem
Tribunal de Justiça do Rio de Janeiro
Tribunal de Justiça de São Paulo
volume
SUMÁRIO
INTRODUÇÃO .........................................................................................
01
1 DAS RELAÇÕES DE CONSUMO .....................................................
04
1.1 Noções Gerais ......................................................................................
1.2 Gênese das Relações de Consumo .......................................................
04
15
1.2.1 Evolução da Proteção ao Consumidor no Direito Comparado.........
20
1.2.1.1
1.2.1.2
1.2.1.3
1.2.1.4
1.2.1.5
1.2.1.6
1.2.1.7
1.2.1.8
Na Itália..........................................................................................
Na França .......................................................................................
Nos Estados Unidos da América ...................................................
Na Organização das Nações Unidas ..............................................
Na Comunidade Econômica Européia...........................................
No Mercado Comum do Cone Sul ................................................
Outros Países..................................................................................
No Brasil ........................................................................................
20
24
26
28
29
31
34
42
2 DOS PRINCÍPIOS ................................................................................
50
2.1 Princípios Fundamentais da Legislação Processual Civil....................
68
2.1.1 Princípio do Devido Processo Legal................................................. 69
2.1.2 Princípio do Juiz Natural .................................................................. 71
2.1.3 Princípio do Acesso à Justiça............................................................ 79
2.1.4 Princípio do Contraditório ................................................................ 84
2.1.5 Princípio da Recorribilidade e do Duplo Grau de Jurisdição ........... 88
2.1.6 Princípio da Boa-Fé e Lealdade Processual...................................... 91
2.1.7 Princípio da Verdade Real ................................................................ 95
2.1.8 Princípio da Oralidade ...................................................................... 97
2.1.9 Princípio da Publicidade ................................................................... 99
2.1.10 Princípio da Economia Processual.................................................. 101
2.1.11 Princípio da Eventualidade ou da Preclusão................................... 101
2.1.12 Princípio Inquisitivo e Princípio Dispositivo ................................. 103
3 PRINCÍPIOS NORTEADORES DO CÓDIGO DE DEFESA DO
CONSUMIDOR..................................................................................... 108
3.1 Princípios Constitucionais Gerais da Ordem Econômica: Defesa do
Consumidor e Livre Iniciativa ............................................................. 109
3.2 Princípio Protecionsita ou da Vulnerabilidade..................................... 110
3.3 Princípio da Presença do Estado nas Relações de Consumo ou Princípio
do Dever Governamental .....................................................................
3.4 Princípio da Harmonização dos Interesses e Princípio da Garantia da
Adequação ............................................................................................
3.5 Princípio da Coibição e Repressão de Abusos Praticados no Mercado ..
3.6 Princípio do Incentivo ao Autocontrole ...............................................
3.7 Princípio da Conscientização do Consumidor e Fornecedor e Princípio
Informativo...........................................................................................
3.8 Princípio da Racionalização e Melhoria dos Serviços Públicos ..........
3.9 Princípio das Modificações do Mercado..............................................
3.10 Princípio da Boa-Fé............................................................................
3.11 Princípio do Acesso à Justiça no Código de Defesa do Consumidor..
120
122
124
126
126
127
129
129
133
4 DAS PARTES E TERCEIROS............................................................ 135
4.1
4.2
4.3
4.4
Partes no Código Processual Civil .......................................................
Conceito de Terceiro no Código de Processo Civil .............................
Partes no Código de Defesa do Consumidor .......................................
Terceiros no Código de Defesa do Consumidor ..................................
137
144
147
148
5 DA INTERVENÇÃO DE TERCEIROS NO CÓDIGO DE PROCESSO
CIVIL E NO CÓDIGO DE DEFESA DO CONSUMIDOR............. 150
5.1 Das Espécies de Intervenção de Terceiros ........................................... 160
5.1.1 Da Assistência no Código de Processo Civil.................................... 160
5.1.1.1
5.1.1.2
5.1.1.3
5.1.1.4
Da Assistência Adesiva Simples ...................................................
Da Assistência Litisconsorcial.......................................................
Legitimidade da Assistência Litisconsorcial .................................
Posição do Interveniente................................................................
164
169
172
173
5.1.2 Da Assistência no Código de Defesa do Consumidor ...................... 175
5.1.3 Da Oposição no Código de Processo Civil....................................... 181
5.1.3.1 Do Procedimento da Oposição ...................................................... 189
5.1.4
5.1.5
5.1.6
5.1.7
Da Oposição no Código de Defesa do Consumidor .........................
Da Nomeação à Autoria no Código de Processo Civil.....................
Da Nomeação à Autoria no Código de Defesa do Consumidor .......
Da Denunciação da Lide no Código de Processo Civil....................
193
195
201
204
5.1.7.1 Escorço Histórico........................................................................... 204
5.1.7.2 Conceitos da Denunciação da Lide no Direito Pátrio e no Direito
Comparado..................................................................................... 206
5.1.7.3 Hipóteses de Admissibilidade e Descabimento na Denunciação
da Lide ........................................................................................... 211
5.1.7.4
5.1.7.5
5.1.7.6
5.1.7.7
Obrigatoriedade e Extensão: Evicção............................................
Legitimidade para Denunciar e ser Denunciado............................
Denunciação Sucessiva..................................................................
Da Sentença na Denunciação da Lide ...........................................
220
224
226
227
5.1.8 Da Denunciação da Lide no Código de Defesa do Consumidor ...... 229
5.1.9 Do Chamamento ao Processo no Código de Processo Civil ............ 234
5.1.9.1
5.1.9.2
5.1.9.3
5.1.9.4
5.1.9.5
Considerações Introdutórias ..........................................................
Finalidade.......................................................................................
Hipóteses de Cabimento ................................................................
Procedimento .................................................................................
Efeitos da Sentença e da Coisa Julgada.........................................
234
242
244
246
248
5.1.10 Do Chamamento ao Processo no Código de Defesa do Consumidor.. 252
CONCLUSÕES ......................................................................................... 258
BIBLIOGRAFIA....................................................................................... 263
INTRODUÇÃO
A escolha do presente tema ocorreu durante as aulas ministradas na
PUC-SP pela Profª. Dra. Patricia Miranda Pizzol, na matéria Direito do
Consumidor.
É notória entre os processualistas a evolução do Direito Processual
Civil, no sentido de adequá-lo à busca de efetividade, ou seja, torná-lo um
instrumento apto a conferir aos jurisdicionados, efetivamente, o que lhes
compete, fazendo com que as decisões judiciais realmente transformem a
realidade de quem busca a tutela jurisdicional.
Com o surgimento das relações de massa, nas quais o consumidor quer
consumir já e o fornecedor quer vender agora, surgiram os chamados
contratos de adesão, nas quais se elimina a fase preliminar de negociação dos
contratos, ensejando que o fornecedor de serviços e produtos elabore
previamente as cláusulas contratuais, impondo-as ao consumidor.
A Constituição Federal de 1988 inseriu entre os direitos fundamentais a
defesa do consumidor, determinando que o legislador outorgasse ao país um
Código de Defesa do Consumidor (art. 48 ADCT).
Com o surgimento da Lei nº 8.078/90 (Código de Defesa do
Consumidor), o Brasil sai na dianteira mundial, sendo o primeiro país do
mundo a outorgar aos seus cidadãos um Código de Defesa do Consumidor,
com regras claras, levando em conta, principalmente, sua vulnerabilidade,
procurando então harmonizar as relações de consumo, tanto na esfera material
quanto processual, como convém ao mundo moderno.
2
O CDC tráz novidades na esfera processual, buscando a rápida
indenização dos consumidores, o que se infere da adoção da responsabilidade
objetiva, excluindo-a apenas nas relações que envolvam profissionais liberais,
e, portanto, somente admitindo a intervenção de terceiro (chamamento ao
processo) nas lides de consumo na hipótese de que o réu (fornecedor) possua
seguro de responsabilidade civil, excluindo as demais modalidades de
intervenção.
Objetivamos com o presente estudo demonstrar inicialmente uma
gênese das relações de consumo, a evolução da regulamentação no direito
comparado e no Brasil, o advento da Lei nº 8.078/90 (Código de Defesa do
Consumidor).
Já no segundo capítulo do trabalho, fizemos um estudo sobre os
princípios processuais no Direito Processual Civil Brasileiro, bem como dos
princípios que informam o microssistema consumerista, destacando o da
vulnerabilidade do consumidor.
No capítulo terceiro apresentamos e analisamos os princípios
norteadores do Código de Defesa do Consumidor, dando ênfase ao princípio
da vulnerabilidade dos consumidores em geral.
Fizemos no capítulo seguinte um estudo doutrinário para definir Partes
e Terceiros no Sistema Processual Brasileiro e também no Código de Defesa
do Consumidor, apontando as diferenças entre as relações jurídicas comuns e
as consumeristas.
Diante dessa proposta, no capítulo quinto examinamos as espécies de
intervenção de terceiros previstas, no Código de Processo Civil brasileiro,
3
destacando desde já que a doutrina brasileira repele qualquer tipo de
intervenção nos processos que envolvam relações de consumo, a não ser o
chamamento ao processo previsto no art. 101 da Lei nº 8.078/90.
Em seguida, procuramos demonstrar que é aceitável que se adote a
possibilidade de utilização dos institutos de intervenção de terceiros nos
processos que envolvam fornecedores e consumidores, sem que afrontemos os
princípios norteadores da Lei nº 8.078/90, permitindo, portanto, um
contraditório amplo.
Cabe ressaltar que o que se propõe, no presente estudo, é apresentar à
comunidade jurídica brasileira, um ponto de partida para o estudo de questões
tão complexas, com a certeza de que os Doutos melhor desenvolverão as
controvérsias aqui apresentadas.
1
DAS RELAÇÕES DE CONSUMO
1.1 Noções Gerais
Antes de adentrarmos no cerne do presente estudo, algumas
considerações deverão ser levantadas para melhor compreensão e elucidação
dos tópicos a serem abordados em toda a extensão desta obra. Contudo,
observe-se que serão considerações meramente elucidativas, pois não é
pretensão, aqui, esgotar os temas preliminarmente expostos, e sim de forma
genérica abordar as relações de consumo, sua origem e os fatores que ao
longo dos anos conduziram para a codificação deste novo ramo do direito
pátrio. Passemos, então, ao estudo desse tópico.
Marcelo Gomes Sodré ensina que:
“As fases da história nunca se apresentam como compartimentos
estanques; elas se interpenetram, se sobrepõem. Tudo depende do
olhar disponível. Na verdade, a história não tem fases. Ela é um
todo contínuo. Se o desenrolar dos fatos históricos é resultado da
contínua ação humana, a teorização histórica é criação da razão
humana, ou de algo que tenta ser racional. Dentre as várias
opções, escolhe-se uma. Busca-se o critério e seu fundamento.
Quando se trata de optar, os erros são a tônica. O acerto é apenas
uma das escolhas erradas pelo ângulo do critério distinto. E é tão
violento como o próprio erro, pois mobiliza o desenrolar dos
acontecimentos. Mas é assim que o conhecimento se faz e é o que
torna possível o diálogo científico. Se o conhecer limita, o refletir
pode transbordar; melhor dizendo, o refletir é transbordar. Criar
fases da história é bordar a moldura pela flexão racional”.1
O
desenvolvimento
econômico,
em
seu
alto
grau
de
industrialização e sofisticação tecnológica, aliado à grande concentração da
1
Marcelo Gomes Sodré, A formação do sistema nacional de defesa do consumidor: avanços e
retrocessos legislativos, p. 19-20.
5
atividade empresarial e de capitais, constitui fator decisivo na formação da
sociedade de consumo de massa. Nessa sociedade de produção em larga
escala, a abundância de produtos e serviços precisa ser absorvida pelo
mercado como condição para sua própria realimentação. Todavia, a lógica de
funcionamento dessa sociedade produz reflexos e disfunções no mercado,
além de lesões em alta escala aos consumidores, desafiando a necessidade
imediata de sua defesa.2
Para que possam compreender as causas que deram origem à
tutela do consumidor, bem como à busca de um meio verdadeiramente eficaz
que amparasse as relações de consumo, necessário será compreender em que
consistem essas relações e qual a definição adotada pela doutrina ao estudar
esse fenômeno social.
Conforme assinala Marcelo Kokke Gomes:
“A relação de consumo é aquela em que uma das partes adquire
produtos ou serviços tendo em vista sua utilização final enquanto a
outra parte fornece tais bens em caráter de habitualidade e
profissionalismo”.3
O objetivo dessa relação, conforme salienta José Geraldo Brito
Filomeno,4 será a satisfação das necessidades privadas dos consumidores,
quais sejam, os bens de consumo.
Assim, nítida e clara é a definição de relações de consumo
adotada por João Batista de Almeida, em sua obra A proteção jurídica do
consumidor, quando menciona serem as mesmas bilaterais, existindo num dos
2
3
4
Josué Rios, A defesa do consumidor e o direito como instrumento de mobilização social, p. 07.
Marcelo Kokke Gomes, Responsabilidade civil: dano e defesa do consumidor, p. 87.
José Geraldo Brito Filomeno, Código brasileiro de defesa do consumidor comentado pelos
autores do anteprojeto, p. 26.
6
pólos um fornecedor, disposto a fornecer seus bens e serviços a terceiros e, no
outro pólo, o consumidor, envolto num estado de subordinação às condições e
aos interesses impostos pelo titular daqueles bens e serviços, que atendam às
suas necessidades, habituais ou não, de consumo. Pondera ele ainda, que essas
relações de consumo são dinâmicas, uma vez que sucedidas pela existência
natural do ser humano, crescendo, evoluindo e tomando corpo, de modo a
evidenciar precisamente o momento histórico em que se situam.5
Sob o prisma de Washington Peluso Albino de Souza, tem-se que
“(...) as relações de consumo assumem características de direito Econômico
quando tomadas pelo prisma de uma política voltada para objetivos definidos
ideologicamente”.6
Em outra esteira, se extrai dos ensinamentos de Manoel Lauro
Volkmer de Castilho uma definição bastante plausível do que sejam as
relações de consumo, em órbitas atuais:
“A relação de consumo pode, pois, ser compreendida como o
processo ou o resultado da aquisição de bens e serviços pelo
consumidor final, de modo a garantirem-se as condições (mínimas)
de subsistência e manutenção para uma vida, naquelas condições
mencionadas, mas não se trata de uma mera compra e venda
isolada para aquisição de patrimônio, ou riqueza, ou obrigação
individual, posto que o comportamento protegido e o ordinário, o
reiterado, necessário e comum a grande quantidade de pessoas.
Tutelam-se, portanto, interesses de massa”.7
Sobretudo, importa saber que o Código de Defesa do
Consumidor não definiu as chamadas relações de consumo, porém, limitou-se
a fornecer indícios do que seriam os seus elementos, quais sejam:
5
6
7
João Batista de Almeida, A proteção jurídica do consumidor, p. 01.
Washington Peluso Albino de Souza, Primeiras linhas de direito econômico, p. 594.
Revista Ajuris, Em face das inovações do código de proteção e defesa do consumidor, CDROM.
7
consumidor, fornecedor, produtos e serviços, que serão aqui analisados. Ao
utilizar essas expressões, o Código o faz destacando-as como objeto jurídico
de sua tutela, e dessa forma, faz com que careçam de definição precisa.
Assim, em conformidade com o que prescreve o mencionado
Código no artigo 2° e parágrafo único, “consumidor é toda pessoa física ou
jurídica que adquire ou utiliza produtos ou serviços como destinatário final”,
indo mais além, estendendo o conceito de consumidor à “(...) coletividade de
pessoas, ainda que indetermináveis, que haja intervindo nas relações de
consumo”.
Questão tormentosa para a doutrina é definir quando uma pessoa
física ou jurídica pode ser considerada destinatária final de produtos ou
serviços.
No Brasil convivem duas teorias, a maximalista e a finalista. Esta
somente considera como consumidor e, portanto, destinatário final de
produtos ou serviços, aquele que adquire ou utiliza um produto ou serviço
para uso próprio ou de sua família, pois a finalidade do Código é a proteção
do vulnerável, o que não se aplicaria aos profissionais. Porém, em casos
excepcionais, a mesma doutrina reconhecendo a vulnerabilidade de
profissionais que adquirem produtos ou serviços fora de sua especialidade,
entende possível a aplicação das normas do CDC.8
Já a teoria maximalista entende que o CDC é um código geral
sobre o consumo, ou seja, institui normas para todos os agentes do mercado e,
portanto, o § 2º do CDC deve ser interpretado da forma mais extensiva
8
Cláudia Lima Marques, Comentários ao código de defesa do consumidor: arts. 1º ao 74:
aspectos materiais, p. 68.
8
possível, não importando se a pessoa física ou jurídica tem a finalidade de
obter lucro com o produto ou serviço.9
No Brasil nossos tribunais têm adotado a teoria finalista:
“AGRAVO NO AGRAVO DE INSTRUMENTO – CONTRATO DE
ABERTURA DE CRÉDITO – APLICABILIDADE DO CDC –
COMISSÃO DE PERMANÊNCIA – INACUMULABILIDADE
COM JUROS MORATÓRIOS E MULTA CONTRATUAL –
SÚMULA Nº 83 DESTA CORTE. I – Pela interpretação do art. 3º,
§ 2º, do CDC, é de se deduzir que as instituições bancárias estão
elencadas no rol das pessoas de direito consideradas como
fornecedoras, para fim de aplicação do Código de Defesa do
Consumidor às relações entre essas e os consumidores, no caso,
correntistas. II – Tratando-se de contrato firmado entre a
instituição financeira e pessoa física, é de se concluir que o
agravado agiu com vistas ao atendimento de uma necessidade
própria, isto é, atuou como destinatário final. Aplicável, pois, o
CDC. III – O entendimento adotado pelo aresto recorrido
encontra-se em consonância com o desta Corte, segundo o qual é
inviável a incidência de comissão de permanência
concomitantemente” (STJ – 3ª T. – AgAgIn. nº 296.516/SP – Rel.
Min. Nancy Andrighi – j. 07.12.2000).
“Tratando-se de contrato firmado entre a instituição financeira e
pessoa física, é de se concluir que o agravado agiu com vistas ao
atendimento de uma necessidade própria , isto é, atuou como
destinatário final. Aplicável, pois, o CDC” (STJ – Resp. nº
296.516 – Rel. Min. Fátima Nancy Andrighi – j. 07.12.2000).
“CONTRATO DE ABERTURA DE CRÉDITO EM CONTA
CORRENTE – CÓDIGO DE DEFESA DO CONSUMIDOR –
APLICABILIDADE SE CONFIGURADA A RELAÇÃO JURÍDICA
DE CONSUMO. Ementa da redação: Aplicam-se as regras do
Código de Defesa do Consumidor aos contrato que envolvam
crédito como os de mútuo, de abertura de crédito rotativo, de
cartão de crédito, de aquisição de produto durável por alienação
fiduciária, além de outros, desde que configurem relação jurídica
de consumo” (1º TACivSP – 7ª Câm. de férias de julho/97 – Ap. nº
732.366-4 – Rel. Juiz Barreto de Moura – j. 12.08.1997 – RT nº
750/292).
9
Ibidem, p. 72.
9
O artigo 17 do CDC equipara a consumidor todas as vítimas do
evento, no caso de responsabilidade pelo fato do produto ou serviço, portanto,
basta ser vitima decorrente de produto ou serviço para ser equiparado a
consumidor:
“AGRAVO DE INSTRUMENTO – AÇÃO ORDINÁRIA –
CONTAMINAÇÃO DE MORADORES DE BAIRRO PRÓXIMO À
REFINARIA, PELA EMANAÇÃO DE PRODUTOS TÓXICOS –
EXISTÊNCIA DE RELAÇÃO DE CONSUMO. O art. 17 do Código
de Defesa do Consumidor equipara ao consumidor qualquer
pessoa, natural ou jurídica, que venha a sofrer um dano, em
decorrência do fato do serviço. Assim sendo, e em princípio, cabe à
espécie a aplicação das regras do Código de Defesa do
Consumidor, e, entre elas, a da inversão do ônus da prova, cujos
pressupostos se acham presentes, já que verossímil a versão do
autor, confirmada pelas notícias jornalísticas, sendo ele
hipossuficiente. Correta, assim, a decisão recorrida, que objetiva
proteger a vítima do fato do serviço, equiparada a consumidor.
Desprovimento do recurso” (TJRJ – 10ª Câm. Civ. – AgIn. nº
5.587/02 – Rel. Des. Sylvio Capanema de Souza – j. 25.06.2002).
“DIREITO CIVIL – RESPONSABILIDADE CIVIL – FURTO EM
ESTACIONAMENTO – SHOPPING CENTER – VEÍCULO
PERTENCENTE A POSSÍVEL LOCADOR DE UNIDADE
COMERCIAL – EXISTÊNCIA DE VIGILÂNCIA NO LOCAL –
OBRIGAÇÃO DE GUARDA – INDENIZAÇÃO DEVIDA –
PRECEDENTES – RECURSO PROVIDO. I – Nos termos do
Enunciado 130/STJ, ‘a empresa responde, perante ao cliente, pela
reparação de dano ou furto de veículo ocorridos em seu
estacionamento’. II – A jurisprudência deste Tribunal não faz
distinção entre o consumidor que efetua a compra e aquele que vai
ao local sem nada a despender. Em ambos os casos, entende-se
pelo cabimento da indenização não decorre ao contrato de
depósito, mas da obrigação de zelar pela guarda e segurança dos
veículos estacionados no local, presumivelmente seguro” (STJ –
Resp. nº 437649/SP – Rel. Min. Sálvio de Figueiredo Teixeira – j.
06.02.2003).
No que se refere às práticas comerciais, o artigo 29 do CDC
equipara a consumidores todas as pessoas, determináveis ou não, expostas as
práticas nele previstas, assim, todas as pessoas físicas ou jurídicas expostas a
práticas abusivas são equiparadas a consumidores.
10
A expressão fornecedor está inserida no caput do artigo 3º do
Código de Defesa do Consumidor, in verbis:
“Artigo 3º: Fornecedor é toda pessoa física ou jurídica, pública ou
privada, nacional ou estrangeira, bem como os entes
despersonalizados, que desenvolvem atividades de produção,
montagem, criação, construção, transformação, importação,
exportação, distribuição ou comercialização de produtos ou
prestação de serviços”.
No mesmo artigo encontram-se ainda as definições acerca dos
produtos e serviços, inseridos respectivamente nos §§ 1º e 2º, in verbis:
“Artigo 3º: (...).
§ 1º – Produto é qualquer bem, móvel ou imóvel, material ou
imaterial.
§ 2º – Serviço é qualquer atividade fornecida no mercado de
consumo, mediante remuneração, inclusive as de natureza
bancária, financeira, de crédito e securitária, salvo as decorrentes
das relações de caráter trabalhista”.
Ao dispor sobre a Política Nacional de Relações de Consumo, a
lei faz indicações de que as necessidades dos consumidores, tais como a
dignidade, a saúde, a segurança, a proteção de seus interesses e a melhoria da
qualidade de vida (art. 4º) servem de importantes vetores para a identificação
do que deverá ser considerado quando da tipificação do que sejam as relações
de consumo a serem protegidas.
Sendo assim, o que se denomina de relações de consumo pode
ser depreendido como o processo ou o resultado da aquisição de bens e
serviços pelo consumidor final, de modo que possam ser garantidas as
condições de subsistência e manutenção para uma vida, não podendo ser
tratadas como mera compra e venda isolada para a aquisição de patrimônio,
ou riqueza, ou mesmo obrigação individual, vez que o comportamento
tutelado é o ordinário, reiterado, necessário e comum a grande quantidade de
11
pessoas. Amparam-se, assim, os interesses de massa, ao passo que a
característica mais marcante e nítida do regime jurídico das relações de
consumo pode ser considerada como o ser de massa, e desta forma,
transmudar-se na perspectiva que quis a Constituição Federal de 1988, ou
seja, incluindo a defesa do consumidor entre os direitos fundamentais e na
proteção da ordem econômica. (art. 5º, XXXII e art. 170, V).
Primeiramente, necessário será entender o fenômeno do
surgimento do direito do consumidor.
Etimologicamente, a palavra consumir, do latim consommare,
significa acabar, gastar, despender, absorver, corroer. Na linguagem dos
economistas, consumo se resume num ato pelo qual se completa a última
etapa de um processo que eles denominam de econômico.10
Tais relações de consumo há muito vinham sendo estudadas
apenas no âmbito da ciência econômica; hodiernamente, porém, fazem parte
também de uma linguagem jurídica.11
Na realidade, até há pouco tempo, o direito preocupava-se tão
somente com as relações singularmente consideradas, surgindo apenas
recentemente a preocupação com as relações de massa, exorbitantemente
multiplicadas entre consumidores e fornecedores, ao lado do aparecimento
dessa tão conhecida sociedade de massa.12
10
11
12
Newton de Lucca, Direito do consumidor: aspectos práticos, p. 20.
Calais-Auloy, Droit de la consommation, p. 06.
Ao lado da expressão sociedade de massa, já corriqueira desde algumas décadas, fala-se hoje,
igualmente, numa cultura de massa, fenômeno naturalmente decorrente da simples existência da
primeira. Este último termo, de feições contraditórias e utilizadas em caráter nitidamente pejorativo,
elevou um autor, Harould Rosenberg, a observar que se tratava de “dar ao Kitch uma dimensão
intelectual” circunstância que não exclui – antes parece confirmar – o fato de que a sociedade de
massa, quer a apreciemos ou não, dá fortes indícios de sua permanência no futuro previsível,
conforme oportunamente observado por Hannah Arendt, La crise de la culture, p. 253.
12
Em linhas opostas, a falsa idéia de que um consumidor é
favorecido pela livre concorrência dos mercados, pelas empresas, pelos
serviços postos à sua disposição podendo-se tornar um monarca do mercado,
sempre contribuiu para a fragilidade absoluta que o circunda. Entretanto,
alguns já previam a falha nesse contexto, conforme se observa em Zola e
Charles Gide.13
Contudo, a partir das décadas de 50 e 60, com o surgimento e
crescimento de macroempresas, com os produtos e métodos de produção cada
dia mais sofisticados, a grotesca figura do consumidor ditador foi sendo
desmistificada, observando-se de forma nítida e clara que o consumidor
estava revestido mais da figura da escravatura, do que da de suserano.
Reconheceu-se, enfim, a vulnerabilidade dos consumidores, atribuindo-lhes
direitos específicos e fazendo nascer a sua proteção.
Essa proteção não demonstrava uma autonomia disciplinar,
com especificidade própria, mas sim, uma interdisciplinaridade dentro
desse assunto, ao qual se atribuíram regras e princípios de direito
comercial, civil, penal, administrativo, econômico e processual que
passaram a conviver harmonicamente com a proteção e defesa do
consumidor, tão almejada.
Saliente-se, contudo, que o reconhecimento e análise destes
direitos estabelecidos favoravelmente aos consumidores, não levaram à
aceitação da existência desse direito do consumidor, ou de um direito do
consumo, como ramo autônomo do direito.14
13
14
Calais-Auloy, Droit de la consommation, p. 06.
“Um direito de consumo, como ramo autônomo do direito, à semelhança do direito civil, do
direito comercial ou do direito do trabalho, não existe em nosso sistema jurídico”. H. R.
Sangenstedt, Meire recht als verbraucher, p. 19.
13
Newton de Lucca, por exemplo, entende cabível o agrupamento
de normas específicas à proteção dos consumidores, adotando inclusive
institutos jurídicos próprios, levando-se em consideração a natureza daquelas
normas protetoras que se limitam a um conjunto de restrições e imposições
com relação à atividade produtiva e não ao interesse específico dos
consumidores.15
Encerrando esse ciclo de opiniões, que divergem e se completam
acerca das relações e tutelas consumeristas, surgem autores que, com ou sem
maiores questionamentos prévios, admitem a existência de um verdadeiro
direito do consumidor, concebido como um conjunto de normas com o intuito
de proteger os consumidores.16
Assim, esse ramo do direito, tem-se delimitado pela órbita do
direito comercial, com o qual se relaciona necessariamente, tendo em vista
que tanto empresário quanto empresa, formam o cerne do direito comercial
moderno, sendo um dos principais tipos de fornecedores do direito do
consumidor (obviamente, não o único e exclusivo).
Avançando nessa linha de raciocínio, o correto seria demarcar
o direito do consumidor por meio do direito econômico, no qual de certo
15
16
Newton de Lucca, Direito do consumidor: aspectos práticos, p. 33 e ss.
Calais-Auloy, Droit de la consommation, p. 19-20. Mostra o ilustre professor que existiram,
de rigor, duas concepções básicas : uma primeira, para a qual, o direito do consumo é o
conjunto de regras aplicáveis aos atos de consumo; e, uma segunda , para a qual o direito do
consumo é o conjunto de regras que tem por finalidade a proteção do direito dos
consumidores. Na verdade, conforme esclarece esse autor, essas concepções são muito
vizinhas uma da outra sem que coincidam inteiramente, parecendo-lhe por isso, o que mais
acertado seria a junção de ambas (p. 19): “Il convient donc dúnir lês deux ensembles. Lê droit
de la consommation, mais encore celles qui tendent à proteger les consommateurs, même si
elles ne sáppliquent pas directement à eux”. Neste sentido: Rodolfo de Camargo Mancuso,
Manual do consumidor em juízo, p. 01-02; João Batista de Almeida, A proteção jurídica do
consumidor, p. 43-44; Adolfo Mamoru Nishiyama, A proteção constitucional do consumidor,
p. 03-04; Renato Afonso Gonçalves, Banco de dados nas relações de consumo: a
manipulação de dados pessoais, os serviços de restrição ao crédito e o habeas data, p. 64.
14
modo ele se engloba, interpretando-o como um direito a relações
econômicas.17
A tarefa de constituição do direito do consumidor pode ser
considerada como algo bastante complexo, se este for encarado como ramo
autônomo do direito, como na verdade o é, ou seja, microssistema jurídico e
independente. Como é notório, em mais de um dispositivo, tais como o art. 90
que estabelece a aplicação das normas do CPC e da Lei de Ação Civil Pública
nas relações de consumo no que não contrariar suas disposições, além dos
arts. 110 e 117, nos quais o Código de Defesa do Consumidor cuidou de
indicar, “por vezes didática, como se dá ‘interação’ entre ações coletivas e
individuais, a par de esclarecer que o CPC e a lei de ação civil pública (nº
7.347/85) são de aplicação subsidiária nos casos em que for omisso o CDC
(art. 90)”.18 Todavia, torna-se animadora a determinação, em cada uma das
disciplinas integrantes da ciência jurídica deste microssomo de interesses dos
consumidores, que devem ser compartimentados e constituídos objeto de
princípios específicos, corroborando, assim, com nosso entendimento de que é
o direito consumerista autônomo em toda sua essência jurídica.
Nessa lógica pode-se adotar o posicionamento de Eduardo Pólo,
em sua obra La protección del consumidor em el derecho privado, onde se lê:
“Porém não é fácil – nem talvez útil ou desejável
metodologicamente falando – proceder a criação de um setor
específico do ordenamento jurídico que agrupe e ordene a
proteção e defesa do consumidor, não menos difícil se apresenta a
tarefa inversa de compartimentar este amplo leque de interesses
dignos de proteção em cada uma das disciplinas jurídicas que o
contemplam e o fazem objeto de suas normas. Em conseqüência,
quando falamos da proteção do consumidor no Direito privado ou
17
18
Ibidem, p. 15.
Rodolfo de Camargo Mancuso, Manual do consumidor em juízo, p. 02.
15
no direito público, tem que ser conscientes da inexatidão
terminológica que se comete, uma vez o Direito privado e o Direito
público se relacionam e influem reciprocamente neste tema a tal
ponto que raro é a parte ou parcela da problemática jurídica do
consumidor cujo tratamento exija normas de um ou outro caráter.
Se trata, uma vez mais de uma manifestação de dois conhecidos
fenômenos em cujo sugestivo exame resulta impossibilidade de
impedir nesta ocasião: de um lado, a generalização do Direito
mercantil como um Direito profissional que tende a
desprofissionalizar-se aplicando-se a um círculo de pessoas cada
vez maior, de outro, o direito privado à mercê de uma lenta
introdução das idéias sociais e a progressiva intervenção do
Estado no âmbito de atuação que tradicionalmente vinha
reservado à autonomia privada”.19
1.2 Gênese das Relações de Consumo
É fato notório que as relações de consumo tiveram uma evolução
enorme nos últimos tempos. Das operações de trocas de mercadorias que
existiam há muito, chegou-se, de modo progressivo, ao que atualmente se
conhece como operações de compra e venda, aos tão conhecidos arrendamentos,
ao leasing, às importações, dentre outras operações que renderiam linhas e mais
linhas nas suas descrições, mas, que, da mesma forma, envolveriam grandes
volumes de milhões de dólares. Foi-se o tempo em que as relações eram pessoais
19
Tradução livre de: “Pero si no es fácil – ni acaso útil o deseable metodológicamente hablando –
proceder a la creación de un sector específico del ordenamiento jurídico que agrupe y ordene la
protección y defensa del consumidor, no menos difícil se presenta la tarea inversa de
compartimentar este amplio abanico de intereses dignos de protección en cada una de las
disciplinas jurídicas que lo contemplan y lo hacen objeto de sus normas. En consecuencia, cuando
hablamos de la protección del consumidor en el Derecho privado o en derecho público, hay que ser
conscientes de la inexactitud terminológica que se comete, puesto que el Derecho privado y el
Derecho público se relacionan e influyen recíprocamente en este tema hasta tal punto que raro es el
sector o parcela de la problemática jurídica del consumidor cuyo tratamiento exija normas de uno u
otro carácter. Se trata, una vez más, de una manifestación de dos conocidos fenómenos en cuyo
sugestivo examen resulta imposible detenerse en esta ocasión: de un lado, la generalización del
Derecho mercantil como un Derecho profesional que tiende a desprofesionalizarse aplicando-se a
un círculo de personas cada vez mayor, de otra, la pulicización del derecho privado merced a una
lenta penetración de las ideas sociales y a la progresiva intervención del Estado en el ámbito de
actuación que tradicionalmente venía reservado a la autonomía privada”. Eduardo Polo, La
protección del consumidor en el derecho privado, p. 65.
16
e diretas; em dias atuais, as operações transformaram-se em impessoais e
indiretas, ainda mais se tomarmos por base os grandes centros urbanos. Hoje,
não existe mais uma preocupação quanto a saber quem é o vendedor, o
fornecedor ou o comprador. Existem imponentes estabelecimentos comerciais e
industriais, hipermercados fabulosos, shoppings centers, que se resumem em
conglomerados de lojas e oportunidades para a massificação dessas relações de
consumo. Importa ressaltar que a mecanização nos centros rurais colaborou para
o fenômeno do êxodo rural, fazendo com que as populações daquelas áreas
migrassem para as cidades, para as periferias dos grandes centros urbanos,
aumentando significativamente o número populacional, a conturbação e
deterioração dos serviços públicos essenciais. Houve uma mudança nos setores
industrializados, os bens de consumo passaram a ser produzidos em série,
levando-se em consideração o número crescente de consumidores. Ocorreu um
aumento na procura e aplicação de publicidade como meio de divulgação desses
produtos, produziu assim uma produção em massa, para um consumo de massa,
que gerou a tão conhecida sociedade de massa, atualmente muito sofisticada e
complexa.
Paulo Valério Dal Pai ensina que:
“Ao final do século XVIII, iniciou-se uma profunda alteração no
modelo de produção; a relação de trabalho, que até então tinha
caráter meramente individual e personalizado, converteu-se em
uma relação massificada e despersonalizada. A energia humana
foi substituída pela mecânica, e o trabalhador passou a ser
considerado um número, com funções restritas e invariáveis no
labor. Como conseqüência disso, a produção aumentou
imensamente e deu origem a um mercado de consumo seduzido
pelas inovações das quais o consumidor sequer noção possui
quanto à forma com que foram produzidas ou quanto aos eventuais
problemas que podem acarretar”.20
20
Paulo Valério Dal Pai, Código do consumidor: o princípio da vulnerabilidade no contrato, na
publicidade e nas demais práticas comerciais, p. 39.
17
Ressalva seja feita que existe por parte das pessoas uma forte
confiança, uma entrega total, quando se fala em consumir. Observe-se que
não existe um prequestionamento pelos indivíduos, quando vão comprar um
pão para seu café da manhã, no sentido de saber se o padeiro lavou
corretamente as mãos antes de fabricar aquele alimento, ou se o leite sofreu o
adequado processo de pasteurização, ao contrário, o que existe é uma entrega
completa por parte dos indivíduos em relação ao consumo.
Temos ainda que a livre iniciativa privada cedeu espaço à
grande concentração dos meios de produção, fazendo surgir os
monopólios, oligopólios, responsáveis por toda uma alteração nas
relações mercantis. 21
Toda essa mudança fez surgir o capitalismo em sua forma
exacerbada, apoiado em um desenvolvimento produtivo, estabelecendo a
sociedade de consumo como novo modelo social, ou, como preferem alguns
autores, a mass consumtion society.22
É nesse momento que se desenvolve a produção em série
supracitada, com uma redução de custo essencial, e uma busca incansável de
um número cada vez maior de consumidores dispostos a adquirirem seus
produtos, e as empresas visando exclusivamente ao lucro, tão almejado nas
sociedades capitalistas.
Tal demanda trouxe ao mercado consumerista a ampliação dos
sistemas de marketing vastamente persuasivo, indutor e controlador das
pessoas, capaz até mesmo de condicionar suas condutas consumistas.
21
22
Ibidem, mesma página.
Maria Antonieta Zanardo Donato, Proteção ao consumidor, p. 17.
18
O que deveria vir em prol do consumidor, antes de beneficiá-lo,
deixou-o numa situação de extrema fragilidade e vulnerabilidade em relação
ao fornecedor, de modo que houve uma preemente necessidade de
intervenção hierárquica para o fim de salvaguardar o equilíbrio social,
buscando condições mínimas ou mesmo máximas para esse fim.23
Foi então que os Estados do mundo inteiro, com maior ou menor
preocupação, passaram a intervir nas relações de consumo, buscando o fim
único de regulá-las, igualando os participantes das mesmas, igualando suas
forças na busca de uma harmonização para o funcionamento econômico, vez
que somente assim se alcançaria equilíbrio e harmonia social.24
João Batista de Almeida considera natural que a evolução das
relações de consumo viessem a refletir nas relações sociais, econômicas e
jurídicas, admitindo inclusive que a proteção dos consumidores foi uma
conseqüência direta das modificações ocorridas nestes últimos tempos nas
relações de consumo.25
Em relação ao surgimento dessa tutela do consumidor, Camargo
Ferraz, Milaré e Nelson Nery Júnior evidenciaram que:
“O surgimento dos grandes conglomerados urbanos, das
metrópoles, a explosão demográfica, a revolução industrial, o
desmensurado desenvolvimento das relações econômicas, com a
produção e consumo em massa, o nascimento dos cartéis, holding,
multinacionais e das atividades monopolísticas, a hipertrofia da
intervenção do Estado na esfera social e econômica, o
aparecimento dos meios de comunicação de massa, e, com eles, o
fenômeno da propaganda maciça, entre outras coisas, por terem
23
24
25
Ibidem, p. 18.
James Marins, Responsabilidade da empresa pelo fato do produto, p. 29.
João Batista de Almeida, A proteção jurídica do consumidor, p. 02.
19
escapado do controle do homem, muitas vezes voltaram-se contra
ele próprio, repercutindo de forma negativa sobre a qualidade de
vida e atingindo inevitavelmente os interesses difusos. Todos esses
fenômenos, que se precipitaram num espaço de tempo
relativamente pequeno, trouxeram a lume a própria realidade dos
interesses coletivos, até então existentes de forma ‘latente’,
despercebidos”.26
Othon Sidou, ressalta em sua obra Proteção ao consumidor que:
“(...) o que deu dimensão enormíssima ao imperativo cogente de
proteção ao consumidor, ao ponto de impor-se como tema de
segurança do Estado no mundo moderno, em razão dos atritos
sociais que o problema pode gerar e ao Estado incumbe delir, foi o
extraordinário desenvolvimento do comércio e a conseqüente
ampliação da publicidade, do que igualmente resultou, isto sim, o
fenômeno conhecido dos economistas do passado – a sociedade do
consumo, ou o desfrute pelo simples desfrute, a aplicação da
riqueza por mera sugestão consciente ou inconsciente”.27
Por seu turno, Ricardo Hasson Sayeg faz compreender de forma nítida
que, conforme o indivíduo se integra na sociedade, por meio de seu nascimento, são
criadas e desenvolvidas necessidades que não são apenas aquelas que a maioria das
pessoas entendem como básicas à sua sobrevivência, tais como as necessidades
alimentares, de higiene, dentre outras. Ao contrário, quando um indivíduo se integra
numa sociedade, ele tende a necessitar de tudo quanto a sociedade possa lhe
oferecer, de acordo com a sua integração nessa mesma sociedade, exemplificando,
podemos considerar as vestimentas compatíveis com os costumes e a situação
social em que estes indivíduos se encontram.28
Por óbvio, tais necessidades vinculadas à integração social
coagem o indivíduo a satisfazê-las, haja vista a realidade inevitável de ter que
pagar, a duras penas, o preço do prestígio social. O constrangimento e a
26
27
28
Camargo Ferraz, A ação civil pública e a tutela jurisdicional dos interesses difusos, p. 54-55.
Othon Sidou, Proteção ao consumidor, p. 05.
Ricardo Hasson Sayeg, Práticas comerciais abusivas, p. 19.
20
infelicidade são conseqüência que muitas vezes, certos comportamentos
trazem ao indivíduo, na ânsia do consumo, por vezes intenso e cruel, não
alcançado. Nesse passo ainda, muitas vezes o indivíduo é levado a práticas
delituosas para obtenção de tais requisitos sociais.
A satisfação que se traz a lume não fica restrita aos bens e usos
reservados à necessidade de sobrevivência de cada um, mas também se
relaciona com a satisfação de adquirir bens econômicos ou serviços que
forçam os portadores de tais necessidades a contratarem o que corresponde ao
móvel de todo o mercado de consumo.
Todavia, como bem acrescenta Ricardo Hansson Sayeg, se
ocorrer uma situação monopolística, como por exemplo uma concorrência
imperfeita, o sujeito de tal necessidade estará sendo forçado a contratar com o
titular da respectiva posição dominante de mercado, o qual, por essa razão,
coloca-se em um status de superioridade em relação a seu consumidor que,
por sua inferioridade, vê prejudicada sua autonomia de vontade, submetendose às leis unilateralmente impostas pelo fornecedor, via de conseqüência,
tornando-se vulnerável aos abusos.29
1.2.1 Evolução da Proteção ao Consumidor no Direito Comparado
1.2.1.1 Na Itália
A regulamentação das relações de consumo na Itália,
conforme assinala José Geraldo Brito Filomeno, ocorre da seguinte forma:
29
Ibidem, p. 20.
21
nas causas romanas, defendidas por Cícero, o adquirente de bens de consumo
duráveis recebia sempre a garantia de que seriam sanadas quaisquer
deficiências ocultas nas operações de venda e compra.30
Mesmo os romanos, apesar do prestígio de que dispunham
em sua ordem jurídica da autonomia da vontade nas negociações e do respeito
à propriedade privada, a exemplo da Lei das Doze Tábuas, tiveram sua
história marcada pelo intervencionismo de Roma sobre a atividade econômica
em seu território e nos territórios conquistados.31
No período do império de Deocleciano (284 a 305 d.
C.), era comum a prática de controle de abastecimento de produtos,
ainda mais nas regiões conquistadas, havia ainda a decretação de
congelamento de preços, em virtude do processo inflacionário,
ocasionado em parte pelo déficit do tesouro imperial na manutenção das
hostes de ocupação. 32
Destaca-se
naquela
época
o
conhecido
Edito
de
Deocleciano, que promoveu a reforma da moeda corrente com o fim de atacar
a inflação. Neste Edito, conhecido como Edito do Preço Máximo, o
Imperador fixou os salários e preços das mercadorias e serviços,
regulamentando inclusive a emissão de moeda, com severíssimas punições
para os infratores.33Importa ressaltar que a primeira lei sobre o monopólio é
romana, sendo que fora proclamada pelo imperador Zenon, sob o título
Monopollis, de acordo com o que se observa no livro 4, § 59, do Código
Justiniano.
30
31
32
33
José Geraldo Brito Filomeno, Manual de direitos do consumidor, p. 23.
Ibidem, p. 23-24.
R. H. Barrow, Los romanos, p. 176 e ss.
Ibidem, mesma página.
22
Fábio Konder Comparato34 esclarece que, no direito
romano clássico, o vendedor não respondia pelos vícios da coisa, desde que
fossem por ele desconhecidos, sendo que foi no direito justiniano que a
responsabilidade mencionada começou a ser atribuída a ele, não perquirindo
conhecimento ou não do defeito.
Acrescenta ainda que as ações redibitória e quanti minoris,
ambas amparadas na boa-fé do comprador, eram os instrumentos existentes
para ressarcimento em caso de vícios ocultos na coisa posta em venda,
deixando claro que lhe cabia devolver em dobro o que houvesse recebido.
No período romano, ainda que indiretamente falando,
diversas leis atingiam o consumidor, tais como: a Lei Semprônia de 123 a.C.,
encarregando o Estado da distribuição de cereais abaixo do preço de mercado;
a Lei Clódia do ano 58 a.C., reservando o benefício de tal distribuição aos
indigentes; a lei Aureliana, do ano 270 da nossa era, determinando fosse feita
a distribuição do pão diretamente pelo Estado. Foram leis ditadas pela
intervenção do Estado no mercado frente às dificuldades de abastecimento
havidas nessa época em Roma.35
Com a decadência do Império romano, e a Europa toda
fragmentada política e economicamente, tornando os mercados inicialmente
dispiciendos, com economia basicamente agrícola e feudal em seu segundo
período econômico, constituíram-se mercados regionais, fundados no
aparecimento das cidades, os burgos, implicando atualmente a determinação
dos burgueses, surgindo a denominação da tão conhecida burguesia, tida
como a classe dos titulares dos meios de produção.
34
35
Enciclopédia saraiva do direito, vol. 18, p. 439.
Paul Hugon, História das doutrinas econômicas, p. 42.
23
Diferentemente do que se pensa, esse período foi de
elevada importância no que se refere à disciplina jurídica da atividade
negocial. Influenciado pela doutrina católica, desenvolveu-se o princípio da
moderação, que enunciava o respeito à propriedade privada, não em sentido
absoluto, mas devendo atender à respectiva finalidade social.36
Assim, desenvolveu-se, ainda, o princípio do equilíbrio,
pelo qual entendia-se que o preço das mercadorias deveria ser estabelecido
por critérios de justiça e igualdade, nunca especulativos, ou seja, o conhecido
preço justo.37
Imediatamente, o direito canônico impôs para a atividade
negocial severas restrições, cujo mais destacado teórico foi Santo Tomás de
Aquino, em sua Summa Theologica, na qual referindo-se à fraude na compra e
venda, à justiça na troca, e à usura, expressava claramente o pensamento juriseconômico medieval, e, em decorrência, os princípios da moderação e do
equilíbrio.38
Nos dias atuais a Constituição Italiana tutela os
interesses dos consumidores de forma indireta, estabelecendo em seu
artigo 41 que:
“A iniciativa econômica privada é livre. A mesma não pode se
desenvolver em contraste com a utilidade social ou de uma forma
que possa acarretar dano à segurança, à liberdade, à dignidade
humana. A lei determina os programas e os adequados controles, a
fim de que a atividade econômica pública e privada possa ser
dirigida e coordenada para fins sociais”.39
36
37
38
39
Ibidem, p. 49 e ss.
Ibidem, p. 52 e ss.
Idem, Economistas célebres, p. 55 e ss.
Voltaire de Lima Morais, Da tutela do consumidor, p. 11-12.
24
Seguindo as diretrizes da Comunidade Comum Européia, a
Itália conta hoje com um sistema de defesa do consumidor e do meio
ambiente, por meio da Lei nº 281, de 30 de julho de 1998 , não tão específico
e rico quanto o nosso, mas que prevê inúmeras situações de reequilíbrio
contratual, cria regras para o surgimento de associação de consumidores,
regras de publicidade e propaganda e regula a responsabilidades dos
fornecedores.
1.2.1.2 Na França
Recordando Lemer, na Europa medieval a proteção dos
consumidores previa penas inibidoras para lesão a estes, ao passo de serem
previstas penas vexatórias para quem adulterasse substâncias alimentícias. O
rei Luiz XI, na França do século XV (1481), punia com banho escaldante
quem vendesse manteiga com pedras no seu interior, para aumentar o peso ou
o leite com água para inchar o volume.
Em conformidade com José Geraldo Brito Filomeno, no
início do século XVI, era obrigatório que se anunciasse a procedência e o nome
do vinho que fosse adulterado com o acréscimo de água ou falsificação do nome,
sendo o culpado apenado com o suplício de ter de bebê-lo até a asfixia.40
Na França existem várias instituições privadas que se
dedicam ao proselitismo e à publicidade na defesa dos consumidores, como a
Union Fédérale de la Consommation ou o Institut National de la
Consommation.41
40
41
José Geraldo Brito Filomeno, Manual de direito do consumidor, p. 28.
Caio Tácito, Direito do consumidor, p. 15.
25
Medidas foram tomadas visando a conter as práticas
abusivas, conforme seguem: em 1905 procurou combater a fraude e a
falsificação de produtos alimentícios; em 1951 combateu a venda com
prêmios; em 1963 promoveu a repressão à publicidade enganosa.
Segundo
Ada
Pellegrini
Grinover,
na
França
contemporânea, em 1973, levando-se em consideração a fraqueza individual
do consumidor, legitimaram-se as associações de defesa para a tutela em juízo
de interesse coletivo do grupo que representavam. Essas associações
protegeriam os consumidores no processo de reparação coletiva do dano
comum.42
No ano de 1973 editou-se a referida Lei para orientação do
comércio, oferecendo mecanismos de proteção ao pequeno comerciante e aos
consumidores; em 1978 editou-se a Lei nº 78-22, para regular o crédito ao
consumidor e a Lei nº 78-23, para o controle das cláusulas abusivas.43
Contudo, em virtude da edição da Lei nº 92-60, cujo
escopo é a proteção ao consumidor, a França caminha para a edição de um
Código para disciplinar as relações de consumo entre os fornecedores e
consumidores.44
Em 1995 foi editada a Lei nº 95-96, que veio modificar
alguns dos artigos do Código de Consumo (Code de la Consommation),
introduzindo o artigo 132-1, cujo teor, prevê que nos contratos concluídos entre
profissionais e não profissionais, ou consumidores, são abusivas as cláusulas que
42
43
44
Ada Pellegrini Grinover, A tutela dos interesses difusos no direito comparado, p. 82.
Josimar Santos Rosa, Relações de consumo: a defesa dos interesses de consumidores e
fornecedores, p. 30.
Ibidem, mesma página.
26
criem, em detrimento do não profissional ou consumidor, um desequilíbrio
significante entre os direitos e obrigações das partes contratantes.45
Outra
incorporada
no
direito
figura
francês
interessante
é
o
que,
chamado
recentemente,
fora
Superendividamento,
caracterizado pela concessão desordenada de créditos a consumidores já
endividados. Importa ressaltar que no direito francês, em se tratando de
superendividamento, existe a boa-fé do devedor, que é presumida.46
1.2.1.3 Nos Estados Unidos da América
Nos Estados Unidos a repressão às fraudes de comércio
remonta à lei de 1872 e à legislação antitruste, de que é modelo a Lei
Sherman de 1980.47
A Federal Trade Commission, constituída em 1914 e, mais
recentemente, o Office of Consumer Affairs são órgãos públicos na defesa dos
interesses da comunidade que, a seu turno, se organiza em iniciativas
privadas, de que são modelo campanhas comandadas por Ralph Nader, de
notória repercussão e eficiência.48
Mas foi, notadamente, a partir do governo Kennedy que a
proteção ao consumidor americano recebeu os modernos diplomas legais,
entre os quais podemos citar os seguintes: Consumer Credit Protection Act
45
46
47
48
Vitor Vilela Guglinski, O princípio da boa-fé como ponto de equilíbrio nas relações de
consumo. Disponível em: <http://ww.jus.com.br/doutrina/texto.asp?id=4706>. Acesso em: 13
set. 2004.
Ibidem. Disponível em: <http://ww.jus.com.br/doutrina/texto.asp?id=4706>. Acesso em: 13
set. 2004.
Ricardo Hasson Sayeg, Práticas comerciais abusivas, p. 23-24.
Caio Tácito, Direito do consumidor: o direito na década de 1990 – novos aspectos, p. 15.
27
(1983), que obriga o agente financeiro a informar ao consumidor as condições
e encargos do financiamento dos bens adquiridos, e mais, obriga que o
consumidor seja convenientemente informado sobre as razões que
determinam a recusa de créditos; Consumer Legal Remedies (1969), que
regula a publicidade comercial, atribuindo aos produtores ou comerciantes de
determinado bem responsabilidade legal por sua qualidade e eficácia;
Magnuson-Moss Warranty Act (1975), que exige do fabricante a garantia dos
produtos acima de certo valor. As condições de garantia, inclusive os prazos,
devem constar dos produtos de venda ou embalagem dos produtos.49
Nos Estados Unidos da América existem mais de 600
entidades privadas de proteção ao consumidor. Algumas, em que pese serem
particulares, dispõem de modernos meios de atuação, mantidos por
subvenções de toda natureza.
Existem basicamente cinco agências governamentais
especializadas na proteção ao consumidor, como a já mencionada Federal
Trade Comission, órgão máximo do sistema em âmbito federal, cujos
encargos são de regulamentação e fiscalização das práticas negociais em todo
o país; o Consumer’s Education Office, criado para promover e administrar
programas educacionais voltados para formação e treinamento de pessoal
especializado em consumer affair e para educar e orientar o consumidor; o
Food and Drug Administration, que cuida da fiscalização de produtos
comestíveis, farmacêuticos, cosméticos e drogas, com laboratórios espalhados
por todo o país; o Consumer Product Safety Comission, responsável por fixar
as normas e padrões de segurança dos produtos e fiscalizar sua aplicação; o
Small Claim Courts, que equivalem aos nossos juizados de pequenas causas,
49
Luis Otávio de Oliveira Amaral, História e fundamentos do direito do consumidor, p. 35.
28
que se acham espalhados por todo o país, protegendo o consumidor e
desobstruindo a justiça comum.
Ressalte-se que em 1962 o tema ganhou um grande
impulso nos Estados Unidos, quando John Kennedy assumiu a bandeira da
defesa do consumidor, em plena campanha eleitoral para a Presidência da
República, e, uma vez eleito, já em sua primeira mensagem ao congresso
passou a cuidar do assunto, consagrando os direitos básicos do consumidor,
que, mais tarde, viriam a ser encampados pelas Nações Unidas.50
Além disso os americanos contam, ainda, na esfera da
Administração Pública Federal, com uma comissão específica e um assistente
especial, ambos vinculados à Presidência da República.51
1.2.1.4 Na Organização das Nações Unidas
A Assembléia Geral das Nações Unidas aprovou, em 16 de
abril de 1985, a Resolução n° 39/248, que, pela compilação de normas
esparsas anteriores,52 tratou da proteção ao consumidor.
O princípio fundamental que orienta essa Resolução,
consta do item 2 de seu Anexo, intitulado Diretrizes para a Proteção do
Consumidor, expresso nos seguintes termos:53
50
51
52
53
Stephan Klaus Radloff, A inversão do ônus da prova no código de defesa do consumidor, p.
13.
Luis Otávio de Oliveira Amaral, História e fundamentos do direito do consumidor, p. 35.
Entre estas normas podem ser citadas: Resolução nº 1.981/62 do Conselho Econômico e
Social da ONU, datada de 23 de julho de 1981 e, a Resolução nº 38/147 da Assembléia Geral,
datada de 19 de dezembro de 1983, bem como a Resolução nº 1.984/63 do Conselho
Econômico e Social, de 26 de julho de 1984.
Roberto Basilone Leite, Introdução ao direito do consumidor, p. 31.
29
“Os governos devem desenvolver, fortalecer ou manter vigorosa
política de proteção ao consumidor, levando em conta as diretrizes
definidas pela própria sociedade. Para tanto, cada Governo deve
fixar suas próprias prioridades para a proteção dos consumidores,
de acordo com as circunstâncias econômicas e sociais do país e as
necessidades de sua população, tendo em mente os custos e
benefícios das medidas propostas”.54
O item 3 do mesmo Anexo estabelece os princípios da
proteção ao consumidor:55
“As necessidades legítimas que as normas de cada país devem ter
em vista são as seguintes: a) a proteção dos consumidores contra
os perigos à sua saúde e segurança; b) a promoção e proteção aos
interesses econômicos dos consumidores; c) o acesso do
consumidor à informação adequada, que o esclareça o suficiente
para que ele possa fazer com segurança suas escolhas, de acordo
com seus desejos e necessidades; d) a educação do consumidor; e)
a criação de meios para a efetiva reparação de danos sofridos pelo
consumidor; f) a liberdade para a formação de grupos ou
organizações de consumidores e outros pertinentes, e a criação de
canais por meios dos quais essas organizações possam participar
dos processos de decisão que os afetem”.56
1.2.1.5 Na Comunidade Econômica Européia
O primeiro instrumento oficial a tratar da proteção ao
Consumidor no âmbito da Comunidade Econômica Européia foi a Carta de
54
55
56
Tradução espontânea de: “Governments should develop, strengthen or maintain a strong
consumer protection policy, taking into account the guidelines set out below. In so doing, each
Government must set its own priorities for the protection of consumers in accordance with the
economic and social circunstances of the country, and the needs of its population, and
bearnng in mind the costs and benefits of proposed measures”.
Roberto Basilone Leite, Introdução ao direito do consumidor, p. 31.
Tradução espontânea de: “The legitimate needs wicht the guidelines are intended to meet are
the following: a) The protection of consumers from hazards to their health and safety; b) The
promotion and protection of the economic interests of consumers; c) Access of consumers to
adequate information to enable them to make informed choices according to individual wishes
and needs; d) Consumer education; e) Availability of effective consumer redress; f) Freedom
to form consmer and other relevant groups or organization and the opportunity of such
organizations to present their views in decision-making processes affecting them”.
30
Proteção ao consumidor, aprovada pela Resolução n° 543, de 17 de maio de
1973, que trouxe a definição de consumidor e algumas regras gerais de
proteção.57
O conselho da Comunidade Européia editou em 14 de abril
de 1975, uma nova resolução, por meio da qual instituiu o programa
preliminar de política de proteção e informação aos consumidores, alicerçado
em cinco categorias básicas de direitos: a) direito à proteção da saúde e da
segurança; b) direito à proteção dos interesses econômicos; c) direito à
reparação de prejuízos; d) direito à informação e educação; e) direito à
representação junto aos órgãos de decisão.58
O segundo programa de proteção ao consumidor foi
instituído aos 18 de maio de 1981. A primeira diretiva sobre a
responsabilidade pelo fato do produto defeituoso surgiu em 25 de julho de
1985.
O Tratado constitutivo de la Comunidad Económica
Europea, firmado em Roma a 25 de março de 1957, consiste no código
normativo fundamental daquela Comunidade. Nele foram implementadas
alterações, por ocasião do Tratado de la Union Europea firmado em
Maastricht a 7 de fevereiro de 1992.59
Consideradas as devidas alterações, o Tratado de Roma
prevê hoje algumas regras relativas ao consumidor, como ora se passa a
expor:60
57
58
59
60
Roberto Basilone Leite, Introdução ao direito do consumidor, p. 32.
Ibidem, mesma página.
Ricardo Alonso Garcia, Tratado de la union europea, p. 19.
Roberto Basilone Leite, Introdução ao direito do consumidor, p. 32-33.
31
O artigo 92.1 do Tratado autoriza os Estados-membros a
concederem auxílios de caráter social a consumidores individuais, desde que
isso não afete as relações comerciais entre os países-membros.
O artigo 100.ª3 propõe a uniformização das legislações dos
países-membros em matéria de proteção ao consumidor, tomando por base o
nível de proteção mais elevado.
O artigo 129.A.1-3 esclarece que o alto nível de proteção
recomendado depende da observância, por parte de cada país-membro, das
seguintes regras: a) adoção de medidas internas tendentes à uniformização da
legislação com a dos diversos países-membros; b) ações concretas que apóiem
e complementem a política a cargo pelos Estados-membros, a fim de proteger
a saúde, a segurança e os interesses econômicos dos consumidores, e de
garantir-lhes informações adequadas; c) a fixação de normas protetivas pelo
Conselho da Europa não impede que cada Estado-membro adote medidas
mais protecionistas, desde que sejam compatíveis com os demais princípios
do Tratado de Roma.
1.2.1.6 No Mercado Comum do Cone Sul
O Mercosul, como é conhecido, foi criado pelo Tratado de
Assunção, firmado em 26 de março de 1991 pelo Brasil, Argentina, Paraguai
e Uruguai.
Por meio da harmonização entre as legislações dos países
integrantes do bloco, pretendem os povos do Cone Sul implantar, por etapas,
a união aduaneira e a livre circulação de bens e serviços no âmbito dos
32
Estados-membros, bem como uma política comercial coordenada e uniforme
em face de outros Estados.
Tal projeto se sustenta sobre as chamadas cinco
liberdades, quais sejam: de empreendimento, de concorrência, de circulação
de bens e serviços, de circulação de trabalhadores e de circulação do capital.
Dessa forma, a legislação de cada país-membro terá de ser
gradativamente adaptada para que se consiga a uniformização necessária. A
liberdade de circulação de bens e serviços está diretamente vinculada às leis
de defesa do consumidor, uma vez que estas implicam certas limitações e
controles à livre circulação.61
Ocorre que a legislação brasileira de proteção ao
consumidor é bem mais rigorosa e moderna do que as leis esparsas existentes
na Argentina62 e no Paraguai.63 O Uruguai, por seu turno, nem mesmo possui
legislação sobre o assunto.
Os países, cujas exigências legais de qualidade são menos
rigorosas, vislumbram entraves para a comercialização no Brasil de seus
produtos que precisam se adaptar às exigências da lei brasileira, ao passo que
em seus próprios territórios, os requisitos de qualificação técnica são bem
menores.
Haja vista o Tratado de Assunção, que consagra o princípio
da reciprocidade dos direitos e deveres de cada Estado-membro. Essa questão
61
62
63
Ibidem, p. 33.
Argentina, Ley nº 24.999, de 1º de julho de 1998. Modifica a Ley nº 24.240/93, de proteção ao
consumidor.
Paraguai, Ley nº 1.334, de 27 de outubro de 1998, proteção ao consumidor.
33
terá de ser solucionada seja pela amenização da lei brasileira, seja pela aprovação
de leis de defesa ao consumidor mais severas nos países vizinhos.
Assim,
no
Mercosul
não
existe
nenhuma
norma
regulamentadora das relações de consumo. O Comitê Técnico nº 7, da
Comissão de Comércio do Mercosul elaborou o Projeto de Protocolo de
Defesa do Consumidor, consistente num código unificado destinado a vigorar
em todos os países-membros. O projeto foi aprovado pelo Ministério da
Justiça do Brasil, em 29 de novembro de 1997, mas acabou sendo rejeitado
pela própria Comissão de Comércio do Mercosul em 6 de dezembro de 1997,
sobretudo porque impedia que os países-membros fixassem normas nacionais
de proteção mais severas.64
Existem algumas imperfeições nesse projeto, destacandose o fato de ser por demais minucioso, sendo que, na realidade, dever-se-iam
prever apenas “(...) normas básicas, que assegurassem um patamar mínimo
comum nos quatro países, mas que permitissem a manutenção das normas
nacionais mais severas de proteção da saúde, segurança e interesses
econômicos dos consumidores”.65
O único dispositivo do Tratado de Assunção, destinado, de
certa forma, a proteger o consumidor, é absolutamente genérico e encontra-se
no artigo 2° do Anexo I, que, ao tratar do comércio internacional, assegura “a
proteção da vida e da saúde das pessoas”. Como se constata, a legislação do
Mercosul ainda carece de normas que regulamentem as relações de consumo
e os direitos dos consumidores.66
64
65
66
Roberto Basilone Leite, Introdução ao direito do consumidor, p. 34.
Cláudia Lima Marques, Mercosul como legislador em matéria de direito do consumidor:
crítica ao projeto de protocolo de defesa do consumidor, p. 75.
Roberto Basilone Leite, Introdução ao direito do consumidor, p. 34.
34
Desse modo, conquanto não exista nenhuma norma que
sistematize a defesa do consumidor, existe uma grande tendência social no sentido
da adoção de um regulamento interpartes nos moldes do Código de Defesa do
Consumidor brasileiro, que assegure o aclamado alto nível de proteção.67
1.2.1.7 Outros Países
Na Pérsia e na Índia consta da historicidade mundial que a
atividade econômica está disciplinada desde a antiguidade. Na Lei Mosaica, o
libertador do povo hebreu do Egito proclamava a palavra como sendo de
Deus, fazendo-se perpetuar na Bíblia no Levítico, 19, 36 e no Deuteronômio
23, 19 usque 15, impondo-se a honestidade no comércio, assim como a
proibição da usura entre os judeus.68
O Código de Hamurabi, da legislação babilônica de 2.300
a. C., é tido como um dos principais diplomas acerca desse assunto; nos §§
215 usque 240, disciplinam-se direitos e obrigações de classes profissionais e
nos §§ 241 usque 277, encontram-se regulamentos sobre preços e salários.69
Conforme se observa na obra de Altamiro José dos Santos:
“No tempo de Hamurabi o comércio era, sem dúvida,
supervisionado e regulamentado pelo palácio (...). Já naquela
época, havia regulamentação do comércio, supervisão e controle
estava a cargo do palácio. Se havia preocupação com o lucro é
porque o consumidor já estava tendo seus interesses resguardados
naquela época”.70
67
68
69
70
Ibidem, mesma página.
Ricardo Hasson Sayeg, Práticas comerciais abusivas, p. 20.
Emanuel Bouzon, Código de hamurabi, p. 29.
Revista do IAP, Direito do consumidor, p. 78-79.
35
José Geraldo Brito Filomeno observa que consoante a lei
235 do Código de Hamurabi, o construtor de barcos estava obrigado a refazêlo em caso de defeito estrutural, dentro do prazo de até um ano; o que se pode
ser considerar em dias atuais como uma noção delineada do vício
redibitório.71
Tal diploma jurídico prescrevia a regra contra o
enriquecimento em detrimento de outrem (lei 48 – modificabilidade unilateral
dos ajustes por desequilíbrio nas prestações, em razão de forças da natureza).72
O Código de Hamurabi prescrevia que paredes deficientes
na construção de uma casa obrigavam o arquiteto a reconstruí-las ou
consolidá-las
com
seus
próprios
recursos.
Prescrevia,
ainda,
que
desabamentos com vítimas fatais responsabilizavam o empreiteiro da obra ao
reparo dos danos havidos e a pena de morte lhe era aplicada, caso o
desabamento vitimasse o chefe da família. Se morresse o filho do dono da
obra, a pena de morte era aplicada ao respectivo parente do empreiteiro e
assim por diante. Previa-se também indenização completa e pena de morte
para o cirurgião que operasse alguém com bisturi de bronze e lhe provocasse
a morte por imperícia.73
Na Índia do século XIII a.C., o sagrado Código de Massu
previa multa, punição e ressarcimento de danos aos adulteradores de gêneros
(lei 367) ou aos que entregassem mercadoria de espécie inferior à acertada, ou
que vendessem bens de igual natureza (lei 698).74
71
72
73
74
José Geraldo Brito Filomeno, Manual de direito do consumidor, p. 23.
Luiz Amaral, As modernas relações de consumo: um novo capítulo do direito econômico, p.
107.
José Geraldo Brito Filomeno, Manual de direitos do consumidor, p. 23.
Ibidem, mesma página.
36
Na constituição da Espanha, de 1978, procurou-se,
prioritariamente, dar ao Poder Público o dever de proteção ao consumidor,
nos âmbitos econômico e social.75
Assim, o artigo 71 da Constituição espanhola estabelece
norma direta de tutela do consumidor, ao dispor que:
“1. Os Poderes Públicos garantirão a defesa dos consumidores e
utentes e protegerão, por meio de processos eficazes, a sua
segurança, a sua saúde e os seus legítimos interesses econômicos.
2. Os Poderes Públicos promoverão a informação e a educação
dos consumidores e utentes, fomentarão as suas organizações e
ouvirão essas organizações nas questões que os possam afectar,
nos termos a estabelecer pela lei”.76
Concorrendo para a concretização dessa expectativa, que
gerou a Carta Magna Espanhola, no ano de 1984 editou-se uma lei para
proteção e defesa de consumidores e usuários.77
Na esteira da defesa do consumidor, editou-se a Lei nº
29/81, de 22 de agosto de 1981, que permitiu a criação do Instituto Nacional
de Defesa do Consumidor.
A consolidação desse processo ocorreu com a edição do
Decreto-lei nº 446/85, de 25 de outubro de 1985, estabelecendo mecanismos
de controle e proteção à pratica negocial.
Isabel Espin Alba esclarece que:
75
76
77
Voltaire de Lima Moraes, Da tutela do consumidor, p. 12.
Ibidem, mesma página.
Josimar Santos Rosa, Relações de consumo: a defesa dos interesses de consumidores e
fornecedores, p. 31.
37
“O fundamento de uma proteção especial para os consumidores
está dogmaticamente relacionada com a evolução do conceito de
ordem publica de proteção, entendido como conjunto de princípios
que se aplicam para a estabilização nas relações econômicas e
sociais”.78
Em La Protección de los Consumidores y Usuarios y la
Constitución Española de 1978, lê-se o seguinte:
“(...) na Europa podem ser encontrados precedentes do movimento
consumerista na década de 1830-1840, inferior à forma de
cooperativas. Este movimento está unido aos intentos da empresa
comunitária levados a cabo por socialistas utópicos (R. Owen,
Charles Fourier, Willian King, Michael Derrion, Saint Simon,
Philippe Buchez, Louis Blanck). Eram os anos do desenvolvimento
da industrialização, do capitalismo selvagem, e como
conseqüência surgiu um proletariado submerso na miséria e na
desesperança. Em 1844 criou-se La Rochdale, no principio como
cooperativa de consumo, transmudando-se dez anos depois numa
empresa de produção”.79
Ressalte-se que a regra consumerista espanhola se assemelha
bastante ao nosso Código de defesa do Consumidor, consignando a boa-fé como
requisito para o equilíbrio nas relações de consumo. Essa regra está disposta no
artigo 10 da lei General para la Defesa de los Consumidores y Usuários.80
Em conformidade com os ensinamentos de Ada Pellegrini
Grinover, o início da proteção ao consumidor, na Alemanha, acontece desde
78
79
80
Isabel Esbin Alba, Algunas consideraciones sobre el derecho de consumo de España, p. 73.
Tradução livre de: “(...) en Europa pueden encontrarse precedentes del movimiento
consumerista en la década 1830-1840, bajo la forma de cooperativas. Este movimiento va
unido a los intentos de empresa comunitaria llevados a cabo por los socialistas utópicos (R.
Owen, Charles Fourier, Willian King, Michael Derrion, Saint Simon, Philippe Buchez, Louis
Blanck). Eran los años del desarrollo de la industrialización, del capitalismo salvaje, y como
consecuencia aparece un proletariado inmerso en la miseria y la desesperación. En 1844 se
crea La Rochdale, en principio como cooperativa de consumo, convirtiéndose diez años
después en empresa de producción”.
Vitor Vilela Guglinski, O princípio da boa-fé como ponto de equilíbrio nas relações de
consumo. Disponível em: <http://ww.jus.com.br/doutrina/texto.asp?id=4706>. Acesso em: 13
set. 2004.
38
de 1965, quando foram legitimadas as associações de consumidores contra
atos de concorrência desleal, passíveis de prejudicar em âmbito coletivo os
interesses de seus membros.81
A Alemanha buscou uma identidade com o sistema
consumerista, estabelecendo, em 1909, as diretrizes para disciplinar o ato
concorrencial, visando a conter as práticas desleais, e reformulando-as em
1973. Para assegurar o livre exercício ao direito de concorrência, o legislador
editou, em 1989, uma lei que disciplina a concorrência desleal.
Assim, com vistas a assegurar o livre exercício do direito
de concorrência, o legislador alemão editou, em 22 de dezembro de 1989,
uma lei que disciplina a Concorrência Desleal.
Ressalva seja feita que o inciso IV, do artigo 51 do Código
de Defesa do Consumidor brasileiro fora inspirado no § 9°, da lei das
Condições Gerais dos Negócios (AGB-Gesetz), que, além de adotar o
princípio da boa-fé, proibiu o estabelecimento de vantagem exagerada a uma
das partes na relação de consumo.82
O direito alemão possui legislações específicas acerca do
direito do consumidor, como a Verbrkrg (Lei de crédito ao consumo), criada
em 1990, com a finalidade de regular os contratos de crédito e os contratos de
agenciamento de crédito, privilegiando a posição do consumidor, que pode,
por exemplo, revogar unilateralmente o contrato. Há também a HausTWG, lei
sobre a revogação de negócios realizados na porta de casa e negócios
81
82
Ada Pellegrini Grinover, A tutela dos interesses difusos no direto comparado, p. 82.
Vitor Vilela Guglinski, O princípio da boa-fé como ponto de equilíbrio nas relações de
consumo. Disponível em: <http://ww.jus.com.br/doutrina/texto.asp?id=4706>. Acesso em: 13
set. 2004.
39
similares que, inclusive, foi alterada pela lei anteriormente mencionada. Essas
leis aplicam-se ao âmbito da proteção contratual do consumidor. Existem,
sobretudo, leis específicas que objetivam a proteção extracontratual do
consumidor, quais sejam: a ProdHaftG, de 1989, conhecida como Lei sobre a
responsabilidade por produtos defeituosos e a ProdSG, de 1997, que é a Lei
de exigência de segurança de proteção e para proteção do símbolo CE. Tal lei
foi criada com o objetivo de regulamentar as exigências de produtos e para
que os mesmos possuíssem a informação CE, identificando o produto como
sendo da União Européia.83
Em
Portugal,
a
Constituição
de
1976
incumbe,
prioritariamente, ao Poder Público o dever de proteção ao consumidor, seja no
âmbito econômico ou social, conforme prescreve seu artigo 81.
Mais adiante, no artigo 110, título VI, quando trata do
comércio e proteção do consumidor preceitua que:
“1. Os consumidores têm direito à formação e à informação, à
proteção da saúde, da segurança e dos seus interesses econômicos
e à reparação de danos. 2. A publicidade é disciplinada por lei,
sendo proibidas todas as formas de publicidade oculta, indirecta
ou dolosa. 3. As associações de consumidores e as cooperativas de
consumo têm direito, os termos da lei, ao apoio do Estado e a ser
ouvidas sobre questões que digam respeito à defesa dos
consumidores”.84
Nota-se que a manifestação do legislador português
ocorreu de forma progressiva assegurando o aparecimento de inúmeros
preceitos normativos para bem disciplinar as relações de consumo, a saber:
83
84
Ibidem. Disponível em: <http://ww.jus.com.br/doutrina/texto.asp?id=4706>. Acesso em: 13
set. 2004.
Voltaire de Lima Moraes, Da tutela do consumidor, p. 12.
40
em 1972, estabeleceu-se o controle do comércio de alimentos; em 1977,
estruturaram-se mecanismos para garantir o comércio sob encomenda; em
1979, disciplinou o processo de vendas sobre o regime de prestações.85
Dimensionando-se
estritamente
para
a
defesa
do
consumidor, editou-se a Lei nº 29/81, de 22 de agosto de 1981, valendo-se das
diretrizes projetadas pela política européia, que permitiu a criação do Instituto
Nacional de Defesa do Consumidor. A consolidação desse processo ocorreu
com a edição do Decreto-lei n° 446/85, de 25 de outubro de 1985, que
estabelece mecanismos de controle e proteção da prática negocial refletindo
grande efeito de modernidade.86
Por seu turno, em Cuba, a Constituição decorrente da
doutrina marxista-leninista, declara que:
“O estado organiza, dirige e controla a atividade econômica
nacional de acordo com o Plano Único de Desenvolvimento
Econômico-Social, de cuja elaboração e execução participam,
ativa e conscientemente, os trabalhadores de todos os setores da
economia e das demais esferas da vida social. O desenvolvimento
da economia se vê aos fins de fortalecer o sistema socialista,
satisfazer cada vez melhor as necessidades materiais e culturais da
sociedade e dos cidadãos, promover a evolução da personalidade
humana e de sua dignidade, o avanço e a segurança do país e a
capacidade nacional para cumprir os deveres internacionalistas de
nosso povo”.87
Desse modo, observa-se que a atual Constituição cubana
disciplina a atividade econômica visando ao interesse do consumidor,
indiretamente.
85
86
87
Josimar Santos Rosa, Relações de consumo: a defesa dos interesses de consumidores e
fornecedores, p. 30.
Ibidem, p. 31.
Tradução livre do artigo 16 da Constituição Cubana.
41
Na Suécia, bem como nos demais países escandinavos, a
proteção ao consumidor é realizada com eficiência pelo Ombudsman, criado
na Suécia, em 1970.
Mauro Cappelletti ensina que:
“O Ombudsman na Suécia, é composto de cerca de vinte e cinco
pessoas, entre juristas, economistas, peritos de mercado, etc. Sim,
um organismo público, porque é um órgão administrativo, porém
especializado, nesse caso, na tutela do consumidor”.88
Nesse país, a lei de consumo define consumidor nos
seguintes termos: “pessoa privada que compra de comerciante mercadoria,
principalmente para uso particular, que é vendida como atividade
profissional do comerciante”.89
O modelo do Ombudsman foi adotado nos demais países
nórdicos, atingindo o mesmo sucesso.
Na Argentina não há uma legislação moderna e eficiente
para tutelar em toda sua plenitude os interesses do consumidor. Essa ausência
de legislação específica e adequada é explicada por Gabriel A. Stiglitz,90 um
dos co-autores do Anteprojeto de Lei de Defesa Jurisdicional dos Interesses
Coletivos da Argentina, que afirma que:
“(...) a sistematização de uma disciplina vigente no Direito
argentino em matéria de proteção do consumidor, implica uma
tarefa árdua e completa. Sucede que todo o movimento como
reação contra o esquema econômico-social do individualismo
88
89
90
Mauro Cappelletti, Tutela dos interesses difusos, p. 18.
Ibidem, mesma página.
Gabriel A. Stiglitz, Protección jurídica del consumidor, p. 65.
42
liberal, coloca-se a caminho com sustento no constitucionalismo
moderno, não tendo chegado ao nosso país numa etapa na qual se
faz necessário normativamente o reconhecimento dos direitos
fundamentais do consumidor, nos instrumentos jurídicos para sua
efetiva proteção”.91
Entre os países que editaram recentemente leis de proteção
ao consumidor está a Argentina, cujo processo de discussão da matéria esteve
cercado de muitas restrições.
A versão inicial de tal projeto teve aprovação na Câmara
de Senadores, em 24 de setembro de 1992, sendo mais tarde aprovada na
Câmara de Deputados com consideráveis modificações. Somente ocorreu a
aprovação definitiva, com as alterações promovidas pela Câmara dos
Deputados, no Senado, em 22 de setembro de 1993,92 com a edição da Lei nº
24.240/93, de proteção ao consumidor, e posterior, a alteração pela Lei nº
24.999 de 1 de julho de 1998.93
1.2.1.8 No Brasil
A questão da defesa ao consumidor no Brasil é
relativamente nova. Datam de 1971 a 1973 os discursos proferidos pelo então
Deputado Nina Ribeiro, que atentava para a gravidade do problema, de
91
92
93
Tradução livre de: “(...) la sistematización de uma disciplina vigente en el Derecho argentino
en materia de protección del consumidor, implica uma tarea ardua y compleja. Sucede que
todo el movimiento tuitivo que como ración contra el esquema económico-social del
individualismo liberal, se pone en marcha con sustento en el constitucionalismo moderno, no
ha llegado aún en nuestro país a una etapa en que se plasme normativamente el
reconocimiento de los derechos fundamentales del consumidor, ni los instrumentos jurídicos
para sua efectiva protección”.
Josimar Santos Rosa, Relações de consumo: a defesa dos interesses de consumidores e
fornecedores, p. 31.
Revista de direito do consumidor, Direito do consumidor, p. 239-240.
43
natureza comprovadamente social, que pedia uma atuação mais enérgica
nessa área.
O problema inicial se resume na seguinte questão: quais os
critérios a serem utilizados para que se possa compreender a história da
formação econômica recente do Brasil? E como dividir as fases dessa
formação? Essa história recente, de acordo com os ensinamentos de Marcelo
Gomes Sodré,94 baseia-se no fato de conhecer o sistema de defesa do
consumidor brasileiro, fruto e invenção do século XX.
O referido autor faz menção ao fato de ser a sociedade de
consumo brasileira um fenômeno que teve início no século passado, apenas
tomando o corpo que adquiriu como se conhece, em meados do século que se
passou.95 Contudo, somente após o final da Segunda Guerra Mundial é que
estes elementos restaram plenamente difundidos no Brasil.96
Acerca dos critérios utilizados para a definição da
periodização da história do Brasil, Marcelo Gomes Sodré97 aponta para várias
possibilidades de se olhar o contexto histórico: pelo ângulo da política, tal
como a revolução de 1930, o governo getulista, a redemocratização, o golpe
militar e a transição para a democracia; da economia; da cultura; do
94
95
96
97
Marcelo Gomes Sodré, A formação do sistema nacional de defesa do consumidor: avanços e
retrocessos legislativos, p. 20.
Todavia, importa esclarecer o que vem a ser esta sociedade de consumo, por óbvio não se pretende
esgotar este tema, qual não é o objetivo deste estudo, mas em linhas gerais, tem-se a sociedade de
consumo aquela na qual, tendo fundamento em relações econômicas capitalistas, estão presentes,
pelo menos, cinco externalidades: a) produção em série de produtos, b) distribuição em massa de
produtos e serviços, c) publicidade em grande escala no oferecimento destes, d) contratação de
produtos e serviços via contrato de adesão e e) oferecimento generalizado de crédito direto ao
consumidor, acrescentando a este respeito o fato de ser esta uma forma milagrosa ao seu entender
de transformar quem não tem dinheiro em devedor.
Marcelo Gomes Sodré, A formação do sistema nacional de defesa do consumidor: avanços e
retrocessos legislativos, p. 20.
Ibidem, mesma página.
44
desenvolvimento social; da proteção à saúde; da promulgação das
Constituições, vez que o Brasil teve oito Constituições, datadas de 1824,
1891, 1934, 1937, 1946, 1967, 1969, 1988, representando grandes pactos
sociais que simbolizariam fases distintas da história; do crescimento
populacional; da distribuição da população na cidade e no campo; dentre
outras. Para o autor, o melhor critério resultará naquele que permita abraçar e
explicar a maior quantidade de fatos históricos dentro de um quadro coerente,
a partir do objetivo que se busca.
Todos esses fatores contemplam linhas infindas a serem
tecidas, todavia fogem ao assunto proposto, de maneira que nesta
oportunidade passa-se aos fatores que melhor elucidam o surgimento do
movimento consumerista no Brasil.
Conforme salienta Josué Rios, em sua obra “A defesa do
consumidor e o direito como instrumento de mobilização social”, foi no
início da década de 70 que ocorreu o boom, chamado de milagre brasileiro,
resultando na explosão do crescimento econômico, quando apenas poucas
nações dentre as economias industriais avançadas tiveram tamanho
crescimento, uma vez que, num período de sete anos, compreendido entre
1968 e 1974, o produto nacional brasileiro aumentou em uma quantidade
igual ao total acumulado de seu crescimento econômico verificado em todos
os séculos anteriores da história.98
Em meados de 1978, surge, em nível estadual, o primeiro
órgão de defesa do consumidor denominado até hoje de PROCON, criado no
Estado de São Paulo, a partir da Lei nº 1.903. Somente em 1985 foi criado o
98
Josué Rios, A defesa do consumidor e o direito como instrumento de mobilização social, p. 42.
45
Conselho Nacional de Defesa do Consumidor, por meio do Decreto nº 91.469,
que abraçou a órbita federal.99
Consta que a primeira manifestação de que se tem notícia,
nessa área, é o Decreto n. 22.626, de 7 de abril de 1933, editado com a
finalidade de reprimir a usura. Desde então, passando pela Constituição de
1934, surgiram as primeiras normas constitucionais de proteção à economia
popular (115 e 117).
O Decreto-Lei nº 869, de 18 de novembro de 1938, e mais
tarde o de nº 9.840, de 11 de setembro de 1946, cuidam dos crimes contra a
economia popular. Foi no ano de 1962 a edição da Lei de Repressão ao Abuso
do Poder Econômico (nº 4.137), grande beneficiadora do consumidor, além de
contribuir para a criação do conselho Administrativo de Defesa Econômica –
CADE, que compõe a estrutura do Ministério da Justiça, existente, ainda,
porém subordinado à Secretaria Nacional de Direito Econômico.
No ano de 1984, editou-se a Lei nº 7.244, que autorizou os
Estados a instituírem Juizados de Pequenas Causas. Com o advento da Lei nº
7.492, de 16 de junho de 1986, passaram a ser punidos os crimes contra o
Sistema Financeiro Nacional, denominados crimes do colarinho branco.
Importantes passos foram dados a partir de 1985. Aos 24
de julho daquele ano, promulgou-se a Lei nº 7.347, disciplinadora da Ação
Civil Pública, responsável pela defesa de danos causados ao consumidor e
a outros bens que ampara, dando início à tutela dos interesses difusos em
nosso país. Nessa mesma data, assinou-se o Decreto federal nº 91.469,
alterado pelo de nº 94.508, de 23 de junho de 1987, criando o Conselho
99
João Batista de Almeida, A proteção jurídica do consumidor, p. 08.
46
Nacional de Defesa do Consumidor, cuja função precípua seria a de
assessorar o Presidente da República na formulação e condução da política
nacional de defesa ao consumidor, com competência bastante extensa, mas
sem poder coercitivo. Todavia, sua extinção ocorreria anos depois no início
do governo do então presidente Fernando Collor de Mello e logo em
seguida, substituído por outro singular, o Departamento Nacional de
Proteção e Defesa do Consumidor.
Antes da Criação do Código de Defesa do Consumidor,
não havia a caracterização jurídica da pessoa do consumidor, mas
instrumentos de Direito Civil e legislação esparsa, em benefício da economia
popular e da boa-fé do contratante, o que costumeiramente causava um
desequilíbrio nas relações contratuais de consumo, incorrendo em um
enriquecimento ilícito por parte de fornecedores de má-fé.
Firmou-se toda uma pressão pelo surgimento da já
mencionada sociedade de consumo, o que exigiu, no mundo todo, uma
reforma jurídica que protegesse e amparasse essa parcela mais que
significativa da sociedade.
Embora houvesse uma preocupação bastante antiga por
parte do Estado quanto ao setor privado, em relação à proteção da boa-fé do
consumidor, por meio de normas corporativistas privadas e, mais ainda, pela
normatização do Código Civil e do Código Comercial, a figura do
consumidor continuava revestida de vulnerabilidade, frente às contratações
abusivas e outras ofensas.
A vitória mais ilustre de todo o período, fruto dos reclamos
de uma sociedade e de ingente trabalho dos órgãos e entidades de defesa do
47
consumidor, foi a inserção no texto constitucional de 1988 de quatro
dispositivos específicos sobre o tema.
Saliente-se, por oportuno, que a proteção constitucional do
consumidor, fruto do movimento consumerista brasileiro, foi inserida, pela
primeira vez nos artigos 5º, XXXII, e 170, V, da Constituição Federal de
1988 e sua inclusão teve o relevante efeito de legitimar todas as medidas de
intervenção estatal necessárias a assegurar a proteção nela prevista.100
Todavia, fundamental mencionar que também o art. 48 do
Ato das Disposições Constitucionais Transitórias anunciava a edição do tão
esperado Código de Defesa do Consumidor, que se tornou realidade pela
edição da Lei nº 8.078, de 11 de setembro de 1990, após longos debates,
emendas, vetos, tomando-se por base o texto preparado pelo CNDC.
Esse código adotou o chamado modelo normativo
adaptador, marcado pela ativa intervenção do Estado em inúmeras situações,
com o intuito de proteger o consumidor, e contempla um microssistema
regido
por
princípios
próprios
e
específicos,
a
serem
estudados
oportunamente, que buscam disciplinar as relações de consumo a partir de
uma política nacional, objetivando atender às necessidades do consumidor,
respeitando-lhe a dignidade, a saúde, a segurança e protegendo os interesses
econômicos que tutelam.
Parafraseando Nelson Nery Júnior, o referido diploma
rompeu com os costumes do direito privado, assentado no liberalismo que
influenciou os grandes códigos europeus do século XIX e, com isso,
100
Sílvio Luis Ferreira da Rocha, A oferta no código de defesa do consumidor, p. 68.
48
relativizou o princípio da intangibilidade do conteúdo do contrato,
enfatizando o princípio da conservação do contrato e, ao instituir a boa-fé
como um dos princípios informadores do Código e das relações de consumo
que o mesmo ampara, impôs ao fornecedor o dever de prestar declaração de
vontade se tiver veiculado oferta, apresentação, publicidade, estabelecendo a
execução específica da oferta como regra.101
Ao contrário dessa rotina preocupante, a lei que instituiu o
Código de Defesa do Consumidor (Lei nº 8.078/90), segundo o dizer do autor,
pode ser considerada como uma das mais democráticas leis editadas no Brasil
nos últimos tempos.
Além dos numerosos projetos existentes, o Congresso criou
uma Comissão Mista para unificá-los, partindo do texto do Projeto de Lei nº
1.149/88, do então Deputado Geraldo Alkimim, recebendo sugestões de todo o
país, realizando-se sessões públicas, discutindo-se as relações de consumo e
colhendo depoimentos de vários segmentos do setor público. Terminado todo
esse processo democrático, o relator da comissão mista, Deputado Joaci Góes,
apresentou opinião consolidada da maioria, consubstanciada num novo
substitutivo do Código de Defesa do Consumidor, que fora levado em discussão
ao plenário da Câmara e, posteriormente, ao Senado Federal, aprovado com
emendas e sancionado como Lei nº 8.078/90.102
Do ponto de vista jurídico, tal instituto foi amplamente
discutido em dois congressos internacionais de direito do consumo, realizados
em São Paulo (mai/jun/89) e Rio de Janeiro (setembro/1990).
101
102
Ada Pellegrini Grinover, et al. O código brasileiro de defesa do consumidor comentado pelos
autores do anteprojeto, p. 273.
Nelson Nery Júnior, Os princípios gerais do código brasileiro de defesa do consumidor, p. 4546.
49
Assim, o Código de Defesa do Consumidor pode ser
considerado como lei moderna e tecnicamente adequada à realidade atual das
relações de consumo. As considerações e sugestões foram bem acolhidas
porque o direito do consumo é ramo novo do direito, ainda em elaboração,
sendo necessária a contribuição da comunidade internacional para seu
aprimoramento.
2
DOS PRINCÍPIOS
Tradicionalmente, a metodologia jurídica utilizava a distinção entre
normas e princípios. Todavia, caberá neste momento abandonar essa
distinção, substituindo-a para o seguinte modelo: em primeiro plano
mencionando que as regras e os princípios são duas espécies de normas; em
segundo plano, que a distinção entre as regras e os princípios ocorre para
diferenciar duas espécies de normas.103
Assim, conforme assinala Walter Claudis Rothenburg,104 antes de
adentrar no cerne desta questão, imprescindível a comparação entre os três
vocábulos, por vezes confundidos entre si, esclarecendo que a norma jurídica
é um gênero, dos quais regras e princípios são espécies. Desse modo, entendese que tanto as regras quanto os princípios são normas porque ditam o que
deve ser feito ou realizado. Tanto um quanto outro são expostos com
expressões deônticas básicas de mandamento da permissão e da proibição.
Portanto, os princípios e as regras são razões para juízos concretos
do dever ser, ainda que possam ser razões de um tipo muito diferente. De
tal forma que a distinção entre os princípios e as regras consiste numa
distinção entre dois tipos de normas, subsistindo, assim, uma essência de
igual teor.
Desse modo, o autor traz à integra uma abordagem para melhor
compreensão:
103
104
José Joaquim Gomes Canotilho, Direito constitucional, p. 166.
Walter Claudius Roghenburg, Princípios constitucionais, p. 13 e ss.
51
“(...) se os princípios possuem propriedades que os diferenciam
por sua natureza dos demais conceitos e preceitos jurídicos, tal
distinção encontra respaldo no fato de possuírem eles a expressão
primeira dos valores fundamentais expressos pelo ordenamento
jurídico, informando materialmente as demais normas”.105 (grifos
do autor).
Materialmente, os princípios são superiores às demais normas, por isso
a justificação de uma hierarquia e de considerar os princípios como
determinantes integrais da substância do ato pelo qual são executados:
princípios como limites e conteúdo, enquanto que, em linhas paralelas, as
regras jamais determinam completamente as que lhe são inferiores.106
A jurista Carmem Lúcia Antunes Rocha107 estende a precedência
atribuída aos princípios constitucionais a diversos aspectos, fazendo alusão à
característica da primariedade, manifestada histórica, jurídica, lógica e
ideologicamente. Ressalva faz também à precedência material dos princípios,
pois são dotados de originalidade e superioridade material sobre todos os
tipos de conteúdo que formam o ordenamento constitucional, de tal modo que
os valores firmados pela sociedade são transformados pelo Direito em
princípios.
Oportuno mencionar a semelhança entre a teoria dos valores e a dos
princípios, abordada por Robert Alexy, em sua obra Teoria de los derechos
fundamentales, fundada na tese de que enquanto os valores fazem parte do
âmbito axiológico, cujo conceito fundamental é o do bem, os princípios se
englobam no âmbito dos deontológicos, possuindo por conceito fundamental
o dever ser, aparecendo no Direito como conteúdo e continente.108
105
106
107
108
Ibidem, p. 16.
Ibidem, mesma página.
Carmem Lúcia Antunes Rocha, Princípios constitucionais da administração pública, p. 30.
Robert Alexy, Teoria de los derecho fundamentales, p. 139-141.
52
Nessa esteira também caminha o pensamento de Carmem Lúcia
Antunes Rocha, ao mencionar que:
“Os princípios constitucionais são os conteúdos intelectivos dos
valores superiores adotados em dada sociedade política,,
materializados e formalizados juridicamente para produzir uma
regulação política no Estado. Aqueles valores superiores
encarnam-se nos princípios que formam a própria essência do
sistema constitucional, dotando-o, assim, para o cumprimento de
suas funções, de normatividade jurídica. A sua opção ético social
antecede a sua caracterização normativo-jurídica. Quanto mais
coerência guardar a principiologia constitucional com aquela
opção, mais legítimo será o sistema jurídico e melhores condições
de ter efetividade jurídica e social”.109
Com vistas ao ensinamento de José Joaquim Gomes Canotilho, a
tarefa de distinguir, no âmbito da norma, regras e princípios é muito
complexa, sendo que, na sua ótica, o autor procura adotar diversos critérios
da doutrina alienígena para encontrar a distinção, tais como: grau de
abstração, onde se tem por um lado os princípios tidos por normas com um
grau de abstração elevado e, diversamente, as regras, com seu grau de
abstração relativamente reduzido. Encontra-se, ainda, o chamado grau de
determinabilidade na aplicação do caso concreto, onde se observa o fato de
que, por serem vagos e indeterminados, os princípios carecem de
mediações concretizadoras, sejam elas do legislador ou do juiz, mas
necessitam desse diferencial; ao revés, as regras são susceptíveis de
aplicação direta e imediata. Sob a ótica de Canotilho, existe ainda o caráter
de fundamentalidade no sistema das fontes de direito, em que os princípios
são normas de natureza ou com papel essencial no ordenamento jurídico,
devido à sua posição hierárquica no sistema das fontes. Como exemplo,
podem ser citados os princípios constitucionais, ou mesmo a sua
importância estruturante dentro do sistema jurídico. Exemplificando, ainda,
109
Carmem Lúcia Antunes Rocha, Princípios constitucionais da administração pública, p. 23.
53
temos o princípio do Estado de Direito. Ainda, dentro destes critérios,
existem os da Proximidade da idéia de direito, nos quais os princípios são
standard juridicamente vinculantes radicados nas exigências de justiça ou
na idéia de direito, enquanto que as regras podem ser normas vinculantes
com um conteúdo meramente funcional. Por fim, há o critério da Natureza
normogenética, em que os princípios são fundamento de regras, ou seja,
são normas que estão na base ou constituem a ratio de regras jurídicas,
desenvolvendo uma função normogenética fundamentante.110
Todavia, Canotilho justifica a complexidade em realizar essa
distinção, pelo fato de não se esclarecerem duas questões fundamentais,
quais sejam, em primeiro lugar, saber qual a função dos princípios, seria
ela uma função retórica, argumentativa ou, ainda, mera norma de conduta?
Em segundo lugar, saber se entre as regras e os princípios existe um
denominador comum, por fazerem parte de um mesmo grupo, havendo
apenas uma diferença do grau quanto à sua generalidade, conteúdo
informativo, hierarquia das fontes, entre outros, ou, se contrário a tudo isto
seriam os princípios e as regras susceptíveis apenas de uma diferenciação
qualitativa.111
O autor adianta que os princípios são multifuncionais, tanto
desempenhando uma função argumentativa, como exemplo, denotar a ratio
legis de uma disposição, como também podem revelar normas que são
expressas por qualquer enunciado legislativo, possibilitando aos juristas,
especialmente
aos
juízes,
o
desenvolvimento,
a
complementação do direito.112
110
111
112
José Joaquim Gomes Canotilho, Direito constitucional, p. 166-167.
Ibidem, p. 167.
Ibidem, mesma página.
integração
e
a
54
Sobretudo, o que se mostra interessante no presente estudo são os
princípios na sua qualidade de verdadeiras normas, qualitativamente distintas
das outras categorias de normas – as regras jurídicas. 113
Essas diferenças qualitativas traduzem-se nos seguintes aspectos: os
princípios são normas jurídicas impositivas de uma otimização, compatíveis
com
vários
graus
de
concretização,
em
conformidade
com
os
condicionalismos fáticos e jurídicos, enquanto as regras são normas que
prescrevem imperativamente uma exigência, seja ela impositiva, permissiva
ou proibitiva, que é ou não cumprida.114
A convivência dos princípios é conflitual, enquanto que a das regras
é antinômica. Os princípios coexistem; as regras antinômicas excluemse.115
Em decorrência disso, os princípios ao constituírem exigências de
otimização, permitem balancear os valores e interesses, diferenciando-se das
regras, por não obedecerem à lógica do tudo ou nada, em virtude do seu peso
e da ponderação de outros princípios eventualmente conflitantes.116
As regras não encontram outra solução, pois se uma regra possui
validade deve ser cumprida na medida exata de suas prescrições, nem além,
nem abaixo do que prescreveu.117
113
114
115
116
117
Ibidem, p. 168. No mesmo sentido: Luiz Alberto David Araujo e Vidal Serrano Nunes Júnior,
Curso de direito constitucional, passim; José Afonso da Silva, Curso de direito constitucional
positivo, passim.
Ibidem, p. 167.
Ibidem, p. 168.
Ibidem, mesma página.. No mesmo sentido: Luiz Alberto David Araujo e Vidal Serrano
Nunes Júnior, Curso de direito constitucional, passim; José Afonso da Silva, Curso de direito
constitucional positivo, passim.
Ibidem, mesma página.
55
Havendo conflitos entre os princípios, estes poderão ser objeto de
ponderação, harmonização, vez que possuem apenas exigências ou standard,
como outrora mencionados, devendo em primeiro lugar ser realizados.
Porventura, se situação semelhante ocorrer com as regras, isso não será
possível, pois as regras são compostas de fixações normativas definitivas,
sendo insustentável a validade simultânea de regras contraditórias.118
E o autor menciona que os princípios suscitam problemas de validade e
peso, tais como, importância, valia e ponderação, enquanto, ao revés, as
regras colocam apenas questões de validade, devendo ser alteradas se não
forem corretas.119
Todavia, os ensinamentos de José Joaquim Gomes Canotilho não se
encerram nessas considerações. Ele continua, classificando os princípios
constitucionais em quatro espécies. Para esse jurista, existem princípios
historicamente objetivados e progressivamente introduzidos na consciência
jurídica, que encontram uma recepção expressa inserida no texto
constitucional,
os
quais
são
denominados
de
princípios
jurídicos
fundamentais, mencionando-se dentre eles o princípio da publicidade dos atos
jurídicos, o do livre acesso aos direitos e aos Tribunais, além do princípio da
imparcialidade da Administração. Canotilho explica que mesmo quando não
se esteja apto a fundamentar neles recursos de direito público, têm sempre
uma força vinculante, de modo tal a se poder dizer ser a liberdade de
conformação legislativa vinculada pelos princípios jurídicos gerais.120
O autor continua, afirmando que existem ainda os princípios políticos
constitucionalmente conformadores que explicitam as valorações políticas
118
119
120
Ibidem, mesma página.
Ibidem, mesma página e ss.
Ibidem, p. 118.
56
fundamentais do legislador constituinte, dentre os quais estão, por exemplo,
aqueles princípios destinados a definir a forma do Estado, os princípios que
caracterizam a forma de governo e os responsáveis pela estruturação do
regime político.121
Numa terceira esfera de raciocínio, Canotilho faz menção aos princípios
constitucionais impositivos que se sobrepôem em todos os demais princípios e
no âmbito da Constituição impõem aos órgãos do Estado, principalmente ao
legislador, a realização de fins e a execução de tarefas. De tal modo que os
órgãos encarregados da aplicação do direito devem levá-los em consideração,
em atividades interpretativas, ou em atos inequivocamente conformadores.122
E, finalizando, menciona a existência de uma quarta categoria de
princípios denominada de princípios-garantia. Tais princípios são mais
voltados à estatuição de garantias aos cidadãos, ficando o legislador pátrio
vinculado à sua aplicação, exemplificando, pode-se apontar os princípios do
in dúbio pro reo, non bis in idem, nullum crimem sine lege, bastante
difundidos hodiernamente.123
Tradicional e amplamente difundida no direito pátrio é a lição de Celso
Ribeiro Bastos:
“(...) princípios são de maior nível de abstração que as meras
regras e, nestas condições, não podem ser diretamente aplicados.
Mas, no que eles perdem em termos de concreção ganham no
sentido de abrangência, na medida em que, em razão daquela, sua
força irradiante, permeiam todo o texto constitucional,
emprestando-lhe significação única, traçando os rumos, os vetores,
em função dos quais as demais normas devem ser entendidas. Os
121
122
123
Ibidem, mesma página.
Ibidem, mesma página.
Ibidem, p. 119.
57
princípios são pois, as vigas mestras do texto constitucional e que
vão ganhando concretização, não só a partir de outras regras da
Constituição (como é o caso do princípio federativo), mas também
de uma legislação ordinária, que deverá guardar consonância com
o princípio. O princípio da cidadania, por exemplo, restou
concretizado pela Lei nº 9.265, de 12.02.1996, que estabelece a
gratuidade dos atos necessários ao exercício da cidadania”.124
E continuando:
“As normas não exercem função idêntica dentro do Texto Maior
como muitos poderiam erroneamente imaginar. Há normas
constitucionais que mais se aproximam às do direito comum, isto é,
àquelas normas que têm elementos necessários para investir
alguém da qualidade de titular de um direito subjetivo. Já há
outras normas que não apresentam este aspecto funcional, em
razão do seu alto nível de abstração e de indeterminação das
circunstâncias em que devem ser aplicadas. É possível, pois,
vislumbrar-se duas categorias principais: a primeira denominada
regra e a segunda, princípio”.125
O referido autor menciona que alguns se prendem a mais de um
critério de distinção em relação às regras e aos princípios,126 e
confirmando o pensamento de Canotilho, traz a lume que o mais habitual
dentre esses critérios de distinção é o do grau de abstração, por meio do
qual não se acentua a diferença qualitativa entre uns e outros, mas
apenas corrobora o grau tendencialmente abstrato dos princípios em
relação às regras.127
E vislumbra que, em outros momentos, o que se evidenciará é a
aplicabilidade, ou seja, os princípios demandariam medidas de concentração
em relação a possibilidade de aplicação direta das regras.128
124
125
126
127
128
Celso Ribeiro Bastos, Curso de direito constitucional, p. 81.
Ibidem, p. 74-75.
Ibidem, mesmas páginas.
Ibidem, p. 75.
Ibidem, mesma página.
58
Em última análise, o autor evidencia a existência do critério da
separação radical, onde se observa a relação entre regras e princípios sendo o
equivalente a uma distinção qualitativa rigorosa, seja ela quanto à sua
estrutura lógica, ou quanto à intencionalidade normativa.129
E ainda, conclui o autor seu ensinamento de forma brilhante, como se
denota a seguir, ipsis literis:
“Fica claro, pois, que, nada obstante as singularidades que
cercam os princípios das regras, aqueles não se colocam, na
verdade, além ou acima destas. Juntamente com as regras, fazem
os princípios parte do ordenamento jurídico. O que nos leva a
concluir que todas as normas apresentam o mesmo nível
hierárquico. Ainda assim, contudo, é possível identificar o fato de
que certas normas, as principiológicas, na medida em que perdem
o seu caráter de precisão de conteúdo, isto é, perdem densidade
semântica, ascendem para uma posição que lhes permite
sobrepairar uma área muito mais ampla. O que elas perdem, pois,
em carga normativa, ganham como força valorativa a espraiar-se
por cima de um sem-número de outras normas. A fundo, são
normas tanto as que encerram princípios quanto as que encerram
preceitos”.130
Acerca deste assunto prescreve Enrique Alonso Garcia que:
“As intenções de classificação dos preceitos constitucionais
segundo sua pretensão de validade têm sido muitas e
provavelmente continuarão sendo. Bastaria lembrar as
classificações dos direitos fundamentais desde a célebre
tripartição de Jellinek para se concluir que a regra geral é a
multiplicidade de tipos e de normas constitucionais”.131
129
130
131
Ibidem, mesma página.
Ibidem, p. 75-76.
Enrique Alonso Garcia, La interpretación de la constituición, p. 16, apud, Celso Ribeiro
Bastos, Curso de direito constitucional, p. 75, in verbis: “Los intentos de clasificación de los
preceptos constitucionales según su pretención de validez han sido múltiplos y probablemente
seguirán siéndolo. Bastaria con recordar las clasificaciones de los derechos fundamentales
desde la célebre tripartición de Jellinek para caer en la cuenta de que la regra general es la
multiplicidade de tipos e normas constitucionales”.
59
Eduardo Garcia de Enterria, corroborando esse ensinamento, traz a
lume a seguinte explicação extraída de sua obra La constituición como norma
y el tribunal constitucional:
“A Constituição assegura uma unidade do ordenamento
essencialmente sobre a base de uma ordem de valores materiais
expressos nela e não sobre as simples regras formais de produção
de normas. A unidade do ordenamento é, sobretudo, uma unidade
material de sentido, expressada nos princípios gerais do Direito,
que ao intérprete da lei cabe investigar e descobrir (sobretudo,
naturalmente, ao intérprete jurídico, e a jurisprudência), a
Constituição tem declarado de maneira formal, destacando entre
todos, através da decisão suprema da comunidade que a tenha
feito uns valores sociais determinados que se proclamam no
momento solene constituinte como primordiais e básicos de toda
vida coletiva. Nenhuma norma subordinada – e todas o são para a
Constituição – poderá desconhecer esse quadro de valores básicos
e todas deverão interpretar-se no sentido de haver possibilidade
com sua aplicação no serviço, precisamente, a ditos valores”.132
Assim, entende-se que é desse entrelaçamento que o todo constitucional
sai fortalecido.133
Para Jorge Miranda,134 o Direito não é mero somatório de regras
avulsas, produtos de atos de vontade, ou, então, mera relação de fórmulas
verbais articuladas entre si. Para esse autor, o Direito é bem mais do que isso,
é um conjunto significativo, uma unidade de sentido, um valor incorporado
132
133
134
Tradução livre de: “La constituición asegura uma unidad Del ordenamiento esencialmente
sobre la base um ‘orden de valores’ materiales expreso em ella y no sobre lãs simples reglas
formales de producción de normas. La unidad del ordenamiento es, sobre todo, una
unidadmaterial de sentido, expresada en unos principios generales de Derecho, que o al
intérprete toca investigar y descubrir (sobre todo, naturalmente, al intérprete judicial, a la
jurisprudencia), o la constituición los hádeclarado de manera formal, destacando entre todos,
por la decisión suprema de la comunidad que la ha hecha, unos valores sociales determindos
que se proclamam en el solemne momento constituyente como primordiales y básicos de toda
la vida colectiva. Ninguna norma subordinada – y todas lo son para la constituición – podrá
desconocer ese cuadro de valores básicos y todas deberán interpretarse en el sentido de hacer
posible con su aplicación el servicio, precisamente, a dichos valores”.
Celso Ribeiro Bastos, Curso de direito constitucional, p. 76.
Jorge Miranda, Manual de direito constitucional, p. 197.
60
em regra, de tal modo que esse conjunto, essa unidade, esse valor possam se
projetar ou se traduzir em princípios, por óbvio anteriores aos preceitos.
Outro jurista que merece ser lembrado e mencionado neste estudo é,
sem sombra de dúvida, José Afonso da Silva, em sua clássica obra Curso de
direito constitucional positivo, onde faz menção à árdua tarefa de distinguir
normas e princípios.
Sob esse prisma, considera que a palavra princípio tem um significado
bastante equívoco, podendo até mesmo encontrar sentidos diversos. Ao passo
que pode indicar um começo, um início, poderá, juntamente com outras,
tomar um corpo diferente, como seria o caso mencionado pelo autor da
expressão norma de princípio, ou seja, uma norma que contém o início ou
esquema de um órgão, entidade ou programa, como são as normas de
princípio institutivo e as de princípio programático, claramente oposto ao
sentido que a Constituição Federal da República brasileira quer mencionar em
seu Título I. Nesse caso, essa expressão evidencia o ensinamento de Celso
Antônio Bandeira de Mello, também adotado pelo referido autor, qual seja, o
de “mandamento nuclear de um sistema”.135
Por seu turno, o autor também se mostra pertinente quanto à
conceituação de normas, como sendo preceitos tuteladores de situações
subjetivas de vantagem ou de vínculo, ou seja, reconhecendo, de um lado, às
pessoas ou às entidades, a faculdade de realizar certos interesses por ato
próprio, ou exigindo ação ou abstenção de outrem, e, por outro , vinculam
pessoas ou entidades à obrigação de submeter-se às exigências de realizar
uma prestação, ação ou abstenção em favor de outrem.136
135
136
José Afonso da Silva, Curso de direito constitucional positivo, p. 95.
Ibidem, mesma página.
61
Sintetizando, considera que os princípios são como ordenações que se
irradiam e imantam os sistemas de normas, são núcleos de condensações, ante
os quais caminham juntos os valores e os bens constitucionais. O autor
posiciona-se favoravelmente àqueles que consideram os princípios como
bases de normas jurídicas, estando positivamente incorporados, podendo,
ainda, se transformarem em normas-princípios e constituirem preceitos
básicos da organização constitucional.137
Os princípios devem ser observados como alicerces, aliás, não somente
isto, como também pedra angular de um sistema jurídico, atuando de forma
integral para o estabelecimento das regras básicas do mesmo para, desse
modo, criar uma harmonia dentro do todo.
Posto isto, reveste-se de relevante importância, no presente estudo, o
conhecimento dos princípios, vez que são considerados vigas mestras
estruturantes do sistema jurídico.
A origem etimológica da palavra princípio vem do latim principium,
principi, que significa origem, começo.
O significado da expressão princípio no dicionário de Aurélio Buarque
de Holanda Ferreira revela diversas acepções do termo:
“Princípio. [Do lat. principiu.] S. m. 1. Momento ou local ou
trecho em que algo tem origem (...) 2. Causa primária. 3. Elemento
predominante na constituição de um corpo orgânico. 4. Preceito,
regra, lei. 5. P. ext. Base, germe (...) 6. Filos. Fonte ou causa de
uma ação. 7. Filos. Proposição que se põe no início de uma
dedução, e que não é deduzida de nenhuma outra dentro do
sistema considerado, sendo admitida, provisoriamente, como
137
Ibidem, mesma página.
62
inquestionável. [São princípios os axiomas, os postulados, os
teoremas, etc. Cf. princípio do verbo principiar]”.138
Na mesma obra, encontra-se a palavra no plural: “Princípios. (...) Filos.
Proposições de uma ciência, às quais todo o desenvolvimento posterior dessa
ciência deve estar subordinado”.139
Tal vocábulo não contempla um sentido uníssono, o que exige interesse
no desenvolvimento da presente tese, pois o significado que tal palavra
carrega consigo traz como peculiaridade um enfoque à ciência do Direito.
Sob a órbita jurídica, tal expressão para Manoel Antônio Teixeira Filho,
revela o seguinte teor:
“(...) os princípios constituem formulações genéricas, de caráter
normativo, destinado não apenas a tornar logicamente
compreensível a ordem jurídica e a justificar ideologicamente essa
mesma ordem, como também a servir de fundamento para a
interpretação ou para a própria criação de normas legais”.140
Em conformidade com Hugo de Brito Machado, “(...) os princípios
jurídicos constituem, por isto mesmo, a estrutura do sistema jurídico. São os
princípios jurídicos os vetores do sistema”.141
Miguel Reale , por seu turno, observa que:
“(...) os princípios são ‘verdades fundantes’ de um sistema de
conhecimento, como tais admitidas, por serem evidentes ou por
terem sido comprovadas, mas também por motivos de ordem
138
139
140
141
Aurélio Buarque de Holanda Ferreira, Novo dicionário Aurélio da língua portuguesa, p. 1393.
Ibidem, p. 47.
Manoel Antônio Teixeira Filho, Jurisdição, ação e processo, p. 18.
Hugo de Brito Machado, Os princípios jurídicos da tributação na constituição de 1988, p. 1315.
63
prática de caráter operacional, isto é, como pressupostos exigidos
pelas necessidades da pesquisa e da práxis”.142
Celso Antônio Bandeira de Mello salienta a importância do princípio
para o ordenamento jurídico, conforme segue:
“Violar um princípio é muito mais grave que transgredir uma
norma. A desatenção ao princípio implica ofensa não apenas a um
específico mandamento obrigatório, mas a todo um sistema de
comandos. É a mais grave forma de ilegalidade ou
inconstitucionalidade, conforme o escalão do princípio atingido,
porque representa insurgência contra todo o sistema, subversão de
seus valores fundamentais, contumélia irremissível a seu
arcabouço lógico, corrosão de sua estrutura mestra”.143
Contudo, importante mencionar a opinião sintética de Ruy Samuel
Espíndola, que transporta como conclusão para a idéia ou conceito de
princípio a designação da estrutura:
“(...) de um sistema de idéias, pensamentos ou normas por uma
idéia mestra, por um pensamento chave, por uma baliza normativa,
donde todas as demais idéias, pensamentos ou normas derivam, se
reconduzem e/ou se subordinam”.144
A idéia de princípio, em conformidade com Luís Diez Picazo, originase da linguagem da geometria, “onde designa as verdades primeiras”.145
Acrescentando, na seqüência, que exatamente por isso são princípios, “(...)
pois estão ao princípio”, sendo os mesmos “(...) as premissas de todo um
sistema que se desenvolve more geométrico”.146
142
143
144
145
146
Miguel Reale, Lições preliminares de direito, p. 299.
Celso Antônio Bandeira Mello, Elementos de direito administrativo, p. 300.
Ruy Samuel Espíndola, Conceito de princípios constitucionais, p. 47-48.
Luís Diez Picazo, Los princípios generales del derecho em el pensamiento de Fidel Castro, p.
1267-1268.
Ibidem, p. 1268.
64
Apropriada é a visão de F. de Clemente em relação aos princípios,
conforme se depreende in verbis: “(...) assim como quem nasce tem vida
física, esteja ou não inscrito no Registro Civil, também os princípios gozam
de vida própria e valor substantivo pelo mero fato de serem princípios”.147
E, numa definição mais objetiva, se utiliza a seguinte formulação para
definir os princípios: “Princípios de direito é o pensamento diretivo que
domina e serve de base à formação das disposições singulares de Direito de
uma instituição jurídica, de um Código ou de todo um direito Positivo”.148
Existe ainda um conceito de princípio formulado pela Corte
constitucional italiana, numa das primeiras sentenças, de 1956, contemplada
por Paulo Bonavides na obra Curso de direito constitucional, vazada nos
seguintes termos:
“Faz-se mister assinalar que se devem considerar como princípios
do ordenamento jurídico aquelas diretivas de caráter geral e
fundamental e se possam deduzir da conexão sistemática, da
coordenação e da íntima racionalidade das normas, que
concorrem para formar assim, num dado momento histórico, o
tecido do ordenamento jurídico”.149
Paulo Bonavides, ainda se beneficia da definição utilizada por
Crisafulli, formulada em 1952:
“Princípio é, com efeito, toda norma jurídica, enquanto
considerada como determinante de uma ou de muitas outras
subordinadas, que a pressupõem, desenvolvendo e especificando
ulteriormente o preceito em direções mais particulares (menos
gerais), das quais determinam, e, portanto resumem,
potencialmente, o conteúdo: sejam, pois estas efetivamente postas,
147
148
149
F. de Clemente, El método en la aplicación del derecho civil, p. 290.
Ibidem, p. 293.
Paulo Bonavides, Curso de direito constitucional, p. 230.
65
sejam, ao contrário, apenas dedutíveis do respectivo princípio
geral que as contém”.150
Uma grande investigação doutrinária foi feita por Ricardo Guastini, sendo
que o mencionado autor recolheu da jurisprudência e de juristas diversos
conceitos distintos do que sejam os princípios, totalizando seis conceituações,
estando todos vinculados a disposições normativas, como ora se depreende:
Para ele, primeiramente, o vocábulo princípio, se refere a normas (ou a
disposições legislativas que exprimem normas), providas de um alto grau de
generalidade.151
Sob uma segunda ótica, Guastini entende que os juristas utilizam o
vocábulo princípio ao se referirem a normas ou mesmo às disposições que
exprimem normas, providas, sobretudo de um elevado grau de indeterminação
e que por isso requerem concretização por via interpretativa, pois sem ela não
seriam suscetíveis de aplicação a casos concretos.152
Em terceiro lugar, o autor afirma que os mesmos juristas aplicam a
expressão princípio ao se referirem a normas, ou disposições normativas de
caráter programático.153
Assim, prosseguindo numa quarta linha de pensamento, o uso que os
juristas às vezes fazem do termo princípio, é referido às normas, ou aos
dispositivos que exprimem essas normas, nas quais a hierarquia das fontes de
Direito é muito elevada.154
150
151
152
153
154
Crisafulli, La costituizone e lê sue disposizione di principio, p. 15, apud, Paulo Bonavides,
Curso de direito constitucional, p. 230.
Riccardo Guastini, Dalle fonti alle norme, p. 112.
Ibidem, p. 114.
Ibidem, p. 116.
Ibidem, p. 118.
66
Numa quinta linha de conceituação, Guastini entende que:
“(...) os juristas usam o vocábulo princípio para designar normas,
ou disposições normativas, que desempenham uma função,
‘importante’ e ‘fundamental’ no sistema jurídico ou político
unitariamente considerado, ou num ou noutro subsistema do
sistema jurídico conjunto (O Direito Civil, o Direito do Trabalho, o
Direito das Obrigações)”.155
Finalizando, em sexto lugar, para o autor os juristas se valem da
expressão princípio para designar normas, ou disposições que exprimem essas
normas, dirigidas aos órgãos de aplicação, cuja específica função é fazer a
escolha dos dispositivos ou das normas aplicáveis nos diversos casos.156
Importa observar que aos princípios são emprestadas algumas funções,
como ora se demonstra: primeiramente, acompanhando os momentos
revolucionários das constituições brasileiras, do que resultou a função
ordenadora dos princípios. Tais revoluções são realizadas em nome de poucos
princípios, dos quais são extraídos preceitos que, futuramente, de forma direta
e concreta, disciplinarão e regerão a sociedade e o Estado.
Observa-se, contudo, que tais princípios desempenharão ação imediata,
na medida em que possuam condições de serem auto-executáveis. Convém
ressaltar, dentre as suas funções, as de conferir normas programáticas, nas
quais, por vezes, se adota um caráter bastante prospectivo.
No primeiro dos casos observados, tais princípios estão sujeitos a uma
legislação integradora que lhes conceda eficácia, enquanto que, no segundo
caso, qual seja o da função prospectiva, os princípios tendem a ganhar uma
155
156
Ibidem, p. 119.
Ibidem, p. 120.
67
aplicabilidade maior, despejando seu conteúdo por diversos fatores da vida
em sociedade, tal como se depreende do princípio democrático, segundo io
qual a maior conformação da vida social se adquire na proporção em que se
faça uso dele.
Todavia, a mais usual e difundida noção de princípio jurídico da qual se
tem conhecimento é a de Celso Antônio Bandeira de Mello, embora ela não
possua um caráter constitucionalista, mas sim um teor estritamente
administrativo. Sabendo-se, ainda, que sua elaboração conceitual não está
estritamente ligada aos princípios constitucionais, como depreendido de sua
leitura ainda assim, a noção por ele talhada tem dominado os estudos e
reflexões em torno da idéia de princípio como norma constitucional,tal como
se difunde sua concepção em termos literais:
“Princípio – já averbamos alhures- é, por definição, mandamento
nuclear de um sistema, verdadeiro alicerce dele, disposição
fundamental que se irradia sobre diferentes normas compondo-lhes
o espírito e servindo de critério para sua exata compreensão e
inteligência, exatamente por definir a lógica e a racionalização do
sistema normativo, no que lhe confere a tônica e lhe dá sentido
harmônico. É o conhecimento dos princípios que preside a
intelecção das diferentes partes componentes de todo um unitário
que há por nome sistema jurídico positivo (...)”.157
Outra posição acerca dos princípios que merece ser lembrada é a de
Angélica Arruda Alvim, na qual menciona claramente que:
“(...) os princípios estão além de qualquer texto constitucional,
sobretudo, evidenciam verdadeiramente uma marca profunda e
acentuada dentro do sistema, como por exemplo, é o caso do
princípio nuclear, que é o do devido processo legal, em que isto se
mostra, até mesmo, pela extensão dos textos que a esse assunto
dizem respeito”.158
157
158
Celso Antônio Bandeira de Mello, Curso de direito administrativo, p. 545.
Angélica Arruda Alvim, Princípios constitucionais de processo, p. 74.
68
Desse modo, adentraremos às classificações e às definições sobre os
princípios que norteiam o direito processual civil brasileiro e o direito
consumerista, sobre os quais se fundam a matéria diretamente abordada no
presente estudo.
2.1 Princípios Fundamentais da Legislação Processual
Civil
São de duas linhas os princípios fundamentais em que se inspira
a legislação processual de nossos dias: os princípios relativos aos processos e
os relativos aos procedimentos.
Cabe salientar, nesta oportunidade, que não é pretensão deste
estudo esgotar o assunto sobre os princípios norteadores do processo civil,
mas tão somente relembrá-los, posto que são necessários à melhor elucidação
do presente estudo.
No que concerne ao Código de Defesa do Consumidor, é mister
que se observe o mais importante dos princípios que o informam, ou seja, o
princípio da vulnerabilidade.
É notório que as relações de consumo não se desenvolvem
entre partes com o mesmo poderio econômico, cultural e técnico,
principalmente tendo em vista que, na esmagadora maioria, os contratos
celebrados são de adesão, e quem dita as regras são os fornecedores. Não
bastasse esse fato, é de se salientar a necessidade do consumidor em
adquirir serviços ou produtos, o que por si só o coloca em situação de
desvantagem e vulnerabilidade.
69
Portanto, o Código criou um verdadeiro microssitema, com
regras próprias e princípios que o norteiam, principalmente o princípio da
vulnerabilidade.
2.1.1 Princípio do Devido Processo Legal
De acordo com Nelson Nery Júnior, o princípio do devido
processo legal é “(...) o princípio fundamental do processo civil, que
entendemos como base sobre a qual todos os outros se sustentam”.159
E o autor continua seu pensamento, afirmando ser tal
princípio “(...) o gênero do qual todos os outros princípios são espécies”.160
Tem-se que a Jurisdição e o processo são dois institutos
indissociáveis, tanto um quanto o outro é meio indispensável à prestação da
tutela jurisdicional. A própria Constituição Federal de 1988 assegura esse
direito de ação dentro das garantias individuais, conforme prescreve o artigo
5º, inciso XXXV da Carta Magna, in verbis:
“Artigo 5º: (...).
XXXV – A lei não excluirá da apreciação do Poder Judiciário
lesão ou ameaça a direito”.
Assim, conforme se depreende da leitura de tal
dispositivo legal, não é possível ao Estado declinar perante nenhuma causa,
em conformidade com os incisos, LIV e LV, do mesmo referido artigo in
verbis:
159
160
Nelson Nery Júnior, Princípios do processo civil na constituição federal, p. 32.
Ibidem, mesma página.
70
“Artigo 5º: (...).
LIV – ninguém será privado da liberdade ou de seus bens sem o
devido processo legal;
LV – aos litigantes, em processo judicial ou administrativo, e aos
acusados em geral são assegurados o contraditório e ampla
defesa, com os meios e recursos a ela inerentes”.
É no conjunto dessas normas do direito processual que
todos os princípios fundamentais são consagrados, propiciando às partes a
defesa de seus interesses e ao juiz todos os meios necessários para efetuar a
busca da verdade real, sem que haja para tanto lesão aos direitos individuais
de cada litigante.161
Nem mesmo a lei pode subtrair da proteção jurisdicional,
como se viu do artigo 5º, XXXV, da Lei Maior, a reparação do ato lesivo
contra direito. A proteção destinada a ele é indeclinável, quando pedida pelo
respectivo titular e demonstrada a existência de dano. É a Constituição
Federal que assegura solenemente a tutela jurisdicional sempre que alguma
pessoa, seja ela física ou jurídica, sentir-se prejudicada, lesada ou atingida em
seu direito subjetivo. Caberá, portanto, ao Poder Judiciário reprimir tal ato
lesivo, se existente, todavia sempre através do processo.162
Nos dias atuais, associa-se muito a idéia de um devido
processo legal à de um processo justo, e é justamente neste âmbito que
atua o due process of law, atingindo a função de um mega-princípio,
existindo, dentre suas funções, a de coordenar e delimitar os demais
princípios que informam o processo e o procedimento. O princípio do
due process of law inspira e torna realizável tanto a razoabilidade quanto
a proporcionalidade, sendo que as mesmas devem prevalecer na vigência
161
162
Humberto Theodoro Júnior, Curso de direito processual civil, p. 27.
José Frederico Marques, Manual de direito processual civil, p. 390.
71
e harmonização de todos os princípios do direito processual em vigor
atualmente.163
2.1.2 Princípio do Juiz Natural
A importância desse princípio é tão forte no direito pátrio,
que coube extrair na íntegra os ensinamentos de Ada Pellegrini Grinover,
conforme se expõe:
“(...) mais do que direito subjetivo da parte e para além do
conteúdo individualista dos direitos processuais, o princípio do
juiz natural é garantia da própria jurisdição, seu elemento
essencial, sua qualificação substancial. Sem o juiz natural, não há
função jurisdicional possível”.164
No dizer de Nelson Nery Júnior:
“(...) o princípio do juiz natural enquanto postulado constitucional
adotado pela maioria dos países cultos, tem grande importância na
garantia do Estado de Direito, bem como na manutenção dos
preceitos básicos de imparcialidade do juiz na aplicação da
atividade jurisdicional, atributo esse que se presta à defesa e
proteção do interesse social e do interesse público geral”.165
De acordo com a informação colhida na obra de Rui
Portanova, a primeira referência legal que se faz à expressão juiz natural é
encontrada no artigo 17, do título II, da Lei Francesa de 24 de agosto de 1790.
Segundo o autor, aos franceses também se atribui a prioridade da primeira
referência constitucional no texto fundamental de 1791.166
163
164
165
166
Humberto Theodoro Júnior, Curso de direito processual civil, p. 27.
Ada Pellegrini Grinover, O princípio do juiz natural e sua dupla garantia, p. 11-33.
Nelson Nery Júnior, Princípios do processo civil na constituição federal, p. 66.
Rui Portanova, Princípios do processo civil, p. 63.
72
Todavia, a Magna Carta Inglesa de 1215, mesmo com a
distribuição da justiça ainda pelos proprietários de terra e a incipiente
justiça estatal, já previa sanções a condes e barões, de acordo com o
disposto no artigo 21, de referida lei, e aos homens livres, de acordo com o
artigo 39, após “julgamento legítimo de seus pares e pela lei da terra”. E,
em conformidade com Portanova, nesse diploma legal encontrava-se a
seguinte disposição: “nenhuma multa será lançada senão pelo juramento
de homens honestos da vizinhança”, também inserto no artigo 39 da
Magna Carta Inglesa.167
Se for observada a formação desse princípio entender-se-á
entenderá que seus aspectos devem-se à proibição histórica do poder de
comissão, pertencente aos textos ingleses do século XVII, do poder de
evocação, das Constituições americanas, como também do poder de
atribuição, dos textos constitucionais franceses.168
De acordo com o mencionado autor, essas serão as três
clássicas garantias que vão constituir o conteúdo do princípio do juízo natural
nas suas várias facetas e conseqüências.169
O poder de comissão se resume na instituição de órgãos
jurisdicionais sem prévia previsão legal e estranhos à organização judiciária
estatal, ou seja, juízos extraordinários.170
Quanto ao poder de evocação, era atribuído ao rei, de
competência de julgamento a órgão diverso do previsto em lei, ainda que
167
168
169
170
Ibidem, mesma página.
Ibidem, p. 64.
Ibidem, mesma página.
Ibidem, mesma página.
73
pertencente à organização judiciária. Em dias atuais é conhecido como
derrogação de competência.171
Por fim, o poder de atribuição dava a prerrogativa de
competência a órgão judiciário em razão da matéria, previamente à ocorrência
do crime, assemelhando-se aos juízos especiais dos dias atuais.172
Esse princípio retrata-se amplamente acolhido pelo mundo
afora. A Declaração Universal dos Direitos do Homem de 1948 prevê, em seu
artigo 10, o seguinte:
“Artigo 10: (...) todo homem tem direito, em plena igualdade, a
uma justa e pública audiência por parte de um tribunal
independente e imparcial, para decidir de seus direitos e deveres
ou do fundamento de qualquer acusação criminal contra ele”.
No direito pátrio, excetuando-se o período do Estado
Novo, sempre houve previsão legal acerca de tal princípio.
Esse acolhimento ocorre na proibição de tribunais
extraordinários ex post facto, ou seja, proibição de comissão e proibição de
transferência de uma causa para outro tribunal, ou seja, a proibição de
evocação.
Assim, pode-se entender que juiz natural é aquele
integrante do Poder judiciário, regularmente cercado das garantias próprias
conferidas àqueles que exercem esse Poder, e, por isso mesmo, independentes
e imparciais.173
171
172
173
Ibidem, mesma página.
Ibidem, mesma página.
Francisco Cláudio de Almeida, Atividade jurisdicional: princípios aplicáveis, p. 137.
74
Rui Portanova entende que essa concepção do juiz natural
no direito pátrio deva estar centralizada em fortes bases, ou seja, somente a
Constituição Federal será capaz de ser denominada fonte para a fixação do
que seja o juiz natural.174
O que se evidencia é que o juiz natural constitucional, e
não apenas legal, é garantia e segurança para todo cidadão. Importa que a
Constituição Federal, com as dificuldades naturais para sua modificação,
garanta a existência em caráter permanente, de um poder estatal
preestabelecido que tenha a exclusividade de jurisdição. Esse princípio
influencia tanto os subprincípios ligados à jurisdição, quanto os ligados à
ação, à defesa e ao processo.
Essa aturalidade atribuída ao juiz surge do direito da parte de
buscar o bem da vida que a própria Constituição lhe assegura, vez que a mesma
impede, tacitamente, que lei inferior retire da apreciação do Poder Judiciário a
investigação de lesão a direito individual. Desse odo, o curso procedimental se
dará em conformidade com a lei anterior, sem que haja qualquer prejuízo futuro
da incidência imediata da lei processual. Assim, será o processo presidido por um
juiz imparcial, resguardado de garantias, cuja competência também ficou
determinada em legislação previamente estabelecida.175
No Brasil, não se admitem os chamados tribunais de
exceção, em virtude da aplicação do princípio do juiz natural.
É cediço que alguns tribunais têm plano de divisão interna
de funções, tais como câmaras especializadas em determinadas matérias,
174
175
Rui Portanova, Princípios do processo civil, p. 65.
Ibidem, p. 66.
75
todavia, essas disribuições de tarefas jurisdicionais devem ser encaradas,
apenas como preferencialidade e não como exclusividade de determinada
câmara sobre determinado assunto. Os tribunais configuram um todo e, as
câmaras suas frações. A própria justiça brasileira tem instituído justiças
especializadas como a Federal, do Trabalho, Eleitoral e Militar.
Na doutrina pátria existe um certo dissenso sobre certos
fatos, que estariam englobados, ou não, na vasta gama de garantias abrangidas
pelo princípio constitucional, impedindo os denominados tribunais de
exceção. Exemplificando, poder-se-ao citar os casos que a Constituição cria
tribunais especializados ou modifica competências antes atribuídas à justiça
ordinária.
Ada Pellegrini Grinover faz uma distinção acerca desse
assunto: não violará o princípio do juiz natural as meras modificações de
competência entre os diversos órgãos da justiça comum. Contudo, resta
afrontoso ao princípio modificar a competência sobre casos pendentes
iniciados na justiça comum em favor da justiça especializada criada pela
Constituição. Nessa hipótese, o novo órgão judiciário só estaria apto a atender
casos futuros. Com apoio em doutrina alienígena, a autora justifica sua
posição entendendo que o princípio do juiz natural limita-se à esfera do
cânone (tempus regit actum) em virtude da qual a lei do processo consiste nas
normas vigentes no momento em que se procede.176
Nelson Nery Júnior admite ser a garantia de tal princípio
tridimensional, ou seja, não haverá juízo ou tribunal ad hoc, isto é, tribunais
de exceção, corroborando o posicionamento dos autores já mencionados neste
estudo; todos têm o direito de submeter-se a julgamento, seja ele civil ou
176
Ada Pellegrinin Grinover, O princípio do juiz natural e sua dupla garantia, p. 23.
76
penal, por um juiz competente, previamente constituído nas formas legais, e
esse juiz, deverá, sobretudo, ser imparcial.177
Quando a Constituição Federal, em seu artigo 5º, inciso
XXXVII, estabelece que “não haverá juízo ou tribunal de exceção” e no
mesmo artigo, inciso LIII, prescreve que “ninguém será processado nem
sentenciado senão pela autoridade competente”, adotou o princípio do juiz e
do promotor natural, denominado no direito alemão de princípio do juiz legal,
e absorvido pelo direito português. Desse modo, a proibição da existência e
criação de tribunais de exceção é o complemento do princípio do juiz
natural.178
Assim, juízo especial admitido pela Constituição e não
violador do princípio do juiz natural, é aquele previsto antecedentemente,
abstrato e geral para julgar matéria específica prevista em Lei.
Não se pode confundir tribunal de exceção com
prerrogativa de foro. No último caso a lei favorece uma das partes litigantes
em virtude do interesse público, nos casos previstos em leis gerais e especiais.
Não há falar-se em privilégio, mas tão somente numa garantia assegurada à
independência e imparcialidade da justiça, com vistas à proteção do interesse
público geral. Do mesmo modo ocorre com os foros constituídos por
intermédio de convenção das partes, os chamados foro de eleição, desde que
contratados dentro dos limites legais, versem sobre matéria de competência
relativa, não ofendam o princípio do juiz natural, vez que a competência
relativa, previamente estabelecida em lei processual, pode ser objeto de
prorrogação, por acordo das partes ou pela inércia do réu que deixar de argüir
177
178
Nelson Nery Júnior, Princípios do processo civil na constituição federal, p. 67.
Ibidem, mesma página.
77
exceção de incompetência. Este tipo de competência relativa engloba-se no
plano dos direitos disponíveis das partes, excetuando-se dos preceitos de
ordem pública.179
Nelson Nery Júnior menciona não ser correto dizer que o
juiz natural é apenas aquele do lugar em que deve ser julgada a causa,
competente em razão do território. Essa naturalidade que se menciona é
apenas a qualificação substancial do juiz, podendo ser aquele com
competência material ou territorial, previamente investido pelas leis
processuais e de organização judiciária. Tal princípio é aplicável,
indistintamente, nos processos civil, penal e administrativo.180
O princípio do juiz natural, como visto, está relacionado
com a competência do juízo e a imparcialidade do juiz.
Quanto à competência, o Código de Defesa do
Consumidor insere novidades em relação às suas regras, tanto na esfera
individual quanto coletiva, senão vejamos:
Em seu artigo 101, inciso I, estabelece que, no caso de
ação de responsabilidade civil do fornecedor a ação pode ser proposta no
domicílio do autor, em prestígio ao princípio da vulnerabilidade, pois a
finalidade é propiciar a facilitação de seu acesso à justiça, conferindo maior
igualdade entre as partes.
Sendo certo que não se aplica à responsabilidade
contratual, mas tão somente às modalidades de responsabilidade civil do
179
180
Ibidem, p. 68-69.
Ibidem, p. 72.
78
fornecedor de produtos e serviços, nos casos de responsabilidade pelo fato do
produto ou serviço, seja por ato próprio ou por ato de terceiro.
É oportuno ressaltar que eventual cláusula de eleição de
foro fora do domicílio do consumidor é, de acordo com o artigo 51, cláusula
abusiva e ao conjugarmos o art. 1º do CDC, in verbis: “o presente Código
estabelece normas de proteção e defesa do consumidor, de ordem pública e
interesse social”, chegaremos a conclusão que o juiz deve de officio declarar a
nulidade da cláusula.
Outra regra própria de competência está prevista no art. 93
do Código de Defesa do Consumidor, que excepciona a competência da
justiça federal, nos limites traçados pela Constituição Federal, em seus artigos
108 e 109. Portanto, a competência da justiça estadual se verifica
residualmente.
Com efeito, no que se refere às ações, em que se aplicam o
art. 93 do Código de Defesa do Consumidor e o art. 2º da Lei nº 7.347/85, a
competência é territorial e funcional, e assim, absoluta.
Optou o Código de Defesa do Consumidor por atribuir a
competência ao foro onde ocorreu ou deva ocorrer o dano, quando de âmbito
local, e ao foro da capital do Estado ou do Distrito Federal, quando o dano for
de âmbito regional ou nacional.
Quando o dano ou ameaça de dano ocorrer nos limites de
uma comarca, esta será a sede do juízo competente para o julgamento da ação.
Se o resultado danoso, contudo, ultrapassar os limites de uma comarca, a
competência se estabelecerá por prevenção, nos termos dos arts. 105 e 106 do
79
Código de Processo Civil. Sendo regional o dano, atingindo consumidores de
mais de um Estado, ou nacional a competência será do foro da capital do
Estado ou do Distrito Federal.181
Patricia Miranda Pizzol afirma que: “Se a União Federal
tiver interesse na causa, mas não houver na comarca do local onde ocorreu o
fato lesivo vara da Justiça Federal, a competência será da Justiça
Estadual”.182
O artigo 98 do Código de Defesa do Consumidor
estabelece que é competente para a execução em ações coletivas o juízo da
liquidação da sentença ou da ação condenatória, no caso de execução
individual. Ora, o art. 101, I, prestigia o acesso à Justiça do Consumidor
estabelecendo que a ação pode ser proposta no seu domicílio. Portanto,
entendemos que o consumidor pode e deve executar a sentença
individualmente em seu domicílio, sob pena de se negar a amplitude de
acesso à justiça preconizada no art. 5º, XXXV, da Constituição Federal.
2.1.3 Princípio do Acesso à Justiça
Esse princípio garante que todo cidadão tem o direito à
tutela jurisdicional adequada e não apenas à tutela jurisdicional, de tal modo
que toda lei infraconstitucional, que impedir a concessão dessa tutela, deverá
ser interpretada como ofensiva ao direito constitucional que assegura o direito
de ação.183
181
182
183
Vidal Serrano Nunes Júnior, Código de defesa do consumidor interpretado, p .144.
Patricia Miranda Pizzol, Liquidação nas ações coletivas, p. 187.
Nelson Nery Júnior, Princípios do processo civil na constituição federal, p. 99.
80
Essa expressão vaga do que seja o acesso à justiça permite
que sejam extraídos dois sentidos fundamentais: o primeiro que atribui a
justiça o mesmo sentido e conteúdo que o Poder Judiciário, fazendo com que
expressões como acesso à justiça e acesso ao Poder Judiciário se tornem
sinônimas; o segundo, extraído de uma visão mais axiológica da expressão
justiça , engloba o acesso a ela como o acesso a uma determinada ordem de
valores e direitos fundamentais para o ser humano.184
Tal princípio adota uma visão axiológica da expressão
justiça, haja vista ser mais abrangente, e ainda estar na vertente dos
princípios, inserido no movimento de efetividade dos direitos sociais.185
Cappelletti, em análise ao movimento de acesso à justiça,
encontrou três ondas que invadem em número crescente os Estados
contemporâneos. Segundo ele, a primeira onda refere-se à pobreza como
obstáculo ao acesso ao judiciário. Não se refere apenas à pobreza econômica,
como se costuma imaginar, mas a todos os efeitos culturais, sociais e jurídicos
dela decorrentes, que levam ao desconhecimento dos seus direitos e à
descrença na existência da própria justiça. Soluções são buscadas antes do
início dos processos, como a assistência jurídica, e durante a causa, como o
patrocínio para a ação, defesa e demais despesas processuais.186
A segunda onda, analisada por Cappelletti, refere-se à
proteção aos interesses difusos, frutos dos fenômenos de massa, em que o
problema social reside não apenas nas hipóteses consumeristas, nas fraudes
publicitárias, na adulteração de gêneros alimentícios, na poluição que acomete
184
185
186
Horácio Wanderlei Rodrigues, Acesso à justiça no direito processual brasileiro, p. 28.
Rui Portanova, Princípios do processo civil, p. 112.
Mauro Cappelletti, Acesso à justiça, p. 16.
81
grandes e médias metrópoles, mas também nas minorias raciais e em outras
minorias existentes na sociedade atual. Existe um alerta para a insuficiência
de mera aprovação de leis de ordem processual ou material sobre o assunto,
sem a necessária mudança de mentalidade do jurista. Faz-se necessário atentar
aos efeitos de princípios consagrados, entre eles a divisão do direito público e
privado, legitimação ativa e extensão da coisa julgada.187
A terceira onda refere-se ao risco da burocratização do
Poder Judiciário. Aqui, encontram-se duas propostas, a primeira delas,
menciona o referido autor, prescreve uma atuação mais humana do julgador
para acolher os consumidores pobres que acorrem ao Judiciário, assim como
protegê-los sem recusar-lhes a justiça; a segunda, contempla a simplificação
do procedimento e dos atos judiciais além do próprio direito substancial.188
Eleva-se o acesso à justiça como princípio informativo
da ação e da defesa, na perspectiva de se colocar o Poder Judiciário no
lugar onde os cidadãos possam fazer valer seus direitos individuais e
sociais.189
Assim, é “(...) imprescindível encarar o processo, como
nada mais do que um instrumento estatal, como algo de que o Estado se serve
para a consecução dos objetivos políticos que se situam por detrás da
própria lei”.190
Fundamental se faz o comentário de Kazuo Watanabe,
onde se diz que:
187
188
189
190
Ibidem, mesma página.
Ibidem, mesma página.
Rui Portanova, Princípios do processo civil, p. 113.
Cândido Rangel Dinamarco, A instrumentalidade no processo, p. 235.
82
“(...) a problemática do acesso à Justiça não pode ser estudada
nos acanhados limites do acesso aos órgãos judiciais já existentes.
Não se trata apenas de possibilitar o acesso à Justiça enquanto
instituição estatal, e sim de viabilizar o acesso à ordem jurídica
justa”.191
Em conformidade com o artigo 5º, inciso XXXV, da
Constituição Federal, “a lei não excluirá da apreciação do Poder Judiciário
lesão ou ameaça a direito”. Embora o destinatário principal dessa norma seja
o legislador, o comando constitucional atinge a todos indistintamente, vale
dizer, não pode o legislador e ninguém mais impedir que o jurisdicionado vá a
juízo deduzir pretensão.192
Entretanto, oportuno se faz mencionar neste estudo que o
direito à tutela jurisdicional, tão conclamado nesta oportunidade, não deve ser
confundido com o direito de petição. Este último é concedido para que se
possa reclamar, junto aos poderes públicos, a defesa de direitos contra a
ilegalidade ou abuso de poder, sendo, sobretudo, um direito político, a ser
exercido por qualquer pessoa, até mesmo a jurídica, sem que haja necessidade
de uma forma procedimental adequada, vez que sua maior característica é,
sem dúvida, a informalidade. Necessita-se apenas da identificação do
peticionário e o conteúdo do que se pretende de determinado órgão público, a
quem se dirige o pedido. A diferença primordial entre estes dois institutos está
centrada no direito de ação, da necessidade de vir a juízo pleitear a tutela
jurisdicional. Já que o assunto versa sobre direito pessoal, deve-se, para tanto,
preencher a condição do interesse processual, enquanto que para a
legitimação do direito de petição não existe a necessidade de se comprovar
que o peticionário tenha sofrido gravame pessoal ou lesão em seu direito, já
191
192
Ada Pellegrini Grinover, Cândido Rangel Dinamarco e Kazuo Watanabe, Acesso à justiça e
sociedade moderna, p. 128.
Nelson Nery Júnior, Princípios do processo civil na constituição federal, p. 98.
83
que se caracteriza como direito de participação política, estando presente o
interesse geral no cumprimento da ordem jurídica.193
O direito de ação, do qual trata este tópico, é um direito
público subjetivo, que pode ser exercitável até mesmo contra o Estado, que
não poderá recusar-se a prestar a tutela jurisdicional para a qual é chamado. O
juiz, por seu turno, deverá aplicar o direito ao caso concreto, não lhe sendo
exigido que sentencie favoravelmente àquele que trouxe o litígio a lume.
Desse modo, percebe-se que o direito de ação, aqui conclamado, é um direito
cívico e abstrato, subjetivo à sentença, seja ela de acolhimento ou de rejeição
da pretensão deduzida a juízo, por óbvio, desde que estejam presentes as
condições da ação. Restando alcançado esse direito subjetivo, quando se
consegue o objeto desse desejo, qual seja, o da obtenção da tutela
jurisdicional do Estado, esta realização do direito subjetivo acontecerá assim
que pronunciada a sentença, favorável, ou não, ao autor.194
O consumidor enfrenta várias dificuldades em buscar a efetiva
tutela jurisdicional de seus direitos, seja pelo custo do processo, pela morosidade da
justiça e até mesmo pela sua ignorância sobre os seus próprios direitos.
O Código de Defesa do Consumidor, na tentativa de tornar
mais efetivo o acesso à Justiça do consumidor, coloca à disposição do mesmo
para a defesa de seus direitos:
a) a assistência judiciária integral e gratuita àqueles que
não possam contratar um advogado;
193
194
José Joaquim Gomes Canotilho e Vital Moreira, Constituição da república portuguesa
anotada, p. 286.
Nelson Nery Júnior, Princípios do processo civil na constituição federal, p. 103-104.
84
b) as promotorias especializadas para a defesa de interesses
difusos, coletivos e individuais homogêneos;
c) delegacias de polícia especializadas em investigações de
crimes contra as relações de consumo;
d) o Juizado Especial de Pequenas Causas;
e) a concessão de estímulos à constituição de associações
de defesa dos consumidores.
2.1.4 Princípio do Contraditório
Essencial o ensinamento de Rui Portanova sobre este
princípio, in verbis:
“O princípio do contraditório é elemento essencial ao
processo. Mais do que isto, pode-se dizer que é inerente ao
próprio entendimento do que seja processo democrático, pois
está implícita a participação do indivíduo na preparação do
ato de poder. A importância do contraditório irradia-se para
todos os termos do processo. Tanto assim que conceitos como
ação, parte e devido processo legal, são integrados pela
bilateralidade. Em verdade, só não incluímos o contraditório
como princípio informativo, por considerá-lo uma das facetas
da igualdade”.195
O autor continua seu ensinamento prescrevendo que o
princípio do contraditório possui assentamento em fundamentos lógicos e
políticos. Para ele é a bilateralidade da ação e da própria pretensão, que gera a
195
Rui Portanova, Princípios do processo civil, p. 160-161.
85
bilateralidade do processo e aqui cabe salientar que a contradição é recíproca,
sendo este o fundamento lógico.196
Rui Portanova considera a existência do princípio do
contraditório antes da citação e assume o posicionamento de que o mesmo
não se encerra depois da sentença. Tal afirmação se justifica com o trecho
extraído de sua obra, ipsis literis:
“Se já na elaboração da inicial a idéia de bilateralidade tem seus
reflexos, por igual a sentença, com a necessidade de motivação, é
informada pelo princípio. Com efeito, ao julgar, o juiz reflete a
importância que deu ao direito da parte de influir em seu
convencimento e esclarecer os fatos da causa”.197
E, de forma sintética e clara, o autor conclui seu
pensamento defendendo a idéia de que, enquanto na concepção tradicional, o
contraditório é visto estaticamente, em correspondência com a igualdade
formal das partes, do ponto de vista crítico, menos individualista e mais
dinâmico, o princípio do contraditório postula a necessidade de ser a
eqüidistância do juiz adequadamente temperada. Para ele, o plano de uma
concreta aplicabilidade da garantia do contraditório tem uma relação íntima
com o princípio da igualdade, em sua dimensão dinâmica das desigualdades,
sejam elas jurídicas ou de fato, entre os sujeitos do processo.198
É necessário assegurar aos litigantes isonomia no exercício
de suas faculdades processuais. Todavia, o princípio do contraditório não
existirá e nem prevalecerá por si só, deverá, isto sim, harmonizar-se com os
outros princípios processuais.199
196
197
198
199
Ibidem, p. 161.
Ibidem, p. 163.
Ibidem, p. 163-164.
Humberto Theodoro Júnior, Curso de direito processual civil, p. 29.
86
E, nos dias de hoje, existe uma aplicação muito ampla do
princípio do contraditório, conforme se depreende dos ensinamentos de
Carlos Alberto Álvaro de Oliveira, em sua obra O juiz e o princípio do
contraditório, conforme trecho abaixo transcrito:
“Por princípio as partes não podem ser surpreendidas por decisão
que se apóie numa visão jurídica que não tinham percebido ou
tinham considerado sem maior significado. Nesse sentido, mesmo o
conhecimento de ofício, pelo juiz deve ser precedido de prévio
conhecimento da parte. Além disso, a parte deve tomar
conhecimento de eventual novo rumo que o juízo irá tomar. Aqui
dá-se a necessidade do contraditório para a liberdade de escolha
do direito pelo juiz consubstanciada no iura novit cúria”.200
Conforme assinala José Carlos Barbosa Moreira, para que
se tenha um contraditório pleno e efetivo, necessária se faz a possibilidade de
um contato pessoal entre o juiz e o advogado das partes e, em casos especiais,
a entrevista isolada do juiz com a testemunha, sendo essas situações por vezes
observadas nos dias atuais.201
Poderia se questionar então, em algum momento, se o
princípio do contraditório não haveria de inviabilizar a concessão de medidas
liminares sem que houvesse a audiência da parte contrária. Todavia, a
interpretação sistemática do texto constitucional não é compatível com tal
conclusão, vez que um dos pressupostos para a concessão de medidas
liminares é justamente o do periculum in mora, vale dizer, o receio de que a
concessão do benefício pleiteado após a ciência da parte contrária e,
eventualmente, somente ao final, venha a se tornar ineficaz. Sobretudo, se tal
perigo for ignorado, sob a justificativa de estar fazendo jus ao princípio do
contraditório, estar-se-á negando, em vias práticas, o próprio direito de ação,
200
201
Carlos Alberto Álvaro de Oliveira, O juiz e o princípio do contraditório, p. 07-14.
José Carlos Barbosa Moreira, A garantia do contraditório na atividade de instrução, p. 237.
87
na medida em que a parte contrária, ciente da demanda contra si proposta,
poderá tomar medidas que inviabilizem, na esfera prática, a outorga do
direito.202
Nelson Nery Júnior observa corretamente que, no
processo civil brasileiro, o princípio do contraditório se manifesta em
todos os três tipos clássicos de processo adotados pelo nosso
ordenamento positivo, quais sejam, o processo de conhecimento, o
processo de execução e o processo cautelar. Tal princípio atuará sempre
no processo civil, sendo indiferente tratar-se de processo desenvolvido
por meio de procedimento de jurisdição contenciosa ou de jurisdição
voluntária. 203
Com o contraditório, torna-se inviolável o direito do
litigante de propugnar, durante o processo, com armas iguais ás de seu
adversário, a defesa de seus interesses, a fim de convencer o juiz com
provas e alegações de que a solução da lide lhe deve ser favorável.204
Assim, a principal maneira de se dar tratamento igual
às partes é por meio da utilização do princípio do contraditório,
amplamente difundido e especialmente assegurado pela constituição
Federal de 1988, como garantia fundamental, em seu artigo 5º, inciso
LV, consistente na necessidade de ouvir a pessoa ante a qual será
proferida a decisão, podendo a mesma defender-se e pronunciar-se
durante todo o curso do processo, não podendo, contudo, haver
privilégios de qualquer tipo.
202
203
204
Neste sentido o ensinamento de Angélica Arruda Alvim, Princípios constitucionais de
processo, p. 33.
Nelson Nery Júnior, Princípios do processo civil na constituição federal, p. 142.
José Frederico Marques, Manual de direito processual civil, p. 392.
88
Apesar de os princípios processuais serem passíveis de
exceções, o princípio do contraditório é absoluto, devendo sempre ser
observado, sob pena de nulidade do processo.205
Em decorrência desse princípio, toda e qualquer decisão que
tiver de ser proferida, somente o será, depois de ouvidas ambas as partes em
litígio; a relação processual que ali se configura somente estará completa após
citação regular do demandado e, por fim, a sentença proferida pelo juiz somente
alcançará as pessoas que forem partes no processo, ou seus sucessores.
2.1.5 Princípio da Recorribilidade e do Duplo Grau de
Jurisdição
O surgimento do duplo grau de jurisdição deu-se com
indiscutível finalidade mantenedora de ideologia. Surgiu primeiramente nos
sistemas hierarquizados e rígidos de governo. Eram convenientes à ordem
política, o conhecimento e a eventual revisão das decisões dos níveis
inferiores. Esse interesse foi uma constante e de imediato perceptível na
Roma antiga, onde povo e poder dividiam as funções jurisdicionais. Sua
evolução deu-se no período de cristianização do direito, com fulcro na
possibilidade de erro e como forma de controle disciplinar, político e
doutrinário. Contudo, foi na Revolução Francesa, que a estrutura jurídica fora
exaltada, o princípio imortalizado e existente até os dias atuais.206
Tal princípio foi criado para evitar ou emendar os erros e
falhas inerentes ao ser humano. O legislador pátrio permitiu que todo e
205
206
Virgilio Andreoli, Lezioni di diritto processuale civile, p. 21.
Rui Portanova, Princípios do processo civil, p. 264.
89
qualquer ato do juiz que prejudique ou possa prejudicar direitos ou interesses
das partes, deva ser recorrível.
Por óbvio, todo tipo de recurso deverá observar as
disposições legais, as formas e as oportunidades para sua interposição, o que
torna claro, que não interessa, via de regra, nada que frustre o objetivo de uma
rápida prestação da tutela jurisdicional.
Todavia, de nada adiantaria a possibilidade de recurso se não
houvesse outro órgão que pudesse revisionar a decisão que se impugna, de tal
forma que, além do princípio da recorribilidade, existe a dualidade de instâncias
ou, como acima especificado, o princípio do duplo grau de jurisdição.
Elogiável se faz o comentário de Lourival Gonçalves de
Oliveira acerca deste princípio:
“Por ele pretendia abrir as portas às reformas de sentenças de
juízes viciados, permitir aperfeiçoamento do Judiciário e suas
decisões partindo da idéia de que menor a possibilidade de erro
em segunda instância que em uma única, e atender a anseios
psicológicos do vencido na demanda. O conceito francês,
carregado de ideologia, prosperou pelo mundo misturando-se
muitas vezes com caracteres de sua antiga roupagem política”.207
Tal princípio nada mais deseja do que ver atendido o
pedido da parte, de ter sua pretensão conhecida e julgada por outro juízo,
quando não tenha se conformado com a decisão do primeiro julgamento.
Humberto Theodoro Júnior justifica por esse princípio a
necessidade de órgãos judiciais de competência hierárquica diferente: os de
207
Lourival Gonçalves de Oliveira, Duplo grau de jurisdição obrigatório e as entidades de
direito público, p. 155-165.
90
primeiro grau, também chamados juízos singulares, quais sejam os juízos da
causa; e os de segundo grau, também chamados de Tribunais Superiores, que
são os juízos dos recursos.208
Existem, todavia, casos que escapam desse princípio, feitos
de competência originária dos tribunais. Assim, em virtude da composição desse
órgão que reúne juristas de lapidado saber jurídico, bem como elevada
experiência, dispensa-se nessa espécie a garantia da dualidade de instâncias.209
Cumpre mencionar que tal princípio é voluntário. Em
virtude direta do princípio da demanda, ninguém pode obrigar que a parte
recorra, ou que ela deixe de recorrer. Cabe à parte que se sentir prejudicada
submeter tal decisão a reexame, ou não.210
Importante ressaltar a discussão sobre a existência ou não
do princípio do duplo grau de jurisdição.
Segundo Orestes Nestor de Souza Laspro em sua obra
Duplo grau de jurisdição no direito processual civil:
“(...) conclui-se que o duplo grau de jurisdição não é um direito
constitucional e que sua simples supressão não levaria ao
afastamento das garantias fundamentais das partes, em especial no
que se refere ao devido processo legal”.211
Nelson Nery Júnior em Princípios fundamentais: teoria
geral dos recursos, entende que:
208
209
210
211
Humberto Theodoro Júnior, Curso de direito processual civil, p. 29.
Ibidem, mesma página.
Rui Portanova, Princípios do processo civil, p. 266.
Orestes Nestor de Souza Laspro, Duplo grau de jurisdição no direito processual civil, p. 172.
91
“(...) muito embora o princípio do duplo grau de jurisdição esteja
previsto na CF, não tem incidência ilimitada, como ocorria no
sistema da Constituição Imperial. De todo modo está garantido
pela lei maior. Quer dizer, a lei ordinária não poderá suprimir
recursos, pura e simplesmente”.212
Entendemos que a simples menção na Constituição Federal
a Tribunais Superiores não traz, implicitamente, garantia constitucional ao
duplo grau de jurisdição para todos os processos, haja vista as causas de
competência originária dos tribunais. Como já salientamos, garantir que toda
decisão de primeiro grau seja revista por nossos tribunais seria punir o autor
que tem razão, em decorrência da já conhecida demora no julgamento dos
recursos, mormente nas relações de consumo onde temos litigantes não
contumazes e sem possibilidades financeiras de aguardar uma decisão
definitiva por cinco ou dez anos.
2.1.6 Princípio da Boa-Fé e Lealdade Processual
Prevalece nesse princípio que todos os sujeitos processuais
deverão manter uma conduta ética adequada, de acordo com os deveres de
verdade, moralidade e probidade em todas as fases do procedimento.213
É imprescindível que o comportamento das pessoas em
sociedade seja norteado pela boa-fé, de tal modo que processualmente não
poderia ser diferente. O processo não deve e não pode ser encarado como
um duelo, mas apenas um meio pelo qual as pessoas buscam a verdade,
respeitando-se e cooperando-se de forma mútua. Este é um princípio de
caráter indiscutivelmente ético que, sob a ótica do interesse público,
212
213
Nelson Nery Júnior, Princípios fundamentais: teoria geral dos recursos, p. 34.
Ibidem, p. 157.
92
resume-se num prolongamento da ética que deve nortear a vida em
sociedade.214
Alcides de Mendonça Lima mostra que o direito processual
visa, precipuamente, a restabelecer o direito material quando violado. Assim, os
meios dos quais se serve para atingir aquele objetivo não podem privilegiar
situações ímprobas, maculando o próprio resultado pretendido.215
Conforme assevera Rui Portanova, não se trata de exigir
ingenuamente que as partes ofereçam argumentos para que a outra parte triunfe.
Trata-se, sim, de evitar que a vitória venha eivada de malícias, fraudes, espertezas,
dolo, improbidade, embuste, artifícios, mentiras ou mesmo desonestidades.216
Por vezes distingue-se o princípio da boa-fé do princípio
da probidade. Enquanto o primeiro é genérico e se refere à justiça, o segundo
é mais específico e diz a exigência de que as partes declarem as circunstâncias
fáticas de modo completo e determinado. Não existe má-fé maior do que
demandar com mentiras.217
Admissível será que as partes demandem com habilidade e
um grau tolerável de malícia estratégica no processo, o que nunca poderá ser
confundido com a má-fé.218
Assim, com vistas a solucionar o litígio, tanto partes,
quanto o Estado, tentam incessantemente faze-lo a contento. Todavia, se de
214
215
216
217
218
Ibidem, p. 156-157.
Alcides de Mendonça Lima, O princípio da probidade no código de processo civil brasileiro,
p. 15-42.
Rui Portanova, Princípios do processo civil, p. 157.
Ibidem, 158.
Cândido Rangel Dinamarco, A instrumentalidade do processo, p. 410.
93
um lado as partes se preocupam em defender seus interesses privados, o
Estado tem um interesse maior que é o da pacificação social, com uma justa
composição do litígio e a prevalência do império da ordem jurídica.
No dizer de Humberto Theodoro Júnior, o Estado e a
sociedade estão empenhados para que o processo seja eficaz, reto, prestigiado,
útil ao seu elevado desígnio. Por isso que a lei processual se preocupa em
assentar os procedimentos á luz dos princípios da boa-fé e da lealdade das
partes e do juiz.219
O Código de Processo Civil veda expressamente qualquer
ato fraudulento, de acordo com o disposto em seu artigo 129, conforme segue:
“Artigo 129: Convencendo-se, pelas circunstâncias da causa, de
que o autor e réu se serviram do processo para praticar ato
simulado ou conseguir fim proibido por lei, o juiz proferirá
sentença que obste aos objetivos das partes”.220
Evidentemente que a lei não tolera a má-fé e o artigo
mencionado é prova de que o juiz esta provido de instrumentos que vão
contra a fraude processual.
As intenções do legislador em reprimir a litigância de máfé e zelar pelo princípio da boa-fé não se restringem apenas a esse artigo, mas
também aos artigos 16 e 18 do mencionado diploma legal, conforme se
expõe:
“Artigo 16: Responde por perdas e danos aquele que pleitear de
má-fé como autor, réu ou interveniente”.221
219
220
221
Humberto Theodoro Júnior, Curso de direito processual civil, p. 30.
Nelson Nery Júnior, Código de processo civil comentado, p. 584.
Ibidem, p. 396.
94
E ainda:
“Artigo 18: O juiz ou tribunal, de oficio ou a requerimento,
condenará o litigante de má-fé a pagar multa não excedente a um
por cento (1%) sobre o valor da causa e a indenizar a parte
contrária dos prejuízos que esta sofreu, mais os honorários
advocatícios e todas as despesas que efetuou.
§ 1º – Quando forem dois ou mais os litigantes de má-fé, o juiz
condenará cada um na proporção do seu respectivo interesse na
causa, ou solidariamente aqueles que se coligaram para lesar a
parte contrária.
§ 2º – O valor da indenização será desde logo fixado pelo juiz, em
quantia não superior a vinte por cento (20%) sobre o valor da
causa, ou liquidado por arbitramento”.222
Assim, para José Frederico Marques, o Código de Processo
Civil em vigor, na esteira do que o antecedeu e impregnado de alto sentido
ético, procura impor aos litigantes uma conduta condigna para que as
atividades processuais se desenvolvam imunes de abusos. Consistindo nisto o
princípio da lealdade processual.223
Nas relações de consumo se verifica constantemente o
abuso do poder econômico do fornecedor em relação ao consumidor,
recorrendo aquele, indistintamente, de decisões cujo conteúdo é
composto de matérias já sumuladas por nossos tribunais, objetivando
simplesmente ganhar tempo, procrastinar o feito para, em decorrência
do tempo, impor ao consumidor acordos nos quais este, pelo seu menor
poderio econômico acaba aceitando muito menos do que tem direito, ou
seja, o fornecedor acaba jogando com o tempo, com a demora na
prestação jurisdicional para desestimular o consumidor a buscar seus
direitos em juízo.
222
223
Ibidem, p. 401.
José Frederico Marques, Manual de direito processual civil, p. 397.
95
Como o Código de Processo se aplica subsidiariamente ao
Código de Defesa do Consumidor, todas as regras processuais que visam evitar
ou punir o litigante de má-fé devem ser aplicadas nas relações de consumo.
Tratando-se de ações coletivas, o legislador procurou
facilitar ao máximo o acesso à justiça, tanto que estabeleceu no art. 87 do
CDC que não haverá adiantamento de custas, emolumentos, honorários
periciais e quaisquer outras despesas, inclusive honorários advocatícios, salvo
em casos de litigância de má-fé.
2.1.7 Princípio da Verdade Real
Não existe nos dias atuais provas de valor previamente
hierarquizado, exceto nos atos solenes em que a forma é de sua própria
substância.
Desse modo, quando o juiz proferir uma sentença, deverá antes
ter formado seu convencimento livremente, dando valor às provas em conformidade
com critérios lógicos, jamais se declinando de fundamentar as suas decisões, em
virtude do disposto no artigo 131 do Código de Processo Civil, in verbis:
“Artigo 131: O juiz apreciará livremente a prova, atendendo aos
fatos e circunstâncias constantes dos autos, ainda que não
alegados pelas partes; mas deverá indicar, na sentença, os motivos
que lhe formaram o convencimento”.224
Isto não significa que o juiz tenha o direito de ser
arbitrário, conforme assevera Theodoro Júnior:
224
Ibidem, p. 587.
96
“(...) a finalidade do processo é a justa composição do litígio e
esta só pode ser alcançada quando se baseie na verdade real ou
material, e não na presumida por prévios padrões de avaliação dos
elementos probatórios”.225
Ousamos discordar do Mestre Theodoro Júnior, pois o
juiz deve pesar quem são as partes no processo, quais são as
possibilidades de manter uma lide, os fatores econômicos e sociais que
envolvem as partes.
Tratando-se de ser a parte o consumidor, é notória a
diferença material e processual do fornecedor.
Portanto, o tempo é fundamental para a eficácia da tutela
jurisdicional prestada, e assim, entendemos ser necessário o juiz repartir o
ônus da demora processual entre autor e réu e, em caso de probabilidade de
certeza do direito do autor, deve antecipar de plano a tutela pretendida,
entregando o bem da vida a parte, até mesmo de ofício em casos
excepcionais.
Levando-se em consideração que o Código de Defesa do
Consumidor é norma de ordem pública e interesse social, os poderes
instrutórios do juiz devem ser exercidos com maior elasticidade, mormente,
tratando-se
de
pessoa
vulnerável
e,
possivelmente,
hipossuficiente
economicamente, culturalmente ou tecnicamente. O juiz deve procurar de
todas as formas fazer com que sejam produzidas todas as provas necessárias à
sua efetiva proteção, como estabelece o próprio Código em seu artigo
primeiro.
225
Humberto Theodoro Júnior, Curso de direito processual civil, p. 30.
97
2.1.8 Princípio da Oralidade
É sabido que a discussão oral nas audiências acerca da
causa é importante, ao passo de se concentrar a instrução e o julgamento
dentro de um número pequeno de atos processuais.
Adotam-se, então, elementos que caracterizam esse
processo oral, tais como a identidade física do juiz, no sentido de dirigir o
processo do início até final julgamento; a concentração, consistente em
realizar, em poucas audiências, a produção de provas e o julgamento célere da
causa; e a irrecorribilidade das decisões interlocutórias, visando a conter
separação do processo ou interrupção contínua, por meio da utilização de
recursos que devolvam ao tribunal o julgamento impugnado.226
O CPC brasileiro adotou a oralidade com certas atenuações,
em decorrência das peculiaridades pertinentes à realidade brasileira e em virtude
das restrições doutrinárias feitas ao rigor do princípio. Existem, nesse diploma
legal, limitações à obrigatoriedade da identidade física do juiz, como pode ser
observado com a leitura do artigo 132 do texto de lei em referência:
“Artigo 132: O juiz, titular ou substituto, que concluir a audiência
julgará a lide, salvo se estiver convocado, licenciado, afastado por
qualquer motivo, promovido ou aposentado, casos em que passará
os autos ao seu sucessor.
Parágrafo único: Em qualquer hipótese, o juiz que proferir a
sentença, se entender necessário, poderá mandar repetir as provas
já produzidas”.227
Existem, ainda, casos em que, em virtude da economia
processual, far-se-á o julgamento antecipado, sem a necessidade da audiência
226
227
Alfredo Buzaid, Exposição de motivos, p. 13.
Nelson Nery Júnior, Código de processo civil comentado, p. 588.
98
de instrução e julgamento, mesmo que seja no rito ordinário. Confira-se nesta
oportunidade o que prescreve o artigo 330 do Código de Processo Civil:
“Artigo 330: O juiz conhecerá diretamente do pedido, proferindo
sentença:
I – quando a questão de mérito for unicamente de direito, ou,
sendo de direito e de fato, não houver necessidade de produzir
prova em audiência;
II – quando ocorrer a revelia (artigo 319)”.
Também em relação à irrecorribilidade das decisões, o
Código adotou uma orientação totalmente contrária ao princípio da oralidade
pura, vez que admite o agravo de instrumento de todas as decisões proferidas
ao longo do curso processual, conforme orientação contida no artigo 522,
ainda que sem o efeito suspensivo, consagrado no artigo 497.
Mesmo aqueles que defendem a oralidade, não exigem a
absoluta irrecorribilidade das decisões interlocutórias. O que existe de
inconciliável com a oralidade processual é a recorribilidade em apartado,
praticada de forma que as impugnações dos incidentes acarretem uma
paralisação do processo. Por esse motivo prefere-se que o ataque a tais
decisões ocorra juntamente com a impugnação ao julgamento da causa, como
preliminares. Tendo, porém, o Código adotado um regime de recurso para as
interlocutórias, que não interfere no curso do processo, não se lhe atribui, na
espécie, uma oposição à oralidade.228
Cumpre ressaltar que o efeito substitutivo dos recursos no
sistema brasileiro põe uma pá de cal no princípio da oralidade, pois
transforma o juiz de primeiro grau em mero instrutor do processo. É certo que
deveríamos caminhar no sentido contrário, ou seja, prestigiar as decisões de
228
Humberto Theodoro Júnior, Curso de direito processual civil, p. 31.
99
primeiro grau, haja vista que o juiz de primeiro grau é que teve contato com
as partes, decidindo quase sempre com acerto.
2.1.9 Princípio da Publicidade
De acordo com os ensinamentos de Arruda Alvim, o
princípio da publicidade resume-se antes de qualquer coisa num princípio
ético.229
Acerca desse princípio, o autor menciona que:
“A publicidade é garantia para o povo de uma justiça ‘justa’, que
nada tem a esconder; e, por outro lado, é também garantia para a
própria Magistratura diante do mesmo povo, pois agindo
publicamente, permite a verificação de seus atos”.230
Existe um interesse público muito grande na prestação
jurisdicional, consistente na garantia da paz e harmonia social, procurada
através da manutenção da ordem jurídica.
Posto isto, a justiça não pode ser secreta, nem as decisões
podem ser arbitrárias, já que lhe é exigida sempre a motivação, sob pena de
nulidade.
Por óbvio, esse princípio não impedirá que alguns
processos corram em segredo de justiça, pelo interesse das próprias partes, em
229
230
Arruda Alvim, Manual de direito processual civil, p. 397.
Ibidem, p. 99.
100
conformidade com o artigo 155 do Código de Processo Civil, abaixo
transcrito:
“Artigo 155: Os atos processuais são públicos. Correm, todavia,
em segredo de justiça os processos:
I – em que exigir o interesse público;
II – que dizem respeito a casamento, filiação, separação dos
cônjuges, conversão desta em divórcio, alimentos e guarda de
menores”.
Esse princípio se resume no direito à discussão das provas,
na obrigatoriedade de motivação de sentença e sua publicação e na
possibilidade de intervenção das partes e seus procuradores em todos os atos
processuais e em todas as fases do procedimento.
Rui Portanova, em sua obra Princípios de processo civil,
afirma fazer parte da essência de um processo a sua publicidade. Para ele, a
abertura para o conhecimento público dos atos não é uma qualidade só do
processo, mas de todo e qualquer sistema de direito que não se embase na
força, na exceção e no autoritarismo. Continua, ao frisar o que é notório, a
democracia não se compraz com o secreto. A publicidade deve ser do
processo e não no processo por razões óbvias, como salienta o respeitável
autor.231
Ainda, completando o seu raciocínio, menciona que a
publicidade é um anteparo a qualquer investida contra a autoridade moral dos
julgamentos, pois de acordo com seu entendimento o ato público garante mais
confiança e respeito, além de viabilizar a fiscalização sobre as atividades dos
juízes.232
231
232
Rui Portanova, Princípios do processo civil, p. 167.
Ibidem, mesma página.
101
2.1.10 Princípio da Economia Processual
É necessário que a Justiça oferecida às partes seja barata e
rápida. Seria bom que o processo fosse gratuito, de fácil acesso a todos os
cidadãos, de maneira isonômica.
Infelizmente, nem mesmo os países detentores das melhores
economias conseguiram atingir esse objetivo, sendo que por esse motivo, as
despesas correm por conta dos litigantes, ressalvados os casos em que se comprove
a pobreza do litigante e lhe é fornecida a assistência jurídica gratuita.233
Existem medidas práticas que são consideradas como
aplicações desse princípio, tais como o indeferimento da inicial de pronto,
quando a causa não reunir os requisitos estipulados em lei; a acumulação de
causas conexas num só processo, possibilidade de antecipar o julgamento de
mérito dentre várias outras, tudo buscando celeridade e economia processual.
2.1.11 Princípio da Eventualidade ou da Preclusão
O processo é dividido em séries de fases e momentos, nos
quais as atividades se dividem tanto entre as partes, quanto entre o juiz. Cada
fase prepara a seguinte, não podendo mais retornar para a anterior depois que
a mesma foi exaurida, visando à conclusão do mesmo.
Através desse princípio, cada faculdade processual deverá
ser exercida dentro da fase adequada, sendo que poderá ser perdida a
oportunidade de se praticar determinado ato.
233
A este respeito confira-se o que prescreve a Lei nº 1.060/50.
102
Desse modo, a preclusão nada mais é do que a perda da
faculdade de praticar determinado ato, num momento adequado, pois foi
escoado o momento em que se deveria fazer uso do direito que lhe fora
conferido.
Habitualmente, divide-se o processo em quatro fases, quais
sejam: a postulação, aquela fase em que os autores e réus formularão seus
pedidos perante a autoridade judiciária competente; o saneamento, que ocorrerá
com a solução das questões processuais e formais antes de adentrar ao mérito
propriamente dito; a instrução, onde haverá a produção de provas que se
pretende apresentar visando a alcançar o pedido efetuado, bem como a produção
das alegações finais cabíveis ao caso concreto; e, por fim, o julgamento, que é a
solução da causa, o mérito em si, a fase na qual o juiz dirá quem é o detentor do
direito em litígio, quem é a parte vencedora da demanda.
No ensinamento de Rui Portanova, o princípio da
eventualidade é abrangente e também pode ser chamado de princípio da
cumulação eventual, vez que abrange não só as alegações de defesa, como
também as de ataque, os requerimentos e as produções de provas, sendo que
essa eventualidade incide tanto no processo de conhecimento como na
execução e pertine não só às partes, como aos juízes de todos os graus de
jurisdição.234
Esclarece ainda que tal princípio não se esgota na inicial e
na contestação, mas se repete correspondentemente a cada fase processual,
viabilizando, assim, que a parte se previna legitimamente para a eventualidade
de que, mais tarde, se alguma das razões não for acolhida pelo julgador, esta
234
Rui Portanova, Princípios do processo civil, p. 130-131.
103
já é tida como resolvida e o mesmo passe a examinar e considerar as outras
que porventura deverão ser analisadas.235
Para o autor, a existência de um sistema dividido em
estágios, fases e compartimentos estanques enseja a necessidade de preclusões
e obriga à existência do princípio da eventualidade. Afirma, ainda, que a pena
para quem desrespeita o princípio da eventualidade é a preclusão.236
Por fim, o autor conclui que ao acolher a eventualidade,
nosso processo civil mantém-se fiel às tradições do direito comum medieval,
ou seja, a uma ordem legal necessária às atividades processuais, como uma
sucessão de estágios ou fases diversas, nitidamente separadas entre si. O
princípio da eventualidade obriga as partes a propor ao mesmo tempo todos os
meios de ataque ou de defesa, ainda que sejam contrários.237
2.1.12 Princípio Inquisitivo e Princípio Dispositivo
De acordo com o ensinamento de Rui Portanova, em sua
obra Princípios do processo civil, são os princípios dispositivos e
inquisitórios formas de desenvolvimento e iniciativa do processo, com
características amplamente radicais e de cunho histórico.238
Esclarece o autor que o princípio dispositivo preocupa-se
em conceder mais direitos processuais às partes, do que o inquisitório concede
poderes aos juízes.239
235
236
237
238
239
Ibidem, mesmas páginas.
Ibidem, p. 132.
Ibidem, mesma página. Nesta esteira, Humberto Theodoro Júnior, Princípios gerais do direito
processual civil, p. 175-191.
Rui Portanova, Princípios do processo civil, p. 205.
Ibidem, p. 205.
104
Cumpre observar que a tutela jurisdicional não se exerce
de ofício, conforme se depreende de forma nítida da leitura do artigo 2º do
Código de Processo Civil em vigor. Tal disposição emana diretamente da
regra do devido processo legal, com vistas a garantir a imparcialidade do
órgão do poder judiciário, concreta e eficazmente.240
O princípio inquisitivo tem como característica primordial
a liberdade de iniciativa atribuída ao juiz, seja no momento em que se instaura
a relação processual, seja no desenvolvimento da mesma. Entretanto, a busca
da verdade real é o objetivo maior do julgador, que usa todos os meios
necessários em seu ofício, ainda que para tanto não tenha a colaboração das
partes. Porém, deve-se pesar que o juiz precisa estar atento ao tempo de busca
da verdade real, sob pena de negar-se às partes a própria tutela jurisdicional.
Por outro lado, o princípio dispositivo transfere às partes
em litígio toda a iniciativa, quer na instauração do processo, quer na sua
condução, ao passo que as provas só podem ser produzidas pelas partes
litigantes, colocando o juiz numa posição de mero expectador.
Hodiernamente, nenhum dos princípios merece dedicação
nos Códigos na sua reserva clássica e intocável. As legislações são mistas,
com conceitos inquisitivos e dispositivos.241
Conforme salienta Humberto Theodoro Júnior, “(...) se o
interesse em conflito é das partes, elas podem renunciar a sua tutela, como
podem renunciar a qualquer direito patrimonial privado”.242 Por isso, é
240
241
242
José Frederico Marques, Manual de direito processual civil, p. 394.
Ibidem, p. 27.
Humberto Theodoro Júnior, Manual elementar de direito processual civil, p. 53.
105
correto afirmar que a liberdade cabe a cada um no sentido de procurar, ou não
a prestação da tutela jurisdicional. Contudo, uma vez que a pretensão em juízo
é deduzida, existe outro interesse que passa a ser de ordem pública, a
preocupação com a justa composição do litígio e, ainda, que se satisfaça o
direito das partes dentro do menor tempo possível para que não ocorra uma
eternização do processo, pois como bem relata Lopes da Costa: “Justiça
tardia é justiça desmoralizada”.243
Apesar de ser incumbida à parte a abertura do processo, o
impulso do feito deverá ser realizado pelo juiz até que seja dado o provimento
final, mesmo que não ocorra mais a manifestação dos interessados no litígio.
O Código de Processo Civil em vigor consagra o princípio
dispositivo, contudo, conforme revela o Ministro Alfredo Buzaid, na
exposição de motivos nº 18, do Código, “(...) reforça a autoridade do Poder
Judiciário, armando-o de poderes para prevenir ou reprimir qualquer ato
atentatório à dignidade da Justiça”. A mesma regra se aplica no que for
atinente às provas, nas quais a iniciativa será das partes, pois o interesse de
que sejam averiguadas as suas alegações pertence a elas, lembrando, ainda,
que o juiz possui imparcialidade, que não permite que seja ele um
investigador. Todavia, poderá, sim, o juiz agir ex officio conforme se
depreende da leitura atenta do artigo 130, do referido diploma legal, in verbis:
“Artigo 130: Caberá ao juiz, de ofício ou a requerimento da parte,
determinar as provas necessárias à instrução do processo,
indeferindo as diligências inúteis ou meramente protelatórias”.
Assim, claro está que o juiz poderá determinar de ofício a
realização de provas de fatos que sejam importantes para o deslinde da causa.
243
Alfredo de Araújo Lopes da Costa, Direito processual civil brasileiro, p. 55.
106
Nelson Nery Júnior menciona que: “O poder instrutório do juiz,
principalmente de determinar ex officio a realização de provas que entender
pertinentes, não se configura como exceção ao princípio dispositivo”.244
Vale lembrar que a norma citada não menciona, nem
impõe limites ao juiz para que exerça de ofício seu poder instrutório no
âmbito processual civil.245
De acordo com José Carlos Barbosa Moreira, a transição
do Estado individualista para o Estado social de direito assinala-se por
substancial incremento da participação dos órgãos públicos na vida da
sociedade. Esse desenvolvimento, projetado no plano processual, traduz o
fenômeno da “(...) intensificação da atividade do juiz, cuja imagem já não se
pode comportar no arquétipo do observador distante da luta entre as partes e
impassível diante dela”.246
Rui Portanova menciona que um dos efeitos da adoção
desse princípio pelo sistema probatório brasileiro é a influência quanto ao tipo
de verdade buscada no processo. Posto que a lei coloca à disposição do juiz
amplos poderes investigatórios, não hà razão para o processo civil abrir mão
da verdade real.247
Quanto às relações de consumo, é importante ressaltar que
o tempo é crucial para o consumidor, e, a busca da verdade real pelo juiz por
tempo demasiado pode importar na negação de tutela jurisdicional, tendo em
244
245
246
247
Nelson Nery Júnior, Código de processo civil comentado, p. 585.
Ibidem, mesma página.
Rui Portanova, A função social do processo civil moderno e o papel do juiz e das partes na
direção e na instrução do processo, p. 140-150.
Idem, Princípios do processo civil, p. 207.
107
vista sua vulnerabilidade e quase sempre sua hipossuficiência técnica,
econômica e cultural.
3
PRINCÍPIOS NORTEADORES DO CÓDIGO DE
DEFESA DO CONSUMIDOR
Os princípios gerais das relações de consumo, que ora se passa a
estudar, estão dispostos nos artigos 1º ao 7º do Código. Há se ressaltar que
tudo o que consta na Lei é uma projeção dos princípios gerais, ou seja, uma
pormenorização deles, de modo a torná-los efetivos e operacionalizá-los,
sendo o seu estudo de extrema importância para uma melhor compreensão do
tema.
Para Nelson Nery Júnior as normas contidas no Código de Defesa do
Consumidor são de ordem pública e interesse social (art. 1º). O que
compreende dizer que ao juiz cabe apreciar ex officio qualquer questão
relativa às relações de consumo, vez que não incide nessa matéria o princípio
dispositivo. Sobre tais matérias não se opera a preclusão, bem como as
questões que delas surgem podem ser decididas e revistas a qualquer tempo e
grau de jurisdição. Conforme ensina referido autor, o tribunal pode, inclusive,
decidir contra o único recorrente, reformando a decisão recorrida para pior,
ocorrendo assim o que se denomina de reformatio in pejus permitida, pois
trata-se de matéria de ordem pública a cujo respeito a lei não exige iniciativa
da parte, mas, ao contrário, determina que o juiz a examine de ofício.
248
Ser
de interesse social significa, de modo prático, que o Ministério Público tem
participação obrigatória em todas as ações sobre lides do consumidor249 e se
encontra legitimado para defender, em juízo, os direitos individuais
homogêneos, pois são eles de interesse social ex lege. De acordo com o artigo
248
249
Nelson Nery Júnior, Recursos no processo civil: princípios fundamentais e teoria geral dos
recursos, p. 121.
A respeito, confira-se artigo 127, caput, da Constituição Federal.
109
1º do Código de Defesa do Consumidor essa defesa atende à finalidade
institucional do artigo 127, caput, da Lei Maior, conforme autoriza o artigo
129, IX, do mesmo diploma legal.250
Segundo o ensinamento de Cláudia Lima Marques:
“As normas de ordem pública estabelecem valores básicos e
fundamentais de nossa ordem jurídica, são normas de direito
privado, más de forte interesse público, daí serem indisponíveis e
inafastáveis através de contratos”.251
Já, quanto ao interesse social, trata-se de uma lei que visa a cumprir sua
função social, modificando as relações jurídicas de importância para a
sociedade, e assim, tutelar uma das partes, os consumidores vulneráveis,
mitigando o princípio contratual da autonomia da vontade e interferindo nas
relações para atribuir responsabilidades a uma das partes, visando sempre a
manter o equilíbrio contratual.
3.1 Princípios
Constitucionais
Gerais
da
Ordem
Econômica: Defesa do Consumidor e Livre Iniciativa
A defesa do consumidor não é incompatível com a livre
iniciativa e o crescimento econômico. Ambos estão descritos como princípios
da ordem econômica constitucional do país, de acordo com o disposto no
artigo 170 da Constituição Federal. Dessa forma, o Código de Defesa do
Consumidor dispõe normas tendentes a compatibilizar a defesa do
consumidor com a livre iniciativa prevista no artigo 4º.252
250
251
252
Nelson Nery Junior, Os princípios gerais do código de defesa do consumidor, p. 51-52.
Cláudia Lima Marques, Comentários ao código de defesa do consumidor: arts. 1º ao 74:
aspectos materiais, p. 54.
Ibidem, mesma página.
110
Apesar de haver nítida compatibilidade entre esses dois
princípios, poderá ocorrer um conflito entre ambos, necessitando, então, de
uma harmonização e compatibilização, devendo o intérprete harmonizar e
ponderar tais princípios, já que os mesmos encerram exigências e padrões a
serem realizados.253 Ao contrário, insustentável se faz a validade simultânea
das normas de preceitos contraditórios, que não poderão ser compatibilizadas
como princípios,254 mas interpretadas em conformidade com as regras
solucionadoras dos conflitos aparentes de normas, ou seja, em conformidade
com os princípios da especialidade (lei especial derroga a lei geral) e
subsidiariedade, dentre outros mais. Não se admite a existência do conflito
entre dois princípios, nem tampouco entre dois desdobramentos do mesmo
princípio.255
A existência da harmonia nas relações de consumo e sua
realização com fulcro na equidade e na boa-fé, como dispõe o artigo 4º, III,
são princípios basilares instituídos pelo Código,256 tanto que o mesmo
diploma legal trata como nulas as cláusulas contratuais que infrinjam de
forma direta, ou não, tais princípios.257
3.2 Princípio Protecionista ou da Vulnerabilidade
Esse princípio é tido como um dos principais, senão o principal,
no estudo dos direitos do consumidor, o que explica a importância e extensão
que ora toma corpo.
253
254
255
256
257
Ibidem, p. 52.
José Joaquim Gomes Canotilho, Direito constitucional, p. 174.
Nelson Nery Júnior, Os princípios gerais do código de defesa do consumidor, p. 51-52.
Ibidem, mesma página.
A este respeito confira-se o artigo 51 do Código de Defesa do Consumidor.
111
Encarta-se no artigo 4º, incisos I e II, do Código de Defesa do
Consumidor. O Código explicitou, em seu inciso I, a vulnerabilidade do
consumidor no mercador consumerista e, em seu inciso II, preceitua a ação
governamental no sentido de proteger efetivamente o consumidor.
O Código de Defesa do Consumidor mostra-se por um caráter
marcadamente protecionista, já que suas normas destinam-se a proteger a
parte tida como a mais vulnerável na relação de consumo, ou seja, o
consumidor.
De acordo com Roberto Basilone Leite:
“A expressão protecionista pode, em face de uma análise
superficial, levar à idéia errônea de que a lei de consumo tem
espírito antiisonômico, ou seja, pode-se vislumbrar um conflito
entre o princípio protecionista e o princípio da isonomia, constante
do caput do artigo 5º da Constituição Federal, segundo a qual
“todos são iguais perante a lei, sem distinção de qualquer
natureza”.258
Em verdade esse antagonismo se faz apenas aparentemente. Essa
proteção ao consumidor não é o fim último da lei de consumo, mas,
sobretudo, uma espécie de fim intermediário, destinado à viabilização de seu
verdadeiro fim, que é justamente a garantia das partes envolvidas nas relações
consumeristas.259
O que o Código de Defesa do Consumidor busca é promover o
equilíbrio econômico e jurídico entre as partes envolvidas na relação de
consumo, através de regras protecionistas que se destinam a compensar
juridicamente uma sensível inferioridade do consumidor, decorrente de sua
258
259
Roberto Basilone Leite, Introdução ao direito do consumidor, p. 68.
Ibidem, mesma página.
112
maior vulnerabilidade. Assim, o caráter protecionista contido no âmbito do
direito do consumidor visa tão somente a assegurar uma isonomia nas
relações de consumo.260
É certo que essa característica protecionista nasceu da
necessidade de garantir a proteção legal a uma determinada espécie de agente
socioeconômico, qual seja, o consumidor que, em virtude de condições
naturais e óbvias, encontra-se em situação econômica e jurídica inferior ao
outro pólo da relação consumerista, qual seja, o fornecedor.261
Com vistas a concretizar essa igualdade jurídica entre ambos os
pólos da relação consumerista, o legislador muniu a sociedade, os órgãos
fiscalizadores e os juízes, de instrumentos eficazes.
Primeiramente,
criou
uma
nova
concepção
de
contrato
individual, ao qual atribuiu uma dimensão social e agregou efeitos sociais
antes não reconhecidos. Desse modo, a autonomia da vontade deixou de ser
elemento essencial do contrato.262
Em segundo plano, o estado começou a intervir nas relações de
consumo através do controle de preços, pela imposição ou vedação de
cláusulas contratuais, pela estipulação dos níveis mínimos de qualidade dos
produtos, dos serviços, dentre outras coisas.263
Completando seu cerco de proteção, o Código também tratou de
fixar regras de direito material e processual contrárias às do direito
260
261
262
263
Ibidem, p. 70.
Ibidem, mesma página.
Ibidem, mesma página.
Ibidem, mesma página.
113
tradicional. Exemplificando, podem ser citadas: as regras que declaram nulas
de ofício determinadas cláusulas consideradas abusivas; assim como aquelas
que invertem o ônus da prova em favor do consumidor; e mesmo as que
afastam a personalidade jurídica da sociedade comercial para imputar a
responsabilidade civil diretamente aos sócios.264
Assim, entende-se que o princípio central do Direito do
Consumidor é o princípio protecionista, ou da vulnerabilidade, denominação
muito mais difundida, do qual decorrem dois outros princípios, que são o da
adequação e o da interferência estatal, todos eles considerados base do direito
em epígrafe.265
Tal princípio, além de ser considerado pilar básico que envolve a
problemática do consumidor, possui reconhecimento universal através de
manifestação da ONU, além de ser contemplado em plano nacional, não
somente pelo Código de Defesa do Consumidor em seu artigo 4º, como
outrora demonstrado, mas também pelo artigo 5º da própria Carta Magna, que
garante igualdade de todos perante a lei, donde extrai-se que deverão ser
tratados desigualmente os desiguais, nos limites de suas desigualdades.266
De acordo com João Batista de Almeida, esse princípio
desdobra-se em dois outros subprincípios. O primeiro, o de elaboração das
normas jurídicas, significa que novas leis a serem editadas no setor deverão
manter ou ampliar o conteúdo protetivo, com fundamento teleológico no
direito de defesa do consumidor, previsto constitucionalmente,267 em
conformidade com o sancionamento e interpretação das cláusulas e das
264
265
266
267
Ibidem, mesma página.
Ibidem, mesma página.
João Batista de Almeida, A proteção jurídica do consumidor, p. 45.
A respeito confira-se o artigo 5º, XXXII, da Constituição Federal.
114
normas jurídicas, objetivando alcançar a situação mais favorável ao
consumidor, seja em razão do cunho protetivo da legislação, seja pela
aceitação de sua inexperiência e vulnerabilidade, a fim de alcançar efetividade
na tutela. Isso está disposto especificamente na legislação do consumidor, em
seu artigo 47, verbis: “As cláusulas contratuais serão interpretadas de
maneira mais favorável ao consumidor”.268
Referido autor considera que o princípio da vulnerabilidade do
consumidor é “(...) a espinha dorsal da proteção ao consumidor, sobre a qual
se assenta toda a linha filosófica do movimento”.269 É indiscutível o fato de o
consumidor figurar no pólo mais fraco da relação de consumo, apresentando
sinais de fragilidade e impotência frente ao poderio econômico, fato este que
leva a um reconhecimento universal sobre sua vulnerabilidade.
Tem-se que a própria Constituição Federal reconheceu essa
hipossuficiência do consumidor, ao prescrever no seu artigo 5º, XXXII, que o
Estado promoverá a defesa do consumidor.
Ricardo Hasson Sayeg, em sua obra Práticas comerciais
abusivas, menciona que:
“(...) na relação de consumo primária, constituída pela celebração
de um contrato, o fornecedor age profissionalmente,
conseqüentemente, de forma especializada e experiente, tendo em
vista que pratica tais atos reiteradamente, enquanto o consumidor
não, o que lhe acarreta evidente desvantagem”. 270
Em decorrência disso, inevitável o reconhecimento explícito
desta vulnerabilidade do consumidor, tão defendida, e consagrada no inciso I,
268
269
270
João Batista de Almeida, A proteção jurídica do consumidor, p. 45.
Ibidem, p. 11.
Ricardo Hasson Sayeg, Práticas comerciais abusivas, p. 74.
115
do artigo 4º do Código de Defesa do Consumidor, sendo um princípio do
sistema jurídico de defesa do consumidor.
Segundo o autor, esse reconhecimento, iniciado no âmbito
constitucional,
estabelecido
na
Constituição
Federal,
como
outrora
mencionado, cria todo um sistema de proteção consumerista. E questiona:
“Proteção por quê? Porque evidentemente o consumidor é
vulnerável diante do fornecedor, de forma que trata a
Constituição, distintamente, pessoas em situações diferentes,
logrando a isonomia e, assim, realizando os ditames da justiça
social. Discriminações justificáveis não violam a noção de direito e
justiça e, conseqüentemente, podem ser normalmente estabelecidas
sem qualquer implicação de antijuridicidade”.271
No dizer de Washington Peluso Albino de Souza, em sua
obra
Primeiras
linhas
de direito
econômico,
esse princípio
é
fundamental, já que define o caráter tutelar da política de consumo,
ensejando tantos outros princípios de política econômica, assim como,
no dizer do referido autor, à própria maneira de se tratar o mercado,
como toda Ação Governamental.272
Para Sérgio Pinheiro Marçal, a vulnerabilidade do consumidor
ocorre frente à ausência de sua participação no controle da produção, ou
deficiência, de conhecimentos técnicos e dificuldade para o exercício de seus
direitos de defesa.273
O referido autor relata ser o fornecedor um especialista no seu
mister, portanto, apto a agir dentro das atribuições que lhe cabem, com
271
272
273
Ibidem, mesma página.
Washington Peluso Albino de Souza, Primeiras linhas de direito econômico, p. 595.
Sérgio Pinheiro Marçal, Código de defesa do consumidor: definições, princípios e o
tratamento da responsabilidade civil, p. 102.
116
conhecimentos técnicos e científicos. Ressalta ainda, em regra, estar o
fornecedor em patamar economicamente superior.274
Por vias opostas, o consumidor adquire determinado produto sem
ter acesso, e até mesmo interesse nas regras e técnicas de produção, mesmo
porque a correria de um mundo globalizado, os afazeres do dia-a-dia
profissional, não lhe permitem que a curiosidade por algo dessa monta lhe
ocupe espaço e tempo. Por vezes o consumidor adquire um produto de forma
eventual e, numa constante, desconhece os dados técnicos, como exposto
nesta oportunidade.275
Assim, conclui o referido autor que, visando ao equilíbrio dessas
relações consumeristas, o legislador, por princípio, considera o consumidor
como hipossuficiente e busca atribuir-lhe meios que assegurem a sua proteção
e defesa.276
Todavia, é necessário que se analise o contexto em que se insere
o consumidor nas relações de consumo. O consumidor, em sua acepção
ampla, é aquele sujeito que se utiliza do fornecimento de produtos ou da
prestação de serviços, de tal modo que sua situação é a de submissão ao poder
dos fornecedores, já que a escolha de bens de consumo não poderá exceder ao
que se oferece no mercado. E, é, justamente, essa submissão que originou e
fundamentou a criação desse princípio, de onde se parte do pressuposto de
que o consumidor depende dos empresários, fornecedores, dentre outros, para
a manifestação de sua vontade, o que inevitavelmente o torna a parte mais
frágil da relação em estudo.277
274
275
276
277
Ibidem, mesma página.
Ibidem, mesma página.
Ibidem, mesma página.
Antônio Carlos Efing, Bancos de dados e cadastro de consumidores: tratamento dado pelo
CDC aos arquivos de consumo, p. 89.
117
É a vulnerabilidade que acomete os consumidores que justifica a
existência do Código de Defesa do Consumidor.
Oscar Ivan Prux reconhece o princípio da vulnerabilidade como
uma expressão objetiva da existência de toda aquela condição problemática
para o consumidor, qual seja, a da sua reconhecida fraqueza no mercado de
consumo, que surgiu no período pós-revolução industrial, inspirando o
movimento consumerista.278
O autor menciona que o reconhecimento dessa vulnerabilidade é
o primeiro passo para voltar a equilibrar relações contratuais que não podem
conter desequilíbrio. O inciso que ora comenta-se possui importância
fundamental, servindo até mesmo de alicerce para as inúmeras normas
inseridas dentro do código de Defesa do Consumidor que, aparentemente,
protejam apenas uma das partes, ou seja, o próprio consumidor, todavia,
equilibram relações desequilibradas.279
De acordo Com Roberto Senise Lisboa, a preocupação com a
vulnerabilidade do consumidor advém de inúmeros fatores, entre eles, as práticas
comerciais abusivas do fornecedor, o oferecimento de produtos e serviços sem a
observância dos princípios gerais das relações de consumo e a inserção de cláusulas
abusivas nos contratos unilateralmente predispostos, podendo essa vulnerabilidade
ser tanto econômica, quanto técnica, jurídica, política entre outras.280
O autor esclarece que o reconhecimento dessa vulnerabilidade
partiu do princípio constitucional da isonomia e decorre da idéia segundo a
278
279
280
Oscar Ivan Prux, A responsabilidade civil do profissional liberal no código de defesa do
consumidor, p. 153.
Ibidem, mesma página.
Roberto Senise Lisboa, Responsabilidade civil nas relações de consumo, p. 83.
118
qual os desiguais devem ser tratados desigualmente, na proporção de suas
desigualdades, a fim de que se obtenha a igualdade desejada.281
Oportunamente, resta mencionar que nas sociedades de massa o
consumidor não se encontra individualmente preparado para a aquisição de
um produto ou serviço, vez que o mesmo não conhece o mercado como o
fornecedor, com quem, via de regra, relaciona-se indiretamente, por meio de
seus empregados, representantes ou prepostos. Sobremaneira, o consumidor
se submete a uma série de acontecimentos que demonstram claramente a
falência da teoria do individualismo jurídico, dos quais cabe acentuar: a
massificação contratual, a concentração industrial, a concorrência desleal, a
impossibilidade de escolha plena de produtos e serviços, os produtos
defeituosos e a economia concentrada.282
Posto isto, pode-se considerar que vulnerabilidade é sinônimo de
hipossuficiência, já que não encontra precedentes de importância na história
do direito brasileiro. Todavia, o legislador pátrio cuidou de atribuir tratamento
nitidamente diferenciado para os dois vocábulos, razão pela qual não poderão
ser compreendidos como sinônimos.283
A vulnerabilidade que o legislador consumerista quis abordar é
aquela pertencente ao destinatário final do produto e dos serviços, sendo
que este é a parte mais fraca da relação e necessita de um amparo maior e
mais efetivo da legislação. O consumidor será vulnerável no mercado de
consumo, quando sujeito a todos os artifícios utilizados nesse ramo do
direito difuso.
281
282
283
Ibidem, mesma página.
Ibidem, p. 84.
Ibidem, p. 85.
119
Evidencia-se, nesta oportunidade, que a vulnerabilidade se caracteriza
de qualquer forma, pouco importando a situação econômica do consumidor ou sua
classe social, bem como seu grau de instrução, ou atividade profissional que exerça;
também não são levados em conta quando da determinabilidade de quem seja o
consumidor, ou quanto ao fato de lhe ser aplicável, ou não, a vulnerabilidade. Sendo
destinatário final do produto ou serviço, será ele considerado consumidor e estará
amparado pelo princípio da vulnerabilidade.
O Código de Defesa do Consumidor não visa tão somente à
proteção dos interesses dos economicamente mais débeis, porém lhes confere
mecanismos mais eficazes que os concedidos ao consumidor, que se encontra
em melhor situação financeira, ao prever a possibilidade de inversão do ônus
da prova, em seu artigo 6º, VIII, última parte.284
Notório se faz o fato de privilegiar, por motivos de interesse social, o
consumidor, que possui maiores dificuldades para defender os seus direitos por fato
ou vício de responsabilidade do fornecedor. É por essa razão que o legislador
procedeu genericamente a um tratamento equivalente de todos os consumidores,
uma vez que a realidade brasileira atesta que a maioria absoluta da população se
encontra numa situação de inferioridade perante os fornecedores, seja ela social ou
econômica ou, até mesmo, para contratação de advogados. Como essa grande
massa de consumidores é tratada pelos fornecedores de modo despersonalizado, o
Código de Defesa do Consumidor conferiu meios de proteção transindividual a essa
coletividade de consumidores.285
De acordo com Cláudia Lima Marques, existem três espécies de
vulnerabilidade: a técnica, que se baseia na falta de conhecimento específico
284
285
Ibidem, p. 86.
Ibidem, p. 87.
120
sobre o produto e o serviço adquirido; a jurídica, caracterizada pela falta de
conhecimentos específicos na área jurídica, contabilidade ou economia; e a
fática ou sócio-econômica, frente à posição de monopólio, pelo poder
econômico ou pela essencialidade do serviço oferecido pelo fornecedor.286
Dessa vulnerabilidade adveio a idéia de se reconhecer o direito
do consumidor, no caso de dúvida relativa a dispositivo contratual cuja
redação não é suficientemente clara.287
3.3 Princípio da Presença do Estado nas Relações de
Consumo ou Princípio do Dever Governamental
Tal princípio pode ser considerado como corolário do princípio
da vulnerabilidade do consumidor, uma vez que se admite e reconhece a
hipossuficiência do consumidor, sua fragilidade e desigualdade em relação à
outra parte. Por óbvio, o Estado deverá ser chamado a proteger a parte mais
fraca, por seus meios legislativos e administrativos, visando a garantir o
respeito aos seus interesses.288
No Brasil, esse princípio vem sendo rompido, seja em termos
legislativos, nos quais a promulgação da Constituição Federal assegurou a
defesa do consumidor pelo Poder Público, e, mais tarde, a própria edição do
Código de Defesa do Consumidor corroborou para isso, seja através da
criação e manutenção dos órgãos administrativos oficiais de defesa do
consumidor.289
286
287
288
289
Cláudia Lima Marques, Contratos no código de defesa do consumidor, p. 147-149.
Roberto Senise Lisboa, Responsabilidade civil nas relações de consumo, p. 87.
João Batista de Almeida, A proteção jurídica do consumidor, p. 11.
Ibidem, mesma página.
121
Essa autorização para a ação governamental como verdadeiro
poder/dever é dada a fim de que a proteção do consumidor e a harmonia
das relações de consumo se realizem de forma efetiva, seja pela atuação
direta do Estado, ou por incentivo dos particulares, individualmente ou
através das associações criadas para a defesa dos consumidores. De tal
modo que o Poder Público, em caráter meramente intervencionista no
plano econômico nas últimas décadas recebeu, no âmbito jurídico, esse
poder/dever para intervir na proteção ao consumidor, não devendo e não
podendo se omitir.290
A regra é que a ingerência do Estado deva ser evitada dentro das
relações econômicas, mas frente a esse princípio fundamental do sistema de
proteção ao consumidor, qual seja o da hipossuficiência, a participação do
Estado é extremamente justificável sob certo prisma.291
Compete ao Estado proteger efetivamente o consumidor pela
garantia dos produtos e serviços com padrões adequados de qualidade e
segurança, bem como de durabilidade e desempenho. Todavia, o
cumprimento desse princípio somente acontecerá quando se criarem infraestrutura adequada para o exercício da fiscalização.292
Esse princípio também leva à proteção direta do Estado por
incentivos à criação e desenvolvimento econômico e tecnológico, em
conformidade com os fundamentos da ordem econômica constitucionalmente
definida.293
290
291
292
293
Oscar Ivan Prux, A responsabilidade civil do profissional liberal no código de defesa do
consumidor, p. 153.
Sérgio Pinheiro Marçal, Código de defesa do consumidor: definições, princípios e o
tratamento da responsabilidade civil, p. 102.
Ibidem, mesma página.
Washington Peluso Albino de Souza, Primeiras linhas de direito econômico, p. 595.
122
Tal princípio possui funções de relevância inconteste para a
efetivação das garantias que o Código de Defesa do Consumidor administra
aos consumidores, ainda mais que a defesa dos mesmos foi elevada a
princípio fundamental constitucional e princípio geral da ordem econômica, e
sua realização se tornou um dever do Estado.294
3.4 Princípio da Harmonização dos Interesses e da
Garantia de Adequação
O objetivo da Política Nacional das Relações de Consumo deve ser
a harmonização dos interesses envolvidos, e não o confronto ou o acirramento de
ânimos. Consumidores e fornecedores interessam-se pelo implemento das
relações de consumo, a fim de que sejam atendidas as suas necessidades, bem
como seja sempre alcançado o equilíbrio entre as partes. De outro lado, a tão
conclamada proteção ao consumidor deve ser compatibilizada com a
necessidade de desenvolvimento econômico e tecnológico, em face da dinâmica
existente nas relações de consumo, que não podem ficar ao descaso e imóveis
frente à defesa do consumidor. Novos produtos, tecnologias e todas as inovações
que possam surgir são recepcionados, desde que se encontrem num grau de
segurança e eficiência adequados ao consumidor final. Razões essas que
asseguram o princípio a ser seguido, qual seja, o “(...) estudo constante das
modificações do mercado de consumo”,295 em conformidade com a Lei
consumerista, n. 8.078/90, em seu artigo 4º, inciso VIII.
O princípio da garantia de adequação, por seu turno, prescreve
que o fornecedor deverá ser protagonista para efetivação da adequação dos
294
295
Antônio Carlos Efing, Bancos de dados e cadastro de consumidores, p. 92.
João Batista de Almeida, A proteção jurídica do consumidor, p. 11-12.
123
produtos e serviços à demanda, legalmente constituída pela saúde, segurança,
qualidade de vida, e demais bem jurídicos afetos aos consumidores.296
Efing faz importante menção no sentido de alertar que essa adequação
não quer se referir às normas de fabricação do produto ou do serviço a ser prestado,
mas à satisfação dos consumidores com o produto ou serviço adquiridos.297
Sérgio Pinheiro Marçal coaduna com o pensamento de Efing e
relata que, diante desse fato, o interesse será dos fornecedores em zelar pela
qualidade e segurança de seus produtos e serviços, de modo a atender
adequadamente aos consumidores.298
Importa lembrar que essa garantia de adequação a ser promovida
pelos fornecedores terá o apoio secundário do Estado, que atuará como fiscal,
utilizando-se para tanto do poder que lhe fora conferido, por meio do
princípio do dever governamental, já abordado neste estudo.299
Talvez seja esse o princípio de maior importância dentro do
sistema de proteção consumerista existente. Essa harmonia de interesses e
essa compatibilização da proteção ao consumidor, ligada à necessidade de
desenvolvimento econômico e tecnológico, faz com que seja trazido um total
equilíbrio à balança das relações de consumo.300
A maior virtude atribuída ao Código de Defesa do Consumidor é,
sem dúvida, a concessão de harmonia aos consumidores e fornecedores,
296
297
298
299
300
Antônio Carlos Efing, Bancos de dados e cadastro de consumidores, p. 92.
Ibidem, mesma página.
Sérgio Pinheiro Marçal, Código de defesa do consumidor: definições, princípios e o
tratamento da responsabilidade civil, p. 103.
Ibidem, p. 92.
Ibidem, p. 102.
124
compatibilizando
seus
interesses.
O
Estado
também
deve
buscar
primeiramente a harmonização e a compatibilização de interesses.301
Oscar Ivan Prux também considera esse princípio como o mais
importante dentro da esfera consumerista. Defender o consumidor, de modo a
garantir que a sua proteção não rompa a harmonia das relações de consumo
para que, de forma efetiva, contribua com o desenvolvimento econômico e
tecnológico,
viabilizando
inclusive
a
concretização
dos
princípios
constitucionais da ordem econômica, é o escopo do inciso III, do artigo 4º, do
Código de Defesa do Consumidor. É nesse artigo que o fornecedor é
defendido com maior vigor, sendo a proteção de sua atividade econômica
imanente no texto. Assegurando que a proteção do consumidor jamais poderá
inviabilizar sua atividade lícita. Assim, a livre iniciativa, a valorização do
trabalho humano, o direito de propriedade e a livre concorrência, no
entendimento do autor, são tão princípios da ordem econômica, como o são
do direito do consumidor, de tal forma que ficam vedados radicalismos em
nome da defesa do consumidor, que possam inibir atividades benéficas
produzidas pelos fornecedores, uma vez que sem eles não existem formas de
se manter viável a vida social.302
3.5 Princípio da Coibição e Repressão de Abusos
Praticados no Mercado
Esse princípio tende a garantir não somente a repressão dos atos
abusivos, mas também busca a punição de seus autores, bem como o respectivo
301
302
Ibidem, mesma página.
Oscar Ivan Prux, A responsabilidade civil do profissional liberal no código de defesa do
consumidor, p. 153.
125
ressarcimento e a atuação preventiva tendente a evitar a ocorrência de novas
práticas abusivas, afastando as que possam causar prejuízos aos consumidores,
como, por exemplo, a concorrência desleal e a utilização indevida de inventos e
criações industriais. Essa coibição preventiva e eficiente das práticas abusivas
representará desestímulo aos potenciais fraudadores. Por linhas opostas, a
ausência de repressão, o afrouxamento, ou mesmo a tolerância representará a
impunidade e um estímulo à prática de atos fraudulentos.303
Sobretudo, o que importa no âmbito do Código de Defesa do
Consumidor são os prejuízos que esses atos possam acarretar ao consumidor.
É salutar lembrar, no entanto, que as relações entre empresas continuam
sendo reguladas por legislação específica.304
O abuso no mercado de consumo deverá ser reprimido e coibido,
e esta é a finalidade do Código de Defesa do Consumidor. De acordo com o
próprio texto de lei, a honestidade e a harmonia nas relações entre
fornecedores já são consideradas fatores que, pelo simples fato de não
causarem anomalias no mercado de consumo, já beneficiam o consumidor.
Isso pode ser explicado pelo direito de exclusividade na utilização de marcas
e nomes comerciais devidamente registrados, uma vez que a concessão a
qualquer fornecedor para utilizar nome ou marca já difundidos no mercado de
consumo, somente prejudicaria o consumidor, confundindo-o. Cabe ressaltar
que o direito de exclusividade não se refere somente às marcas, mas também
aos prestadores de serviços que costumam registrá-los, motivo pelo qual para
eles essa coibição à concorrência desleal resta de extrema importância.305
303
304
305
João Batista de Almeida, A proteção jurídica do consumidor, p. 12.
Sérgio Pinheiro Marçal, Código de defesa do consumidor: definições, princípios e o
tratamento da responsabilidade civil, p. 103.
Oscar Ivan Prux, A responsabilidade civil do profissional liberal no código de defesa do
consumidor, p. 155.
126
3.6 Princípio do Incentivo ao Autocontrole
Embora o Estado atue como mediador nas relações de consumo,
visando a evitar e solucionar os conflitos que possam, porventura, surgir, não
deve deixar de incentivar os próprios fornecedores a tomarem providências
com os mesmos objetivos, mediante a utilização de mecanismos criados e
custeados por eles mesmos.306
Esse autocontrole pode ocorrer de três formas distintas:
primeiramente, com o controle da qualidade e segurança dos produtos
defeituosos no mercado de consumo, que atuará como atenuador, diminuidor
ou eliminador das causas de conflito com o consumidor; em segundo plano, a
prática do chamado recall, que consiste na convocação dos consumidores de
bens produzidos em série e que contêm defeitos de fabricação e atentam
contra a vida e segurança de seus usuários, sendo de responsabilidade do
fornecedor as despesas com a substituição das peças defeituosas, para que não
haja qualquer tipo de prejuízo ao consumidor, e; em terceiro lugar, a criação
pelas próprias empresas de centros ou serviços de atendimento ao
consumidor, resolvendo o problema de forma direta, sempre que houver
reclamação ou queixa versando sobre aquele produto ou serviço.307
3.7 Princípio da Conscientização do Consumidor e
Fornecedor e Princípio Informativo
Já que o objetivo do Código de Defesa do Consumidor é
justamente o equilíbrio nas relações de consumo de modo a atender às
306
307
João Batista de Almeida, A proteção jurídica do consumidor, p. 12.
Ibidem, mesma página.
127
necessidades dos consumidores e aos interesses dos fornecedores, sem
conflitos maiores, desejável se faz uma maior conscientização das partes, no
que tange aos direitos e deveres de ambos os pólos da relação de consumo.308
Entende-se por conscientização a educação, seja ela formal ou
informal, para o consumo, assim como as informações ao consumidor e
fornecedor. Por óbvio, que quanto maior for o grau de conscientização
existente, menor será o índice de conflitos nas relações de consumo, o que
justifica a preocupação com a conscientização de ambos os pólos da relação
de consumo.309
Alinhados a esta esfera, a educação, com vistas a uma
conscientização maior dos consumidores e fornecedores, encontra-se também
o princípio da informação de ambos sobre seus direitos e deveres,
incentivando-se aqui, também, o controle de qualidade e a segurança de
produtos e serviços. Novamente enfoca a coibição de abusos praticados no
mercado de consumo, a racionalização, a melhoria dos serviços públicos e o
estudo constante das modificações do mercado de consumo.310
3.8 Princípio da Racionalização e Melhoria dos Serviços
Públicos
Tal princípio estabelece a obrigação do Estado, como
fornecedor de serviços, em atender a regra geral do sistema de proteção do
consumidor.
308
309
310
Ibidem, p. 13.
Ibidem, mesma página.
Washington Peluso Albino, Primeiras linhas de direito econômico, p. 595.
128
O artigo 22 da Lei Consumerista estabelece a obrigação dos órgãos
públicos no fornecimento de serviços de forma adequada, eficiente, segura,
fazendo uma ressalva importante acerca daqueles serviços considerados
essenciais, os quais deverão ser efetuados, além de todas as formas aqui
mencionadas, também de forma contínua. Observe-se, nesta situação, que o
caráter de continuidade refere-se ao período de fornecimento de 24 horas por dia,
durante todo o ano. Todavia, como conclama Marçal, não é de se admitir que
esses serviços continuem sendo exigíveis mesmo em caso de inadimplemento do
consumidor, o que pode ser considerado uma afronta.311
Sobre este assunto, o Código de Defesa do Consumidor reiterou
o objetivo maior da administração pública e da organização do estado como
um todo. Esse princípio se depreende de inúmeras outras normas, inclusive as
hierarquicamente superiores.312
Tem-se que o legislador quis deixar implicitamente configurada a
incidência do Código de Defesa do Consumidor sobre o fornecimento de
serviços públicos. E, o fez, através do inciso VII, instituindo a política nacional
das Relações de Consumo, e do artigo 22, que caminha nesta esteira. A
importância disso é estritamente capital, vez que o Poder Público, se mau
fornecedor, demonstra, por vezes, ser um indisciplinado indomável, não
reconhecendo que é o consumidor quem paga e merece respeito, além de outros
de ordem moral, os quais não cabe discutir o mérito nesta oportunidade.313
Com efeito, não é apenas a área privada obrigada a prestar serviços
eficientes e seguros aos seus usuários, tendo a área pública os mesmos deveres.
311
312
313
Sérgio Pinheiro Marçal, Código de defesa do consumidor: definições, princípios e o
tratamento da responsabilidade civil, p. 103.
Oscar Ivan Prux, A responsabilidade civil do profissional liberal no código de defesa do
consumidor, p. 155-156.
Ibidem, mesmas páginas.
129
É certo que esse princípio não pode ser tido como encarecimento de contas e
tributos, ou meros caprichos consumistas, mas sim como objetivos de proteção e
melhora na qualidade de vida dos consumidores.314
3.9 Princípio das Modificações do Mercado
Como derradeiro princípio, o inciso VIII dispõe que deverá ser
objeto da Política Nacional das Relações de Consumo o estudo constante das
modificações do mercado. E isso porque, frente à permanente evolução social,
evita que as normas instituídas para regrar as relações de consumo se tornem
ultrapassadas e desconectadas da realidade factual, e que as autoridades
responsáveis por atuação nessa área acabem se conduzindo equivocadamente
ou permanecendo inertes por desconhecerem eventuais modificações nos
múltiplos aspectos que compõem este contexto. Necessária se faz a criação de
dispositivos que a complementem para que saia do campo intencional e
dependente da vontade dos seus executores.315
Conclui-se, então, que as relações de consumo evoluem a cada
dia, de modo que devam receber estudo adequado caso a caso.
3.10 Princípio da Boa-Fé
Esse princípio esta inserido no caput do artigo 4º e exige que as
partes da relação de consumo atuem com estrita boa-fé, sinceridade,
314
315
João Batista de Almeida, A proteção jurídica do consumidor, p. 13.
Oscar Ivan Prux, A responsabilidade civil do profissional liberal no código de defesa do
consumidor, p. 156-157.
130
seriedade, veracidade, lealdade e transparência, sem objetivos mal disfarçados
de esperteza, lucro fácil e imposição de prejuízo ao outro. Por essas e outras
razões é que a legislação consumerista contém diversas presunções legais,
absolutas ou relativas, que asseguram o equilíbrio entre as partes e, ainda,
repelem formas sub-reptícias e insidiosas de abusos e fraudes, engendradas
pelo poderio econômico para burlar o intuito de proteção do legislador.316
Este é, sem dúvida, um dos pilares fundamentais da tutela
consumeirista devendo presidir toda e qualquer relação, em conformidade com o
disposto no caput, do artigo 4º, inciso III, do Código de Defesa do Consumidor.
Ainda que as partes não tenham convencionado a respeito desse
assunto, especificamente sobre esse princípio, existirá o que a doutrina
denomina de cláusula geral de boa-fé. É essa regra padrão de conduta,
princípio ao qual pode se socorrer na falta da lei, já que adotada pelo Código
de Defesa do Consumidor, juntamente com a função social do contrato, de
acordo com a interpretação dos princípios contidos nos artigos 4º, III e 51, IV,
sendo que o último prescreve que serão nulas de pleno direito as cláusulas que
sejam incompatíveis com a boa-fé e equidade.317 Ressalva seja feita que o rol
contido no artigo 51 do Código Consumerista não é taxativo, mas meramente
exemplificativo, como pode ser depreendido de sua leitura, in verbis:
“Artigo 51: São nulas de pleno direito, entre outras, as
cláusulas contratuais relativas ao fornecimento de produtos e
serviços que: (...)” (grifo nosso).
Essas duas passagens consagram o princípio que antes era
extraído apenas de forma implícita do ordenamento jurídico, pressupondo que
316
317
João Batista de Almeida, A proteção jurídica do consumidor, p. 46.
Nelson Nery Júnior, Os princípios gerais do código brasileiro de defesa do consumidor, p. 6162.
131
todas as relações jurídicas estavam estabelecidas com base na recíproca
lealdade das partes. Tal princípio serve para determinação de deveres
secundários de conduta, a serem satisfeitos ainda que não estipulados
expressamente pelos contratantes; serve para coibir pretensões que, embora
contratualmente convencionadas e formalmente conformadas à lei, violam o
dever de lealdade e caracterizam o uso abusivo do direito, trazendo como
conseqüência da ofensa a invalidade da cláusula ou mesmo do negócio.318
O princípio da boa-fé permeia-se em todas as ações humanas,
considerado regra ínsita aos próprios valores éticos e morais da sociedade, de
tal modo que não poderia ser excluído do âmbito do consumidor, sendo este,
no dizer de Antônio Carlos Efing, um dos ramos mais relevantes do direito,
ensejando a aplicação do princípio em tela.319
Referido princípio aparece em todo o conteúdo do Código de
Defesa do Consumidor, uma vez que essa foi realmente a intenção dos seus
legisladores. Trata-se de um princípio fundamental da Política Nacional das
Relações de Consumo.320
Importa, nesta oportunidade, distinguir o que seja a boa-fé, pois
engloba duas denominações distintas, quais sejam: a boa-fé objetiva e a boafé subjetiva.
Em sentido amplo, a boa-fé é o sentimento intrínseco de crença
que o indivíduo traz consigo, ou seja, no plano particular, o atuar convicto de
estar agindo conforme o direito. Trata-se de uma manifestação estritamente
318
319
320
Rui Rosado de Aguiar Júnior, Aspectos do código de defesa do consumidor, p. 178.
Antônio Carlos Efing, Bancos de dados e cadastro de consumidores: tratamento dado pelo
CDC aos arquivos de consumo, p. 94.
Ibidem, p. 94-95.
132
psicológica e, portanto, contrapõe-se à má-fé, caracterizando-se sua
inexistência como atuação dolosa.
Sobretudo, quando se fala de boa-fé objetiva não há que se levar
em consideração o fator psicológico caracterizador da boa-fé subjetiva, pois
aquela configura-se como um dever de agir conforme modelos socialmente
aceitos, de forma que a relação jurídica seja conduzida honesta, leal e
corretamente, ou seja, sua feição objetiva impõe um padrão de conduta aos
que se obrigam na relação jurídica.
Para Plínio Lacerda Martins “(...) a noção de boa-fé objetiva
constitui novo princípio à conduta dos contraentes nos contratos atuais”,321
pois, não só no direito do consumidor, como em todo o direito obrigacional, é
nesses instrumentos de negociação que se vislumbra com maior facilidade o
desequilíbrio entre os contraentes.
Em matéria consumerista, a aplicação desse princípio se torna
ainda mais evidente, porquanto é inegável que a grande maioria das relações
entre consumidores e fornecedores se firma por meio de contratos. O Código
de Defesa do Consumidor veio a consagrar o princípio da boa-fé objetiva,
como cláusula geral, até mesmo antes do Novo Código Civil, com vistas a
otimizar o comportamento contratual dos contraentes, principalmente o do
fornecedor de produtos e serviços, que, com o crescente desenvolvimento
tecnológico, o crescimento da demanda no mercado de consumo e a falta de
cultura jurídica da população de um modo geral, a cada dia se torna parte
mais forte, o que, via de conseqüência, resulta no desequilíbrio da relação
jurídica que se forma.
321
Plínio Lacerda Martins, O abuso nas relações e consumo e o princípio da boa-fé, p. 34.
133
É cediço que esse princípio deva ser realizado de boa vontade por
todo cidadão, todavia se alguns não compreendem dessa forma, necessária se faz
sua proteção legal, com vistas a inibir todo e qualquer ato contrário à boa-fé.
Entretanto, importa salientar que tal princípio deverá ser seguido
e observado por ambas as partes da relação de consumo, a fim de realizar uma
aproximação de interesses entre consumidor e fornecedor.322
3.11 Princípio do Acesso à Justiça no Código de Defesa do
Consumidor
O consumidor encontra várias dificuldades na busca do provimento
jurisdicional. Isso acontece desde o momento em que ele não sabe como efetuar a
reclamação; reluta em entregar o fato a um advogado, até que ele tenha plena
confiança ou até o momento em que a situação torne imprescindível; a intervenção
de alguém que o ajude; é tomado pelo receio de altos custos processuais; não
confia na justiça em virtude da morosidade e discorda das decisões que
acompanha através da imprensa ou por meio de algum conhecido, dentre outros
fatores inesgotáveis que ocupariam linhas nesse estudo.
A própria Constituição Federal assegura o acesso à justiça a
todas as pessoas, como outrora tratado, de tal modo que não há fatores
discriminatórios que possam interferir nesse acesso.
Existem várias tentativas de tornar real e efetivo esse acesso do
consumidor à justiça para proteção de seu direito, consagrado na Constituição
322
Ibidem, p. 95.
134
Federal e no Código de Defesa do Consumidor, tendo o destinatário final, à
sua disposição, a assistência judiciária integral e gratuita, desde que não
disponha de condições econômicas para contratar um advogado. Existem,
ainda, as Promotorias de Justiça do consumidor, para a defesa dos interesses
difusos, coletivos, e individuais homogêneos, consagrados no artigo 81,
parágrafo único e artigo 82, inciso I, da Lei nº 8.078/90, c/c o artigo 5º, caput,
da Lei nº 7.347/85. Há, também, as delegacias de polícia especializadas nas
investigações dos crimes contra as relações de consumo e o Juizado de
pequenas causas, sem falar na concessão de estímulos à constituição e
desenvolvimento de associações de defesa dos consumidores.323
Todos esses meios que o Código de Defesa do Consumidor
coloca à disposição do consumidor retratam a preocupação dos legisladores
em fazer valer efetivamente o acesso à justiça e um provimento jurisdicional
adequado.
323
Roberto Senise Lisboa, Responsabilidade civil nas relações de consumo, p. 91-93.
4
DAS PARTES E TERCEIROS
Faz-se de extrema importância ao estudo em proposição o apontamento dos
conceitos atinentes às partes e aos terceiros, uma vez que tais expressões serão usadas
em todo o decorrer do presente trabalho. No entanto, limitamos nosso estudo aos
apontamentos acerca dos conceitos de um e outro vocábulo, de a forma trazer a lume
recordações deveras difundidas e conhecidas dentro da visão jurídica.
Todavia, antes de conceituar o que seja um ou outro, temos ainda que
definir o conceito de lide, vez que na terminologia processual ao se verificar a
coincidência de duas ou mais pessoas manifestando interesse sobre um
mesmo bem ou utilidade da vida, sem que para tanto nenhuma delas renuncie
à sua pretensão, dizemos que está acontecendo um conflito de interesses. Esse
conflito qualificará aquilo que os processualistas denominam de lide,
caracterizada por uma pretensão resistida e insatisfeita, conforme os
ensinamentos de Carnelutti.324 Entenda-se pretensão como a exigência de
subordinação de um interesse de outrem ao próprio. Atualmente, o Código de
Processo Civil utiliza o vocábulo lide como sendo sinônimo de mérito.325
Apropriado também se faz distinguir os tipos de legitimidade existentes no
processo civil, quais sejam: a legitimidade ad causam e a legitimidade ad processum.
A legitimidade ad causam é a qualidade de parte legítima, ou seja,
aquela que tem direito à prestação da tutela jurisdicional, seja-lhe esta
favorável ou desfavorável; ela é condição para ação.
324
325
Carnelutti, Instituciones del processo civil, p. 175.
Manoel Antônio de Teixeira Filho, Embargos de terceiro, p. 07. Neste sentido ver ainda
Moacyr Amaral Santos, Primeiras linhas de direito processual civil, p. 09.
136
Por seu turno, a legitimidade ad processum é a capacidade processual
de agir, é aptidão para cada pessoa, independentemente de sua relação
particular com determinado processo; ela é pressuposto processual.
Assim, temos também duas espécies de capacidades relativas às partes,
quais sejam: a capacidade processual e a capacidade postulatória.
A capacidade processual é aquela que todas as pessoas que se
encontram no exercício de seus direitos possuem para estar em juízo326 e,
assim, praticar atos válidos.
Segundo Humberto Theodoro Júnior:
“A capacidade processual consiste na aptidão de participar da
relação processual, em nome próprio ou alheio. Em regra geral, a
capacidade que se exige da parte para o processo é a mesma que
se reclama para os atos da vida civil, isto é, para a prática dos
atos jurídicos de direito material”.327
Vicente Grego Filho ensina que:
“A capacidade processual é um pressuposto processual relativo as
partes. Em relação ao juiz, os pressupostos processuais são a
jurisdição e a competência. No que concerne, especificamente, à
capacidade processual, pode-se dizer que ela apresenta três
aspectos, ou três exigências: a) a capacidade de ser parte; b)
capacidade de estar em juízo; c)capacidade postulatória”.328
A capacidade postulatória é a capacidade daqueles que possuem o ius
postulandi, o poder de falar e agir em juízo em nome das partes no processo,
326
327
328
Artigo 7° do Código de Processo Civil.
Humberto Theodoro Júnior, Manual elementar de direito processual civil, p. 78.
Vicente Greco Filho, Direito processual civil brasileiro, p. 05.
137
desde a sua instauração até seu desenvolvimento e conclusão. É atribuída ao
profissional do direito, ou seja, o advogado.329
Assim, definido o que seja lide, obviamente abordado de forma sucinta,
passaremos ao estudo dos conceitos que mais nos interessam, quais sejam, os
de parte e terceiro.
4.1 Partes no Código Processual Civil
O conceito de partes se origina do latim pars, partis, ou seja, o
vocábulo parte sugere a idéia de porção de um todo, de elemento
fragmentário de algo, que no caso se entende como a lide, ao passo que a
relação processual, de outro lado, e apenas de forma ilustrativa já que não é
este o objetivo aqui proposto, configura o nexo, o vínculo que une as partes
entre si e estas ao juiz.330
De acordo com os ensinamentos de Liebman partes significam
“(...) os sujeitos do contraditório instituídos perante o juiz”.331
Para Chiovenda tal expressão significa: “(...) aquele que
demanda em seu próprio nome (ou em cujo nome é demandado) a atuação de
uma vontade da lei e aquele em face de quem essa atuação é demandada”.332
Hélio Tornaghi, observando a definição chiovendiana, sobretudo
a expressão ou em cujo nome é demandado, ressalva a hipótese em que a ação
329
330
331
332
Artigo 36 do Código de Processo Civil.
Vicente Greco Filho, Direito processual civil brasileiro, p. 05.
Enrico Tullio Liebman, Manualle di diritto processuale civile, p. 75.
Giuseppe Chiovenda, Instituiciones de derecho procesal civil, p. 320.
138
é exercida não pela parte, mas por seu representante legal, e cita como
exemplo os casos dos advogados, tutores, curadores dentre outros tantos que
poderiam ser mencionados.333 Existe, aqui, aquilo que a doutrina denomina
como sendo capacidade postulatória, ou seja, mesmo considerando algumas
poucas exceções legais, o indivíduo, ainda que possua capacidade para estar
em juízo, não possuirá capacidade para praticar em caráter pessoal os atos
relativos ao procedimento. Em conformidade com o vigente Código de
Processo Civil, quem deterá essa capacidade é o advogado.334
Para Manoel Antônio Teixeira Filho ser parte se consubstancia
na titularidade das situações jurídicas ativas e passivas que integram a relação
processual, tais como faculdades, poderes, deveres, sujeições, ônus, dentre
outros.335
Cândido Rangel Dinamarco336 traz interessante conceito puro
(processual) de parte, afirmando que partes são os sujeitos interessados na
relação processual, ou os sujeitos do contraditório instituído perante o juiz,
interessados, porque estão sempre em defesa de alguma pretensão própria ou
alheia.
Luiz Guilherme Marinoni e Sérgio Cruz Arenhart,337 apesar de
concordarem que o conceito de parte deve fundar-se no aspecto processual,
afirmam que o referido conceito deve guardar alguma referibilidade com o
direito material, pois uma das principais funções do processo é a aplicação do
direito material, seguindo as lições de Chiovenda.
333
334
335
336
337
Hélio Tornagli, Comentários ao código de processo civil, p. 102.
Confira-se artigo 36 do Código de Processo Civil.
Manoel Antônio Teixeira Filho, Litisconsórcio e assistência, p. 11.
Cândido Rangel Dinamarco, Instituições de direito processual civil, p. 134.
Luiz Guilherme Marinoni e Sérgio Cruz Arenhart, Manual do processo de conhecimento, p.
187.
139
Outro conceito bastante difundido no mundo jurídico é aquele em
que: “Partes são aquelas que participam da relação processual existente com
o Estado-juiz e exercem as faculdades que lhes são oferecidas, observam os
deveres a ela impostos, e sujeitam-se aos ônus processuais”.338
De acordo com Sônia Maria Hase de Almeida Baptista, os
sujeitos do processo são os que figuram na relação processual. O processo
exige, pelo menos, duas partes contrapostas, quais sejam, o demandante e o
demandado, além do juiz que é necessariamente imparcial.339
Para a autora, as partes serão ao menos duas: o autor e o réu.
Autor é aquele que age, é quem pede a prestação jurisdicional; por vias
opostas, o réu é aquele que resiste, aquele contra quem ou em relação a quem
se pede a prestação jurisdicional.340
Esclarece, ainda, que as partes, em princípio, são sujeitos da relação
de direito substancial que nela se controverte, da res in iudicium deducta, na qual
o autor é o titular do direito, o credor, e o réu é o obrigado, o devedor.341
A autora demonstra um cuidado todo especial ao tecer
comentários sobre o assunto, cujo texto merece ser aqui transcrito, dada sua
importância ao estudo:
“O que deve ser logo estabelecido quando se busca
determinar o conceito de parte é que se está a falar de um
conceito eminentemente processual. É conceito técnico
empregado pela ciência do processo para definir um
338
339
340
341
Carlos Eduardo Ferraz de Mattos Barroso, Teoria geral do processo e do processo de
conhecimento, p. 11.
Sônia Maria Hase de Almeida Baptista, Direito processual civil, p. 80.
Ibidem, mesma página.
Ibidem, mesma página.
140
fenômeno processual. Disso resultam ser impróprio trataremse
questões
de
direito
material
empregando-se,
inadequadamente, o conceito de parte”.342
E continua:
“Partes, no sentido processual, são as pessoas que pedem ou em
relação às quais se pede a tutela jurisdicional. Parte, portanto,
seria aquele que pede (autor) para si alguma providência judicial,
capaz de corresponder ao conceito de “bem da vida” empregado
por Chiovenda, e aquele contra quem se pede a mencionada
providência (réu)”.343
Para Vicente Greco Filho, as partes se definem como:
“(...) são o autor e o réu, constituem o sujeito ativo e o sujeito
passivo do processo. É quem pede e contra quem se pede o
provimento jurisdicional. Para a identificação das partes não é
suficiente a identificação das pessoas, presente nos autos, porque é
preciso verificar a qualidade com que alguém, de fato, esteja
litigando”.344
O autor ainda revela que dois conceitos podem ser atribuídos ao
termo parte:
“(...) o conceito de parte legítima, que é aquela que está
autorizada em lei a demandar sobre o objeto da causa; e o
conceito simplesmente processual de parte, isto é, aquela que tem
capacidade para litigar, sem se indagar, ainda, se tem legitimidade
para tanto”.345
Moacyr Amaral Santos entende que os sujeitos de uma relação
processual são os juízes e as partes; o juiz será imparcial, as partes, por seu
342
343
344
345
Ibidem, p. 81.
Ibidem, p. 81.
Vicente Greco Filho, Direito processual civil brasileiro, p. 89.
Ibidem, p. 99.
141
turno, serão parciais, cabendo ao juiz a função de compor-lhes o conflito em
que se acham.346
Tradicionalmente, as partes serão, na relação processual, os
sujeitos ativos e passivos da relação de direito substancial que nela se
converte. Assim, autor seria aquele que pede ao Poder Judiciário o
reconhecimento do seu direito, e também poderia ser considerado como
credor, bem como aquele contra quem se pede esse reconhecimento, é o
obrigado. De tal sorte, a terminologia utilizada em cada tipo de ação será
distinta da outra, todavia convencionou-se que autor e réu são termos de uso
geral. Sobretudo, nas ações executivas tais denominações respectivamente
serão substituídas por exeqüente e executado; nas ações de demarcação e de
divisão, por promovente e promovido; na ação de reivindicação, por
reivindicante e reivindicado, e tantos outros termos que não cabe ao presente
estudo esgotar.347
Para Humberto Theodoro Júnior,348 parte, é em sentido
processual, o sujeito que intervém no contraditório ou que se expõe às suas
conseqüências dentro da relação processual.
Ovídio Baptista da Silva, conceitua parte como sendo:
“(...) aquele que pede contra outrem uma determinada
conseqüência legal, ou aquele contra quem esta conseqüência é
pedida, ficará o conceito reduzido apenas ao processo contencioso,
inexistindo partes verdadeiras na chamada jurisdição voluntária.
Se todavia entendermos como partes, aqueles que participam como
sujeitos na relação processual, não seria impróprio dizer-se que o
tutor ou o curador do incapaz foram ou são partes no pedido de
346
347
348
Moacyr Amaral Santos, Primeiras linhas de direito processual civil, p. 343.
Ibidem, p. 346-347.
Humberto Theodoro Júnior, Curso de direito processual civil, p. 03.
142
venda ou arrendamento
representam”.349
do
bem
do
incapaz
que
eles
Luiz Rodrigues Wambier também caminha na esteira da
conceituação clássica e tradicional, ao passo que sua definição em pouco
difere da dos demais juristas aqui apresentados. Para ele:
“Regra geral, denominam-se partes os chamados sujeitos parciais
do processo – autor e réu – que são, respectivamente, aquele que
formula pedido em juízo, relativo à pretensão de que se diz titular,
mediante o exercício da ação , e aquele contra quem se pede a
tutela jurisdicional”.350
Para o processualista alemão Adolf Schonke:
“(...) partes são pessoas pelas quais, ou contra as quais, se pede
em nome próprio a tutela jurídica. As partes são, por regra geral,
ao mesmo tempo os sujeitos do direito ou dever discutidos, mas
também pode um terceiro estar facultado para seguir em nome
próprio um processo sobre relações jurídicas alheias; assim por
exemplo, o marido sobre bens trazidos pela mulher ao matrimônio.
Nesse Caso, o terceiro será parte”.351
Concluindo o autor afirma que: “O conceito de parte é, em
conseqüência, meramente formal, e não precisa coincidir com a titularidade
da relação jurídica controvertida”.352
Cássio Scarpinella Bueno enfatiza que:
“Para a distinção entre parte e terceiro, colho e adoto a clássica
orientação de Chiovenda no sentido de que é parte quem pede e
contra quem se pede alguma espécie de tutela jurisdicional. É
349
350
351
352
Ovídio Araújo Baptista da Silva, Curso de processo civil, p. 09.
Luiz Rodrigues Wambier, Curso avançado de processo civil, p. 219.
Adolf Schonke, Direito processual civil, p. 113.
Ibidem, mesma pagina.
143
terceiro todo aquele que não pede ou contra quem nada se pede em
juízo”.353
Nesta oportunidade, é necessário que se faça uma diferenciação
dos conceitos de legitimidade ordinária e legitimidade extraordinária, para
que considerações posteriores possam ser melhor compreendidas.
A legitimidade ordinária é aquela que decorre da posição
ocupada pela parte como sujeito da lide, ou seja, os titulares dos interesses em
conflito, de tal modo que a legitimidade ativa caberá ao titular do interesse
afirmado na pretensão, enquanto que a legitimidade passiva caberá ao titular
do interesse que se opõe ou resiste à pretensão.354
Segundo Araken de Assis: “(...) parte constitui uma situação
aferida na relação processual, e parte legítima, na relação material”.355
Em relação à legitimidade extraordinária, cuida o direito
processual de permitir, em casos excepcionais, em virtude de determinadas
circunstâncias, que a parte demande em nome próprio, na defesa de interesse
alheio. É a denominada substituição processual. Todavia, isso somente
ocorrerá nas exceções expressamente autorizadas em lei, posto que a ninguém
é dado pleitear em nome próprio direito alheio.356
Segundo o Professor Arruda Alvim:
“Na hipótese de substituição processual, a relação a ser
estabelecida, entre o autor ( substituto processual) e o réu, carece
353
354
355
356
Cássio Scarpinella Bueno, Partes e terceiros no processo civil brasileiro, p. 02.
Athos Gusmão Carneiro, Intervenção de terceiros, p. 35-36.
Assis Araken, Manual do Processo de execução, p. 124.
Confira-se artigo 6° do Código de Processo Civil.
144
ser esclarecida. E isto no sentido de que a temática das condições
da ação será reportada ao substituído processual, dado que é ele
quem sofrerá a eficácia da sentença, no sentido de que o bem
jurídico a ele respeita, e não ao seu substituto. O substituto deverá,
apenas, evidenciar que tem tal qualidade em relação ao
substituído”.357
No que se refere à representação, por exemplo, das pessoas
jurídicas em juízo, a lei abrange as posições ativas e passivas, sendo que a
representação confere a totalidade dos poderes necessários à atuação como
autor ou réu no processo.358
Desse modo, Luigi Monacciani, citado pelo mestre Donaldo
Armelim,359 ensina que são dois os tipos de substituição processual: aquele
em que da existência do direito subjetivo material do substituto depende a
existência do direito do substituído; aquele em que da existência de direito do
substituído depende a existência de obrigação do substituto.
Assim, a decisão, proferida na causa em que atua o substituto
processual, faz coisa julgada para este e para o substituído.
4.2 Conceito de Terceiro no Código de Processo Civil
Não é incomum os conflitos sociais não se exaurirem na
divergência entre autor e réu que se confrontam. Por não raras vezes, acabam
atingindo terceiras pessoas que, não fazendo parte do processo, são atingidas
em sua esfera jurídica.
357
358
359
Arruda Alvim, Manual de direito processual civil, p. 28-29.
Ibidem, p. 63.
Luigi Monacciani, Azione e legitimazione, passim; Eduardo Garbagnati, La sostituzione
processuale nel nuovo codice di procedura civile, passim; Donaldo Armelin, Legitimidade
para agir do direito processual brasileiro, passim.
145
Em razão do afirmado, o direito admite que tais pessoas venham
a ingressar na ação de forma voluntária, ou seja de alguma forma, convocados
a participar do processo sob pena de a prestação jurisdicional não possuir
utilidade e a eficácia não lhes ser estendida em toda sua plenitude.360
A respeito confira-se posicionamento de Athos Gusmão Carneiro:
“No plano do direito processual, o conceito de terceiro terá
igualmente de ser encontrado por negação. Suposta uma relação
jurídica processual pendente entre A, como autor, e B como réu,
apresentam-se como terceiros C, D, E etc., ou seja, todos os que
não forem partes ( nem coadjuvantes de parte) no processo
pendente”.361
O processualista argentino Ramiro Podetti,362 em posição quase
isolada, enquadra entre os terceiros todos aqueles que não sejam nem o autor,
nem o réu originário, englobando o litisconsorte que intervém posteriormente,
o sucessor, etc.
Olavo de Oliveira Neto entende que:
“Para poder-se apurar o conceito de terceiro, mister isolar o
conceito de parte, pois são figuras que se excluem, podendo-se
afirmar que quem não é parte é terceiro. Em face do antagonismo
desses elementos, é que a extremação de seus contornos torna
possível precisar a posição”.363
Para Vicente Greco Filho: “(...) terceiro é o legitimado para
intervir que ingressa em processo pendente entre outras partes, sem exercitar
direito de ação próprio ou de outrem”. 364
360
361
362
363
364
Sérgio Bermudes, Introdução do processo civil, p. 80.
Athos Gusmão Carneiro, Intervenção de terceiros, p. 51.
Ramiro Podetti, Tratato de la terceria, p. 42.
Olavo de Oliveira Neto, A defesa do terceiro na execução, p. 76.
Vicente Greco Filho, Direito processual civil brasileiro, p. 35.
146
No entendimento de Piero Calamandrei, a qualidade de parte só
se adquire, com a abstração de toda referência ao direito substancial, pelo fato
de ser de natureza exclusivamente processual.365
Verifica-se que a posição do mestre italiano é comum à maioria
dos processualistas brasileiros - dentre eles Dinamarco- uma vez que partem
para a definição do conceito de parte, de matéria exclusivamente processual.
Já é tempo de abandonarmos a definição processual e material de
parte e terceiro, tendo em vista que a preocupação com uma tutela efetiva e
justa requer a aproximação dos dois conceitos. Com a garantia constitucional
à tutela específica, inserida na Constituição Federal, o processo serve à
vivificação do direito material e, principalmente, aos direitos fundamentais,
entre os quais está inserida a garantia de tutela efetiva dos direitos das partes.
É notório que a legitimidade que está por trás do conceito de
parte é algo que diz respeito tanto ao direito material quanto ao direito
processual.366
Nesse sentido, mostra-se interessante o ensinamento de
Scarpinela367 que considera como sendo ideal uma coincidência entre as
formas de como as pessoas exercem seus direitos no plano material e a forma
como elas poderiam exercê-los no campo processual.
Concluindo, nada impede que um terceiro possa ter algum título
para ser parte, inclusive no processo pendente, ou que pelo menos propicie
seu ingresso na qualidade de terceiro, bastando para tal a demonstração da
365
366
367
Piero Calamandrei, Direito processual civil, p. 229.
Carnellutti, Sistema de direito processual civil, p. 27.
Cássio Scarpinella Bueno, Partes e terceiros no processo civil brasileiro, p. 08.
147
situação legitimante a que pertence, utilizando-se de uma das formas de
intervenção de terceiro previstas no Código de Processo Civil Brasileiro.368
4.3 Partes no Código de Defesa do Consumidor
Com o advento da Lei nº 8.078/90, denominado Código de
Defesa do Consumidor, ocorreu uma ampliação do conceito de partes , ex vi:
“Artigo 2º: (...).
Parágrafo único: Equipara-se a consumidor a coletividade de
pessoas, ainda que indetermináveis, que haja intervindo nas
relações de consumo”.
A tutela coletiva dos direitos difusos, coletivos e individuais
homogêneos não é objeto do presente estudo, porém se faz necessário
observar a generalidade do parágrafo único do art. 2° do Código de Defesa
do Consumidor que equipara a consumidor sujeito que pode ser parte na
relação processual, qual seja, a coletividade de pessoas, mesmo se
indeterminadas.
Dessa forma, ainda que não participe do processo, como nos
casos de ação para defesa de interesses ou direitos individuais homogêneos, se
o pedido for julgado procedente, o titular do direito será beneficiado pela
coisa julgada.
Quando o direito é individual homogêneo o legitimado (arts. 82
do CDC e 5º da LACP) atua como substituto processual.369 Sendo o direito
368
369
Ibidem, mesma página.
João Batista de Almeida, A proteção juridica do consumidor, p. 246.
148
difuso ou coletivo stricto sensu, a legitimidade é , para alguns, autonoma para
a condução do processo, e para outros, ordinária ou extraordinária.370
Assim, não há qualquer crítica a ser efetuada ao disposto no
microssistema de defesa do consumidor, pois conforme já dissemos alhures,
trata-se de buscar a igualdade material e processual entre consumidores e
fornecedores, levando-se em conta que um dos mais importantes princípios
que norteiam a Lei nº 8.078/90 é, sem sombra de dúvida, o princípio da
vulnerabilidade do consumidor.
4.4 Terceiros no Código de Defesa do Consumidor
Para o Código de Defesa do Consumidor terceiros são todos
aqueles que, mesmo não sendo parte originária na relação de consumo,
contribuem auxiliando o fornecedor, ou ainda, àquele que vem a ser afetado
pela relação de consumo, ou ainda, aquele sem qualquer vínculo com a
referida relação.
O Código de Defesa do Consumidor conhece duas espécies de
terceiros, quais sejam:
a) aqueles que embora sem relação com o fornecedor sejam
causadores do dano. Tomemos como exemplos: um contrato de
transporte de pessoas, em que, durante o percurso o ônibus é
370
Entendem ser ordinária a legitimidade: Rodolfo de Camargo Mancuso, Intereses difusos:
conceito e legitimidade para agir, p. 204-205; Kazuo Watanabe, Tutela jurisdicional dos
interesses difusos: a legitimação para agir, p. 331. Entende ser autônoma: Nelson Nery
Júnior, Curso de direito processual civil, p. 09. Considera extraordinária: Rocha Hibraim,
Litisconsorcio, efeitos da sentença e coisa julgada na tutela coletiva, p. 77.
149
assaltado; esse assaltante não mantém qualquer relação jurídica
com o fornecedor, e acaba por causar um dano ao consumidor. A
secretária do advogado, que causa dano ao consumidor, leva o
fornecedor-advogado a responder pelo ato do preposto;
b) aqueles que atuam em auxílio ao fornecedor quando da
prestação dos serviços, ou seja, contratados pelo fornecedor para
o fornecimento de peças necessárias a prestação do serviço.
A classificação supra refere-se ao terceiro materialmente falando,
pois para o presente estudo consideraremos terceiro todo aquele que poderia
estar sendo parte e ainda não é. Na esteira do ensinamento de Scarpinella, por
exemplo, é considerado terceiro o fabricante de veículo que faz parte da
cadeia de fornecedores, de acordo com o art. 18 do CDC. Sendo a ação
proposta pelo autor somente em relação à concessionária, esta, depois de
substituir o veiculo, pode voltar-se contra o fabricante em processo autônomo
ou nos mesmos autos.
5
DA
INTERVENÇÃO
DE
TERCEIROS
NO
CÓDIGO DE PROCESSO CIVIL E NO CÓDIGO
DE DEFESA DO CONSUMIDOR
Para uma melhor compreensão do estudo em proposição, é importante
observar a origem etimológica da palavra intervenção, a qual deriva do latim
interventio, de inter venire, ou seja, assistir, intrometer-se, ingerir-se.
Na acepção comum é tida como a intromissão ou ingerência de uma
pessoa em negócios de outrem, sob qualquer aspecto, isto é, como mediador,
intercessor, conciliador, dentre outros.371
Aliás, Piero Calamandrei segue este ensinamento: “A palavra
intervenção, com que se indica este fenômeno, expressa etimologicamente
(inter = durante) a superveniência de outras partes durante um processo já
iniciado sem elas”.372
Certamente, dentre os temas da parte geral do direito processual civil,
um dos que apresenta maiores dificuldades é a intervenção de terceiros, seja
por falta de bibliografia nacional, seja pela divergência encontrada na
bibliografia estrangeira, que nem sempre se aplica aos institutos nacionais.373
Ainda, o instituto não apresenta uma sistematização ideal, vez que sem
essa denominação encontram-se institutos de natureza diversa, como por
371
372
373
Moisés André Bittar, As espécies de intervenção de terceiros no processo do trabalho, p. 23.
Piero Calamandrei, Derecho procesal civil egun el nuevo código, p. 314.
Vicente Greco Filho, Direito processual civil brasileiro, p. 126.
151
exemplo, o caso da assistência, típica intervenção de terceiros, mas inserida
fora do capítulo próprio do Código.374
Um breve esboço histórico é bem vindo ao presente estudo. No direito
romano, vigorava o princípio da singularidade do processo e da jurisdição,
decorrente da própria estrutura do processo civil, desenvolvido perante um
magistrado privado. Desse modo, no período das legis actiones e no período
formulário do direito romano, difícil se conceber um terceiro intervir em
processo alheio. Assim, o princípio da singularidade abrandou-se apenas num
terceiro período, difundido entre os processualistas como o período da
cognitio extra ordinem, onde aumentaram as funções do pretor oficial do
império romano, na condução do processo.375
Em contrapartida, no direito germânico – que vigorou no período da
Idade Média – em conseqüência da dominação dos bárbaros, adotou-se o
princípio da universalidade, contrário ao do direito romano, de tal modo que a
sentença era proferida perante todos na assembléia geral.376
Dessa forma, as hipóteses de intervenção de terceiros são
temperamentos do princípio da singularidade, e se justificam porque a
sentença provoca implicações em relações jurídicas de pessoas que não são
apenas partes, primariamente conhecidas como autor e réu. Isto ocorre
porque as relações jurídicas não existem isoladas no mundo do direito, elas
se inter-relacionam e sua complexidade determina, às vezes, influência
recíproca.377
374
375
376
377
Ibidem, mesma página.
Ibidem, mesma página. Neste sentido: Humberto Theodoro Júnior, Curso de direito
processual civil, p. 114-115; Luiz Rodrigues Wambier, Curso avançado de processo civil, p.
225.
Ibidem, mesma página.
Ibidem, p. 126-127.
152
O princípio básico que informa a matéria é o de que a intervenção em
processo alheio somente será possível mediante expressa permissão legal, já
que no direito brasileiro a regra é a da singularidade do processo e da
jurisdição. A legitimação para intervir decorre da lei e depende de previsão
expressa no Código.378
Encerrando o ensinamento, Vicente Greco Filho define que o instituto da
intervenção de terceiros ocorrerá quando alguém, devidamente autorizado em lei,
ingressar em processo alheio, o que torna complexa a relação jurídica processual.
Exclui-se a hipótese de litisconsórcio ulterior, em que alguém ingressa em processo
alheio para figurar como litisconsorte, como parte primária, portanto.379
Todo processo, de qualquer espécie, comporta sempre alguma modalidade
de intervenção de terceiro. No processo de execução as possibilidades são restritas,
admitindo-se somente a assistência e a nomeação à autoria. As outras formas de
intervenção de terceiros são exclusivas do processo de conhecimento.380
No processo cautelar é de se admitir em casos excepcionais a
modalidade de intervenção de terceiros denominada assistência, haja vista,
que o processo cautelar pressupõe um processo principal. No caso de
produção antecipada de provas, o assistente poderá intervir no processo
cautelar, tendo em vista que também poderá ser assistente na lide principal.
Via de regra, podem os terceiros ficar estranhos ao processo, todavia,
nem sempre isto lhes convém, como tampouco aos litigantes. Justifica-se,
assim, a previsão legal dos casos de intervenção de terceiros.381
378
379
380
381
Ibidem, mesmas páginas.
Ibidem, p.127-128. Neste sentido: Nelson Godoy Bassil Downer, Curso básico de direito
processual civil, p. 217 e ss.
Cândido Rangel Dinamarco, Instituições de direito processual civil, p. 381.
Ibidem, mesma página.
153
Sob a ótica do Código de Processo Civil de 1939, o instituto da intervenção
de terceiros abrangia a intervenção voluntária e a intervenção coativa (art. 91).
Admitidas essas formas no instituto, o primeiro grupo, compunha-se de: assistência,
oposição, chamamento à autoria (denominado atualmente de denunciação à lide),
nomeação à autoria, o recurso de terceiro prejudicado e os embargos de terceiro.
Atualmente, insta lembrar que o Código de Processo Civil não disciplina a
intervenção determinada pelo juiz. No diploma legal, datado de 1973, encontramse, no capítulo da intervenção de terceiros, a oposição, a nomeação à autoria, a
denunciação da lide e o chamamento ao processo.382
Então, qual seria efetivamente o âmbito de aplicação do instituto da
intervenção de terceiros?
Para entendê-lo, é necessário que se tenha em mente a sentença
proferida pelo juiz da causa, a qual tem fundamental importância. A sentença
encerrará a pretensão na qual litigam duas partes distintas, sendo que o seu
decisum apenas vinculará as partes que integraram efetivamente aquela
relação processual.
Posto isto, na tentativa de reduzir os perigos da extensão da sentença
aos terceiros alheios à relação processual, o direito admite, em certos e
distintos casos, que se intervenha no processo em que não é parte e também
que dele se valha para defesa de seus direitos ou interesses, podendo desse
modo sujeitar-se à sentença proferida.383
Desse modo, terceiras pessoas podem intervir, em virtude do interesse
que tenham na causa em que postulam duas partes conflitantes.
382
383
Luiz Edson Fachin, Intervenção de terceiros no processo civil, p.11-12.
Moacyr Amaral Santos, Primeiras linhas de direito processual civil, p. 17.
154
Sobretudo, conforme nos ensina Moacyr Amaral Santos,384 essas
terceiras pessoas não são sujeitos da relação jurídica deduzida em juízo pelas
partes, mas sim de outra relação jurídica que àquela se prende, e a decisão de
uma influirá sobre a outra.
Ovídio Araújo Baptista da Silva385 também leva em consideração a
sentença. Assim, menciona que existirá a intervenção de terceiros no processo
quando alguém que dele participe, sem ser parte na demanda, objetiva auxiliar
ou excluir um dos litigantes, para, então, defender direito ou interesse próprio
que possa ser prejudicado em sentença. Não obstante se limite a coisa julgada
apenas às partes, frente às quais se profere a sentença, seguidamente, os
efeitos desta se expandem até alcançar indiretamente os terceiros, que de uma
ou outra forma, estejam ligados às partes, produzindo influências diversas
sobre alguma relação jurídica de que aqueles participem.
Moacyr Amaral Santos entende, igualmente, que “(...) terceiras pessoas
podem, pois, em razão do interesse que tenham na causa, entre duas outras,
nela intervir”.386 Assim, essas terceiras pessoas não são partes na relação
processual originária, na qual intervêm por provocação de uma delas,
(chamamento ao processo e nomeação à autoria) em certos casos, e, em
outros, voluntariamente (assistência; oposição; embargos de terceiros; recurso
de terceiro prejudicado; concurso de credores). Assim, terceiros serão pessoas
estranhas à relação de direito material que àquela se ligam intimamente, e
intervêm no processo sobre a mesma relação, a fim de defender interesse
próprio.
384
385
386
Ibidem, p. 18.
Ovídio Araújo Baptista da Silva, Curso de processo civil, p. 227. Neste sentido: Luiz
Rodrigues Wambier, Curso avançado de processo civil, p. 147 e Milton Flaks, Denunciação
da lide, p. 61.
Moacyr Amaral Santos, Primeiras linhas de direito processual civil, p. 24.
155
O conceito do Mestre Amaral Santos não nos parece completo, pois no
caso do chamamento ao processo, o chamado não é estranho a relação de
direito material, como ocorre com a obrigação solidária, em que o credor
propõe a ação somente em relação a um dos devedores, mas os demais coobrigados mantêm com o credor uma relação de direito material. Ainda, em
relação à nomeação à autoria, quem detém relação de direito material com o
autor é o nomeado.
Gelson Amaro de Souza afirma que:
“(...) denomina-se intervenção de terceiro a intromissão daquele
que não é figurante do processo, no sentido de assumir uma
posição definida na lide, que pode variar, desde a de parte até uma
simples participação auxiliadora de uma das partes”.387
Portanto, a intervenção deve sua existência à necessidade de diminuir o
número de processos e evitar resultados contraditórios, e como ensina Moacyr
Amaral Santos:
“(...) a intervenção de terceiros somente deve ser aceita sob
determinados pressupostos: um deles, ocorrente em todos os casos
de intervenção, é o de que o terceiro deve ser juridicamente
interessado no processo pendente”.388
A intervenção de terceiros divide-se com base em dois critérios
distintos, quais sejam: a) se o terceiro visa a ampliar ou modificar
subjetivamente a relação processual, onde na qual intervenção poderá ser ad
coadjuvando, quando o terceiro procura prestar cooperação a uma das partes
primitivas, como ocorre na assistência; ou ad excludendum, quando o terceiro
procura excluir uma ou ambas as partes primitivas, como ocorre na oposição e
387
388
Gelson Amaro de Souza, Curso de direito processual civil, p. 160.
Moacyr Amaral Santos, Primeiras linhas de direito processual civil, p. 31.
156
na nomeação à autoria; b) de acordo com a iniciativa da medida, sendo a
intervenção: espontânea ou voluntária, quando a iniciativa é do terceiro, como
ocorre na oposição e na assistência; provocada ou forçada, quando, embora
voluntária a medida adotada pelo terceiro, foi ela precedida por citação
promovida pela parte primitiva (nomeação à autoria, denunciação da lide,
chamamento ao processo).
Chiovenda389 classifica as intervenções de terceiro, aludindo ao direito
alemão e ao italiano, em duas formas de intervenção voluntária, a adesiva e a
voluntária, e como intervenção forçada, o chamamento de terceiros à lide,
conforme passaremos a discorrer:
A intervenção adesiva, ou acessória, serve para auxílio da parte
originária, em que o terceiro adentra ao processo por conta de um direito
alheio, não representando a parte originária, até porque está já é parte na
causa,390 como é o caso da assistência no direito pátrio.
Desse modo, o fato de o interveniente adesivo ser admitido no processo
no estado em que ele se encontra não quer dizer que ele se converterá em
parte na causa, e sim que poderá auxiliar a parte, mas não estar em contraste
com ela. Portanto, pode o interveniente influenciar no desentranhar da causa,
mas estará sujeito à decisão, favorável ou não à parte que ele auxiliou.391
O mesmo ocorre com a Assistência no direito brasileiro, em que o
ingresso do assistente não irá alterar a estrutura da demanda originária.
Todavia, será ela denominada assistência simples, quando os efeitos da
389
390
391
Giuseppe Chiovenda, Instituiciones de derecho procesal civil, p. 283-284.
Ibidem, mesmas páginas.
Ibidem, mesmas páginas.
157
decisão judicial contrários ao seu assistido afetem indiretamente a relação
existente entre ambos.
Existe, outrossim, uma segunda classificação abordada por Chiovenda:
a intervenção principal, cujo objetivo é fazer valer em face do réu e do autor
um direito próprio do interveniente, e incompatível com a pretensão
formulada na causa pelo autor. No direito atual eqüivale a uma simples
faculdade do terceiro, cuja finalidade é prevenir o dano que de fato poderia
resultar para o terceiro, em caso de vitória de uma das partes da causa
principal, bem como evitar duplicação de processos e contradição de
sentenças.392 No direito brasileiro, tal instituto se assemelha com a oposição,
em todos os seus princípios e requisitos.
No direito pátrio, a oposição é uma modalidade de intervenção de
terceiros, mediante a qual um terceiro pretende haver, para si, um mesmo
direito sobre o qual outros sujeitos já litigam em outra ação.
Existe, ainda, o que se denomina de intervenção forçada, em que
variadas razões podem determinar que uma das partes se dirija a um terceiro
para arrastá-lo, em maior ou menor medida, sob uma ou outra figura, no curso
da lide principal.393
Cada uma das partes pode chamar à lide um terceiro a quem se presuma
comum a controvérsia. Destaca-se que o direito brasileiro não conhece a figura
genérica da intervenção forçada, nessa forma tão ampla, mas apenas oferece
casos especiais como o chamamento ao processo e à nomeação a autoria.394
392
393
394
Ibidem, p. 284.
Ibidem, mesma página.
Ibidem, mesma página.
158
Alvarado Velloso define a intervenção de terceiros da seguinte forma:
“(...) a intervenção de terceiros é cabível quando de forma
voluntária, provocada ou necessária um terceiro interessado se
incorpora a um processo pendente com o objetivo de fazer valer
um direito próprio, por estar nele vinculado- ao menos com uma
das partes originárias – mediante uma relação de conexidade
objetiva, de conexidade causal, conexidade mista objetivo – causal
ou apenas de afinidade”.395
Como bem assevera Alberto dos Reis396 nem sempre o ingresso de
outra pessoa, distinta das partes originárias, ou mesmo modificações
subjetivas no curso da demanda constituirão intervenção de terceiros.
Afirma também, no sentido de que a intervenção de terceiros é o
instituto que propõe transformar o terceiro em parte,397 excluindo os casos de
litisconsórcio necessário, de sucessão, de substituição processual em processo
pendente, etc.398
O doutrinador Adolf Schonke399 admite apenas duas modalidades de
intervenção de terceiros, quais sejam: a intervenção adesiva e a intervenção
principal.
Para o autor, a intervenção adesiva significa a participação de um
terceiro em litígio pendente entre outras pessoas, que se apóia a uma delas por
395
396
397
398
399
Tradução livre de: “(...) la intervención de terceros tiene lugar cuando en forma voluntária,
provocada o necesaria un tercero interessado se incorpora a un proceso pendiente com el
objeto de hacer valer en éste un derecho o interés proprio, por hallares vinculado – por lo
menos una de las partes originárias mediante una relacíon de conexidad objetiva, de
conexidad causal, de conexidad misto objetivo-causal o de afinidad”. Alvarado Velloso,
Introdución al estudio del derecho procesal, p. 135.
Alberto dos Rios, Intervenção de terceiros, p. 06-07.
Ibidem, p. 05-06.
Ramiro Podetti, Tratado de la terceria, p. 35, em minoritária, enquadra entre os terceiros
todos aqueles que não sejam nem o autor originário nem o réu originário, englobando o
litisconsorte que intervém posteriormente, o sucessor etc.
Adolf Schonke, Direito processual civil, p. 131.
159
existir um interesse particular na vitória desta parte na demanda. Assim,
assevera que o interveniente adesivo será tão somente um coadjuvante de uma
das partes no litígio, não se convertendo em parte na causa.400
Em contrapartida, a intervenção principal é aquela em que o terceiro
pretende para si, seja em sua totalidade, seja em parte, a coisa ou o direito
sobre o qual se funda um litígio entre duas pessoas, podendo exercitar sua
ação por meio de uma demanda contra as duas partes do processo pendente.
E, nesse ponto, difere da intervenção adesiva, pois não é a participação do
terceiro em processo alheio, mas sim uma demanda independente contra
ambas as partes do processo que já se encontra em curso, ou seja, do primeiro
processo ou principal.401
Entre nós, a maioria doutrinária classifica a intervenção de terceiros
simplesmente como espontânea ou voluntária e provocada ou forçada. Milton
Flaks é um dos doutrinadores que seguem esse posicionamento, justificando
que a intervenção de terceiros será voluntária se o terceiro, interessado na
lide, ingressar no processo voluntariamente, sem ser provocado, sem ser
chamado; por linhas opostas, considera a intervenção provocada se o terceiro
vem a participar do litígio, auxiliando um dos contendores, ao que também se
denomina doutrinariamente de ad coadiuvandum, ou reclamando em seu
favor o direito disputado na demanda, doutrinariamente denominado de ad
excludendum.402
Uma outra denominação existe, donde se depreendem três distinções: a)
coacta ou forçada; b) provocada; c) voluntária ou espontânea. As duas
400
401
402
Ibidem, mesma página.
Ibidem, p. 136.
Milton Flaks, Denunciação da lide, p. 57.
160
primeiras acontecem quando o terceiro possui interesse jurídico, legitimação
para a causa e para o processo e, em virtude dessa identidade com a causa,
seja em cúmulo ou por sucessividade é, chamado a compor um dos pólos da
relação processual por uma das partes que já o integra. A terceira espécie
ocorrerá sem necessidade de chamamento, pois é ato volitivo de terceiro
movido exclusivamente pelo interesse jurídico fundado no direito
consubstancial.403
No que tange à intervenção de terceiros no direito brasileiro, serão as
suas modalidades objeto de análise no presente estudo, inclusive para se
investigar minuciosamente se existe a possibilidade desse instituto, quais são
e em que casos são as mesmas aplicáveis no Código de Defesa do
Consumidor (Lei nº 8.078/90).
5.1 Das Espécies de Intervenção de Terceiros
5.1.1 Da Assistência no Código de Processo Civil
Assistência decorre do verbo assistir que significa auxiliar,
socorrer, acompanhar.
Assistência tem origem no direito romano, no período da
extra ordinem cognitio surgiu com a finalidade de impedir que por
negligência, dolo ou conluio entre as partes a sentença viesse a ferir o
interesse de terceiro.
403
Willian Couto Gonçalves, Intervenção de terceiros, p. 26.
161
De acordo com Manoel Antônio Teixeira Filho: “A
assistência tem sua origem acima mencionada em Bartolo, e se refere com
intromissão de terceiro no processo, para auxiliar o autor ou o réu, sem
confundi-la com a oposição”.404
Embora o Código de Processo Civil brasileiro não
enquadre como uma espécie de intervenção de terceiros – seguindo a
orientação de Carnelutti que define o assistente como sujeito da ação e, pois,
como parte adesiva ou acessória, embora não seja sujeito da lide – o artigo 52
afirma que o assistente atuará como auxiliar da parte principal e deixa bem
clara essa tomada de posição doutrinária no sentido de considerar o assistente
parte acessória.
A assistência é a única forma genuína de intervenção de
terceiros em que aquele que ingressa no feito pendente entre outras pessoas,
para auxiliar alguma delas, em cuja vitória tem interesse jurídico, permanece
como terceiro até o fim do processo. No Código de Processo Civil brasileiro o
procedimento da assistência é encontrado no livro I (Processo de
conhecimento), Título II (Das partes e dos Procuradores), Capítulo V (Do
litisconsórcio e da assistência), Seção II, artigos 50 a 55.
Importa ressaltar no entendimento de Athos Gusmão
Carneiro que é imprópria a designação sugerida pelo Código para o assistente
de parte acessória ou parte secundária.405
No direito brasileiro chamamos de assistência o ingresso
não forçado de terceira pessoa com a finalidade precípua de ajudar uma das
404
405
Manoel Antônio Teixeira Filho, Litisconsórcio e assistência, p. 133.
Athos Gusmão Carneiro, Da assistência no processo civil, p. 239.
162
partes na lide em andamento. Em conformidade com o artigo 50 do Código de
Processo Civil, pode vir a intervir no processo o terceiro que possua interesse
jurídico de que a sentença seja favorável a uma das partes demandantes.
Todavia, o que legitima terceiro a ingressar na lide com a
finalidade de ajudar uma das partes, como já dissemos acima, é o interesse
jurídico, representado pelos reflexos jurídicos que a resolução da mesma
possa causar sobre a esfera de seus direitos. Eventuais reflexos só ocorrerão
quando o assistente for titular de direito ou obrigação cuja existência ou
inexistência dependa do julgamento da causa pendente ou vice-versa.406
Em conformidade com os ensinamentos de Cândido
Rangel Dinamarco:
“É de prejudicialidade a relação entre a situação jurídica do
terceiro e os direitos e obrigações versados na causa pendente. Ao
afirmar ou negar o direito do autor, de algum modo o juiz estará
colocando premissas para a afirmação ou negação do direito ou
obrigação do terceiro – e daí o interesse deste em ingressar.
Ingressa em auxílio de uma parte, mas não por altruísmo, e sim
para prevenir-se contra declarações que no futuro possam influir
em sua própria esfera de direitos. Como sempre, se ele não
406
Cândido Rangel Dinamarco, Instituições de direito processual civil, p. 385. Nessa linha
expositiva, Dinamarco, na mesma obra e página ensina que: “Exemplo claro da primeira
hipótese é o da causa pendente entre o credor e o devedor, para a condenação desse a pagar
o valor da obrigação. O fiador é legitimado a intervir em defesa do réu afiançado, com o
objetivo de pleitear uma sentença que negue a existência da obrigação principal – a qual é
pressuposto necessário de sua própria obrigação acessória, porque a existência desta
depende da existência da obrigação principal. Da segunda hipótese é exemplo a situação
oposta. O devedor principal intervém como assistente do fiador-réu na tentativa de evitar uma
sentença condenatória, porque esta conteria em si, necessariamente, o reconhecimento da
obrigação principal, da qual o titular é ele. Para reconhecer a existência da obrigação
(acessória) do fiador o juiz terá que passar pelo exame da obrigação (principal) do
afiançado, porque esta é pressuposto daquela. No processo pendente entre o credor e o
fiador, nada disporá o juiz acerca da obrigação principal (ele não poderá condenar o
afiançado, que não é parte no processo), mas a afirmação da existência dessa obrigação
poderá constituir um precedente incômodo para o devedor principal. Nesse sentido é o que se
diz que a existência ou inexistência da obrigação discutida em juízo depende da existência ou
inexistência da obrigação do terceiro”.
163
intervier restar-lhe-á intacta a possibilidade de defender seus
próprios interesses depois, seja exercendo direito de ação ou
defendendo-se; e sempre sem o vínculo da coisa julgada, que não
se estende a quem não haja sido parte no processo (artigo 472 do
Código de Processo Civil). Mas, intervindo, procura evitar o
precedente desfavorável”.407
Como pode se depreender da citação acima o interesse do
assistente deve ser jurídico, sendo certo que o simples interesse econômico ou
de fato não legitima o terceiro a intervir como assistente para ajudar a parte na
demanda em andamento.
É importante ressaltar que aquele que ingressa no processo na
qualidade de terceiro-assistente não tem o poder de alterar o objeto deste, uma vez
que sua atuação se limita à adesão, à pretensão do assistido sem, contudo, propor
nova demanda. Daí, o porquê de em alguns ordenamentos jurídicos a figura ser
denominada de intervenção adesiva, como por exemplo, no direito alemão.
A principal conseqüência para o assistido é de que ele fica
impedido de posteriormente discutir a justiça da decisão, conforme dispõe o
artigo 55 do Código de Processo Civil brasileiro. Ressalte-se que a vinculação
da decisão não se confunde com a coisa julgada, pois, como sabemos, esta
última só incidirá sobre a parte dispositiva da sentença e não sobre os
fundamentos que o juiz utilizou para chegar à conclusão. Por seu turno, o
assistente é atingido, ficando vinculado aos fundamentos da sentença e aos
reflexos que possam causar sobre seus direitos ou obrigações.408
O interveniente adesivo litisconsorcial, como titular do
direito discutido, tem relação com a parte contrária, pois, é o titular do direito
material alegado, objeto da lide com a parte contrária.
407
408
Ibidem, mesma página.
Ibidem, p. 386.
164
Difere a assistência, das demais formas de intervenção de
terceiros, pois, exclusivamente nesta, o interveniente não sofre diretamente os
efeitos da coisa julgada.
Importa, nesta oportunidade, mencionar um interessante
acórdão da 5ª Câmara do 1° Tribunal de Alçada Civil em São Paulo, cujo
relator é o juiz Álvaro Torres Júnior, que entendeu ser o caso de assistência a
possibilidade de intimação de sócios para, querendo, intervir em ação
indenizatória proposta contra sua empresa diante da responsabilidade a eles
imposta, pessoalmente, pelo artigo 28 do Código de Defesa do Consumidor,
que trata da desconsideração da personalidade jurídica.409
Controvérsia também se estabelece entre os autores no
caso do legatário. Pontes de Miranda410 entende que o legatário ingressa na
demanda como parte e não como assistente; Chiovenda,411 em sentido
contrário, entende que o interesse do tabelião é jurídico e não de fato.
5.1.1.1 Da Assistência Adesiva Simples
A doutrina contemporânea distingue duas formas de
assistência: a adesiva simples e a adesiva litisconsorcial.
Ocorre a intervenção adesiva simples na hipótese de o
terceiro intervir no processo com o escopo de auxiliar uma das partes em cuja
vitória tenha interesse, sendo certo que se ocorresse uma decisão contrária à
409
410
411
Agravo de Instrumento n° 1.089.344-8/SP, j. un. 12.06.02, em Boletim da Associação dos
Advogados de São Paulo n° 2.284, 7 a 13 de outubro de 2002, p. 2404-2405.
Francisco Cavalcanti Pontes de Miranda, Comentários ao código de processo civil, p. 239.
Giuseppe Chiovenda, Principii di diritto processuale civili, p. 602.
165
parte assistida, haveria prejuízo a um direito seu que, de alguma maneira,
esteja ligado ao direito do assistido.
A petição em que se formula o pedido de assistência
simples (art. 50, CPC), deverá atender aos requisitos exigidos pelos artigos
282 a 285 do Código de Processo Civil.412 Não presentes as exigências legais,
a hipótese é de indeferimento liminar nos moldes do art. 295, I, II e III do
mesmo Código,413 salvo a hipótese de possibilidade de emenda da inicial, nos
termos do art. 284.
Assim, importa distinguir que na demanda deduzida em
juízo entre o assistido e seu adversário não está em questão nenhum interesse
do assistente, e o atingimento dos efeitos naturais da sentença em seu
patrimônio jurídico é uma questão de fato, pois não existe uma relação
jurídica material, posta em juízo, da qual o assistente faça parte.414
Destaca-se que o interesse que o assistente simples deve
demonstrar não pode ser de cunho exclusivamente moral, econômico ou
político. Deverá ser analisado sob o ponto de vista jurídico.
José Frederico Marques vai buscar a definição desse interesse
jurídico no direito português, que define tal instituto em seu artigo 355 do Código
de Processo Civil: “(...) para que haja interesse jurídico capaz de legitimar a
intervenção, basta que o assistente seja titular de uma relação jurídica cuja
consistência prática ou econômica depende da pretensão do assistido”.415
412
413
414
415
Arruda Alvim, Código de processo civil comentado, p. 46.
Idem, Manual de direito processual civil, p. 137-138.
Cássio Scarpinela Bueno, Partes e terceiros no processo civil brasileiro, p. 138.
José Frederico Marques, Manual de direito processual civil, p. 275. No mesmo sentido, v.
suas Instituições de direito processual civil, p. 253.
166
Pode a sentença atingir em qualquer caso o terceiro, quer
ele houvesse participado do processo, como assistente, quer não. Arruda
Alvim é taxativo em afirmar que os efeitos da sentença se produzem contra o
assistente litisconsorcial, tenha ele ingressado ou não no processo, e, também
ao afirmar que o assistente simples é tocado pelos efeitos da sentença mesmo
que não haja participado do processo.416
Esses efeitos reflexos que a sentença produz contra terceiros
são inexoráveis, atingindo-os irremediavelmente, tenham ou não intervindo na
causa, pois deverão ser tratados como se fossem litisconsortes sob regime
unitário. Também o assistente simples sofre os efeitos da sentença, pois terá sua
relação jurídica afetada em sua consistência prática e econômica.417
Eficácia direta da sentença será aquela cujo efeito é tido
como natural. Assim como existirão eventuais reflexos sobre a relação
jurídica conexa de que faça parte o terceiro legitimado a intervir.
Em linhas gerais, ocorre que os exemplos situam-se numa
esfera de hipóteses nas quais o terceiro, tenha ou não ingressado no processo,
sofreria a eficácia constitutiva da sentença. São hipóteses em que o assistente
se limita a evitar, preventivamente, a formação da sentença adversa ao
assistido, por ter ele interesse na causa, a fim de evitar que a sentença se
vincule em fato contrário ao que lhe interessa. Como também poderá ocorrer
que, paralelo a esse tipo de interesse que legitimou a intervenção do assistente
simples, o terceiro esteja legitimado a intervir adesivamente em casos nos
quais a parte assistida tenha uma ação de regresso contra ele, se resultar a
mesma, vencida na causa.
416
417
Arruda Alvim, Código de processo civil comentado, p. 30.
Ibidem, p. 33-34.
167
Ovídio Araújo Baptista da Silva assevera que ocorrerá
a assistência adesiva simples, nos seguintes casos: a) o ingresso do
subinquilino na ação de despejo proposta pelo locador contra o
inquilino; b) ingresso do fiador na ação entre o credor e o devedor
principal sobre a validade do contrato de empréstimo garantido pela
fiança; c) a intervenção do legatário na demanda entre o herdeiro
legítimo e o testamentário sobre a validade do testamento; d) a
intervenção do tabelião na ação entre os figurantes numa escritura
pública por aquele lavrada, para a declaração de nulidade ou falsidade da
escritura; e) a do segurador na causa movida pela vítima do acidente
contra o segurado causador do dano.418
Quanto à sujeição à sentença, ocorre que na assistência
simples legitimidade o terceiro que possui relação jurídica com uma das
partes e será alcançado negativamente pela decisão se a mesma for
desfavorável a quem ele assiste.
Portanto, o interveniente adentra ao processo buscando a
vitória de seu assistido, visando à não incidência do resultado negativo que
refletirá na relação jurídica que possui com a parte. Assim, o assistente não
se sujeitará à imutabilidade da sentença encoberta pela coisa julgada, pelo
fato de não ser parte.
Porém, o artigo 499, § 1°, do Código de Processo Civil
autoriza-o a interpor recurso, dada a sua condição de terceiro
juridicamente
interessado,
mesmo
que
não
haja
anteriormente ao processo.
418
Ovídio Araújo Baptista da Silva, Curso de processo civil, p. 231-232.
comparecido
168
O que concerne ao assistente simples, o Superior Tribunal
de Justiça já decidiu nos seguintes termos:
“PROCESSO CIVIL. ADMINISTRATIVO. MANDADO DE
SEGURANÇA CONTRA ATO JUDICIAL. SÚMULA 267/STF.
CONCESSIONÁRIA DE SERVIÇO PÚBLICO. TRANSPORTE DE
PASSAGEIROS. ATUAÇÃO COMO LONGA MANU DO ESTADO.
INTERVENÇÃO COMO ASSISTENTE SIMPLES. ART. 52, CPC. 1. O
mandado de segurança não é sucedâneo de recurso, sendo imprópria a
sua impetração contra decisão judicial passível de impugnação prevista
em lei, consoante o disposto na Súmula nº 267 do STF. 2. A decisão
liminar de órgão fracionário dos tribunais enseja agravo, impassível de
ser substituído pelo mandado de segurança. Admitido o writ e denegado,
é lícito ao Tribunal Superior, em recurso ordinário, com ampla
devolutividade, aferir a carência de ação pela impropriedade da via
eleita ab origine. 3. Nos regimes de concessão de serviços públicos as
entidades concessionárias representam uma longa manu do Estado,
certo que as decisões proferidas contra este vale para aquelas. A
concessão, como evidente, não pode ser efetivada com sacrifício dos
comandos constitucionais que regulam o agir do poder concedente.
Destarte, na concessão, a transferência dos serviços, opera-se com as
limitações que atingem o poder concedente, pelo princípio de que memo
plus iuris transfere ad alium potest quam ipse habet (ninguém pode
transferir mais direitos do que tem). Impondo a Constituição Estadual,
por reprodução da Carta Federal (art. 230, CF), limites à concessão,
estes devem ser respeitados, sem admissão de oposição pela
concessionária em razão do próprio regime de submissão que se lhe
impõe. 4. O concessionário age vinculadamente ao poder concedente,
subsumindo-se às determinações emanadas deste poder, em sentido
amplo, donde as decisões proferidas em face do concedente obrigam
também o concessionário. 5. Em conseqüência, tratando-se de concessão
de serviço público -transporte de passageiros- não há litisconsórcio
necessário entre a entidade e o Estado, senão a possibilidade de
intervenção do concessionário no feito como assistente simples,
sujeitando-se aos limites legais estabelecidos para essa modalidade de
intervenção de terceiro. 6. O assistente assume o processo no estado em
que se encontra, sujeitando-se às preclusões operadas em face do
assistido no juízo e foro preventos na forma do art. 109, do CPC. 7.
Deveras, o impedimento à quebra do equilíbrio econômico-financeiro do
contrato é dever do Poder concedente, cuja responsabilidade não pode
ser persequível nem em mandado de segurança autônomo substitutivo de
ação de cobrança, via interditada pela Súmula 269 do STF, nem pelo
viés da intervenção litisconsorcial. 8. Recurso improvido”.419
419
RMS nº 14865/RJ – 1ª T – 2002/0059407-2, Relator Ministro Luiz Fux – j. 08.10.02,
publicado no DJ em 11.11.02, RSTJ vol. 167, p. 79. Neste sentido, decisão do STJ – RMS nº
5872/SP, RMS nº 9004/SP, RMS nº 8441/CE, RMS nº 9103-DF.
169
Concluindo, verifica-se que o assistente simples é a forma
mais pura de intervenção de terceiros, já que é o único terceiro que permanece
nessa condição, mesmo depois de ingressar na lide, pois o assistente não faz
pedido e muito menos defesa, sendo que da sua intervenção no processo não
surge uma outra demanda em que o juiz deva decidir juntamente com a
demanda originária, o que ocorre na denunciação da lide e na oposição.
5.1.1.2 Da Assistência Litisconsorcial
Diferentemente do que ocorre na assistência simples, em
que o interventor não possui interesse jurídico próprio, mas somente será
alcançado pelos reflexos da decisão da lide originária, aqui, na modalidade de
assistência litisconsorcial, o assistente tem interesse jurídico próprio, que
poderia ter deduzido em juízo contra o adversário do assistido, mas não o fez.
Por isso, quando intervém na lide alheia, assume posição igual ao
litisconsorte.
Assim, o assistente intervém porque desfruta, com o
adversário do assistido, a mesma relação jurídica material deduzida em juízo.
São aqueles casos em que não fosse alguma norma de exceção no sistema,
como por exemplo, a legitimação extraordinária, aquele que pretende ser
assistente deveria ter sido ou ser parte, já que ele pede, ou contra ele se pede
alguma coisa em juízo.
Os requisitos da assistência litisconsorcial (art. 54,
parágrafo único) são os mesmos exigidos pela assistência simples, quais
sejam, os contidos nos artigos 282 a 285 do Código de Processo Civil, com as
mesmas ressalvas já mencionadas naquele instituto.
170
O regime jurídico da atuação do assistente litisconsorcial
não se insere no texto do artigo 53 do Código de Processo Civil, que se aplica
somente aos casos de assistência simples, mas está mais próximo do
litisconsórcio unitário, isto para não dizer que é idêntico, a ele. Daí decorre o
entendimento de que na assistência litisconsorcial todo ato de disposição
praticado pelo assistido, sem o consentimento do assistente litisconsorcial,
será considerado ineficaz, diante da aplicação sistemática do art. 48 do
Código de Processo Civil, posto que nos casos de assistência litisconsorcial,
assistente e assistido tendem a desfrutar da mesma relação jurídica em face da
parte contrária.420
Exemplificando, podemos citar: os credores ou devedores
solidários (art. 267 e 277 do Código Civil); os fiadores (art. 818 do Código
Civil); os condôminos na defesa da coisa comum (art. 1.314 do Código Civil);
os herdeiros na defesa dos bens da herança possuídos injustamente por
terceiro (art. 1.719 c/c 1.314 do Código Civil); o adquirente ou cessionário do
bem litigioso que não seja autorizado a suceder o alienante ou cedente na
relação processual (Código de Processo Civil, art. 42, § 2°) e, no antigo
Código Civil, a mulher na ação em que se discutiam os bens dotais (Código
Civil de 1916, art. 289, III).
Todavia, como assevera Cássio Scarpinela Bueno,421 não
significa que, nesses casos, o assistente não tenha relação jurídica no plano do
direito material com o assistido, atual ou potencial, posto que ela também
existe. A diferença da assistência simples é que nesta a relação jurídica é
irrelevante para fins da intervenção assistencial, uma vez que os efeitos que
justificam a intervenção se irradiam diretamente da relação jurídica que existe
420
421
Cássio Scarpinela Bueno, Partes e terceiros no processo civil brasileiro, p. 151.
Ibidem, p. 218.
171
entre o assistente e o adversário do assistido; ressalte-se: que já está deduzida
em juízo422 e também diz respeito ao assistente.
A doutrina indica a existência de duas espécies de
assistentes litisconsorciais: aquele que poderia ter sido litisconsorte
facultativo, em caso de litisconsórcio facultativo unitário, e aquele que, apesar
de ter legitimidade ad causam, não pode, por alguma razão, ser parte.
Luiz Rodrigues Wambier423 cita o exemplo do adquirente
de bem litigioso que, apesar de afirmar ser o titular de direito material sobre o
bem, objeto material do processo, não pode ser parte, salvo se o autor
concordar. Em casos como esse, ou o autor, ou o adquirente, será titular, mas
não o primitivo réu.
Seguindo esse raciocínio, o Superior Tribunal de Justiça já
decidiu:
“INTERVENÇÃO DE TERCEIRO. Assistente. ANATEL. Justiça
Federal. Agravo de instrumento. O pedido de assistência pode ser
formulado pelo terceiro quando do processamento do agravo de
instrumento em segundo grau. Art. 50, parágrafo único, do CPC.
Fundamentado o pedido feito pela Anatel, que é autarquia federal,
cabe à Justiça Federal decidir sobre a sua intervenção (Súmula nº
150/STJ). Recurso conhecido e provido”.424
422
423
424
À falta deste requisito, o Superior Tribunal de Justiça já teve oportunidade de indeferir o
ingresso de assistente em mandado de segurança em que se questionava licitação pública. É a
seguinte a ementa do julgado: “Processo civil. Licitação pública. Assistência litisconsorcial.
Requisitos. Artigo 54 do Código de Processo Civil. 1. Na assistência litisconsorcial, também
denominada qualificada, é imprescindível que o direito em litígio, sendo também do
assistente, confira a este legitimidade para discuti-lo individualmente ou em litisconsórcio
com o assistido. 2. Insatisfeito esse requisito, não há como deferir-se o pedido de admissão no
feito dos requerentes. 3. Recurso Especial não conhecido” (STJ – 2ª T. – Resp. n°
205.249/MG – Rel. Min. Peçanha Martins – j. un. 20.03.01, DJU 04.06.01).
Luiz Rodrigues Wambier, Curso avançado de processo civil, p. 252.
STJ – Resp. nº 471084/MG – 4ª T – 2002/0132424-0 – Rel. Min. Ruy Rosado de Aguiar – j.
17.06.03, publicado no DJ em 12.08.03.
172
5.1.1.3 Legitimidade da Assistência Listisconsorcial
Quanto à legitimidade, Redente425 expõe que em relações
subjetivas plúrimas, quando deferida pela lei material a possibilidade de
cada titular buscar seu reconhecimento, está-se na presença de uma
colegitimação, sendo cada um dos titulares do direito ou da obrigação
legitimados para colocá-la em juízo. Exemplifica o autor com a ação em
que um condômino reivindica contra o posseiro. A intervenção de outro
condômino a reclamar perante o mesmo posseiro forma um cúmulo de
demandas paralelas, os dois condôminos contra o réu, ou seja, a cumulação
subjetiva de ações.
Ovídio Araújo Baptista da Silva ensina que:
“Nem a lei e nem a doutrina esclarecem com segurança qual a
natureza específica dessa influência, distinguindo com nitidez,
se também na assistência litisconsorcial como na simples, a
projeção da sentença sobre a relação jurídica existente entre o
interveniente e uma das partes se daria sob forma de
interferência de alguma eficácia da sentença, ou se a indicada
influência há de ser equivalente ao efeito próprio da coisa
julgada”.426
Edson Prata entende que:
“(...) o emprego do verbo influenciar significa ser diretamente
eficaz: utilizando-se da palavra influir, deixou claro o legislador
que a esfera jurídica do assistente litisconsorcial é atingida pela
sentença, pela sua parte dispositiva revestida pela autoridade da
coisa julgada”.427
425
426
427
Enrico Redenti, Derecho procesal civil, p. 254. Quanto à Competência da Justiça Federal,
confira-se ainda, decisão do STJ, Resp. nº 92052/RJ.
Ovídio Araújo Baptista da Silva, Curso de processo civil, p. 236.
Edson Prata, Intervenção de terceiros, p. 61.
173
Portanto, ocorre a assistência qualificada ou litisconsorcial
quando a decisão da lide seja capaz de influir imediatamente sobre a relação
jurídica em que o terceiro é sujeito.428
5.1.1.4 Posição do Interveniente
A forma capaz de fazer uma distinção entre o chamado
litisconsórcio facultativo unitário e a intervenção litisconsorcial é pela questão
cronológica. Se houver associação de co-legitimados visando à propositura
em conjunto da lide, ou figurando os mesmos como réus na lide comum,
estar-se-á diante de um litisconsórcio. Se figurar na ação como autor apenas
um deles e, em momento posterior, vier a se associar a outro titular de direito,
estar-se-á configurada a assistência adesiva litisconsorcial.429
Ovídio
Araújo
Baptista
da
Silva,
citando
Piero
Calamandrei, menciona que:
“(...) se o terceiro que figura como assistente litisconsorcial se
associa desde o início ao autor, será tido e havido por verdadeiro
litisconsorte; e o momento de ingresso na causa, o simples fato
cronológico, certamente não poderá transformar o litisconsorte em
terceiro, de tal modo que, havendo demanda comum ou conexa
entre assistente e assistido, eles seriam entre si litisconsortes se em
conjunto ingressassem em juízo, como demandantes deixando de
sê-lo o interveniente se, ao invés de figurar na petição inicial,
ingressasse no processo em momento posterior”.430
A partir do momento em que é admitido como assistente
no processo, atua em juízo com maior ou menor liberdade, de acordo com a
espécie de assistência, adesiva ou litisconsorcial.
428
429
430
José Carlos Barbosa Moreira, A garantia do contraditório na atividade de instrução, p. 26.
Arruda Alvim, Código de processo civil comentado, p. 12.
Piero Calamandrei, apud, Ovídio Araújo Baptista da Silva, Curso de processo civil, p. 20.
174
Segundo ensina Athos Gusmão Carneiro:
“Nos casos de assistência litisconsorcial, o assistente atua
processualmente como se fosse um litisconsorte do assistido,
aplicando-se-lhe de regra o disposto no art. 48 do Código de
Processo Civil: Salvo disposição em contrário, os litisconsortes
serão considerados, em suas relações com a parte adversa, como
litigantes distintos; os atos e as omissões de um não prejudicarão
nem beneficiarão os outros”.431
Tendo em vista sua equiparação a um litisconsorte (art. 54
do Código de Processo Civil), o interveniente acaba por ter uma posição
independente da parte principal no que se refere aos poderes processuais,
sendo lícito que requeira provas, recorra, prossiga no processo, etc., ainda que
a parte principal se oponha.432
Porém, como o assistente litisconsorcial não é parte, não
poderá efetuar o reconhecimento do pedido, modificar o objeto da lide,
reconvir, etc.
O entendimento de Arruda Alvim433 é contrário, pois entende
que o art. 53 do Código não se aplica ao assistente litisconsorcial, mas somente ao
adesivo simples, vez que o art. 54 do Código Processual brasileiro autoriza a
conclusão de que se equipara o assistente litisconsorcial ao litisconsorte.
Alguns autores434 consideram o assistente como parte com
base no próprio texto interpretado a contrario sensu (arts. 52 e 53). Todavia, o
431
432
433
434
Athos Gusmão Carneiro, Intervenção de terceiros, p. 160.
Adolf Schonque, Direito processual civil, p. 131.
Arruda Alvim, Código de processo civil comentado, p. 72.
Hélio Tornaghi, Comentários ao código de processo civil, p. 223; José Frederico Marques,
Manual de direito processual civil, p. 297; José Carlos Barbosa Moreira, Comentários ao
código de processo civil, p. 328-329.
175
fato de ser usada na lei, em seu artigo 52, a expressão parte principal não
pode levar à conclusão segura de que tecnicamente o assistente simples é, sob
a ótica substancial, ou sob a processual uma parte, tal como o é o autor ou o
réu.
Distinção se faça ao fato de que na assistência simples,
embora o assistente não peça nada para si, é correto que a própria lei admite a
nomenclatura parte não principal. Ao contrário, na assistência litisconsorcial,
disciplinada pelo artigo 54 do CPC, tem-se uma figura que mais se aproxima
da idéia de parte, já que a esta se aplica o regime de um litisconsorte sob a
ótica processual; além da circunstância conseqüente este último também é
atingido, substancialmente, pela eficácia da sentença e autoridade da coisa
julgada.435
Os poderes do assistente simples, de acordo com a lei (art.
52 do CPC), identificam-se com os das partes. Sobretudo, esta assertiva
somente poderá ser entendida e corretamente dimensionada à luz dos limites
impostos à assistência simples, pelo art. 52, limites esses diversos e mais
estritos do que os traçados ao assistente litisconsorcial.436
5.1.2 Da Assistência no Código de Defesa do Consumidor
A doutrina brasileira é unânime437 em afirmar que o
microssistema de defesa ao consumidor não permite e nem se coaduna com a
possibilidade de intervenção de terceiros em processos em que o consumidor
435
436
437
Arruda Alvim, Manual de direito processual civil, p. 129.
Ibidem, mesma página.
Neste sentido: Antônio Gidi, Assistência em ações coletivas, p. 269; Hugo Nigro Mazzilli, A
defesa dos interesses difusos em juízo, p. 126-130.
176
pleiteia, em relação ao fornecedor, indenização por danos causados por
produtos ou serviços. A exceção é o chamamento ao processo, previsto no
art.101, II, da lei consumerista, que será objeto de estudo em tópico exclusivo.
Leva-se em consideração que um dos mais importantes princípios que
informam a Lei nº 8.078/90 (Código de Defesa do Consumidor) é o da
vulnerabilidade do consumidor e o seu efetivo acesso à justiça, com a
resolução rápida e eficaz das demandas em que é parte.
Como já salientamos alhures, o microssistema de defesa ao
consumidor surgiu da necessidade de harmonizar as relações de consumo
entre fornecedores e consumidores, tornando essas relações mais eqüitativas,
e dispensando ao consumidor tratamento diferenciado, levando-se em conta
sua vulnerabilidade decorrente, entre outras causas, da necessidade do
consumo, além do restrito acesso à informação e pouca cultura da grande
massa de cidadãos de nosso país, o consumidor típico.
Observe-se, ainda, que as relações de consumo são
fundadas na responsabilidade objetiva,438 única exceção feita aos profissionais
liberais na qualidade de prestadores de serviços (art. 14, parágrafo único), que
somente responderão por danos decorrentes da prestação de serviços se
agirem com culpa, ou exercerem atividade de meio ou de resultado. Atividade
de meio é aquela em que não se promete resultado como, por exemplo, o
exercício da advocacia, em que o causídico se propõe a utilizar a melhor
técnica para obter resultado vencedor para seu cliente. Já a atividade de
resultado é aquela em que o profissional se compromete a um determinado
438
Artigo 12, caput, do Código de Defesa do Consumidor: “O fabricante, o produtor, o
construtor, nacional ou estrangeiro, e o importador respondem, independentemente da
existência de culpa, pela reparação dos danos causados aos consumidores por defeitos
decorrentes de projeto, fabricação, construção, montagem, fórmulas, manipulação,
apresentação ou acondicionamento de seus produtos, bem como por informações insuficientes
ou inadequadas sobre sua utilização e riscos”.
177
resultado. Podemos citar como exemplo, a realização exames radiológicos nos
quais o médico se compromete a emitir um laudo correto.
A finalidade da restrição de intervenção de terceiros em
relações processuais entre consumidores e fornecedores decorre da
necessidade de o consumidor ver, prontamente, seu direito à indenização
reconhecido, sem que se necessite aferir sobre culpa imputada ao fornecedor
e, principalmente, sem a dilação que as modalidades de intervenção de
terceiros acarretam ao processo.
Conforme pode se observar do art. 6°, VI, do Código de
Defesa do Consumidor, os direitos básicos do consumidor são enumerados,
dentre eles a prevenção e a efetiva reparação dos danos por ele sofridos, tanto
patrimoniais como morais. O Código é informado pelos princípios da
responsabilidade objetiva, indenização integral dos danos sofridos que
derivem de ilícito contratual ou extracontratual e pela cumulatividade de
indenizações por dano patrimonial.
Levando-se em consideração a constituição do Código de
Defesa do Consumidor em um microssistema autônomo, composto de regras
que têm a finalidade de disciplinar as relações existentes entre fornecedores e
consumidores, conclui-se que as normas de direito processual civil somente se
aplicarão às relações de consumo se não vierem a contrariar as disposições e
os princípios que norteiam esse microssistema. Qualquer norma processual
que retarde ou impossibilite, mesmo em parte, a efetiva e célere tutela
específica a que o consumidor tem direito, deve ser afastada e, portanto, não
aplicada nas relações de consumo, a não ser em casos de lacuna na lei
consumerista, e, ainda assim, no que não colidir com seus princípios,
conforme dispõe o art. 90 do Código in verbis:
178
“Artigo 90: Aplicam-se nas ações previstas neste Título (Da defesa
do consumidor em juízo) as normas do Processo Civil e da Lei nº
7.347/85, inclusive no que respeita ao inquérito civil, naquilo que
não contrariar suas disposições”.
Conforme já explicitado, o instituto da assistência no
direito brasileiro é permitido para aquele que tenha interesse jurídico em ver
seu assistido ser vencedor na lide em andamento com a possibilidade de
assistí-lo e ajudá-lo a sair-se vencedor na demanda, haja vista que os reflexos
da sentença poderão alcançar seus direitos ou obrigações (assistência
adesiva), assim como para aquele que poderia estar em um dos pólos da ação
e não está (assistência litisconsorcial). No presente estudo, só se falará em
caso de assistente litisconsorcial quando o terceiro faça parte da cadeia de
fornecedores e um deles esteja sendo demandado pelo consumidor.
O
Código
de
Defesa
do
Consumidor
impõe
a
responsabilidade solidária, a todos os fornecedores, pela reparação dos danos
causados aos consumidores. É de se perguntar se não seria possível, havendo
mais de um fornecedor na relação de consumo, que, somente, um deles esteja
sendo demandado, (por opção do consumidor), pois, de acordo com o instituto
da solidariedade, o credor da obrigação pode exigir de um, alguns ou de todos
os devedores, a totalidade da assistência que os demais possam vir a oferecer
ao demandado, visto que sofrerão os reflexos da decisão.
É importante frisar que, em momento algum, o CDC se
manifesta em relação à assistência, nem para negar sua possibilidade, nem
para admitir sua utilização nos processos relativos a relações de consumo.
Um dos raros autores que se manifestaram sobre a
possibilidade de intervenção de terceiros nas lides de consumo é Adriano
Perácio de Paula, que afirma:
179
“Cientificado da existência do processo, pode vir o terceiro, o
fabricante de um produto colocado no mercado de consumo, por
exemplo- e, portanto, responsável solidário com o fornecedor- a
colaborar para que a decisão não imponha alguma pena a este, ou
até mesmo definir qual das excludentes de responsabilidade
previstas no parágrafo 3 do artigo 12 do Código de Defesa do
Consumidor, ou uma condenação mais branda. Além disso, num
mesmo ato- a notificação- o fornecedor que esteja sendo
demandado, pode, ao obter uma resposta de atuação do notificado:
a) resguardar os limites de sua responsabilidade; b) assegurar
antecipadamente o direito de regresso;c)trazer elementos de prova
que, ordinariamente, não possuiria se estivesse a atuar de forma
isolada”.439
Ora, se o consumidor optou por propor a ação somente em
relação a um dos fornecedores, abdicando da possibilidade do litisconsorte
passivo, por lhe ser mais conveniente, seria lícito aos fornecedores impor-lhe
uma demanda nos termos da assistência?
Por tudo o que já foi exposto, principalmente no que
toca ao direito do consumidor em obter uma decisão rápida e eficaz, sem
dilações e, ainda, a responsabilidade objetiva que norteia as relações de
consumo (portanto, sem aferição de culpa, exigindo-se somente o nexo de
causalidade entre o produto ou serviço e o dano causado, assumindo o
risco da atividade), a resposta teria que ser negativa, pois nenhuma
vantagem adviria ao consumidor com a intervenção do assistente à lide
em andamento, entre o consumidor e o fornecedor escolhido para nela
figurar no pólo passivo.
No caso de assistência litisconsorcial, o interesse jurídico
do assistente se mostra de forma clara e aguda, isto porque o que está em
discussão no processo é uma indenização pleiteada contra um dos devedores
solidários de eventual obrigação e, caso o devedor escolhido se torne vencido
439
Adriano Perácio de Paula, Direito processual do consumo, p. 155.
180
na ação, tem este o direito de cobrar a parcela no evento, pois nesses casos o
Código Civil estabelece que, em obrigação solidária, aquele se satisfizer o
crédito poderá cobrar dos demais o quinhão respectivo.
Situação interessante, e que ainda não foi objeto de estudo
pela doutrina, decorre da conjugação do art. 12 do Código, que prevê, em
casos de danos causados pelo fato aos consumidores do produto ou serviço, o
fabricante, o produtor, o construtor, nacional ou estrangeiro, e o importador
respondem, independentemente de culpa, pela reparação dos danos causados,
com o art. 13, que estabelece que o comerciante é igualmente responsável,
nos termos do art. 12, quando os elencados no art. 12 não puderem ser
identificados, ou o produto for fornecido sem identificação clara de seu
fabricante, produtor, construtor ou importador, estabelecendo, também, que
aquele que efetivar o pagamento ao prejudicado poderá exercer o direito de
regresso contra os demais responsáveis, segundo sua participação no evento
danoso.
Ao realizarmos uma análise mais profunda da conjugação
dos dois artigos em comento, é possível visualizar uma situação em que a
ocorrência da assistência litisconsorcial poderá ser benéfica ao consumidor,
trazendo-lhe efetiva possibilidade de indenização, como preconiza o
microssistema.
O mesmo não se pode afirmar tratando-se de assistência
simples, pois essa forma de intervenção em nada poderia favorecer o
consumidor, mas somente faria com que o processo tivesse demora indesejável.
Imaginemos um consumidor que tenha adquirido um
produto de um pequeno comerciante e que o produto tenha lhe causado dano,
181
porém, o fabricante do produto não pode ser identificado desde logo. O
consumidor propõe a ação indenizatória em relação ao comerciante, porém já
sabe que o mesmo não possui condições financeiras de indenizá-lo. Não será
aceitável que se permitia o ingresso do fabricante como assistente
litisconsorcial para se defender e provar que o dano carece de nexo de
causalidade com o produto, ou que ocorreu culpa exclusiva da vítima ou de
terceiro? Qual o prejuízo que restará ao consumidor, se já é sabida a
insuficiência financeira do comerciante para indenizá-lo, caso seja aquele
vencedor na lide?
Parece-nos que é o típico caso em que a intervenção do
assistente litisconsorcial, o produtor do determinado bem, vem beneficiar a
possibilidade de tutela jurisdicional do consumidor, haja vista que no caso de
assistência litisconsorcial, aquele que intervém está sujeito aos efeitos da
sentença agasalhada pela coisa julgada e, portanto, será obrigado a indenizar o
consumidor.
Assim, tem-se que a coisa julgada afetará o assistente
litisconsorcial não porque ele é assistente litisconsorcial, ou porque ele
poderia ter pretendido ser. Afeta-o, sim, porque a relação jurídica de direito
material que titulariza está sendo discutida em juízo, e, por exceção, ele não
pode, não pôde ou não precisa estar em juízo para tutelar o seu direito.440
5.1.3 Da Oposição no Código de Processo Civil
A oposição tem origem no direito germânico.
440
Cássio Scarpinela Bueno, Partes e terceiros no processo civil, p. 164.
182
No direito romano, o iudicium se estabelecia entre as
partes e o juiz da causa, de tal forma que a sentença proferida somente
produziria efeitos mediante as partes e não a terceiros.
Assim, diversa era a estrutura do juízo e as conseqüências
no processo germano-bárbarico. Existia o juízo universal. A assembléia do
povo decidia os litígios que lhes eram submetidos em praça pública, de tal
forma que a sentença produza efeitos não somente em relação às partes, mas
em relação a todos que dela participavam e tomavam conhecimento. Desse
modo, terceira pessoa que se considerasse detentora do direito ou da coisa,
objeto de litígio entre outras partes, deveria intervir no processo, visando
excluí-las e, desse modo, evitando ficar sujeita ao que entre elas se decidisse.
A origem da oposição consistia na intervenção de terceiros num processo
entre outras partes, no qual existia uma pretensão incompatível com as destas,
objetivando excluí-las.441
Tomando o corpo de intervenção no processo das partes,
tal instituto ingressou no direito canônico e no direito comum – direito
italiano medieval. No direito italiano, influenciado pelo direito medieval, a
oposição, deixou de lado ser figura de intervenção de terceiro no processo das
partes e assumiu o caráter de ação autônoma de terceiro contra ambas as
partes, todavia paralela e separada da ação entre elas. No direito
contemporâneo, França e Itália adotam o sistema germânico primitivo, no
qual a oposição é denominada intervenção principal, consistente na
intervenção de terceiro no processo das partes. Na Alemanha, institui-se a
intervenção como ação autônoma do terceiro contra as partes de demanda
pendente.442
441
442
Moacyr Amaral Santos, Primeiras linhas de direito processual civil, p. 41.
Ibidem, mesma página.
183
O direito português herdou o instituto do direito comum e
do direito canônico. As Ordenações em seu livro 3°, título 20, § 31,
agasalhavam a oposição: “(...) vindo o opoente com seus artigos de oposição
excluir assim o autor, como o réu, dizendo que cousa demandada lhe
pertence, e não a cada uma de ditas partes (...)”. Fixou-se também no direito
brasileiro, no qual disciplinaram o Regulamento nº 737, de 1850, no artigo
118 e seguintes, os códigos estaduais e, mais tarde o Código de Processo Civil
brasileiro, nos artigos 102 a 105.443
No direito alemão, a figura da oposição é denominada
intervenção principal, no § 64, da ZPO, que estabelece que quem pretender
para si, no todo ou em parte, a coisa ou direito sobre o qual se funda um
litígio entre duas pessoas, pode exercitar sua ação por meio de uma demanda
contra as duas partes do processo pendente.444
No direito pátrio, a oposição ocupa lugar em qualquer tipo
de processo contencioso, desde que preenchidos seus pressupostos, quais
sejam: 1) litispendência do processo principal; 2) que a pretensão do opoente
objetive a coisa ou direito sobre o qual discutem autor e réu. E essa pretensão
terá causa petendi diversa da do autor e diferente do fundamento da defesa do
réu, bastando que, das posições de ambos, seja incompatível à pretensão com
as quais o opoente não poderá conviver juridicamente; 3) que se observe o
momento da dedução da oposição, pois este influi no procedimento da
mesma: a) se deduzida antes da audiência, o regime jurídico será o da plena
unidade procedimental (art. 59), havendo julgamento prejudicial da oposição
(art. 61) e, aqui, será realmente uma oposição, b) se oferecida depois de
iniciada a audiência, o julgamento da oposição será realizado, em regra, sem
443
444
Ibidem, mesma página.
Adolf Schonke, Direito processual civil, p. 136.
184
prejuízo do julgamento do processo principal, embora possa o juiz sobrestar o
andamento do mesmo, por um prazo de até 90 dias, para que ocorra o
julgamento da causa principal e da oposição nos autos do processo principal
(art. 60), c) só pode ser admitida oposição até ser proferida a sentença de
pimeiro grau (artigo 56, que alude à sentença como termo final).445
Também deverão ser observadas as disposições contidas
nos artigos 282 e 283 do Código de Processo Civil e, por ser a oposição uma
ação típica, também terá aplicação o artigo 284 do mesmo Códex. Todavia, é
esta uma providência facultativa, da qual a parte poderá ou não lançar mão em
conformidade com seu livre arbítrio,446 vez que no direito brasileiro não existe
a chamada oposição provocada existente no artigo 347 do Código de Processo
Civil português,447 nem o litígio entre pretendentes do direito alemão (§ 75,
ZPO), o qual engloba elementos comuns à oposição e à nossa ação de
consignação em pagamento quando se fundar no artigo 335, IV, do Código
Civil (artigo 898 CPC).
No atual Código de Processo Civil brasileiro, encontra-se a
oposição encartada no Livro I (Do Processo de conhecimento), Título II (Das
partes e dos Procuradores), Capítulo VI (Da intervenção de terceiros), Seção
I, artigos 56 a 61.
Segundo Rosenberg,448 a finalidade da oposição, instituto
de rara utilização prática no direito brasileiro, é assegurar as vantagens da
economia processual, dando oportunidade a que o opoente se valha do
processo já instaurado para nele incluir a sua demanda, excludente da
445
446
447
448
Arruda Alvim, Manual de direito processual civil, p. 144.
Celso Agrícola Barbi, Comentários ao código de processo civil, p. 313.
Hélio Tornagli, Comentários ao código de processo civil, p. 241.
Leo Rosenberg, Tratado de derecho procesal civil, p. 96.
185
demanda proposta pelo autor da ação principal ou da reconvenção apresentada
pelo réu, contra a qual também pode se opor.
Tal instituto constitui-se em uma demanda mediante a qual
terceiro deduz em juízo pretensão incompatível com os interesses conflitantes
do autor e do réu de um processo cognitivo pendente.449
Ocorre que esse conceito engloba pontos essenciais da
teoria da oposição e todos os seus aspectos integrantes, a saber: a) a oposição
como demanda, com que o seu autor vem a juízo pedir algo para si; b) a
qualidade de terceiro que, obviamente, o autor da oposição deixa de ter,
tornando-se parte a partir do momento em que intervém em processo alheio;
c) a incompatibilidade substancial de interesses; d) a litispendência inter
alios; e) a pertinência exclusiva ao processo de conhecimento; o que permite
f) a distinção entre a oposição interventiva, que se faz ingressando em
processo pendente entre os opostos, e a autônoma, que dá origem a um novo
processo.450
No ensinamento de Barbosa Moreira451 a oposição de que
trata o Código de Processo Civil de 1973, tal qual a do sistema anterior,
repousa sobre um pressuposto que consiste na pretensão de terceiro quanto à
coisa ou direito controvertido.
Sintetizando, a oposição é uma demanda mediante a qual
terceiro deduz, em processo pendente, fundamentos pelos quais a coisa ou o
direito discutidos entre o autor e o réu lhe pertence. Ou seja, é uma ação que
será movida contra o autor e contra o réu, por uma pessoa que não é parte na
449
450
451
Cândido Rangel Dinamarco, Intervenção de terceiros, p. 37.
Ibidem, p. 37-38.
José Carlos Barbosa Moreira, Estudos sobre o novo código de processo civil, p. 79.
186
demanda, para que se reconheça o direito real ou pessoal sobre aquele bem,
objeto do litígio em curso.452
A oposição tem como pressuposto legal a existência de
ação principal, pois ocorrendo desistência, com homologação judicial, o
pedido de oposição deve ser indeferido, conforme já reconhecido pela
jurisprudência (RT nº 584:97).
Nesse sentido, ressalva seja feita à decisão do Superior
Tribunal de Justiça na qual:
“PROCESSUAL
CIVIL.
OPOSIÇÃO.
JULGAMENTO
SIMULTÂNEO COM A CAUSA PRINCIPAL. INVERSÃO DA
ORDEM DE CONHECIMENTO DOS PEDIDOS. ART. 61 DO
CPC. NULIDADE. INEXISTÊNCIA. APLICAÇÃO DO PRINCÍPIO
DA INSTRUMENTALIDADE DAS FORMAS. 1. Não obstante
tenha sido a causa principal decidida antes da oposição, em
afronta a letra do art. 61 do CPC, a sentença deu a cada parte o
que lhe era de direito. Apesar de não obedecida a forma, criada,
aliás, por uma questão de lógica, o fim visado pelo dispositivo foi
atingido. Aplicação do princípio da instrumentalidade das formas.
2. Recurso não conhecido”.453
Porém, há julgados no sentido de que a oposição é ação
autônoma, independente da ação primitiva, pois com ela o opoente quer fazer
valer direito próprio, incompatível com o das partes (RT nº 599:63).
A oposição processa-se da seguinte forma: na ação de
oposição, o terceiro, já agora opoente, é autor e apresentará a petição inicial
452
453
José Roberto dos Santos Bedaque, Código de processo civil interpretado, p. 164. Neste
sentido: Arruda Alvim, Manual de direito processual civil, p. 142-143; José antonio Pancotti,
Elementos do processo civil de conhecimento, p. 109-110; Nelson Godoy Bassil Dower, Curso
básico de direito processual civil, p. 231-232; Vicente Greco Filho, Direito processual civil
brasileiro, p. 134-136; Manoel Antonio Teixeira Filho, Intervenção de terceiros, p. 08-14.
STJ – Resp. nº 420216/SP – 6ª T. – 2002/0030726-9 – Rel. Min. Fernando Gonçalves – j.
01.10.02, publicado no DJ de 21.10.02.
187
sob os requisitos do artigo 282 do Código de Processo Civil, instruída com os
documentos em que fundamenta sua pretensão (art. 283, CPC). A ação de
oposição será distribuída por dependência (art. 109, CPC) ao juízo da ação
pendente, e apensada aos autos principais.
Na ação de oposição são réus, em litisconsórcio necessário,
o autor e o réu da ação principal, como opostos. Não se cuida, todavia, de
litisconsórcio unitário, uma vez que o juiz não decidirá a lide de modo
necessariamente idêntico em relação aos opostos. Ressalte-se que o Código
processual abre uma exceção à regra de que a citação deve ser feita
pessoalmente ao réu (ou a procurador do réu com poderes para receber
citações, inteligência dos arts. 38 e 215 do CPC), pois prevê a citação dos
opostos “(...) na pessoa de seus respectivos advogados” (art. 57, CPC). Desse
modo, é irrelevante que a estes tenham sido outorgados poderes especiais para
receberem citações iniciais.454 Todavia, se o réu for revel na ação principal,
sua citação se processa pessoalmente (art. 57, parágrafo único, CPC).
Os opostos terão prazo comum de 15 dias para contestar a
oposição (art. 57, CPC). E após a audiência preliminar e as atividades de
saneamento, caso necessárias, o juiz determinará a instrução conjunta da ação
principal e da ação da oposição, nos autos da ação principal, “(...) sendo
ambas julgadas pela mesma sentença” (art. 59, CPC).455
O magistrado, julgando em primeiro lugar a oposição, dirá
se são procedentes ou não as pretensões do opoente sobre a coisa ou o direito,
objeto da demanda. Se procedente totalmente a oposição, se a coisa, portanto,
cabe a ‘C’, e não a ‘A’, nem a ‘B’, então, necessariamente, se apresenta
454
455
Neste sentido: Celso Agrícola Barbi, Comentários ao código de processo civil, p. 363.
Athos Gusmão Carneiro, Intervenção de terceiros, p. 73.
188
improcedente a pretensão exposta na ação principal de ‘A’ contra ‘B’. Assim,
se dará a procedência da oposição e a improcedência da ação. Todavia,
quando improcede a oposição, o juiz dirá, na ação principal, se a coisa ou o
direito controvertido irá tocar ao autor ou ao réu, ou seja, julgará procedente
ou improcedente o pedido do autor. Possível também será a procedência
parcial da oposição e a procedência parcial da ação principal, podendo,
inclusive, em ambas as ações, ocorrer a antecipação dos efeitos da tutela se
presentes os respectivos pressupostos.456
Se, entretanto, a oposição for oferecida após iniciada a
audiência, a hipótese não mais se apresentará, a rigor, como intervenção de
terceiros. Apesar de ser distribuída por dependência, ela será um processo
autônomo, sob procedimento ordinário, processando-se, instruindo-se e
julgando-se sem que haja prejuízo da causa principal (art. 60, CPC).
Com efeito, pode o juiz suspender, em até 90 dias, o
andamento do processo principal, esperando-se que o processo da oposição
alcance rapidamente uma fase procedimental que permita a reunião dos
processos e o julgamento conjunto de ambas as ações, com vistas à economia
e simplificação processual. Se o processo da oposição tiver andamento
retardado, o juiz deverá julgar a ação e, mais tarde, julgará a oposição.
A ação da oposição somente poderá ser oferecida até que
seja proferida a sentença (juízo de 1° grau) do processo principal. Ocorre que
se a sentença já houver sido proferida, não mais será cabível seu ajuizamento,
devendo a pessoa interessada no objeto da lide ajuizar a demanda que
entender adequada.
456
Ibidem, mesma página.
189
Acrescente-se, ainda, que a oposição não é cabível em
todas as demandas, sendo somente possível em processo de conhecimento,
pelo rito comum ordinário, bem como nos procedimentos especiais que, após
contestados, adotam o rito ordinário.457
Ressalte-se ser incabível a oposição no processo de
execução. Em execução de sentença também é inadmissível a intervenção de
terceiros, após proferida a sentença. Em se tratando de título extrajudicial, a
oposição é afastada, inclusive, pela absoluta incompatibilidade de
procedimentos.458
Também não cabe a oposição no processo perante os
Juizados Especiais, como dispõe o art. 10 da Lei n° 9.099/95, e nas demandas
sob procedimento sumário, a teor do que dispõe o art. 280 do Código de
Processo Civil, com redação dada pela Lei n° 10.444/02.
5.1.3.1 Do Procedimento da Oposição
O opoente formulará uma pretensão que será dirigida às
partes do processo originário, porque ele se considera como titular do domínio
ou qualquer outro direito real sobre a coisa, que é incompatível com aquele
pretendido pelas partes. Assim, em demanda reivindicatória, o terceiro
poderá, fundado em qualquer dos meios de aquisição da propriedade,
apresentar pedido de reconhecimento desse direito, em prejuízo das razões
que as partes sustentam.459
457
458
459
Ibidem, mesma página.
Neste sentido: Arruda Alvim, Código de processo civil comentado, p. 110; Celso Agrícola
Barbi, Comentários ao código de processo civil, p. 356-357.
Ibidem, p. 164-165.
190
A oposição também será admissível se o terceiro pretender
que se reconheça a titularidade sobre o direito pessoal controvertido no
processo. O crédito, cuja satisfação é pretendida pelo autor e negada pelo réu,
pode ser pleiteado pelo opoente, fundando-se no fato de ser o mesmo
cessionário, por exemplo.460
É correto afirmar que a oposição é uma ação, contudo,
aplicando-se o princípio da economia processual se embute a oposição dentro
de uma outra ação, o que vem a caracterizar a forma intervencional.461
Hermann Roenick, parafraseando Pontes de Miranda,
menciona que:
“(...) o opoente exercita sua ação, significando pretensão própria e
pede o que está em contradição com o que o autor da ação
ajuizada pede e o réu, nela, contesta, e com o que o réu por sua vez
afirma, defendendo-se”.462
O sistema de oposição italiano tem origem em instituto do
direito germânico, verdadeira intervenção no processo que, por seu turno,
diverge do modo como tal sistema fora desenvolvido no direito comum
italiano, e mais se assemelha ao ordenamento alemão.463
Os exemplos mais usuais que podem ser citados são todos
de natureza patrimonial, de cunho real ou pessoal: em demanda relativa à
propriedade de certa coisa, terceiro ajuíza oposição, alegando seu direito
460
461
462
463
Ibidem, mesmas páginas.
Hermann Roenick, Intervenção de terceiros: a oposição, p. 36.
Ibidem, mesma página.
Giuseppe Chiovenda, Principii di diritto processuale civili, p. 703-704; Fairén Guillén,
Estudios de derecho procesal, p. 177-186; Enrico Tullio Liebman, Manualle di diritto
processuale civile, p. 112.
191
incompatível com o das partes; em demanda relativa a certo crédito, o terceiro
também intervém, alegando sua condição de credor, excludente de tal
condição das outras duas partes.
Por seu turno, Segni entende que outras relações jurídicas,
mesmo de estado, admitem a oposição:
“Nel campo dei rapporti di Stato non é reppure da escludere un
interveto principale: si chiede láccertamento del matrimonio, puô
intervenire un terzo, che chieda che venga accertato un suo
rapporto matrimoniale conuno dei coniugi, anteriore al rapporto
controverso”.464
Contudo, aceitável também se faz a denominação de
remédio facultativo de que o terceiro pode valer-se ou não, uma vez que, se
não o exercitar, poderá propor demanda autônoma e interpor oposição de
terceiro, ordinária, contra a sentença.465
Dir-se-á,
ainda,
como
uma
intervenção
principal,
justificando, assim, a busca do opoente a direito próprio manifestamente
contrário ao dos opostos: “L’intervento principale è quello al quale la legge si
riferisce quando prospettta l’ipotesi che il terzo faccia valere el suo diritto
(affermato) ‘in confronto di tutte le parti’ (...)”.466
A oposição é uma ação e deve ser deduzida em petição
inicial, obedecendo, inclusive, aos requisitos dos artigos 282 e 283 do Código
de Processo Civil, às condições da ação e aos pressupostos processuais. Ela
será distribuída por dependência e, uma vez recebida, deverão os opostos ser
464
465
466
Antônio Segni, Intervento in causa (diritto processuale civile): Novissimo digesto italiano, p.
955.
Virgilio Andreoli, Diritto processuale civile, p. 614.
Crisanto Mandrioli, Corso di diritto processuale civile, p. 330-331.
192
citados para responder à nova ação em prazo comum de quinze dias. Desse
modo, formar-se-á entre os primitivamente denominados autor e réu uma
cumulação subjetiva passiva, em que cada qual agirá independentemente, de
maneira que os atos de um não prejudicarão ao outro. Desse momento em
diante o processo passará a seguir normalmente com cumulação objetiva de
demandas, uma proposta pelo autor inicial em face do primitivo réu e outra
pelo opoente em face de ambos, não se caracterizando o chamado
litisconsórcio unitário, pois o juiz não decirá a lide de modo necessariamente
idêntico em relação aos opostos.467
O procedimento da oposição poderá variar conforme o
momento em que se oferece a intervenção, somente podendo ser admitida até
a prolação da sentença, consoante dispõe o artigo 56 do CPC. Assim, segundo
deduzida antes ou depois da audiência, pode a oposição gerar conseqüências
distintas. Uma vez oferecida antes da audiência, o procedimento será o acima
mencionado; tendo o processo ações cumuladas, os autos da oposição deverão
ser apensados aos autos da ação principal e ambos serão decididos em uma
mesma sentença, sendo a oposição, contudo, julgada em primeiro lugar,
devido a inteligência do artigo 61 do CPC.468
Entretanto, se a oposição for deduzida após iniciada a
audiência de instrução e julgamento, o procedimento inicialmente descrito
somente será observado se não vier a prejudicar o andamento da ação
primitiva. Caso ocorra descompasso entre a ação e a oposição, será evidente o
prejuízo, caso contrário, paralisar-se a ação até que a oposição chegue à
mesma fase, importaria submeter a primeira a descabida demora, superior ao
467
468
Luiz Guilherme Marinoni e Sérgio Cruz Arenhart, Manual do processo de conhecimento, p.
191.
Ibidem, mesma página.
193
benefício que o julgamento simultâneo poderia ocasionar. Nesse segundo caso
apresentado, a oposição não será considerada intervenção de terceiros,
ocasionando apenas seu efeito normal de determinar a conexão de causas,
com a reunião diante de um único juiz, visando a evitar decisões conflitantes.
Apenas se o juiz observar a possibilidade de fazer a oposição chegar à mesma
fase em que se encontra a ação, é que haverá o prosseguimento de ambas, na
forma inicialmente descrita.469
5.1.4 Da Oposição no Código de Defesa do Consumidor
Importa, agora, perquirirmos sobre a possibilidade da
modalidade de intervenção de terceiros, denominada oposição, no âmbito do
Código de Defesa do Consumidor, a exemplo do que fizemos em relação à
assistência e que faremos em relação às demais modalidades previstas no
Código de Processo Civil Brasileiro.
É importante salientar que, assim como no caso da
assistência, o Código de Defesa do Consumidor não menciona a oposição,
mas a grande maioria doutrinária entende que as intervenções de terceiro não
são cabíveis no sistema do CDC porque impedem a celeridade processual,
desejada para a tutela do consumidor.
Prima facie se mostra inviável a possibilidade de
intervenção de terceiro na modalidade de oposição nas relações de consumo,
até porque é difícil se imaginar uma situação na qual o legitimado pretenda
excluir autor e réu.
469
Ibidem, p.191-192.
194
Porém, imaginemos que um consumidor tenha adquirido
um imóvel de uma incorporadora e venha a ter conhecimento que tramita em
juízo uma ação reivindicatória proposta por outra pessoa (consumidor), que
pleiteia o domínio sobre o bem por ele já adquirido através de contrato de
compra e venda.
Seria possível que esse consumidor adentrasse no processo
por meio de oposição para defender seu direito ao domínio do imóvel contra
os litigantes primários?
Parece-nos perfeitamente cabível, nesse caso, que se
permita ao consumidor opoente defender seu direito ao domínio do
imóvel que é objeto da ação entre o incorporador e outro consumidor, pois
impedí-lo de exercer seu direito de ação seria contrariar o princípio da
facilitação do acesso à justiça, preconizado pelo microssistema do Código
de Defesa do Consumidor, apesar de termos como litigante primário outro
consumidor.
Portanto, o que temos nesse caso é um consumidor, como
litigante primário, e outro consumidor, como opositor ao direito que o
litigante primário alega ter.
Não nos resta outra alternativa a não ser admitir a
oposição, pois o direito de facilitação da defesa de um dos consumidores não
pode excluir o do outro.
É certo que o consumidor opoente poderia exercer seu
direito de ação através de ação autônoma, sem qualquer prejuízo. Porém, com
a finalidade de privilegiarmos o princípio da economia processual e,
195
mormente, o do acesso à justiça, abre-se a possibilidade, mesmo que no pólo
da ação primitiva também litigue um consumidor.
Não se estaria, pois, infringindo os princípios que norteiam
o Código de Defesa do Consumidor, afinal o mesmo direito que é conferido
ao consumidor que se encontra na lide primitiva deve ser também conferido
ao consumidor opoente.
O fato de o Código de Defesa do Consumidor adotar a
responsabilidade objetiva em nada contraria o acima afirmado, pois esta diz
respeito ao fornecedor e não a outro consumidor.
Apesar da excepcionalidade da situação, está demonstrado
que não se pode, de forma absoluta, proibir a modalidade de intervenção de
terceiro, oposição, nas relações de consumo, até mesmo por prestígio ao
princípio da igualdade, tratando-se os consumidores da mesma forma.
5.1.5 Da Nomeação à Autoria no Código de Processo Civil
Alguns registros históricos dão conta de que a origem da
nomeação é romana, onde era conhecida e denominada como nominatio
auctoris. O direito romano, no período da extraordinarie cognitiones,
conheceu o instituto como uma das modalidades de intervenção, não
voluntária, em uma causa.
Assim, era necessário o chamamento nos casos de ação de
reivindicação em face daquele que possuísse a coisa em nome de outro, tendo
o detentor a obrigação de nominarse auctorem, ou seja, de denunciar em juízo
196
o nome daquele que era o verdadeiro possuidor e, desse modo, chamá-lo à
causa.470
O jus in re, que se convertia em direito subjetivo de
abrangência erga omnes em prol do autor da ação, proporcionava-lhe certa
medida de comodidade, de tal modo que não se lhe impunha a necessidade de
buscar conhecer previamente quem era o verdadeiro proprietário da coisa ou
quem era o seu possuidor indireto.471
Desde os romanos, entre os quais a nomeação consistia na
denunciação por parte do demandado, possuidor ou detentor da coisa, ou seja,
a pessoa que deveria figurar em juízo, já existia a concepção de que tal
instituto proporcionava três benefícios distintos: em primeiro, o benefício
consistia no acertamento do processo, no que tange ao plano subjetivo, com a
pessoa correta no pólo passivo da relação processual; o segundo benefício
repercutia em benefício da própria prestação jurisdicional, que não se via
tomada na condução de um processo em que a parte demandada não fosse
aquela que verdadeiramente deveria figurar; o terceiro, e último benefício
dizia respeito à conveniência da própria parte equivocadamente nominada,
que se livrava não só do constrangimento, como também dos trabalhos
comuns de se defender numa demanda não sua.472
Em Portugal, as Ordenações regulamentam o Instituto nos
seguintes termos:
“ 1) Ordenações Afonsinas: (...) a Autoria há luguar em todo caso,
honde o Reo he demandado por alguüa cousa movel, ou de raiz,
470
471
472
Vittorio Scialoia, Procedimiento civil romano, p. 428.
Alfredo de Araújo Lopes da Costa, Direito processual civil brasileiro, p. 398.
Willian Couto Gonçalves, Intervenção de terceiros, p. 285.
197
que elle tenha, ou pssua em seu nome, ou doutrem, assy per auçam
real, como pessoal, que seja presecutoria da cousa, assy em feito
civel, como crime civilmente emtentada pera cobramento da dita
cousa”.473
“2) Ordenações Manuelinas: Em todo caso onde alguü for
demandado, por algüa cousa móvel, ou de raiz, que elle tenha, ou
possua em seu nome, ou dóutrem, assi em feito civel, como crime
civelmente intentado, pera cobrar e aver a dita cousa, pode
chamar por Autor qualquer pessoa que entender provar de que a
ouvesse; e em feito crime criminalmente intentado nom averá
luguar a dita autoria”.474
“3) Ordenações Filipinas: Em todo o caso, em que alguem fôr
demadado, por cousa movel, ou de raiz, que tenha, ou possúa em
seu nome, ou de outrem, assi em feito civel, como crime
civelemente intentado, para cobrar e haver a dita cousa, pode
chamar por autor qualquer pessoa, que entender provar, de que a
houvesse. E em feito crime criminalmente intentado não haverá
lugar a autoria”.475
O Código de Processo Civil brasileiro de 1973, contempla
a nomeação à autoria nos artigos 62 a 69.
No direito pátrio considera-se a nomeação à autoria como
o instituto que visa a corrigir a ilegitimidade passiva toda vez que o réu é
citado por ato que praticou em seu próprio nome ou por ordem de outrem.476
Correta se demonstra a observação de Vicente Greco Filho
no sentido de que:
“A nomeação à autoria (nominatio auctoris) visa à busca da
pertinência subjetiva da ação no pólo passivo da relação
473
474
475
476
Ordenações Afonsinas, Livro III, Título XXXXI.
Ordenações Manuelinas, Livro III, Título XXXI.
Ordenações Filipinas, Livro III, Título XLVI.
Cássio Scarpinela Bueno, Partes e terceiro no processo civil brasileiro, p. 189.
198
processual, porque é instituto destinado à substituição do réu,
parte legítima, por outra pessoa revestida de legitimação”.477
Outro não é o entendimento de Barbosa Moreira,478 para
quem a nomeação à autoria constitui um meio inspirado, provavelmente, pelo
princípio da economia processual, de retificar o erro do autor no
endereçamento da ação, ou seja, é uma correção de legitimação.
A nomeação à autoria, bem como o instituto da oposição,
não é redutível a uma forma de intervenção de terceiro. Na oposição não há
falar-se em intervenção de terceiro, porque aquele tido como terceiro será
titular de uma ação no processo. Na nomeação à autoria ela não ocorrerá
porque na realidade ela resta situada como uma forma de correção do pólo
passivo da demanda, ocasionando, em princípio, a substituição neste pólo, de
um sujeito legítimo por outro em igual condição de legitimidade.479
Assim, a nomeação à autoria mostra-se como um meio de
se corrigir o pólo passivo da relação processual, de modo que o terceiro, que
ingressará na demanda deduzida, assuma a condição de réu no processo,
ocupando, assim, o lugar do primitivo demandado.480
Sob a égide do Código de Processo Civil de 1973, duas
situações legitimam a nomeação à autoria: a) a do detentor de coisa alheia em
relação ao proprietário ou possuidor, quando for demandado pela coisa em
477
478
479
480
Vicente Greco Filho, Da intervenção de terceiros, p. 80. No mesmo sentido: José Raimundo
Gomes da Cruz, Pluralidade de partes e intervenção de terceiros, p. 190.
José Carlos Barbosa Moreira, Estudos sobre o novo código de processo civil, p. 79.
Luiz Guilherme Marinoni e Sérgio Cruz Arenhart, Manual do processo de conhecimento, p.
210. Neste sentido: Cássio Scarpinela Bueno, Partes e terceiro no processo civil brasileiro, p.
189; Athos Gusmão Carneiro, Intervenção de terceiros, p. 64 e 67-68; Cândido Rangel
Dinamarco, Intervenção de terceiros, p. 33-34.
Ibidem, mesma página.
199
nome próprio (inteligência do artigo 62 do CPC); b) a daquele que for
demandado em ação de indenização por dano à coisa, quando alegar que
praticou o ato em cumprimento de instruções de terceiros (artigo 63 do CPC).
Nessas duas situações, o réu primitivo deverá, acionado em nome próprio,
nomear como autor aquele que, segundo seu entender, deveria figurar
realmente no pólo passivo da demanda, ao invés dele.481
Importante trazer a lume os conceitos de posse e detenção.
A detenção é figura regida pelo direito material, que não se confunde com a
posse e menos ainda com a propriedade. A propriedade é direito real sobre a
coisa; a posse é situação fática, decorrente da exteriorização do domínio, ou
ao menos informada pela vontade de possuir. Já a detenção é mera situação
fática, não qualifica nem pelo domínio, nem pela vontade de possuir como sua
a coisa.482
Assim, essa modalidade de intervenção de terceiro
somente incidirá no pólo passivo da relação processual. A nomeação à autoria
não será voluntária, mas sim provocada, uma vez que a participação desse
terceiro não se dá por sua exclusiva vontade, mas acontece por iniciativa do
réu da primitiva ação, de forma a indicá-lo para integrar o processo. Todavia,
será uma intervenção obrigatória, pois o réu tem o dever de promovê-la, sob
pena de incorrer em perdas e danos frente à sua omissão.483
Se cabível nessas hipóteses elencadas pela lei processual, o
réu deverá nomear como autor, no prazo de sua resposta, aquele que, de
acordo com seu entender seja realmente o legítimo réu para a ação, podendo
481
482
483
Ibidem, p. 211.
Ibidem, p. 193.
Ibidem, p. 211.
200
nisto precluir. Se, todavia, tal situação descrita pelo réu estiver contemplada
pela lei, ainda que abstratamente, o juiz deferirá o pedido, ouvindo o autor no
prazo de cinco dias, podendo este aceitar ou negar a indicação feita pelo réu.
Uma vez não aceita a nomeação feita pelo autor, o processo retomará o seu
curso normal face ao primitivo réu, sem que se opere a intervenção,
devolvendo, então, a este, o prazo para a manifestação de sua defesa.
Contudo, se o autor concordar com a nomeação realizada, deverá promover a
regular citação para que possa o nomeado responder à ação. Promovida a
citação, poderá o nomeado aceitá-la ou negá-la. Se a negar, ficará sem efeito a
nomeação, prosseguindo-se o processo contra o primeiro demandado,
proporcionando-lhe novo prazo para a resposta. No entanto, se o nomeado
aceitar a nomeação, ocorrerá aquilo que Marinoni e Arenhart484 denominam
de extromissão, ou seja, o réu antigo deixa o pólo passivo da demanda, o qual
será, agora, assumido pelo nomeado, que defenderá seu ato, sua posse ou sua
propriedade.
Importa ressaltar que para que aconteça a substituição do
pólo passivo, necessário se faz que ocorra a aceitação tanto do autor quanto
do nomeado, pois se um deles negar a nomeação, a intervenção não se opera,
permanecendo a relação processual primitiva. A aceitação não necessita ser
expressa, ela será presumida se o autor, no prazo assinado pelo juiz, nada
requerer, e se o nomeado não comparecer, ou, em comparecendo, nada
alegar.485
Nas hipóteses dos arts. 62 e 63 do CPC, a nomeação à
autoria daquele que, segundo a versão do réu, é o verdadeiro responsável
484
485
Ibidem, p. 212.
Neste sentido: Cássio Scarpinela Bueno, Partes e terceiros no processo civil brasileiro, p.
190; Luiz Guilherme Marinoni e Sérgio Cruz Arenhart, Manual do processo de conhecimento,
p. 212.
201
pelos atos lesivos ao suposto direito do autor constitui ônus para o réu, e o seu
descumprimento importa responsabilidade por perdas e danos, por ausência
de nomeação ou por nomeação de pessoa diversa daquela em cujo nome
detém a coisa objeto do processo.
O art. 1228 do CC-2002 inova ao estabelecer que o
proprietário pode reivindicar a coisa de quem injustamente a possua ou
detenha. A inovação à possibilidade de demanda reivindicatória proposta
consiste na menção em face do detentor. Fredie Didier Júnior486 afirma que se
aceitarmos a possibilidade de ação reivindicatória em relação ao detentor não
terá mais aplicação o disposto no art. 62 do CPC, que cuida da nomeação à
autoria. Afirma, ainda, o autor que a despeito da nova redação do art. 1228 do
CC, não possui o mero detentor legitimidade ad causam para a ação
reivindicatória.
5.1.6 Da Nomeação à Autoria no Código de Defesa do
Consumidor
Conforme já observamos acima, a figura interventiva da
nomeação à autoria só poderá ocorrer nos casos previstos nos artigos 62 e 63
do Código de Processo Civil brasileiro, ou seja, quando aquele que detiver a
coisa em nome alheio, for demandado em nome próprio, caso em que deverá
nomear à autoria o proprietário ou possuidor, e, também, nos casos de ação
indenizatória intentada pelo proprietário ou por titular de um direito sobre a
coisa, sempre que o responsável pelos prejuízos alegar que praticou o ato por
ordem, ou em cumprimento de instruções de terceiros.
486
Fredie Didier Júnior, Regras processuais no novo código civil, p. 88.
202
No caso específico do art. 63, em que se trata de ação
indenizatória, é notória a impossibilidade de utilização da figura denominada
nomeação à autoria, afinal, o Código de Defesa do Consumidor, em seu art.
7º, parágrafo único, estabelece a responsabilidade solidária quando houver
mais de um autor da ofensa, fixando, portanto, o Código, no dispositivo em
comento, o princípio da responsabilidade solidária entre os fornecedores, o
que por si só, exclui a possibilidade da nomeação à autoria, apesar de o CDC
não se manifestar sobre essa possibilidade ou impossibilidade.
Porém, no que toca ao artigo 62, é possível aventar-se a
possibilidade da utilização pelo réu da figura da nomeação à autoria, sem que
isso traga prejuízos ao consumidor, como pretende impedir o microssistema.
Sendo o contrato de compra e venda de imóveis entre
construtora e consumidor, que é regulado pelo Código de Defesa do
Consumidor, é possível aventar-se algumas possibilidades em que o instituto
da nomeação à autoria poderia ser benéfico e não danoso ao consumidor.
Por exemplo, não é incomum em nosso país que
consumidores formulem instrumento particular de compromisso de compra e
venda de terrenos ou imóveis, pactuando pagamentos diferidos no futuro, sem
que tomem posse da coisa, até porque os imóveis normalmente são vendidos
com base em plantas, ou seja, não foram ainda construídos.
Pois bem, uma vez formulado o contrato e pagas as
prestações pelo consumidor, o imóvel objeto do contrato não é entregue a ele,
ficando para ser administrado na posse de incorporadora, ou pessoa jurídica
qualquer. Se o consumidor propõe a ação em relação ao detentor do imóvel
(que o detém em nome da incorporadora que celebrou o contrato com o
203
consumidor), seria muito mais interessante processualmente falando, que se
permitisse a nomeação à autoria pelo demandado, haja vista que, se isso não
ocorrer, o processo será extinto por ilegitimidade de parte, devendo o
consumidor propor nova ação contra a parte legitimada, demandando mais
tempo e gastos desnecessários.
Outra situação em que se poderia aceitar a nomeação à
autoria, seria o caso em que funcionário de hospital recusa atendimento a
paciente pela recusa, por parte deste a emitir cheque caução. Uma vez
proposta a ação diretamente em relação ao funcionário, este poderia nomear à
autoria seu empregador, alegando que agiu por ordem expressa deste.
Parece-nos que a possibilidade aventada acima não
prejudicaria o consumidor, tendo em vista a possibilidade financeira superior
do empregador e a maior possibilidade de efetiva indenização.
Questão que necessita enfrentamento é a possibilidade da
nomeação nos casos em que a demanda é processada no rito comum sumário,
a teor do art. 280 do CPC, na redação da Lei nº 10.444, e também nas
demandas processadas perante o Juizados Especiais.
Apesar da impossibilidade expressa do art. 280 e da Lei nº
9.099/95, que nega a possibilidade de nomeação à autoria nos casos acima
citados, seria descumprir a própria Constituição Federal, garantidora do
acesso à justiça em seu art. 5º, inciso XXXV, e da facilitação da defesa do
consumidor em juízo.
Ora, o que o microssistema procura é tratar o consumidor
de forma diferenciada, dada a sua notória desigualdade em relação aos
204
fornecedores e a dificuldade de acesso à justiça por parte da população
brasileira mais carente. Portanto, a aceitação da modalidade de intervenção
denominada nomeação à autoria só viria a beneficiar o consumidor, não
havendo razões para que se impeça sua utilização.
Novamente, afirmamos que somente deverão ser admitidas
as figuras da intervenção de terceiros em processos entre consumidores e
fornecedores, em casos em que não se prejudique ainda mais o consumidor,
principalmente com o tempo necessário para o deslinde das lides, haja vista que
qualquer espécie de intervenção no processo primitivo, acarreta uma perda maior
de tempo. Porém, em casos excepcionais como os acima relatados, negar a
possibilidade da nomeação à autoria, seria prejudicar ainda mais o consumidor e
afrontar os princípios elencados nos arts. 4º e 6º do CDC, que estabelecem a
Política Nacional das relações de consumo e os direitos básicos do consumidor,
pois o tempo e os valores despendidos seriam muito maiores.
5.1.7 Da Denunciação à Lide no Código de Processo Civil
5.1.7.1 Esboço Histórico
A denunciação da lide, tal como é encontrada nos dias
atuais, tem traços no direito antigo, como o grego, o romano, o germânico,
apenas para referirmos alguns. Todavia, para o presente estudo vamos nos
filiar ao estudo das legislações mais recentes.
Essa forma de intervenção de terceiros teve sua origem no
direito processual romano, no período formulário, havendo-se consolidado
pela Lex Aebutia do século II a.C., com a denominação de denuntiatio litis.
205
Nas Ordenações Afonsinas,487 a denunciação da lide
aparecia com a denominação romana de chamamento à autoria. A ação
originária e a de indenização ocorriam separadas, sendo que a ação só poderia
ser exercida se ocorrida a evicção, de tal modo que, por conseqüência, o
chamado não era obrigado a ingressar no processo.
Nas Ordenações Manuelinas,488 pequenas modificações
foram introduzidas na matéria, como o caráter obrigatório da denunciação,
então denominada de chamamento à autoria.
Já nas Ordenações Filipinas,489 poucas modificações foram
inseridas nesse chamamento.
O Regulamento nº 737, de 1850, ocupou-se com a
denunciação (a que chamava de autoria) nos artigos 111 e 117. Depois, a
Consolidação do conselheiro Antônio Joaquim Ribas cuidou da denunciação
(ainda denominada chamamento à autoria), no artigos 262 a 264 e 268 a
278.490
O Código de Processo Civil brasileiro de 1939,
influenciado pelo direito alemão e austríaco, continuou a denominar
chamamento à autoria, disciplinando-a nos artigos 95 a 98.
O Códex de 1973, cientificamente melhor elaborado que o
anterior, versa sobre a denunciação da lide nos artigos 70 a 76.491
487
488
489
490
491
Livro III, Títulos XV e XVI.
Livro III, Títulos XXX e XXXI.
Livro III, Títulos XVIV e XVL.
Manoel Antônio Teixeira Filho, Cadernos de processo civil: intervenção de terceiros, p. 30.
Ibidem, mesma página.
206
5.1.7.2 Conceitos da Denunciação da Lide no Direito Pátrio e
no Direito Comparado
A denunciação da lide ao terceiro tem natureza jurídica de
ação secundária de garantia, e a legitimidade do denunciado é apurada na
prova do fato de ser sua obrigação decorrente de contrato ou de lei.
Assemelha-se, pois, a uma faculdade processual. Assim, como preleciona o
artigo 70 do Código de Processo Civil, não existe obrigatoriedade, uma vez
que é instituto de direito material. A colocação mais apropriada será, então,
ônus.492
O conceito de denunciação da lide não apresenta
divergências substanciais entre os autores, de tal modo que as definições se
aproximam muito umas das outras, como se verá a seguir:
Para Moacyr Amaral Santos, denunciação da lide se define
como: “É ato pelo qual o autor ou o réu chamam a juízo terceira pessoa que
seja garante do seu direito, a fim de resguardá-lo no caso de ser vencido na
demanda em que se encontram”.493
Luiz Fux conceitua:
“O instituto da denunciação da lide é modalidade de intervenção
forçada, vinculado à idéia de garantia de negócio translatício de
domínio e existência de direito regressivo. A parte que enceta a
denunciação da lide, o denunciante, ou tem direito que deve ser
garantido pelo denunciado-transmitente ou é titular de eventual
ação regressiva em face do terceiro, porque demanda em virtude
de ato deste”.494
492
493
494
Walter Vechiato Júnior, Curso de processo civil, p. 77.
Moacyr Amaral Santos, Primeiras linhas de direito processual civil, p. 25.
Luiz Fux, Intervenção de terceiros, p. 31.
207
Frederico Marques preleciona: “(...) pode ser conceituada
como o ato pelo qual o autor ou o réu procura trazer a juízo, para melhor
tutelar seu direito e por imposição legal, terceiro ligado à relação jurídica
consubstanciada na lide”.495
Humberto Theodoro Júnior:
“(...) é medida obrigatória, que leva a uma sentença sobre a
responsabilidade do terceiro em face do denunciante, de par
com a solução normal do litígio de início deduzido em juízo,
entre autor e réu”.496
Athos Gusmão Carneiro, por seu turno:
“(...) é uma ação regressiva, in simultaneus processus, proponível
tanto pelo autor como pelo réu, sendo citada como denunciada
aquela pessoa contra quem o denunciante terá uma pretensão
indenizatória, pretensão de reembolso, caso ele, denunciante, vier
a sucumbir na ação principal”.497
Sydney Sanches ensina que:
“(...) é a ação incidental proposta por uma das partes (da ação
principal), via de regra contra terceiro, visando aquela a
condenação deste à reparação do prejuízo decorrente de eventual
derrota na causa, seja pela perda da coisa (evicção), seja pela
perda de sua posse direta, seja por lhe assistir o direito regressivo
previsto em lei ou em contrato (relação jurídica de garantia)”.498
Piero Calamandrei conceitua:
“O Chamamento em garantia é o instituto processual por força do
qual quem é parte de uma lide sobre um terreno objeto na causa
495
496
497
498
José Frederico Marques, Manual de direito processual civil, p. 283.
Humberto Theodoro Júnior, Curso de direito processual civil, p. 134.
Athos Gusmão Carneiro, Intervenção de terceiros, p. 63.
Sydney Sanches, Denunciação da lide, p. 31.
208
em que um terceiro lhe deve garantia (questão de incômodo),
chama à causa este terceiro para colocá-lo em situação de prestar
espontaneamente a defesa e estender-lhe efeito de julgamento; e,
como precaução a fim de evitar que o terceiro negue a existência
desse terreno na sua defesa ou concordando a prestá-la, seja
derrotado, pede, ao mesmo juiz da questão em julgamento, que
declare o terceiro capaz de prestar a defesa (contestação) e a
ressarcir o dano derivado de sua omissão ou do insucesso de sua
defesa (ação de regresso)”.499
Para Willian Couto Gonçalves, denunciação da lide se
define como:
“(...) instituto de que dispõe a parte figurante na relação
processual, ativa ou passiva, para fazer valer direito seu perante
terceiro, a fim de garantir-se da reparação do prejuízo que da
evicção, ou de uma relação jurídica, tornada patológica,
prejudicial ao sujeito denunciante, possa resultar”.500
No Código de Processo Civil brasileiro, a denunciação da
lide está encartada nos artigos 70 a 76:
O Código da Cidade do Vaticano contempla uma figura de
intervenção de terceiro, por provocação, em caso de repetição ou em caso de
jactância de pretensões. É uma figura com características gerais do chamamento
em garantia, por isso o § 2, do artigo 17 do referido Código prescreve:
“(...) el demandado puede también, en el juicio pendiente en
primer grado, llamar a un garante, o llamar a un tercero, cuando
499
500
Tradução espontânea de: “(...) la chiamata in garanzia é l’istituto processuale in forza del
quale chi è parte di una causa vertente sopra un oggetto per cui un terzo gli deve garanzia
(questione di molestia), chiama in causa questo terzo per metterlo in grado di prestare
spontaneamente la difesa e per estendere anche a lui gli effetti del giudicato; e, in previsione
che il terzo neghi di essere tenuto alla difesa, o, pur acconsentendo a prestarla, resti
soccombente, chiede, allo stesso giudiceinvestito della questione di molestia, che dichiari il
terzo tenuto a prestar la difesa (azione di difesa) e a risarcire il danno derivante dalla non
fatta a non riuscita difesa (azione di rigresso)”. Piero Calamandrei, La chiamata in garanzia,
p. 84.
Willian Couto Gonçalves, Intervenção de terceiros, p. 214.
209
contra éste, en caso de vencimiento, haya una acción de repetición,
o bien cuando el tercero se jacte de pretensiones sobre el bien que
constituye el objeto de la litis”.501
No direito italiano, tal instituto se regula pelos seguintes
dispositivos legais:
“Artigo 1485 do Código Civil: ‘El comprador demandado por un
tercero que pretende tener derecho sobre la cosa vendida, debe
llamar en causa al vendedor. Cuando no lo haga y sea condenado
por sentencia basada en autoridad de cosa juzgada, pierde el
derecho a la garantía, si el vendedor prueba que existíam razones
suficientes para hacer rechazar la demanda. El comprador que há
reonocido espontáneamente el derecho del tercero, pierde el
derecho a la garantía, si no prueba que no existín razones
suficientes para impedir la evicción’”.502
“Artigo 106 do Código de Processo Civil: ‘Cada una de las partes
puede llamar al proceso a un tercero respecto del cual considera
común la causa o por el cual pretenda estar garantizada”’.503
“Artigo 108 do Código de Processo Civil: ‘Si el garante
comparece y acepta asumir la causa en lugar del garantizado, éste
puede pdir, cuando las otras partes no se opongan, la propria
extromisión. Ésta se dispone por el juez por medio de ordenaanza;
pero la sentencia de fondo pronunciada en el juicio, despliega ss
efectos también com quién há sido objeto de extromisión’”.504
“Artigo 32 do Código de Processo Civil: ‘Causas de garantía. La
demanda de garantía puede proponerse al juez competente para
conocer de la causa principal, a fin de que la decida en el mismo
501
502
503
504
Ibidem, p. 216-217.
Tradução livre: “O comprador demandado por um terceiro que pretende Ter direito sobre a
coisa vendida, deve chamar à causa o vendedor. Quando não tiver sido condenado por
sentença baseada na coisa julgada, perderá o direito à garantia, se o vendedor provar que
existiam razões suficientes para se rejeitar a demanda. O comprador que tenha reconhecido
espontaneamente o direito de terceiro, perde o direito à garantia, se não provar que não
existiam razões suficientes para impedir a evicção”. Ibidem, mesmas páginas.
Tradução livre: “Qualquer parte pode chamar no processo um terceiro do qual mantém
comum à causa ou da qual pretende estar garante”. Ibidem, p. 217-218.
Tradução livre: “Se o garantidorcomparece e aceita assumir a causa no lugar do garantido
este pode requerer, se as outras partes não se oporem à própria exclusão. Esta é disposta com
ordenança pelo juiz mas a sentença de mérito pronunciada no juízo estende os seus efeitos
também contra o excluído”. Ibidem, p. 218.
210
proceso, aun cuando exceda de su competencia por razón del
valor’”.505
Para Luis Mattirolo,506 a chamada em garantia supõe sempre
um obrigado e implica a idéia de uma demanda eventual de condenação do
garantido; a simples chamada, ao contrário, só para a intervenção implica
unicamente a idéia de uma comunicação de direitos e de obrigações entre o
terceiro chamado a intervir e um dos litigantes na ação originária.
No direito alemão, traduzido para o espanhol, encontra-se
encartada nos § 72, 73, 74 e 68, in verbis:
“§ 72. Toda parte de un proceso que, en el caso de resolverse éste
en perjuicio de ella, crea que puede ejercitar una acción de
garantía o de repetición contra un tercero, o que actúe cuidando
del derecho de un tercero, puede denunciar judicialmente al
tercero la pendencia de la causa, hasta el momento de la resolutión
firme de la misma. El tercero puede, a su vez, denunciar la causa a
outra persona”.
“§ 73. La denuncia del litigio se hará por medio de escrito
notificado al tercero, en el cual se indicará el motivo de la
denuncia y el estado de la causa. De este escrito se pasará una
copia a la parte contraria”.
“§ 74: Si el tercero se adhiere al denunciante, entonces su relación
com las partes se determina según los principios sobre la
intervención adhesiva. Si el tercero rechasa la adhesión o no se
manifiesta, se continúa el proceso sin tomarle en consideración. En
todos los casos de este artículo se deben aplicar contra el tercero
las disposiciones de § 68, con las diferencia de que, en lugar del
momento de la adhesión, es determinante el momento en que la
adhesion era posible aconsecuencia de la presentación de la
demanda”.
505
506
Tradução livre: “O pedido de garantia pode ser proposto ao juiz competente para a causa
principal para que seja decidido no mesmo processo ainda que exceda a sua competência por
valor”. Ibidem, mesma página.
Luis Mattirolo, Tratado de derecho judicial civil, p. 625.
211
“§ 68: Com relación a la parte principal, al interviniente adhesivo no
se le da audiencia com la afirmación de que el proceso, tal y como se
lo há presenteado al juez, há sido resuelto incorrectamente; com la
afirmación de que la parte principal há llevado el proceso de forma
defectuosa, se le audiencia sólo en tanto que por el estado del proceso
en el momento de su entrada o por manifestaciones y actos de la parte
principal, le haya resultado impossible esgrimir medios de ataque y
defensa o en tanto que, de forma intencionada o com cupla grave, a
parte principal no haya esgrimido medios ataques y defensa que eran
desconocido por él”.507
5.1.7.3 Hipóteses de Admissibilidade e Descabimento na
Denunciação da Lide
A denunciação da lide representa, hodiernamente, mais
que mera denunciação, pois, na verdade, constitui um chamamento em
garantia, ou seja, é a propositura de uma ação incidente pelo denunciante
contra o denunciado, nas hipóteses do artigo 70 do Código de Processo Civil
supra citado.
Humberto Theodoro Júnior, sobre o assunto, entende que:
“As três hipóteses, elencadas no artigo 70 do Código de Processo
Civil, ensejam a oportunidade a que seja trazido para o processo
em terceiro sujeito, que mantém, em caráter regressivo, um vínculo
de garantia com uma das partes primitivas, e, esclareça-se, apenas
com uma delas, sendo, por isso, elemento inteiramente estranho
para outra”.508
A primeira hipótese onde terá cabimento tal instituto, será
no caso da garantia da evicção, cujo conceito está encartado no artigo 447 do
Código Civil.
507
508
Willian Couto Gonçalves, Intervenção de terceiros, p. 221-222.
Humberto Theodoro Júnior, Intervenção de terceiros no processo civil: denunciação da lide e
chamamento ao processo, p. 49.
212
A evicção se dará quando o adquirente, nos contratos
onerosos, perder a coisa, total ou parcialmente, por motivo de uma sentença
judicial. Desse modo, havendo reivindicação por terceiro da coisa negociada
com outrem que não este último, o adquirente convoca, chama, denuncia à
lide o alienante, para que este venha a garantir o exercício dos seus direitos
em caso de evicção, ou seja, para que pague indenização pela perda da coisa,
caso o adquirente se torne vencido na demanda reivindicatória.
O tribunal já decidiu no sentido de que:
“(...) a reparação pela perda da coisa evicta se faz pelo seu valor à
data em que se venceu, pois não se poderia conceber a adoção de
dois critérios diversos, um mais amplo, em relação à evicção total,
outro mais restrito, no tocante à evicção parcial”.509
Todavia, necessário será que o adquirente, visando
assegurar-se do direito resultante da evicção e receber pelos prejuízos
sofridos, deverá denunciar o litígio ao transmitente.
Assim, da leitura do artigo 70 da lei processual pode-se
depreender que a intenção do legislador pátrio foi a de restringir a
denunciação da lide apenas ao caso da ação reivindicatória, ressalvando-se
que para o caput do artigo em epígrafe, tal denunciação apresenta um caráter
obrigatório, e, assim o será porque o artigo 456 do Código Civil estabelece.
Admite-se a denunciação não só no caso de ação
reivindicatória, como também ao postular o ressarcimento por evicção. Na
ação meramente declaratória do domínio também se admite, com fundamento
no mesmo inciso I do artigo 70, perdendo o direito ao ressarcimento a parte
509
Ac. n° 21936/SP – 2ª TACivSP – 5ª Câm – Rel. Juiz Edgard de Souza – j. 16.10.74.
213
que não fizer a denunciação ao alienante, porque também ali há o risco de
evicção.
Nesse sentido, considere-se a ementa da redação do AgIn
1.078.912-9, 11ª Cam. J. 09/05/2002, rel. Juiz Melo Colombi, 1° TACivSP, in
verbis:
“Admite-se a denunciação da lide na hipótese em que há contrato
entre as empresas rés prevendo a possibilidade do exercício do
direito regressivo, uma vez que se essa pretensão não fosse
admitida acabaria por frustar o exercício desse direito”.510
O segundo caso em que terá cabimento a denunciação da
lide será o da posse indireta.
A divisão da posse em direta e indireta foi prevista pelo
legislador no artigo 1.197 do Código Civil.
Dessa forma, todas as vezes em que o proprietário
concede, a uma ou mais pessoas, a utilização econômica da coisa, por força
de obrigação ou direito, ocorre o desdobramento da relação possessória, na
qual uma das partes ficará com a utilização direta da coisa alheia –
denominado possuidor direto do bem- e a outra com a indireta –
denominado dono do bem.
Se a posse vier a se desdobrar, o possuidor direto do bem
não poderá ser violado em sua posse, de tal forma que o possuidor indireto,
proprietário do bem, ao cedê-la àquele, assume o dever de lhe garantir o
exercício normal. A lei processual impõe a denunciação da lide, se
510
RT nº 801, jul. 2002, p. 218.
214
reivindicada a coisa por terceiro, para que possa o possuidor direto, em sendo
o sucumbente, obter perdas e danos pela não garantia da posse cedida.
A jurisprudência menciona:
“Na ação reintegratória de posse, embora seja parte legítima o
arrendatário, por ser possuidor direto, não menos certo que ao
arrendante assiste idêntico ou maior interesse jurídico em
contestar a demanda reintegratória, sendo, pois, igualmente parte
legítima passiva na ação principal”.511
A terceira hipótese de admissibilidade da denunciação da
lide contempla o direito regressivo de indenização.
Mencionaremos um exemplo clássico utilizado por Nelson
Godoy Bassil Dower512 que, embora não se trate de relação de consumo,
favorece nosso entendimento. É na existência de um contrato entre a
proprietária de um shopping center e o dono de uma empresa de assessoria
técnica, em que esta se obriga a gerenciar e a fiscalizar a execução da obra.
Admita-se que, após a construção, venha a ocorrer uma explosão em virtude
de um vazamento de gás nas tubulações do prédio, restando provado que a
construtora executou a tubulação de gás sem que fossem observadas as
normas técnicas, o que ocasionou a explosão e fez diversas vítimas fatais.
Suponha-se, agora, que um dos sucessores de um dos falecidos proponha ação
de rito ordinário de indenização por dano material e moral contra a
proprietária do shopping center. O que ela deverá fazer é denunciar a lide o
proprietário da empresa contratada para o gerenciamento e acompanhamento
da execução da obra, em conformidade ao que prescreve o artigo 70, inciso
III, do Código de Processo Civil. É certo que, em virtude da culpabilidade do
511
512
Ap. nº 353.636 – 1° TACivSP – 3ª Câm – Rel. Juiz Alexandre Genaro – j. 04.04.86.
Nelson Godou Bassil Dower, Curso básico de direito processual civil, p. 244-245.
215
denunciado, a denunciante tem ação de regresso contra aquele, em
sucumbindo a denunciante no pleito principal.
Em caso semelhante o tribunal já decidiu desta forma:
“Se a empresa proprietária do shopping center, onde ocorreu o
sinistro, decorrente de explosão por vazamento de gás liqüefeito de
petróleo nas tubulações do prédio, em virtude de sua má
concepção, em ação indenizatória denuncia à lide a empresa cuja
assessoria técnica contratara para os fins mencionados,
caracteriza-se, em tese, causa de pedir hábil para ação de regresso
contra a denunciada, em sucumbindo a denunciante, de acordo
com o disposto no artigo 70, III, do CPC”.513
E em outro caso menciona:
“Tratando-se de contrato de seguro de vida em grupo, estipulado
pela empregadora em favor de seus empregados, aquela não tem
ação regressiva contra a seguradora, descabendo, por isso, a
denunciação à lide”.514
A denunciação da lide, sobretudo, não é admitida nos
casos de ação de rito sumário, ressalva seja feita aos casos de
assistência, recurso de terceiro prejudicado e a intervenção fundada em
contrato de seguro, de acordo com a redação da Lei nº 10.444, de 07 de
maio de 2002.
A jurisprudência menciona que: “Conquanto o Código de
Defesa do Consumidor reconheça o direito de regresso, não se admite que
esse direito seja deduzido através de denunciação da lide, consoante dispõe
seu artigo 88”.515
513
514
515
TJSP – Ag.In. nº 46.832.4/8 – 5ª Câm. – Rel. Des. Marco César – j. 19.06.97.
TACivSP – Ag.In. nº 495.092-0/9 – 10ª Câm. – Rel. Juiz Euclides de Oliveira – j. 18.06.97.
TJSP – Ag.In. nº 33.876-4/8 – 9ª Câm. – Rel. Des. Ruiter Oliva – j. 25.02.97.
216
A mais profunda das polêmicas suscitadas pelo inciso III
do
artigo
70,
funda-se
sobre
o
assunto
da
admissibilidade
ou
inadmissibilidade da denunciação da lide quando esta inserir no processo
novas questões que ampliem o objeto de conhecimento do juiz, ocasionando
demora na instrução processual.516
Cândido Rangel Dinamarco, sobre o tema, menciona que:
“Os tribunais, impressionados com conhecida posição
doutrinária, qual seja a de Vicente Greco Filho, passaram a
rejeitar a litisdenunciação quando isto ocorre, mas sem razão. A
tese da inadmissibilidade apóia-se em conceitos e distinções
vigentes no direito italiano, que no Brasil inexistem –
especialmente na distinção entre garantia própria e imprópria.
Na Itália, em caso de garantia própria a parte tem a faculdade de
fazer a chiamata in garanzia (que equivale a litisdenunciação
brasileira) e, quando a garantia for imprópria, ela dispõe do
intervento coatto, que produz efeitos análogos ao daquela. No
Brasil, em que inexiste essa segunda modalidade, a distinção
proposta deixaria a parte sem qualquer possibilidade de trazer o
terceiro ao processo. O resultado sumamente injusto, consistiria
em privar a parte dos benefícios da litisdenunciação, a saber: ela
necessitaria de propor depois a sua demanda pelo ressarcimento,
com o risco de voltar a sucumbir em face do garante. A tese
restritiva parte do falso pressuposto de que todo processo seja
realizado para satisfazer o autor a todo custo, sem considerar
que também o réu pode ser titular do direito a alguma tutela
jurisdicional: tal é o vício metodológico do processo civil do
autor, que precisa ser extirpado da mentalidade dos operadores
do processo. Felizmente, os tribunais já não se posicionam tão
firmemente em prol dessa tese restritiva. Obviamente, quando a
denunciação da lide for abusiva e revelar o propósito de
tumultuar o processo e com isso alongar-lhe a duração, por esse
motivo ela deve ser repelida (CPC, art. 125, I-III)”.517
O Superior Tribunal de Justiça, nesse contexto, decidiu da
seguinte forma:
516
517
Neste sentido, confira-se jurisprudência do STJ – Resp. nº 167416/SP – 3ª T. – 1998/00185151 – Rel. Min. Waldemar Zveiter – j. 22.02.00, publicado no DJ 10.04.00.
Cândido Rangel Dinamarco, Instituições de direito processual civil, p. 400-401.
217
“PROCESSO CIVIL. INTERVENÇÃO DE TERCEIROS.
DENUNCIAÇÃO DA LIDE. INDEFERIMENTO. TERCEIRO QUE
NÃO ESTA POR LEI OU POR CONTRATO OBRIGADO A
INDENIZAR O RECORRENTE PELO PREJUIZO QUE VENHA A
SOFRER COM O RESULTADO DA AÇÃO PRINCIPAL. ART. 70
III CPC. SOCIEDADES ANÔNIMAS. AÇÕES. LEI Nº 6.404/76,
ARTS. 24 E 38. RECURSO NÃO CONHECIDO. NÃO ESTANDO
O TERCEIRO, POR LEI OU POR CONTRATO, OBRIGADO A
RESSARCIR AO DENUNCIANTE OS PREJUIZOS QUE VENHA
A SOFRER COM O RESULTADO DA AÇÃO, NÃO VIOLA O ART.
70, III, CPC, O ACORDÃO QUE INDEFERE A PRETENDIDA
DENUNCIAÇÃO DA LIDE”.518
E em decisão mais recente reiterou seu posicionamento,
fazendo-o da seguinte forma:
“PROCESSUAL
CIVIL.
DENUNCIAÇÃO
DA
LIDE.
INADMISSIBILIDADE. Não se admite a denunciação da lide
pretendida com base no inciso III do art. 70 do Código de
Processo Civil se o seu desenvolvimento importar, como no caso,
na necessidade de o denunciado invocar fato novo ou fato
substancial distinto do que foi veiculado na defesa da demanda
principal, como no caso, não estando o direito de regresso
comprovado de plano, nem dependendo apenas da realização de
provas que seriam produzidas em razão da própria necessidade
instrutória do feito principal. Recurso não conhecido”.519
Decidiu,
também,
favoravelmente
à
aplicação
do
dispositivo em debate, como se observa:
“PROCESSO CIVIL. AÇÃO DE INDENIZAÇÃO. ACIDENTE
AÉREO. EMPRESA QUE CONTRATA COMPANHIA AÉREA
PARA O TRANSPORTE DE PASSAGEIROS. QUEDA DO AVIÃO.
DENUNCIAÇÃO DA LIDE À EMPRESA CONTRATADA.
CABIMENTO. ART. 70-III, CPC. INTRODUÇÃO DE FATO
NOVO. INOCORRÊNCIA. RECURSO PROVIDO. I – Nos termos
518
519
STJ – Resp. nº 58061/SP – 4ª T. – 1994/0038792-0 – Rel. Min. Sálvio de Figueiredo Teixeira
– j. 26.06.96, publicado no DJ em 26.08.96.
STJ – Resp. nº 299108/RJ – 4ª T. – 2001/0002565-0 – Rel. Min. Sálvio de Fiqueiredo Teixeira
– j.05.06.01, publicado no DJ em 08.10.01. Confira-se, ainda, quanto à inadmissibilidade da
denunciação da lide se houver fato novo, decisão do STJ – Resp. nº 49418/SP; Resp. nº
157557/SP; Resp. nº 172321/SP.
218
do art. 70-III, CPC, a denunciação da lide tem cabimento
"àquele que estiver obrigado, pela Lei ou pelo contrato, a
indenizar, em ação regressiva, o prejuízo do que perder a
demanda". II – Na espécie, a ré, ao fretar o avião, com a
respectiva tripulação(piloto inclusive), firmou contrato de
transporte com a empresa aérea contratada. Assim, se a
contratada não cumpriu a obrigação de transportar os
passageiros incólumes, deve responder pelo seu descumprimento
e garantir eventual condenação da contratante. III – Em outras
palavras, tratando-se de obrigação de resultado, com cláusula
de incolumidade, se o contrato não for cumprido nos termos em
que estabelecido, sem que ocorram as causas excludentes de
irresponsabilidade(v.g, caso fortuito, força maior e culpa
exclusiva do contratante), obriga-se o transportador a compor
os prejuízos suportados pelo passageiro ou pela contratante, no
caso a ré. IV – A denunciação, na espécie, não introduzirá fato
novo à controvérsia e nem dependerá da análise de cláusula
contratual. Primeiro, porque tanto na ação principal quanto na
lide secundária a questão controvertida decorre unicamente do
acidente aéreo. Segundo, porque a responsabilidade do
transportador também decorre da Lei(dentre outras normas, o
art. 268 do Código Brasileiro do Ar)”.520
Em outra decisão:
“PROCESSO CIVIL E CIVIL. DENUNCIAÇÃO DA LIDE.
RESPONSABILIDADE CIVIL. TRANSPORTE AÉREO. ATRASO
EM
VÔO
INTERNACIONAL.
EXCLUDENTE
DE
RESPONSABILIDADE.
AUSÊNCIA
DE
PROVA.
INDENIZAÇÃO TARIFADA. JULGAMENTO EXTRA PETITA.
PREQUESTIONAMENTO.
AUSÊNCIA.
PRECEDENTES.
RECURSO DESACOLHIDO. I – Restando incontroverso o
atraso em vôo internacional e ausente prova de caso fortuito,
força maior ou que foram tomadas todas as medidas necessárias
para que não se produzisse o dano, cabível é o pedido de
indenização nos moldes da Convenção de Varsórvia. II –
Embora, em princípio, admissível, nos termos do art. 70-III,
CPC, o cabimento da denunciação da lide à seguradora, não se
mostra recomendável anular o feito, nesta Corte, a partir do
inacolhimento da denunciação e ensejar a remessa dos autos à
origem para que, uma vez admitida a intervenção, sejam ali
apreciados os argumentos da denunciante, proferindo-se
520
STJ – Resp. nº 302397/RJ – 4ª T. – 2001/00104797 – Rel. Min. Sálvio de Figueiredo Teixeira
– j. 20.03.01, publicado no DJ em 03.09.01. Neste sentido: STJ – Resp. nº 49418/SP; Resp. nº
157557/SP; Resp. nº 172321/SP.
219
decisão a respeito. III – A denunciação da lide, como
modalidade de intervenção de terceiros, busca atender aos
princípios da economia e da presteza na entrega da prestação
jurisdicional, não devendo ser prestigiada quando susceptível de
pôr em risco tais princípios” .521
Walter Vechiato Júnior, em sua obra Curso de processo
civil, menciona as hipóteses nas quais existe o descabimento da denunciação à
lide, quais sejam:
“1) Ao réu que sustenta ser parte ilegítima, pois a denunciação
só se justifica nos casos de direito de regresso; 2) pela falta de
fundamento jurídico do pedido e pela inserção de fato material
diferente daquele trazido nas razões da peça do denunciante
(exs.: ao fabricante, ao construtor, ao produtor e ao importador,
nas ações em face do comerciante; ao médico que prestou
assistência à paciente vítima de danos por tratamento
equivocado no hospital); 3) no processo cautelar, que é
acessório do processo principal (cognitivo ou execução). O
TJSP admite a denunciação na cautelar de produção antecipada
de provas, com a prova do direito do direito de regresso (RT
768/219); o STJ sustenta o descabimento nesta espécie cautelar
(ISTJ 105/internet); 4) no processo de execução forçada –
embargos à execução, pois o âmbito da cognição é limitada à
desconstituição do título executivo ou a redução da execução; 5)
nas ações que tratam sobre relação de consumo (CDC, arts. 13
e 88); é possível ação regressiva”.522
Entendemos que à denunciação na lide é incabível nos
seguintes casos: em casos de procedimento sumário, salvo o decorrente de
contrato de seguro; em processo cautelar e em processo de execução, visto ser
instituto típico de processo de conhecimento e, quanto ao processo cautelar,
entendemos não ser possível em razão da finalidade de resguardar o resultado
útil de outro processo.
521
522
STJ – Resp. nº 293118/SP – 4ª T. – 2000/0133674-6 – Rel. Min. Sálvio de Figueiredo Teixeira
– j. 13.03.01, publicado no DJ em 11.06.01. Confira-se ainda: STJ – Resp. nº 197374/MG/
Resp. nº 1296/RJ; Resp. nº 219964/SP; Resp. nº 182283/SP.
Walter Vechiato Júnior, Curso de processo civil, p. 82.
220
5.1.7.4 Obrigatoriedade e Extensão: Evicção
O artigo 70 do Código de Processo Civil estabelece que
a denunciação da lide é obrigatória. Assim, dois aspectos serão
desenvolvidos: o verdadeiro sentido de obrigatoriedade da denunciação e a
correta extensão dos casos previstos no inciso III, focalizando
especialmente o artigo 107 da Constituição Federal, que define a
responsabilidade civil do Estado e possibilita o direito de regresso contra o
funcionário no caso de dolo ou culpa.
Assim, é aceitável compreender que o adjetivo obrigatória
rege as três hipóteses do artigo em comento. Mas a intelecção verbal é
insuficiente para esclarecer o problema.
Todavia, oportuno se faz um breve retrospecto histórico e
de direito comparado, como ora se passa a expor.
Na Roma primitiva não existia a noção de propriedade
como direito absoluto. A mantipatio transmitia mais a obrigação de garantir
do que verdadeiramente a propriedade, que vinha com o usucapião. Por isso,
nessa época, existia apenas a figura da laudatio auctoris abrangente da
denunciação da lide e da atual nomeação à autoria. Na Roma clássica já
existia a extensão da propriedade como direito, daí a distinção efetuada entre
denuntiatio litis, nos casos de evicção, e nominatio domini, nos de posse em
nome alheio. De qualquer modo, a transmissão da propriedade encerrava a
obrigação de garantir.
No direito francês, influenciado pelo direito germânico,
acolheu-se a demande incidente en garantie em que o chamado respondia
221
pelas conseqüências da perda da demanda. Tempos depois, o direito italiano
consagrou a figura da chiamata in garanzia, que traz, no chamamento, a
responsabilidade implícita na demanda. No direito francês, a demanda, apesar
de incidental, é explícita. Assim, ambos abrigam as ações de garantia pessoal
e não apenas real.
No direito português, na época das ordenações, tínhamos o
chamamento à autoria, por força de disposições de direito material,
diretamente relacionado com a evicção e com caráter indispensável para a
responsabilização do garante. Nele, o chamamento era algo facultativo.
Assim,
pela
análise
da
evolução
histórica,
nesta
oportunidade brevemente resumida, observa-se que o instituto se ampliou da
hipótese de evicção para todos os casos de garantia, eliminando-se a
penalidade da perda do direito de regresso pela falta da denunciação.
De tal modo que esse abrandamento não decorre do
tratamento da denunciação da lide, mas tão somente do próprio conceito de
propriedade, suas garantias, seus efeitos. A subsistência, ou não, do direito de
regresso, não é problema de direito processual, mas de direito material,
devendo aí ser buscada a solução da dificuldade.
No direito civil brasileiro permanece o que dispõe o artigo
456. Tal disposição, está em perfeita consonância com o texto do artigo 70, I,
do Código de Processo Civil brasileiro, que menciona a obrigatoriedade da
denunciação para que o denunciante possa exercer o direito que da evicção
lhe resulta no mesmo processo, tornando inegável a necessidade de
manutenção da exigência da denunciação, o único meio hábil para a
liquidação da responsabilidade pela evicção naquele processo, sendo certo
222
que se não houver a denunciação à lide, a parte poderá interpor processo para
esse fim.
A mesma solução também, como se vê, é adequada
atualmente aos incisos II e III do mencionado artigo. Seria excessivo admitir a
grave penalidade da perda de direito material, especialmente quando tal
interpretação não encontra apoio na doutrina, no direito comparado e na
história do instituto. Ressalva-se, também, que nos casos dos incisos II e III
não aparece a condicionante, a fim de que possa exercer o direito.
Nesse sentido, Greco Filho nos elucida a questão sobre
como interpretar o termo obrigatória, que também rege tais dispositivos, com
a solução no texto expresso do Código português: “Se não chamar, terá de
provar, na ação de indenização, que na demanda anterior empregou todos os
esforços para evitar a condenação”.523
Tal disposição não necessitaria ser expressa em lei,
porquanto deflui dos princípios. Pois, quem não chamou o garante, para
amarrá-lo aos efeitos imutáveis da coisa julgada, corre o risco de, na ação
própria, receber exceções materiais relativas à sua atuação no primeiro
processo. Se agir com culpa nessa demanda, sua negligência compensa o
dever de indenizar uma vez que o garante pode demonstrar que poderia ter
ganho a ação.
Dessa forma, a denunciação da lide é obrigatória, nos
casos dos incisos I, II e III, para que o denunciante, no mesmo procedimento,
obtenha o título executivo contra o denunciado (art. 76), a fim de evitar que
na eventual ação autônoma de regresso se rediscuta o mérito da primeira ação,
523
Revista justitia, A denunciação da lide: sua obrigatoriedade e extensão, p. 12.
223
cuja sentença não encerra força de coisa julgada contra aquele que, por não ter
sido denunciado, não foi parte na ação.
Todavia, essa conclusão não se apresenta tão clara quanto
as hipóteses cabíveis no inciso III. Tem-se interpretado tal disposição de
forma perigosamente extensiva, possibilitando a denunciação de todos
aqueles contra os quais a parte possua direito de regresso. Essa obrigação
encontra total amparo no texto da lei, conforme se depreende da leitura e
compreensão dos artigos 70 obrigado a indenizar, em ação regressiva; 72 e
73 responsável pela indenização e também do artigo 75 responsabilidade por
perdas e danos.524
Insta lembrar que a denunciação da lide tem como escopo
a economia processual, posto encerre num mesmo processo duas ações, e a
própria justiça, uma vez que evita sentenças contraditórias. Por outro lado,
importa lembrar que o direito processual adotou o princípio romano da
singularidade da jurisdição e da ação, ou seja, os efeitos da sentença só
atingirão as partes, motivo pelo qual o juiz não poderá proceder de ofício, vez
que a legitimação e os casos de intervenção são de direito estrito, pois
excepcionam os princípios consagrados no Código de Processo Civil.
Portanto, em conformidade com Vicente Greco Filho, uma
vez admitida a possibilidade de denunciação a todos os casos de possibilidade
de direito de regresso, estariam sendo violados todos os princípios do direito
processual brasileiro, sem exceção.
Ainda que o caput do artigo 70 do Código de Processo
Civil prescreva a obrigatoriedade da denunciação da lide, a doutrina
524
Ibidem, mesma página.
224
majoritária entende que não se aplica nos casos de evicção, ou seja, de
garantia própria decorrente da transferência de direitos, prevista no
artigo 456 do Código Civil, que estabelece a perda de direito de
regresso, caso não ocorra a notificação do alienante como determinam as
leis do processo.
Todavia, nos casos dos itens II e III do artigo 70 do Códex
processual, a lei não cria qualquer obrigatoriedade de notificação para que se
proponha ação regressiva.525
Já no que tange ao caput do artigo 70, a lei entende
obrigatória
a
notificação,
porém
não
estabelece
sanção
para
o
descumprimento do preceito e, segundo Celso Agrícola Barbi526 e Cândido
Rangel Dinamarco,527 esta precisaria ser estabelecida, necessitando a perda do
direito ser expressamente cominada.
5.1.7.5 Legitimidade para Denunciar e ser Denunciado
Apesar de os incisos do artigo 70 do Código de Processo
Civil brasileiro, falsamente fazerem entender que a denunciação só poderá ser
requerida pelo réu, pela redação do artigo 71 fica claro que a denunciação
também poderá ocorrer por iniciativa do autor. É o que também pode se
verificar da redação do artigo 74, que estabelece “(...) que feita a denunciação
pelo autor” o denunciado, comparecendo, assumirá a posição de litisconsorte
525
526
527
Neste sentido confira-se o entendimento do STJ – Resp. nº 55095/ SC – 1ª T. – 2003/01064310 – Rel. Min. Luiz Fux – j. 21.09.04; STJ – Resp. nº 579208/RS – 1ª T. – 2003/0163339-2 –
Rel. Min. Luiz Fux – j. 27.04.04.
Celso Agrícola Barbi, Comentários ao código de processo civil, p. 205.
Cândido Rangel Dinamarco, Intervenção de terceiros, p. 141-142.
225
do denunciante e poderá aditar a petição inicial, procedendo-se em seguida à
citação do réu.528
A denunciação feita pelo autor deve ser efetivada na
própria inicial, com requerimento para citação do denunciado juntamente com
a do réu. Deferido o pedido, o juiz ordenará a citação suspendendo o
processo. Não ocorrendo a citação, ocorre fenômeno idêntico ao
indeferimento da mesma e a ação prosseguirá somente em relação ao
denunciante réu. Havendo a citação e comparecendo o denunciado, este
assumirá a condição de litisconsorte e poderá apresentar sua defesa ao lado do
denunciante, sendo-lhe lícito, inclusive, aditar a petição inicial É o que se
extrai do artigo 84 porém, uma vez ocorrido o aditamento não poderá o
denunciado alterar o pedido do autor ou modificar a causa de pedir, pois
eventual aditamento só poderá se referir a fundamentos diferentes daqueles
que já foram utilizados pelo autor.529
Na denunciação da lide pelo réu caberá a este requerer, no
prazo para contestar, a citação do denunciado, atendida a regra do § 1°, do
artigo 72. Se o réu não promover a citação do denunciado, o processo
prosseguirá com o denunciante – réu –, a teor do que prescreve o artigo 72, §
2°, do Códex processual.
Com efeito, se o denunciado aceitar e contestar o pedido
deduzido pelo autor, o processo seguirá entre o autor e o denunciante –
primitivo réu – e o denunciado, configurando, assim, litisconsórcio. Se o
denunciado mostrar-se revel, ou comparecer apenas para negar a qualidade
que lhe fora atribuída, cabe ao denunciante continuar na defesa como réu até
528
529
Cássio Scarpinela Bueno, Partes e terceiros no processo civil brasileiro, p. 229.
Nelson Godoy Bassil Downer, Curso básico de direito processual civil, p. 247.
226
final decisão, sem que o denunciado possa ser excluído do processo, pois não
se pode esquecer que o mesmo será réu na ação incidental e secundária de
denunciação, e sua alegação corresponderá à contestação. Se, contudo, o réu
denunciado confessar os fatos alegados pelo autor, poderá o denunciante
prosseguir na defesa.530
5.1.7.6 Denunciação Sucessiva
Essa espécie de denunciação esta autorizada pela lei
processual, conforme prescreve o artigo 73 do Código de Processo Civil
brasileiro, que estabelece que aquele que for denunciado poderá denunciar,
sucessivamente, aquele que deve responder diante de si pela indenização ou
reparação dos seus prejuízos por via regressiva.
Dessa forma, é essa uma das características mais
marcantes do instituto da denunciação. Não existe limite para essa sucessão
entretanto, sobretudo, é nítido que caberá ao juiz da causa avaliar sua
pertinência e indeferi-la de plano quando se apresente infundada e
impertinente.
Assim
como
os
demais
institutos
processuais
a
denunciação da lide fora criada para atender aos princípios da economia
processual e da celeridade, o que verdadeiramente ocorre se tal instituto for
bem utilizado, no entanto, não se utilizando dele corretamente, causar-se-á
extremo tumulto processual, diante da análise profunda que deve ser feito
antes do seu deferimento.
530
Manoel Antônio Teixeira Filho, Intervenção de terceiros, p. 37.
227
Como esclarece Athos Gusmão Carneiro531, existe um
risco de eternização do processo, com a convocação de sucessores de
alienantes já falecidos, etc. Arruda Alvim532 sustentou que o Código teria
usado propositadamente do verbo intimar e não o verbo citar, pois a
intimação não tornaria os intimados, réus de sucessivas demandas regressivas,
mas tão somente serviria para cientificá-los do processo, a fim de que nele
pudessem intervir como assistentes. Posteriormente, Arruda Alvim modificou
seu entendimento, passando a admitir a denunciação sucessiva da lide que,
todavia, não deverá ser aceita no caso de “delonga a dano do autor,
principalmente”.533
5.1.7.7 Da Sentença na Denunciação da Lide
A denunciação da lide, fundada no princípio da
economia processual, concentra em um só processo a solução de duas ou
mais ações. Assim, a sentença será formalmente una, mas conterá duas
decisões.
Proposta a denunciação, o juiz não poderá deixar de julgar
simultaneamente os dois pedidos conexos, sob pena de incorrer em nulidade
da sentença.
Dessa forma, a “primeira sentença” será relativa ou à ação
reivindicatória, ou ao bem em posse do possuidor direto, por direito ou
obrigação, ou, ainda, à obrigação da qual o inadimplemento dá direito à ação
531
532
533
Athos Gusmão Carneiro, Intervenção de terceiros, p. 108-109.
Arruda Alvim, Código de processo civil comentado, p. 241.
Idem, Manual de direito processual civil, p. 168.
228
regressiva. A segunda sentença, por seu turno, diz respeito ao direito do
evicto ou prejuízo cabível na espécie.
Ressalva deve ser feita ao que prescreve o artigo 76 do
Código de Processo Civil brasileiro, pois, em equívoco, refere-se somente à
sentença que julgar procedente a ação, explicitando que ela declara “(...)
conforme caso, o direito do evicto, ou a responsabilidade por perdas e danos,
valendo como título executivo”. Todavia, esqueceu-se o legislador de
mencionar o fato da improcedência da ação, quando o juiz deve, em havendo
denunciação feita pelo autor, reconhecer o direito deste de se ver ressarcido
pelo denunciado, igualmente valendo tal sentença como título executivo.
A expressão “a sentença que julgar procedente a ação”,
prevista nesse mesmo artigo, deve ser entendida como a sentença que julgar a
ação contra o denunciante, eis que tanto o denunciado pelo autor como pelo
réu, devem ser condenados a ressarcir quem os denunciou à lide.
Nesse sentido, confira-se a Ementa de alguns julgados que
tratam sobre o assunto:
“Nos termos do artigo 88 da Lei nº 8.078/90, nas ações de
reparação de danos derivados de relação de consumo, não há
espaço para a denunciação da lide, pois o consumidor tem o
direito de ser ressarcido em face da responsabilidade objetiva do
fornecedor, sem que se discuta dolo ou culpa”.534
“Em face da responsabilidade objetiva do fornecedor de produtos
ou serviços, o consumidor tem o direito de ser ressarcido
independentemente da discussão sobre dolo ou culpa, razão pela
qual, pelo sistema adotado pela Lei nº 8.078/90, não se admite
denunciação da lide versando sobre relações de consumo”.535
534
535
TJRO – AgIn. nº 020/00 – Câmara Única – Rel. Des. Ricardo Oliveira – j. 09.05.00.
TACivSP – AgIn. nº 949.842-4 – 4ª Câm. – Rel. Juiz Rizzatto Nunes – j. 27.09.00.
229
“O artigo 88 da Lei nº 8.078/90 veda expressamente a
denunciação da lide em ações derivadas de relações de consumo,
em razão da incompatibilidade da intervenção de terceiros com a
celeridade processual preconizada pelo Estatuto Consumerista. O
não acolhimento da denunciação, no entanto, não impede o uso da
ação regressiva, que poderá ser ou não exercida pelo consumidor,
conforme o resultado da demanda principal, como se depreende da
leitura do artigo 13, parágrafo único, do Código de Defesa do
Consumidor”.536
O legislador também incorreu em erro, no mencionado
diploma legal, ao dizer, no mesmo dispositivo legal, que a sentença declarará
a responsabilidade do denunciado em ressarcir o denunciante. A natureza da
sentença com relação ao denunciado, se reconhecida a sua responsabilidade
indenizatória para com o denunciante, será de caráter condenatório, valendo
também como título executivo. Apenas ao reconhecer a sentença o direito do
denunciante em relação ao denunciado, julgando, assim, a lide contra o
denunciante, é que a mesma terá caráter declaratório.537
5.1.8 Da Denunciação da Lide no Código de Defesa do
Consumidor
É unanime a doutrina brasileira538 em afirmar a
impossibilidade do instituto da denunciação à lide nas denominadas
relações de consumo, ou seja, naquelas em que se aplica o Código de
Defesa do Consumidor, tendo em vista que em seu âmbito, os
delineamentos da responsabilidade objetiva foram acolhidos com a
536
537
538
TACivSP – Ag.In. nº 1.011.610-4 – 1ª Câm. – Rel. Juiz Edgard Jorge Lauand – j. 04/06/2001.
Neste sentido: Cândido Rangel Dinamarco, Intervenção de terceiros, p. 46; Arruda Alvim,
Manual de direito processual civil, p. 196; Nelson Godoy Bassil Downer, Curso básico de
direito processual civil, p. 249.
Eduardo Gabriel Saad, Comentários ao código de defesa do consumidor, p. 560-561; Maria
Berenice Dias, Código de defesa do consumidor, p. 107-110.
230
denominação de responsabilidade pelo fato do produto, não interessando
verificar a conduta do fornecedor de bens ou serviços, mas tão somente a
existência de nexo causal entre o dano e o produto ou serviço. Adotou-se,
assim, a teoria do risco.
O CDC, em seu art. 12, estabelece a responsabilidade
objetiva do fabricante, produtor, construtor e importador pelos defeitos de
produtos. A responsabilidade subsidiária do comerciante é estabelecida no art.
13, quando o fabricante ou importador não for identificado.
É importante ressaltar a solidariedade passiva dos
fornecedores prevista no art. 18 do Código de Defesa do Consumidor, com a
finalidade única de beneficiar o consumidor, na medida em que este pode
escolher, entre os solidários, aquele que melhor lhe convier.
Admitir a possibilidade de denunciação à lide de forma
generalizada nas relações de consumo seria, a nosso ver, contrariar os
princípios norteadores da responsabilidade objetiva adotada pelo Código e,
ainda, os princípios que informam o microssistema, tais como o da
vulnerabilidade, facilitação da defesa e acesso à justiça.
É certo que a denunciação à lide nos casos de
responsabilidade objetiva, em tese, não é possível, uma vez que traria aos
autos a discussão sobre culpa (o que não se coaduna com a responsabilidade
objetiva), fato que ensejaria ampla produção de prova para aferição da mesma
no caso concreto, prejudicando a rápida prestação jurisdicional.
Estabelece, ainda, o art. 88 do Código de Defesa do
Consumidor, in verbis:
231
“Na hipótese do art. 13, parágrafo único, deste Código, a ação de
regresso poderá ser ajuizada em processo autônomo, facultada a
possibilidade de prosseguir-se nos mesmos autos, vedada a
denunciação da lide”.539
A vedação da possibilidade de denunciação da lide, do
artigo 88, tem suas razões: evitar que a prestação jurisdicional processual dos
consumidores seja retardada e, também, a alteração da causa de pedir
primitiva.
Arruda Alvim, enfrentando a questão da vedação do art. 88
no caso do art. 13 do Código de Defesa do Consumidor, conclui que limitar a
impossibilidade da denunciação aos casos previstos no art. 13 do CDC seria
afrontar todos os princípios que informam o microssistema consumerista.
Defende o autor a impossibilidade de qualquer intervenção de terceiros nas
relações de consumo.
Como já tivemos a oportunidade de salientar no tópico
referente ao chamamento ao processo, o Código de Defesa do Consumidor ao
autorizar o chamamento do segurador quando o réu primitivo tenha com este
contrato de responsabilidade civil cria, no art. 101, II, do CDC figura nova,
pois, se aplicado fosse o CPC teríamos denunciação da lide e não
chamamento ao processo.
Questão interessante se coloca quando o consumidor
propõe ação indenizatória em relação ao Estado tendo este lhe prestado
serviços mediante tarifa. É unanime a doutrina no sentido de que, nesse
caso, aplica-se o Código de Defesa do Consumidor, pois se trata de
prestação
539
de
Ibidem, p. 781.
serviço
mediante
remuneração,
inclusive
com
232
responsabilidade objetiva. Seria correto vedar a denunciação da lide ao
funcionário pelo Estado, para que posteriormente possa este último vir a
ser ressarcido?
No que toca ao Código de Processo Civil, a doutrina não é
unânime quanto à desnecessidade da denunciação.
Como conciliar, nesse caso, o interesse público com a
vulnerabilidade do consumidor e a teoria da responsabilidade objetiva do
Estado?
Entendemos que, apesar do interesse público presente na
lide em andamento, o que se sobressai é a responsabilidade objetiva do
Estado, pois se aceita a denunciação, neste caso, estará se trazendo elemento
novo ao processo, ou seja, a culpa, o que categoricamente não se coaduna
com a responsabilidade objetiva.
Outra questão que se demonstra pertinente é a do art. 456
do Código Civil, que estabelece que para exercitar o direito que da evicção
lhe resulta o adquirente notificará do litígio o alienante imediato, ou qualquer
dos anteriores, quando e como lhe determinarem as leis do processo. Seria o
artigo em comento aplicável nas relações de consumo?
Entendemos que não, a uma porque o microssistema é
próprio e outras normas somente serão aplicadas de forma subsidiária, desde
que não afrontem as disposições do mesmo, e a duas, conforme já
salientamos, porque não há sanção prevista no caso de não atendimento ao
preceito, consoante entendimento, inclusive, dos nossos tribunais.
233
Concluímos,
portanto,
pela
impossibilidade
da
denunciação à lide nas relações reguladas pela Lei nº 8.078/90 (Código de
Defesa do Consumidor), exceto se a mesma vier a beneficiar a efetiva tutela
jurisdicional do consumidor.
Imagine-se ação proposta por consumidor em relação a
comerciante, nos termos do art. 13, ou seja, quando o fabricante, o
produtor ou o importador não puderem ser identificados. Proposta a ação,
o comerciante obtém êxito em identificar o produtor, que não possui
meios financeiros para arcar com a indenização devida ao consumidor. É
salutar, nesse caso, a possibilidade de denunciação efetuada pelo
comerciante demandado, pois, caso contrário, o consumidor não será
indenizado.
Entendemos
que,
visando
à
efetiva
indenização
do
consumidor, vedar de forma cabal a denunciação à lide, prejudicaria o
mesmo em vez de protegê-lo.
Medida que se mostra aceitável é a possibilidade de o
consumidor poder optar se lhe convém, ou não, a denunciação à lide de outros
coobrigados.
Também é de se olvidar a possibilidade de a denunciação à
lide ocorrer numa ação proposta em relação a profissional liberal, haja vista
que, de acordo com o art. 14, parágrafo quarto, somente responderá por danos
causados ao consumidor se agir com culpa.
Concluímos que, desde que o denunciante não seja aquele
que responde de forma objetiva, ou seja, sem se perquirir sua culpa, é possível
a denunciação da lide, pois, nesse caso, não haverá alteração da causa de
pedir.
234
5.1.9 Do Chamamento ao Processo no Código de Processo
Civil
5.1.9.1 Considerações Introdutórias
A figura do chamamento ao processo surgiu no direito
brasileiro com o advento do Código de Processo Civil de 1973, já que Códex
de 1939 não previa tal modalidade interventiva.
A origem do instituto em comento remonta ao direito
português, no qual se denominava chamamento à demanda, conforme artigo
330 do Código de Processo Civil português.540
Nos tradicionais ordenamentos jurídicos, excluindo-se o
direito português, não conhecemos a figura do chamamento ao processo com
as características de nosso instituto. O Código de Processo Civil italiano, em
seu artigo 106, propõe situação parecida, a qual, contudo, não corresponde
exatamente ao brasileiro.
No direito italiano, o instituto previsto no artigo
supramencionado é o intervento coatto su istanza di parte, cuja redação se
transcreve: “Qualquer das partes pode chamar ao processo um terceiro
com o qual considera comum a causa ou do qual pretende ser
garantida”.541
540
541
Flávio Cheim Jorge, Chamamento ao processo, p. 18.
Tradução livre de: “Artigo 106: Intervento su istanza di parte. Cisacuna parte può
chiamare nei proceso un terzo al quale ritiene comune la causa o dal quale pretende
essere garantita”.
235
Enrico Tullio Liebman542 afirma que ocorre uma das
hipóteses compreendidas no artigo 106 quando o terceiro, coobrigado, é
chamado ao processo em que o credor pede a prestação devida.
Por seu turno, Dinamarco ao inserir nota na obra de
Liebman, Manual de direito processual civil, descortina no artigo 106 do
Codice di procedura civile os elementos da denunciação da lide e do
chamamento ao processo, previstos em nossa codificação:
“No artigo 106, transcrito no texto, estão os correspondentes
italianos da nossa denunciação à lide e do chamamento ao
processo: ‘chiamare nel proceso un terzo al quale ritiene comune
la causa’ é praticamente o mesmo que ‘chamá-lo ao processo’, nos
termos do nosso artigo 77, para ser litisconsorte passivo do
chamador; e trazer ao processo o terceiro ‘da quale pretende
essere garantito’é denunciar-lhe a lide”.543
Há diferenças estruturais entre esses institutos. Na parte
final do artigo 106 do Código de Processo Civil italiano, ao permitir à parte
convocar ao feito o terceiro dal quale pretende essere garantita, equivale,
como reconhece Dinamarco, à denunciação da lide prevista nos artigos 70 a
75, do nosso CPC.
Todavia, a convocação pela parte do terceiro que tem
uma causa comum não equivale, de forma completa, ao chamamento ao
processo dos artigos 77 a 80 do Código de Processo Civil brasileiro. Por
essa razão, Liebman afirma que o chamamento em si apenas conduz o
terceiro a assistir ao processo, estando à margem dele, não se excluindo a
possibilidade de que uma das partes proponha ação contra aquele que
542
543
Enrico Tullio Liebman, Manualle di diritto processuale civile, p. 117.
Ibidem, mesma página.
236
também interveio, podendo igualmente propor uma ação contra uma ou
ambas as partes.544
Desse modo, ao se utilizar do dispositivo 106 do Código
de processo civil italiano, não obtém de imediato o título executivo em
detrimento do chamado, assim como o autor também não dispõe dessa
vantagem face ao chamado, pois o instituto apenas submete o chamado à
eficácia da decisão.545
Nessa esteira, Crisanto Mandrioli546 sustenta que as razões
práticas que conduzem a parte a chamar o terceiro ao processo concentram-se
na eficácia que tal provimento surtirá contra esta.
Sérgio Costa, por seu turno, afirma que: “Nos casos em
que o terceiro tem uma legitimação igual a de uma das partes, a intervento
coatto tem o efeito de torná-lo parte, e portanto de estender-lhe a coisa
julgada”.547
Fazendo menção à semelhança do artigo 106 do Código de
Processo Civil italiano com o artigo 77 do Códex brasileiro, Flávio Cheim
Jorge menciona que:
“Assim, as diferenças estruturais e teleológicas de ambos os
institutos (o chamamento ao processo e a intervenção de terceiro
na causa comum) são primordiais para impedir que se procure
retirar do sistema italiano, noções que possam ser essenciais ao
estudo do chamamento ao processo. As questões tratadas na Itália,
que poderiam se assemelhar ao chamamento ao processo no
Brasil, se aproximam muito mais, tanto no aspecto procedimental
544
545
546
547
Ibidem, mesma página.
Haroldo Pimenta, O chamamento ao processo no código de defesa do consumidor, p. 51.
Crisanto Mandrioli, Corso di diritto processuale civile, p. 349.
Sérgio Costa, L’intervento in causa, p. 161.
237
quanto no teleológico, da denunciação da lide que, propriamente,
do chamamento ao processo”.548
Muitas
semelhanças
existem
entre
o
instituto
do
chamamento ao processo e a denúncia da lide (Streitverkündung) do direito
alemão.549
Léo Rosenberg define a denúncia da lide como sendo a
comunicação formal a um terceiro de uma controvérsia pendente por uma
das partes integrantes da relação processual, com o escopo de produzir esse
efeito da intervenção, e através dele evitar juízos distintos sobre o mesmo
fato.550
Todavia, o ensinamento de Léo Rosenberg, assim como a
análise dos dispositivos presentes na Zivilprozessordnung colocam em
visibilidade as divergências mais do que as similitudes do instituto do direito
germânico e o brasileiro. Seu § 72 autoriza a parte, que teme obter uma
decisão desfavorável no litígio, a formular uma pretensão de garantia ou
indenização contra terceiro, que passa a compor a relação processual.551 Se,
porventura, um terceiro chamado à lide se alia à parte que provocou seu
ingresso no processo, será reputado interveniente adesivo,552 e, em qualquer
hipótese, o então terceiro submeter-se-á à eficácia da intervenção aludida pelo
548
549
550
551
552
Flávio Cheim Jorge, Chamamento ao processo, p. 23.
Neste sentido: Cândido Rangel Dinamarco, Instituições de direito processual civil, p. 135.
Léo Rosenberg, Tratado de derecho procesal civil, p. 279.
§ 72 ZPO: “Una parte que, para el caso de una resolución del litigio desfavorable para ellla,
cree poder formular una reclamation de garantia o indemniización”.
Conforme preleciona o § 74 ZPO: “Si el tercero se adhiere al denunciante, entonces su
relación com las partes se determina según los principios sobre la intervención adhesiva. Si el
tercero rechasa la adhesión o no se manifiesta, se continúa el proceso sin tomarle en
consideración. En todos los casos de este artículo se deben aplicar contra el tercero las
disposiciones de § 68, con las diferencia de que, en lugar del momento de la adhesión, es
determinante el momento en que la adhesion era posible aconsecuencia de la presentación de
la demanda”.
238
§ 68 da ZPO.553 A denúncia da lide do direito alemão submete o terceiro à
eficácia da decisão proferida no processo, não havendo a criação, no próprio
processo em que a denúncia ocorreu, de um título executivo em detrimento do
chamado, quer em favor da parte que promove a denunciação, quer em favor
da parte contrária àquela que promoveu a denúncia.
Ressalva seja feita à singularidade do instituto em comento
na nossa codificação, sendo que a análise comparada deverá voltar sua
atenção para a legislação portuguesa, que não disciplina o instituto de forma
autônoma, mas o consagra com as características originais como forma de
intervenção principal provocada passiva.
Bem por isso que a fórmula enunciada por José Alberto
dos Reis traduz o laço que une as hipóteses de chamamento à demanda,
previstas no então artigo 335 do Código de Processo Civil português,
restando, no entanto, ausente tanto no Codice di procedura civile italiano,
como da Zivilprozessordnung alemã. Eis, então, a fórmula de cuja ausência
ressentem os sistemas processuais estrangeiros:
“Especificam-se os casos em que pode ter lugar o chamamento à
demanda. Todos eles se condensam nesta fórmula: a obrigação
impede sobre várias pessoas; o credor demanda unicamente uma
delas; o demandado quer que os outros responsáveis sejam
colocados na posição de réu para, dado o caso de acção proceder,
serem condenados conjuntamente com ele. Chama-os, para este
efeito, a demanda”.554
553
554
Prescreve o § 68 da ZPO: “Com relación a la parte principal, al interviniente adhesivo no se
le da audiencia com la afirmación de que el proceso, tal y como se lo há presenteado al juez,
há sido resuelto incorrectamente; com la afirmación de que la parte principal há llevado el
proceso de forma defectuosa, se le audiencia sólo en tanto que por el estado del proceso en el
momento de su entrada o por manifestaciones y actos de la parte principal, le haya resultado
impossible esgrimir medios de ataque y defensa o en tanto que, de forma intencionada o com
cupla grave, a parte principal no haya esgrimido medios ataques y defensa que eran
desconocido por él”.
José Alberto dos Reis, Código de processo civil anotado, p. 449.
239
No Brasil o chamamento ao processo tem duas
características marcantes que acabam por afastá-lo definitivamente do
sistema italiano, quais sejam: a posição do terceiro ao integrar a demanda e
a ausência de ação de regresso nos mesmos autos do chamante em face do
chamado.
É importante ressaltar que atualmente o Código de
Processo Civil português não mais prevê o chamamento à demanda como
figura autônoma. O presente instituto é tratado agora, como intervenção
principal passiva provocada, encartada nos artigos 325 à 329 do mesmo
Códex.
Entre nós, a modalidade de intervenção de terceiros
denominada chamamento ao processo é aquela pela qual o réu pretende que
os demais devedores ou co-devedores venham a integrar o pólo passivo da
relação jurídica substancial, por não terem sido acionados para figurarem
como réus na ação proposta pelo autor da demanda.
Alguns conceitos sobre o assunto serão trazidos a lume:
Flávio Cheim Jorge:
“O chamamento ao processo é uma das formas de ingresso coativo
de terceiro ao processo, onde é concedida, ao réu a faculdade de,
sendo demandado em obrigação comum, chamar ao processo os
outros devedores, para ocuparem juntamente com ele a posição de
réu, sendo todos condenados pela mesma sentença”.555
Por seu turno, Celso Agrícola Barbi:
555
Flávio Cheim Jorge, Chamamento ao processo, p. 30.
240
“O instituto do chamamento ao processo consiste na faculdade
atribuída ao devedor, que está sendo demandado para o
pagamento de determinada dívida, de chamar ao processo os codevedores, ou aqueles a quem incumbia precipuamente o
pagamento, de modo a torná-los também réus na ação. Além dessa
finalidade, há outra, qual seja, obter sentença que possa ser
executada contra os co-devedores ou obrigado principal, pelo
devedor que pagar o débito”.556
Na doutrina de José Frederico Marques:
“Chamamento ao processo é o ato com o qual o devedor quando
citado como réu, pede a citação também de outro coobrigado, a
fim de que se decida, no processo, a responsabilidade de
todos”.557
Humberto Theodoro Júnior define:
“Chamamento ao processo é o incidente pelo qual o devedor
demandado chama para integrar o mesmo processo os
coobrigados pela dívida, de modo a fazê-los também responsáveis
pelo resultado do feito”.558
Cândido Rangel Dinamarco preleciona:
“Chamamento ao processo é o ato com que o réu pede a
integração de terceiro ao processo para que, no caso de ser
julgada procedente a demanda inicial do autor, também aquele
seja condenado e a sentença valha como título executivo em face
dele”.559
Primordial a definição de Nelson Nery Júnior e Rosa
Maria de Andrade Nery:
556
557
558
559
Celso Agrícola Barbi, Comentários ao código de processo civil, p. 215.
José Frederico Marques, Manual de direito processual civil, p. 268.
Humberto Theodoro Júnior, Curso de direito processual civil, p. 120.
Cândido Rangel Dinamarco, Intervenção de terceiros, p. 120.
241
“Chamamento ao processo é a ação condenatória exercida pelo
devedor solidário que, acionado sozinho para responder pela
totalidade da dívida, pretender acertar a responsabilidade do
devedor principal ou dos demais co-devedores solidários, estes na
proporção de suas cotas”.560
Portanto, com o chamamento ao processo ocorre o
surgimento de litisconsórcio passivo por vontade do réu. A ocorrência dessa
modalidade litisconsorcial é, ainda hoje, criticada por muitos autores
brasileiros, haja vista que no caso de devedores solidários, conforme dispõe o
Código Civil brasileiro, o credor pode demandar um, alguns, ou todos os
devedores para exigir o pagamento integral da obrigação. Assim, a formação
do litisconsórcio passivo de acordo com o direito substancial é uma faculdade
do autor, que com o chamamento ao processo acaba sendo anulada pelo
demandado primitivo.
É por esse motivo que a comissão revisora do anteprojeto
do Código de 1973 relutou em sua aprovação:
“O autor pode ter razões respeitáveis para só querer acionar o
fiador, ou um deles, ou um dos devedores solidários. Neste último
caso, aliás, convém lembrar que é da assistência da solidariedade
passiva o poder exigir-se de um só dos devedores a dívida toda.
Desvirtuar-se-ía o instituto permitindo que, contra a vontade do
credor, se tragam ao processo os co-devedores. Tendo escolhido
um único, segundo lhe faculta o direito material, ver-se-ía ele
forçado, por ato do réu, a litigar contra todos. Além de outros
óbvios inconvenientes, ressalte-se o da demora resultante da
suspensão do processo para citação dos co-devedores. E assim,
analogamente, quanto às hipóteses do artigo”.561
Em concordância com a maioria doutrinária, entende-se
que o instituto do chamamento ao processo só é cabível no processo de
560
561
Nelson Nery Júnior e Rosa Maria de Andrade Nery, Código de processo civil comentado e
legislação processual civil em vigor, p. 388.
Diário do congresso nacional, seção II, de 29 de novembro de 1972, p. 4968.
242
conhecimento e não é possível nos processos de execução562 e no cautelar,563
e sujeita-se a alguns pressupostos,564 quais sejam: a) o chamado deve ser
devedor do credor, autor da ação; b) o chamante deve ter o direito de
reembolso contra o chamado no caso de pagar a dívida. Ausentes um desses
requisitos, tal instituto não será cabível.
5.1.9.2 Finalidade
Parte da doutrina brasileira565 afirma que a finalidade do
chamamento ao processo é a manifestação do demandado primitivo no
sentido de que venham atuar como litisconsortes os demais devedores da
obrigação de direito material, assumindo, assim, a posição de réu na ação.
Decorrente dessa intervenção contra os chamados se formará título
executivo, de acordo com os artigos 78 e 80 do Código de Processo Civil
brasileiro.
Importa trazer a lume o ensinamento de Celso Agrícola
Barbi para quem:
“A finalidade do instituto é favorecer o devedor que está sendo
acionado porque amplia a demanda, para permitir a condenação
também dos demais devedores, além de lhe fornecer, no mesmo
processo, título executivo judicial para cobrar deles aquilo que
pagar”.566
562
563
564
565
566
Neste sentido: Flávio Cheim Jorge, Chamamento ao processo, p. 102-106; Vicente Greco
Filho, Direito processual civil brasileiro, p. 150; Olavo de Oliveira Neto, A defesa do
executado e dos terceiros na execução forçada, p. 148-152.
Cândido Rangel Dinamarco, Instituições de direito processual civil, p. 410.
Moysés André Bittar, As espécies de intervenções de terceiros no processo de conhecimento
do trabalho, p. 82.
Athos Gusmão Carneiro, Intervenção de terceiros, p. 44; José Manoel de Arruda Alvim Neto,
Código de processo civil comentado, p. 321.
Celso Agrícola Barbi, Comenstários ao código de processo civil, p. 215.
243
Com a instituição do título executivo, aquele que paga a
obrigação por inteiro – vencido que foi na ação condenatória – volta-se em
ação de regresso contra os demais devedores que não efetuarem o pagamento
de sua parte.567
Nelson Nery Júnior,568 Marcelo Abelha Rodrigues569 e
Ovídio Baptista da Silva570 afirmam que a finalidade do chamamento ao
processo é diferente, pois, para esses autores, o instituto processual em
comento não tem por finalidade a ampliação do pólo passivo com o ingresso
dos demais devedores de direito substancial, que não são partes no pólo
passivo da ação por opção do autor. Enfatizam que ninguém pode ser
obrigado a litigar em juízo contra alguém por imposição de um litisconsórcio.
Importante ressaltar que essa modalidade de intervenção é
admitida somente em questões obrigacionais, quando um dos coobrigados é
acionado, nascendo para ele a faculdade de convocar os demais co-devedores
para que venham responder pela obrigação juntamente com ele. É o que
estabelece o Código de Processo Civil, em seu artigo 77, que admite ser
possível o chamamento ao processo do devedor, na ação em que o fiador é
réu, dos demais fiadores, quando a ação for proposta originariamente somente
em relação a um deles, e de todos os devedores solidários, quando o credor
propuser a ação apenas em relação a um ou a alguns deles para recebimento
da dívida comum.
Comungamos com Arruda Alvim ao afirmar que:
567
568
569
570
Cássio Scarpinela Bueno, Partes e terceiros no processo civil brasileiro, p. 279.
Nelson Nery Júnior e Rosa Maria de Andrade Nery, Código de processo civil comentado e
legislação processual civil em vigor, p. 489.
Marcelo Abelha Rodrigues, Elementos de direito processual civil, p. 329.
Ovídio Araújo Baptista da Silva, Comentários ao código de processo civil, p. 366-371.
244
“Aquele que chama outrem ao processo não tem pretensão a
fazer em relação ao chamado; apenas entende que este tem,
tanto quanto ele, ou mais, obrigação de responde face ao
autor”.571
Vislumbra-se que a sentença proferida em processo em que
ocorrer o fenômeno do chamamento, poderá ser executada pelo autor, em casos de
obrigação solidária, somente em relação ao chamado, se for essa sua vontade.
Caso se trate de obrigação não solidária e divisível, poderá
o autor executar, chamante e chamado, cada qual pela sua parte.
5.1.9.3 Hipóteses de Cabimento
A matéria pertinente ao instituto do chamamento ao
processo está disciplinada nos artigos 77 a 80 do Código de Processo Civil
brasileiro.
O artigo 77 do Código de Processo Civil estabelece em que
hipóteses pode ocorrer o chamamento ao processo para integrar o pólo
passivo da ação e quem pode ser chamado.
O inciso I do artigo supra trata especificamente do caso em
que o fiador é demandado primitivamente, possibilitando que este chame ao
processo aquele a quem afiança.
É interessante a discussão sobre a existência de interesse
jurídico do fiador em chamar ao processo o devedor primitivo. Uma vez que o
571
Arruda Alvim, Código de processo civil comentado, p. 358-359.
245
patrimônio do devedor principal não seja suficiente para o pagamento do
crédito do autor, este é autorizado nos termos do artigo 127, caput, do Código
Civil, a se voltar contra o patrimônio do fiador consubstanciado na
responsabilidade subsidiária.
Portanto, fica claro o interesse jurídico do fiador
demandado primitivamente em chamar ao processo o devedor principal e,
ainda, os demais fiadores, se houver, pois, dessa forma, a sentença condenará
cada um dos réus a sua respectiva cota obrigacional, de acordo com o que
estabelece o artigo 80 do Código de Processo Civil brasileiro.572
O inciso II do mesmo artigo traz ao fiador, demandado
isoladamente, a possibilidade de chamar ao processo, para integrar o pólo
passivo da ação proposta somente contra ele, os demais fiadores, se houver,
pois havendo mais de um, existirá entre eles solidariedade (artigo 829 do
Código Civil). Exceção deverá ser feita quando na obrigação houver limitação
de responsabilidade, ou que o autor esteja exigindo no processo somente a
quota-parte do fiador demandado.
Já o inciso III trata da hipótese de obrigação exigida dos
devedores solidários. Sabemos que, havendo solidariedade entre os
devedores, pode o credor da obrigação exigir de um, de alguns ou de todos,
total ou parcialmente, o cumprimento da obrigação.
Trata-se de instrumento que faz com que terceiro, embora
legitimado a figurar no pólo passivo da ação, não o seja por opção do autor,
572
Cássio Scarpinela Bueno, Partes e terceiros no processo civil brasileiro, p. 283. No mesmo
sentido: Athos Gusmão Carneiro, Intervenção de terceiros, p. 98.
246
que decidira não demandar contra este ou aquele, que deveria ser o primitivo
réu.
Já apontamos a crítica da doutrina quanto a essa
possibilidade, pois, conforme já salientamos, forma-se por opção do réu
primitivo um litisconsórcio passivo.
Porém, não se trata de pedido formulado pelo réu contra
terceiro. O que pretende o réu primitivo é que a tutela jurisdicional,
inicialmente requerida, se eventualmente concedida, alcance todos os
coobrigados.
5.1.9.4 Procedimentos
O
procedimento
do
chamamento
ao
processo
é
estritamente rigoroso. Todavia, o Código de Processo Civil, em seu artigo 78,
limita-se a determinar que “(...) para que o juiz declare, na mesma sentença,
as responsabilidades dos obrigados, a que se refere o artigo antecedente, o
réu requererá, no prazo para contestar, a citação do chamado”. O artigo 79
do mesmo Códex, complementando o que dispõe o artigo anterior, faz
menção ao fato de que o juiz deverá suspender o processo para que se
observe. quanto à citação e aos prazos, o que dispõem os artigos 72 e 74.
Há entendimento no sentido de que o chamamento ao
processo e a contestação podem ocorrer ao mesmo tempo, uma vez que é
perfeitamente possível que, em virtude da suspensão do processo, que ocorre
com a citação dos chamados, o primeiro dos réus chame ao processo e, logo
em seguida, apresente a sua resposta.
247
Ressalte-se que essa possibilidade de apresentação da
contestação após a ocorrência de tal instituto dependerá da efetiva suspensão do
processo, que pressupõe uma determinação judicial da citação do chamado.573
Em virtude do risco de perder o prazo para a contestação
pelo fato de não ter sido acolhido o chamamento, é que Celso Agrícola
Barbi574 sustenta que a melhor interpretação do artigo 79 seria a que,
independentemente do recebimento, ou não, do pedido de chamamento, o
processo deva ser suspenso, permanecendo nessa condição até que termine o
ciclo citatório.
Mas o contrário não é tido como igual, pois se o réu
apresentar a defesa, não poderá mais chamar ao processo. Numa vez oferecida
reconvenção ou contestação antes de apresentado o chamamento, ocorrerá a
preclusão consumativa, e não se poderá ajuizar a ação de chamamento.
Assim, nos casos em que é admitido o chamamento ao
processo, o réu requererá a citação dos coobrigados, observando-se o prazo da
contestação; deferido o requerimento, o juiz suspenderá o processo, não
podendo nenhum ato processual ser realizado, a não ser a citação dos
chamados, citar-se-á o chamado; em dez dias quando residente na mesma
comarca, ou em trinta dias quando residente em outra, ou num lugar incerto.
Se, por qualquer motivo, não se efetuar a citação nesses prazos, tem
prosseguimento o processo somente com o chamante.575
573
574
575
Ibidem, p. 293. No mesmo sentido: Flávio Cheim Jorge, Chamamento ao processo, p. 128129.
Celso Agrícola Barbi, Comenstários ao código de processo civil, p. 220-221.
Moacyr Amaral Santos, Primeiras linhas de direito processual civil, p. 37-38; Sérgio Luiz
Monteiro Salles, Breviário teórico e prático de direito processual civil, p. 143; Athos Gusmão
Carneiro, Intervenção de terceiros, p. 135-136; Willian Couto Gonçalves, Intervenção de
terceiros, p. 280-281.
248
Feita a citação, reabre-se o prazo de contestação para o
primitivo réu e abre-se para os chamados o prazo para a defesa que
entenderem por bem oferecer. O lapso temporal é de quinze dias no
procedimento ordinário.
Deferido o requerimento do chamamento e suspenso o
processo, o juiz observará, quanto aos prazos, as disposições que lhes sejam
pertinentes, previstas na denunciação da lide.576
Assim, entre o primitivo réu e os chamados ao processo,
forma-se litisconsórcio passivo em relação ao autor. A defesa dos chamados,
todavia, é mais ampla, podendo cada qual deduzir direitos tanto em face do
autor como em face dos demais litisconsortes.577
5.1.9.5 Efeitos da Sentença e da Coisa Julgada
A sentença irá definir a procedência ou não da demanda
perante cada um dos demandados. Se os devedores forem condenados, a
sentença valerá como título executivo em favor do que satisfizer a dívida,
para exigi-la, no seu inteiro teor, do devedor principal, ou de cada um dos codevedores a sua quota, na proporção que lhes tocar (inteligência do artigo 80
do Código de Processo Civil brasileiro).
Ao se falar em formação de título executivo, a sentença
apresenta semelhança com a que é proferida nos casos de denunciação à lide,
com uma diferença fundamental, pois na denunciação a sentença de
576
577
Ibidem, p. 38.
Ibidem, mesma página.
249
procedência é título executivo no que se refere à ação regressiva, em favor do
denunciante contra o denunciado.
Aqui, nem sempre o título executivo será formado em
favor do chamante e contra o chamado, mas dependerá, sim, de quem vier a
satisfazer a dívida ao final da demanda.578
A esse respeito confira-se o entendimento de Ovídio
Baptista da Silva:
“(...) o traço distintivo essencial entre o chamamento ao processo e
a denunciação da lide está em que, naquele, todos os réus são
obrigados perante o credor comum, enquanto nas hipóteses de
denunciação da lide há vínculo apenas entre o denunciante e o
denunciado; e nenhuma relação jurídica entre este e o adversário
do denunciante”.579
Assim, o chamamento não representa exercício de ação
regressiva do chamante contra o chamado, mas apenas convocação para a
formação do litisconsórcio passivo.
É o que justifica o fato de ser a sentença de procedência,
por si, só um título executivo apenas em favor do autor, como o é qualquer
outra sentença condenatória.580
Quando somada ao comprovante de pagamento que fora
efetuado ao autor, também será título executivo em favor daquele réu que
efetuou tal pagamento, na medida em que esse réu tiver direito de reembolso
em face dos demais litisconsortes.581
578
579
580
581
Athos Gusmão Carneiro, Intervenção de terceiros, p. 136-137.
Ovídio Araújo Baptista da Silva, Curso de processo civil, p. 246.
Athos Gusmão Carneiro, Intervenção de terceiros, p. 137.
Ibidem, mesma página.
250
O chamado, como parte que passa a ser, ficará sujeito
não só aos efeitos da sentença condenatória, como também estará
adstrito à imutabilidade dos mesmos, qual seja, à coisa julgada
material. 582
Esse é também se perfaz no entendimento de Arruda
Alvim:
“Na realidade, aquele que ingressa, tendo em vista o
chamamento de que tratamos, passará a figurar como réu da
ação e, portanto, sofrerá a eficácia da referida sentença. E em
sendo julgada improcedente a mesma ação, será beneficiário
dos efeitos declaratórios negativos, do direito do autor. Em
ambos os casos, parte que é, ou melhor, que fica sendo o
chamado, a sentença proferida o atinge como, outrossim, a
imutabilidade da mesma”.583
E, num breve trecho, complementa seu pensamento ao
tratar do inciso I do artigo 77, bem como da possibilidade ou não da recusa do
chamamento pelo afiançado:
“(...) a este não assiste direito, através de manifestação de
vontade, de se insurgir contra o chamamento que lhe faz o
fiador, devendo necessariamente ser abrangido pelos efeitos
da decisão, proferida sobre a responsabilidade dos
obrigados, na forma do que dispõe o artigo 78 da mesma lei
processual”. 584
Em virtude do chamamento, os chamados são tidos como
réus, tanto quanto o chamante, devendo a sentença declarar a responsabilidade
de cada um dos coobrigados, condenado-os nos termos do artigo 80 do
582
583
584
Cássio Scarpinela Bueno, Partes e terceiros no processo civil brasileiro, p. 303.
Arruda Alvim, Código de processo civil comentado, p. 339.
Ibidem, p. 345.
251
Código de Processo Civil brasileiro, com eficácia e imutabilidade dos efeitos
em relação a cada um deles.585
Na solidariedade há legitimação extraordinária e por isso,
os devedores solidários não ajem ao lado do réu como litisconsortes, mas
estão sujeitos à coisa julgada por imposição do sistema.586
Entende Scarpinela que a coisa julgada, para o devedor
solidário, não guarda nenhuma relação com o ser chamado ao processo ou
não, nem com o devedor que, não chamado, pretender ingressar no feito na
qualidade de assistente litisconsorcial. Ocorre que o seu direito é agido em
juízo por outro devedor, na forma como preconiza o artigo 275 do Código
Civil.587
Essa corrente não deixa de reconhecer que a coisa julgada
formar-se-á na sua íntegra na ação regressiva ajuizada pelo chamante em face
dos chamados.588
O mais acertado, entretanto, é que se entenda o
chamamento ao processo não como hipótese de propositura de ação regressiva
do devedor, acionado pelo autor, em face dos demais coobrigados, no plano
585
586
587
588
Cássio Scarpinela Bueno, Partes e terceiros no processo civil brasileiro, p. 304. Neste
sentido: Moacyr Amaral Santos, Primeiras linhas de direito processual civil brasileiro, p. 3839; Nelson Godoy Bassil Dower, Curso básico de direito processual civil, p. 261.
Ibidem, mesma página. Mesma posição adota por Cândido Rangel Dinamarco, Instituições de
direito processual civil, p. 417-418.
Ibidem mesma página. “Tratando-se de dano a prédio vizinho ocasiondo pr construção, a
responsabilidade é solidária e objetiva entre o proprietário e o construtor ou responsável
técnico pela obra, descabendo a denunciação da lide ao segundo pelo primeiro, mas sim o
instituto do chamamento ao processo previsto no artigo 77 do CPC”. RT nº 673/108.
Nesse sentido: Nelson Nery Júnior e Rosa Maria de Andrade Nery, Código de processo civil
comentado e legislação processual civil em vigor, p. 492; Marcelo Abelha Rodrigues,
Elementos de direito processual civil, p. 331.
252
do direito material, mas como hipótese de ampliação do subjetivado pólo
passivo da relação processual por iniciativa do réu.589
5.1.10 Do Chamamento ao Processo no Código de Defesa do
Consumidor
A única oportunidade em que o CDC alude ao instituto do
chamamento ao processo ocorre no art. 101, II, in verbis:
“Artigo 101: Na ação de responsabilidade civil do fornecedor de
produtos e serviços, sem prejuízo do disposto nos Capítulos I e II
deste Título, serão observadas as seguintes normas:
(...)
II – o réu que houver contratado seguro de responsabilidade
poderá chamar ao processo o segurador, vedada a integração do
contraditório pelo Instituto de Resseguros do Brasil. Nesta
hipótese, a sentença que julgar procedente o pedido condenará o
réu nos termos do art. 80 do Código de Processo Civil. Se o réu
houver sido declarado falido, o sindico será intimado a informar a
existência de seguro de responsabilidade facultando-se, em caso
afirmativo, o ajuizamento de ação de indenização diretamente
contra o segurador, vedada a denunciação da lide ao Instituto de
Resseguros do Brasil e dispensado o litinconsorcio obrigatório
com este”.590
Questão a ser enfrentada, é a natureza jurídica da
modalidade chamamento ao processo preconizada pelo artigo em comento.
Parece-nos que tal como foi introduzida no CDC o chamamento ao processo
cria um instituto híbrido, pois, no caso previsto pelo CDC, o réu poderá
chamar ao processo aquele com quem mantém seguro de responsabilidade
para que venha a responder, diretamente, ao autor, por eventual condenação.
Ao permitir ao fornecedor a possibilidade de chamar ao processo segurador
589
590
Cássio Scarpinela Bueno, Partes e terceiros no processo civil brasileiro, p. 306.
Maria Berenice Dias, Código de defesa do consumidor, p. 826.
253
com que mantém contato, faz emergir uma obrigação direta deste ante ao
consumidor, apesar de não haver entre consumidor e segurador qualquer
relação jurídica contratual, gerando uma solidariedade entre fornecedor e
segurador perante o consumidor.
Ora, o caso é típico de denunciação da lide, pois conforme
estabelece o art. 70, III, do Código de Processo Civil brasileiro, a denunciação
é facultativa aquele que estiver obrigado pela lei ou pelo contrato, a indenizar,
em ação regressiva o prejuízo do que perder a demanda.
Arruda Alvim comentando o art. 101 do CDC conclui que:
“Fosse a matéria regulada pelo processo civil, essa seria hipótese
de denunciação da lide, não de chamamento ao processo.
Entretanto, na denunciação nunca o denunciado pelo réu poderia
ficar diretamente responsável perante o autor. Assim, o instituto do
chamamento ao processo foi usado pelo Código de Defesa do
Consumidor, mas com contornos diversos dos traçados pelo
Código de Processo Civil, para maior garantia do consumidor (
vitima ou sucessores)”.591
É nítida a intenção do legislador em tornar possível o
acesso do consumidor a um processo célere e efetivo, ao permitir
chamamento do segurador, pois o que se almeja nada mais é do que o pronto
ressarcimento do consumidor autor, sem as delongas processuais inerentes à
intervenção de terceiros no processo, que, como é sabido, requer um prazo
maior para o deslinde da demanda.
Outra questão a ser enfrentada é a possibilidade de se
admitir a intervenção de terceiro, denominada chamamento ao processo, em
591
Arruda Alvim, Código do consumidor comentado, p. 414.
254
hipóteses que não a prevista no art. 101, II, do CDC, ou seja, nos casos de
ação indenizatória quando o réu possuir seguro de responsabilidade civil.
Como já salientamos alhures, a regra geral do CDC é o da
responsabilidade objetiva e da solidariedade, ou seja, não se perquire da culpa
do fornecedor pelos danos causados por fato do produto ou serviço o que
possibilita que o consumidor acione um, alguns ou todos os integrantes da
cadeia de fornecedores.
Arruda Alvim enumera as seguintes razões para afirmar
que o chamamento no CDC não deve ser admitido:
“1. Apesar de o legislador não ter proibido expressamente, quando
o CDC menciona a forma interventiva, o fez de forma expressa no
art. 101, II do microsistema; 2. A forma indicada para a ação de
regresso é a estabelecida no art. 88 do Código de Defesa do
Consumidor, através de ação autônoma, mesmo que admitindo que
seja efetivada nos autos da ação proposta pelo consumidor; 3.A
definição da participação de cada fornecedor na ação
indenizatória é hipótese que não se coaduna com o art. 77 do
CPC; 4. A finalidade do chamamento ao processo do fornecedor
no CPC é o favorecimento do réu, no CDC, é favorecer
principalmente o consumidor”.592
Constituindo o CDC um microssistema normativo, as regras
processuais do direito comum só serão aplicadas de forma subsidiária à legislação
de proteção ao consumidor. É o que se observa da redação do artigo 90 do mesmo
Códex, ressaltando-se que as normas subsidiárias só deverão ser aplicadas se não
contrariarem os princípios informadores da norma consumerista.
Mostra-se de forma clara que a intenção do legislador foi a
de não permitir que o fornecedor acionado exercesse direito de regresso
592
Ibidem, mesma página.
255
incidentalmente à ação proposta pelo consumidor, orientado pelos princípios
que informam o microssistema, tais como vulnerabilidade e acesso efetivo à
justiça, além da facilitação da defesa de seus direitos em juízo.
Se o microssistema permitisse o chamamento ao processo
na forma especificada no Código de Processo Civil, introduziria também os
efeitos colaterais inerentes ao chamamento: instauração de litisconsórcio
passivo com a finalidade de favorecer o réu fornecedor e, a demora processual
inerente ao instituto do chamamento ao processo.
A doutrina brasileira593 rechaça a aplicabilidade do
instituto intervencionista chamamento ao processo em situações que não
aquela prevista no artigo 101, inciso II, do Código Consumerista, porém, é de
se observar que em alguns casos pode ocorrer a utilização do instituto em
comento, como os que venham a favorecer o consumidor. Dada a
responsabilidade solidária da cadeia fornecedora, regra geral, quão maior for
o número de coobrigados inseridos na lide como litisconsortes passivos,
maior será a efetividade do ressarcimento integral do consumidor.
Segundo Adriano Perácio de Paula:
“É apropriado assentar – ainda que soe dispiciendo – que as
regras de proteção ao consumidor no processo civil são de
aplicação às demandas que envolvem matéria de consumo, não
importando em que vértice do processo se situe a pessoa do
consumidor. Estes princípios e esta ordem de idéias se aplicam a
qualquer situação processual, e em alguns casos, especialmente
quando este consumidor figure como réu. Assim que, havendo um
contrato de mútuo, por exemplo- prestação de serviço de crédito
(§2º, do artigo 2º do CDC) – cuja cobrança esteja sendo requerida,
593
Mário Helton Jorge, Da denunciação da lide no código de defesa do consumidor, p. 40; Maria
Berenice Dias, Código de defesa do consumidor, p. 107-110.
256
e dirigida em face de somente um devedor solidário – o
consumidor na relação jurídica material –, este pode requerer o
chamamento ao processo daquele que solidariamente se
obrigou”.594
O § 4° do artigo 14 foge à regra da responsabilidade
objetiva inserida no Código de Defesa do Consumidor, pois estabelece
que o fornecedor de serviços – profissional liberal – responderá mediante
culpa. Imagine-se um profissional liberal, o médico, por exemplo, que é
acionado pelo consumidor. Se a sua responsabilidade não é objetiva, nada
obsta a que ele chame ao processo um ou mais médicos que também
participaram da cadeia fornecedora de serviços, como o hospital onde
prestou os serviços.595
Conclui-se, assim, que há possibilidade de aplicação
do instituto intervenção de terceiro – chamamento ao processo – nos
moldes do Código de Processo Civil brasileiro. Essa possibilidade se
verifica em alguns casos diversos daquele previsto no inciso II, do artigo
101, quando o réu na ação proposta pelo consumidor for profissional
liberal, ou em casos em que, com a formação do litisconsórcio passivo,
ocorra efetivamente a adequada proteção ao consumidor, em obediência
aos princípios informadores do microssistema. Negar essa possibilidade
seria atentar contra os princípios informadores do microssistema, uma
vez que aquilo que se busca é a promover a igualdade processual entre
os litigantes.
A possibilidade de chamamento ao processo em relações
de consumo, assim, deveria ser uma opção do consumidor, que a aceitaria
594
595
Adriano Perácio de Paula, Direito processual do consumo, p. 78-79.
Neste sentido: Nelson Nery Júnior e Rosa Maria de Andrade Nery, Código de processo civil
comentado e legislação processual civil em vigor, p. 798.
257
quando lhe conviesse, ou seja, quando lhe trouxesse benefícios, possibilitando
efetivamente a tutela de seus direitos.
CONCLUSÕES
1.
O processo civil atual está comprometido menos com suas formas do
que com seus resultados, buscando cada vez mais entregar ao jurisdicionado
uma tutela justa e útil, sem delongas.
2.
Com o surgimento das relações de massa, era imperativo que o
legislador dotasse o Brasil de um microssistema que regulamentasse as
relações de consumo, salientando que o nosso Código de Defesa do
Consumidor é modelo para qualquer país que deseje adotar uma legislação
especifica para as relações de consumo.
3.
O Código de Defesa do Consumidor Brasileiro, infelizmente, ainda é
um grande desconhecido dos envolvidos nas relações de consumo, como dos
operadores do direito de uma forma geral, o que dificulta sobremaneira sua
aplicabilidade.
4.
O princípio da vulnerabilidade do consumidor é o grande alicerce do
microssistema, pois suas regras foram construídas com a finalidade de
harmonizar as relações de consumo entre fornecedores e consumidores.
5.
A Lei nº 8.078/90 insere novidades na conceituação de partes
quando se trata de legitimidade, haja vista, seu artigo segundo, que
equipara a consumidor todos aqueles que hajam intervindo na relação de
consumo.
6.
Ainda quanto à delimitação de quem é parte e quem é terceiro no
processo, toda nossa doutrina utiliza apenas o conceito processual de parte e
259
terceiro, sendo interessante a proposta de Scarpinella de que devemos
procurar mesclar o conceito de parte em sentido material e processual.
7.
Um dos temas que apresenta maiores dificuldades no Direito Processual
Brasileiro é o relativo à intervenção de terceiros, dada a sua complexidade e
sua sistematização imperfeita, tendo em vista que a assistência, que é um
instituto típico de intervenção de terceiros, encontra-se inserida fora do
capitulo próprio do código.
8.
O instituto da intervenção de terceiros visa a diminuir o numero de
processos e evitar resultados contraditórios.
9.
A doutrina brasileira em sua maioria classifica a intervenção de
terceiros como espontânea e provocada, sendo que se o terceiro ingressa no
processo sem ser provocado, sem ser chamado, considerando provocada
quando o terceiro vem a participar do processo, auxiliando uma das partes, ou
mesmo para reclamar em seu favor o direito disputado na demanda.
10.
A assistência tem sua origem no direito romano, com a finalidade de
impedir que por negligencia, dolo ou conluio entre as partes, a sentença viesse
a ferir o interesse de terceiro.
11.
Apesar de não constar no capítulo destinado à intervenção de terceiros
no Código de Processo Civil Brasileiro, trata-se evidentemente de modalidade
de intervenção e pode ocorrer em processo pendente entre duas pessoas, para
auxiliar uma delas, em cuja vitória tem interesse jurídico o virtual assistente.
12.
Difere a assistência simples das demais formas de intervenção de
terceiros pois, exclusivamente naquela o interveniente não sofre diretamente
os efeitos da coisa julgada.
260
13.
A doutrina contemporânea distingue duas formas de assistência: a
adesiva simples e a adesiva litisconsorcial, sendo que ocorre a simples quando
o terceiro intervém no processo com a finalidade de auxiliar uma das partes
em cuja vitória tenha interesse. Já na assistência litisconsorcial o interveniente
tem interesse jurídico próprio, que poderia ter deduzido em juízo contra o
adversário do assistido, más não o fez. Por isso, quando intervém na lide
alheia assume posição igual ao litisconsorte.
14.
O Código de Defesa do Consumidor silencia quanto à impossibilidade
da intervenção de terceiros, denominada assistência, nas relações de consumo,
e a doutrina brasileira, de forma unânime é pela sua impossibilidade.
15.
Entendemos que em casos excepcionais não se pode negar a possibilidade
da assistência litisconsorcial nas relações de consumo, haja vista, que conforme
salientamos no corpo do presente estudo, a mesma pode vir a beneficiar o
consumidor, e tendo em vista que a doutrina entende pela impossibilidade, para
proteger o consumidor, parte mais fraca na relação jurídica, se a adoção do
instituto vier a beneficiá-lo, não há o porquê da vedação.
16.
A finalidade da oposição, instituto de rara utilização prática, no direito
brasileiro, é assegurar as vantagens da economia processual, dando
oportunidade a que o opoente se valha do processo já instaurado, para nele
incluir sua demanda excludente da demanda, proposta pelo autor da ação
principal, ou da reconvenção do réu, contra a qual também pode se opor,
constituindo-se em uma demanda mediante a qual terceiro deduz em juízo
pretensão incompatível com os interesses conflitantes de autor e réu de um
processo cognitivo pendente.
17.
Conforme
já
salientamos
a
doutrina
é
unânime
quanto
à
impossibilidade da oposição nos processos que versem sobre relação de
261
consumo, porém, impedir que o consumidor se oponha em processo em que
as partes litiguem sobre bem de sua propriedade, seria afrontar o princípio da
facilitação da defesa dos consumidores, portanto, em nada prejudica, pelo
contrário ao consumidor a possibilidade desse tipo de intervenção que
certamente vem a beneficiá-lo.
18.
A nomeação à autoria constitui um meio de retificar o erro do autor no
endereçamento da ação, sendo uma correção de legitimação, em que o terceiro
assume a condição de réu no processo, ocupando o lugar do primitivo demandado.
19.
Negar a possibilidade de correção do pólo passivo da ação quando o
consumidor vulnerável o faz de forma incorreta, não o favoreceria em nada,
pelo contrário. Portanto, se o consumidor propõe a ação em relação a
comerciante quando deveria propô-la em relação ao fabricante, deve-se
permitir que o demandado nomeie à autoria aquele que deve ocupar o pólo
passivo da ação, sob pena de o consumidor ter sua ação extinta sem o
julgamento do mérito por ilegitimidade de parte e de ter que propor outra ação
em relação ao fabricante.
20.
O instituto do chamamento ao processo foi introduzido no Brasil pelo
Código de Processo Civil de 1973, e tem a finalidade de chamar ao processo
os coobrigados pela dívida comum quando o réu é demandado isoladamente,
surgindo um litisconsórcio passivo por vontade do réu.
21.
O Código de Defesa do Consumidor prevê a possibilidade de utilização
do instituto chamamento ao processo única e exclusivamente em seu art. 101,
nos casos em que o réu demandado em ação indenizatória possua seguro de
responsabilidade civil, visando à concreta reparação dos danos sofridos pelo
consumidor.
262
22.
A forma com que o Código de Defesa do Consumidor trata a
possibilidade de chamamento ao processo, do segurador apresenta-se híbrida,
pois de acordo com o art. 70, III, do CPC o caso é típico de denunciação à lide.
23.
A forma como o Código de Defesa do Consumidor trata do
chamamento ao processo, do segurador faz nascer entre o réu e o segurador
uma obrigação solidária com o consumidor, apesar de este não possuir
qualquer relação jurídica com o segurador.
24.
Entendemos que se deveria dar ao consumidor a oportunidade de se
manifestar sobre a conveniência ou não da aplicabilidade do chamamento ao
processo, já que nas relações de consumo os fornecedores respondem de
forma solidária pelos danos causados a consumidor.
25.
A denunciação da lide é o ato pelo qual o autor ou o réu chamam a
juízo terceiro que seja garante de seu direito, a fim de resguarda-lo no caso de
ser vencido na demanda em que se encontram.
26.
O Código de Defesa do Consumidor em seu art. 88 veda a denunciação
na lide, porém, faculta a ação regressiva nos mesmos autos, na hipótese de
ação do art. 13.
27.
O CDC veda a denunciação na lide em decorrência da responsabilidade
objetiva que regula as relações de consumo, portanto, se o denunciante for
profissional liberal, no caso de ação proposta contra ele, nada obsta que ele
denuncie á lide o hospital, haja vista, que este responde de forma objetiva.
28.
Entendemos que, em qualquer circunstância, deve-se deixar a opção de
aceitar a intervenção de terceiro a critério do consumidor, para que este
verifique da sua conveniência ou não.
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