UNIVERSIDADE METODISTA DE PIRACICABA FACULDADE DE CIÊNCIAS HUMANAS PROGRAMA DE PÓS-GRADUAÇÃO EM EDUCAÇÃO SENTIDOS DA INDISCIPLINA EM REUNIÕES DE HTPC COM PROFESSORES DE ENSINO MÉDIO LÚCIA ELENE DORIGUELO PIRACICABA, SP 2011 SENTIDOS DA INDISCIPLINA EM REUNIÕES DE HTPC COM PROFESSORES DE ENSINO MÉDIO LÚCIA ELENE DORIGUELO ORIENTADORA: PROFA. DRA. RENATA CRISTINA OLIVEIRA BARRICHELO CUNHA Dissertação apresentada à Banca Examinadora do Programa de Pós-Graduação em Educação da UNIMEP como exigência parcial para obtenção do título de Mestre em Educação PIRACICABA, SP 2011 BANCA EXAMINADORA Profa. Dra. Renata Cristina Oliveira Barrichelo Cunha (orientadora) Prof. Dr. Guilherme do Val Toledo Prado (UNICAMP) Profa. Dra. Roseli Pacheco Schnetzler (UNIMEP) Dedico este trabalho Aos meus pais Ângelo e Madalena, pelo estímulo, amor dedicado, ajuda e paciência. Às minhas filhas Beatriz (in memorian) Andreza, pela compreensão, orgulho e curiosidade. - E aí mãe, quantas páginas escreveu? Hoje você conseguiu escrever, mãe? Daniela, pelo afago, carinho e, às vezes, o choro de saudades Às minhas irmãs Luciane e Liliane pelo companheirismo, orgulho e estímulo - Tudo vai dar certo, Lu! Calma! Às amigas Priscila, Jamile e Márcia pela dedicação, amizade e ajuda em todas as horas de aflições. AGRADECIMENTOS Muitas pessoas fazem parte da minha trajetória de vida a qual esta dissertação se vincula. São inúmeros os agradecimentos. Em especial, agradeço: Em primeiro lugar, à querida Renata Cristina Oliveira Barrichelo Cunha, minha orientadora, a quem sou extremamente grata por todos os momentos compartilhados nos últimos anos, e que, sem dúvida, muito colaboram para minha formação acadêmica e, fundamentalmente, para minha formação enquanto ser humano. Muito obrigada pelo carinho e pela confiança; por incentivar-me em minhas buscas; por estimular-me e por acreditar, embora as dificuldades no percurso de pesquisa. Aos professores Dra. Roseli Pacheco Schnetzler e Dr. Guilherme do Val Toledo Prado pela atenção e pelas contribuições dadas a este trabalho, no exame de qualificação, traduzidas em forte estímulo para que eu pudesse concluí-lo. Às professoras Dra. Roseli Pacheco Schnetzler, Dra. Maria Nazaré da Cruz, Dra. Josiane Maria de Souza, Dra Luzia Batista e Oliveira Silva e Dra Maria Inês Bacellar Monteiro pelos diálogos instigantes. Á professora Dra. Anna Maria Lumardi Padilha por fazer parte da Banca Examinadora. Ao apoio da Coordenação de Aperfeiçoamento de Pessoal de Nível Superior - CAPES – Brasil, pelo qual foi possível realizar este trabalho. Aos professores da Faculdade de Educação da UNIMEP, por todo o aprendizado nesses dois anos. Á diretora da instituição educativa que permitiu a realização da pesquisa e principalmente, aos professores que aceitaram fazer parte dessa investigação que muito contribuiu para a minha formação profissional e humana. A todas as funcionárias da secretaria de Pós-Graduação da FE/UNIMEP. Agradeço, ainda, aos queridos colegas do grupo de pesquisa “Formação de Professores”, do PPGE/UNIMEP, pelos projetos, angústias e sonhos compartilhados. A todos os amigos que tenho e que compartilharam de inúmeras facetas da minha trajetória até o momento. Em especial, agradeço as amigas Jamile, Priscila, Renata, Branca e Juliana, por todos os gestos de carinho e pelas discussões. Reconhecer o valor formativo do ambiente de trabalho, tornando – o objeto de reflexão e de pesquisa pelos que nele estão implicados, consubstancia-se em uma alternativa par irmos além do pensamento dicotômico que coloca em um lugar o aprender e em outro o fazer e favorecemos a transformação de algumas de nossas situações de trabalho em situações de formação ( FERREIRA, 2010, p. 53) RESUMO Este trabalho discute os sentidos atribuídos pelos professores do Ensino Médio à indisciplina escolar no contexto de formação do Horário de Trabalho Pedagógico Coletivo (HTPC), em uma escola da rede estadual paulista da região de Piracicaba. O tema das discussões entre os professores, mediadas pela Professora Coordenadora e pesquisadora, foi a indisciplina, sugestão do próprio grupo de professores participantes da investigação. A pesquisa de campo envolveu quatorze professores do Ensino Médio, que se reuniram ao longo de seis encontros, no 2º semestre de 2009. Os dados foram construídos com base nas discussões audiogravadas durante os HTPCs, posteriormente transcritas, e com base em reflexões escritas pelos professores. As discussões foram encaminhadas a partir da reflexão sobre filmes que a Professora Coordenadora reproduziu (Pro dia nascer feliz, 2006; Entre os muros da escola, 2008; e Escritores da Liberdade, 2007), com o intuito de estimular e fomentar as reflexões sobre o tema e responder a questão da pesquisa. Os filmes escolhidos tinham em comum a proposta de retratar o universo da escola e a indisciplina dos alunos, sob diversas perspectivas. Para a problematização dos sentidos da indisciplina foram consultados vários autores, em especial Rego (1996) e Vasconcelos (2004). Zeichner (1992), Azevedo (2004), Silva (2006), Imbernón (2010), Christov (2008), entre outros autores, subsidiaram a discussão sobre a formação continuada dos professores no contexto da escola. Compartilhar no HTPC as experiências e perspectivas sobre a indisciplina, no diálogo alimentado pelos filmes, permitiu que esse grupo de professores explicitasse e ressignificasse não só os sentidos atribuídos à indisciplina mas, também, os sentidos da escola e da profissão docente, tomados como eixos de discussão do trabalho. A dissertação defende que a formação continuada centrada na escola pode, no contexto do HTPC, a partir de discussões e reflexões, instigar, apoiar, criar e potencializar a reflexão docente sobre suas práticas pedagógicas nas escolas. Favorecendo o desenvolvimento pessoal e profissional dos professores de modo a contribuir, sobretudo, com a construção de uma escola responsável pela humanização, socialização e ampliação da cultura dos estudantes. Palavras-chave: Indisciplina, Formação Continuada de Professores, Trabalho Pedagógico Coletivo. ABSTRACT This work argues the directions attributed for the professors of High School to the pertaining to school indiscipline in the context of formation of the Collective Pedagogical Work, in a school of the São Paulo state, Piracicaba´s region. The subject of the quarrels between the professors, mediated for the coordinating and teacher´s researching, was the indiscipline, suggestion of the proper group of participant professors of the inquiry. The research´s field involved fourteen professors of High School, who had congregated throughout six meetings, in second semester of 2009. The data had been constructed on the basis of to the quarrels recorded during the Collective Pedagogical Work, later transcribing, and on the basis of reflections written for the professors. The quarrels had been directed from the reflection on films that the Coordinating Teacher reproduced (Pro dia nascer feliz, 2006; Entre os muros da escola, 2008; e Escritores da Liberdade, 2007), with intention to stimulate and to foment the reflections on the subject and to answer the question of the research. The chosen films had in common the proposal to portray the universe of the school and the indiscipline of the pupils, under diverse perspectives. For the direction´s problem of the indiscipline some authors had been consulted, in special Rego (1996) e Vasconcelos (2004). Zeichner (1992), Azevedo (2004), Silva (2006), Imbernón (2010), Christov (2008), among others authors, had subsidized the quarrel on the continued formation of the professors in the context of the school. Sharing the experiences into the Collective Pedagogical Work and perspectives on the indiscipline, and feeding the dialogue for the films, allowed that this group of professors not only explain and be sure about the directions attributed to the indiscipline but, also, the directions of the school and the teaching profession, taken as axles of work quarrel. The dissertation defends that the centered continued formation in the school can, in the context of the Collective Pedagogical Work, from quarrels and reflections, to instigate, to support, to create and make potent to the teaching reflection on its practical pedagogical in the schools. Promoting and favoring the personal and professional development of the professors in order to contribute, over all, with the construction of a responsible school for the humanization, socialization and magnifying of the culture of the students. Key-words: Indiscipline, Continued Formation of Professors, Collective Pedagogical Work. SUMÁRIO INTRODUÇÃO...........................................................................................................11 1. INÍCIO DO CAMINHO: Tecendo os fios...............................................................16 2. CAMINHOS DA FORMAÇÃO DE PROFESSORES 2.1 Formação continuada de professores................................................................25 2.2 Formação no Contexto da Escola......................................................................29 2.2.1 Formação no Horário de Trabalho Pedagógico Coletivo (HTPC) ..................34 3. A INDISCIPLINA NA ESCOLA: Perspectivas....................................................... 40 4. A CONSTRUÇÃO DA PESQUISA .......................................................................52 5. SENTIDOS DA INDISCIPLINA, DA ESCOLA E DA PROFISSÃO DOCENTE: ANÁLISE DOS DADOS............................................................................................ 58 5.1 Análises das discussões dos HTPCs..................................................................59 5.2 Análises das reflexões escritas dos professores ..............................................................68 6. CONSIDERAÇÕES FINAIS ................................................................................................73 REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS..........................................................................80 Introdução Este trabalho de investigação de mestrado discute os sentidos atribuídos por professores do Ensino Médio à indisciplina na escola, no contexto dos encontros do Horário de Trabalho Pedagógico Coletivo – HTPC, em uma instituição escolar da rede pública estadual de uma cidade na região de Piracicaba-SP. A pesquisadora, enquanto professora coordenadora no grupo, acompanhou as discussões dos professores nos HTPCs, no 2º semestre de 2009, produzindo dados audiogravados e escritos que foram tomados posteriormente como material de análise. Os HTPCs são considerados nesse trabalho como oportunidades de formação continuada com vistas à promoção do desenvolvimento profissional dos professores e da qualidade social da educação. A qualidade social da educação no interior da escola, segundo Silva (2009), implica a organização do trabalho pedagógico e de projetos escolares; formas de interlocução da escola com as famílias com ênfase no diálogo; a promoção de um ambiente saudável; uma política de inclusão e de respeito às diferenças; o trabalho colaborativo nos colegiados e/ou conselhos escolares. Em outras palavras, a escola de qualidade social é aquela que atenta para um conjunto de elementos e dimensões socioeconômicas e culturais que circundam o modo de viver e as expectativas das famílias e de estudantes em relação à educação; que busca compreender as políticas governamentais, os projetos sociais e ambientais em seu sentido político, voltados para o bem comum; que luta por financiamento adequado, pelo reconhecimento social e valorização dos trabalhadores em educação; que transforma todos os espaços físicos em lugar de aprendizagens significativas e de vivências efetivamente democráticas (SILVA, 2009, p.225). Essa escola de qualidade social, portanto, supõe uma formação continuada que contemple a democratização da relação professor - educando, a relação entre os educadores e seus dirigentes, desses com a comunidade e, por sua vez, com a sociedade, formando uma rede conectiva que favoreça a democratização do saber (CORTELLA, 2004). 11 A palavra “formação”, em seu sentido etimológico, conforme Veiga e Viana (2010), significa dar forma, colocar-se em formação e desenvolver-se. Portanto, está vinculada à nossa história, preparando-nos para atuação pessoal e profissional. Assim, a formação é permanente, progressiva e histórica. Envolve diversos recursos e instâncias, apoiada em diversos modelos de formação inicial e continuada. Nesse trabalho, que enfoca a formação continuada de professores do Ensino Médio que ocorre no HTPC e valoriza a reflexão sobre a prática pedagógica, a experiência está sendo tomada como ponto de partida para essa formação que acontece na escola. Larrosa (2002) afirma que experiência é algo que nos toca, nos transforma e os (de) forma, ou seja, nos atravessa. Para que isso ocorra é necessário uma interrupção que requer pensar, olhar, escutar, sentir o que nos acontece. Correia (2003) enfatiza que a formação por meio das reflexões sobre as experiências dos professores contribui para desenvolver o sentido da escuta para a interpretação das experiências passadas e dos saberes a ela associados para possibilitar a rearticulação e recontextualização que as projete para o futuro, sendo que essas formas variam e são dependentes do contexto histórico. A discussão com e entre os professores sobre as experiências com a indisciplina na escola permite conhecermos os sentidos atribuídos ao tema destacado, acompanhando esse movimento de rearticulação de sentidos. Alarcão (2000, 2001, 2003) destaca a escola como espaço reflexivo, valorizando – a como local de aprendizagem para o educando e para o professor. A autora entende que escola reflexiva é uma organização que pensa nela própria de forma continua, na sua função social e no desenvolvimento da atividade formativa, a qual é incumbida. Nesta perspectiva, Silva (2002), Alarcão (2001, 2003), Barroso (2003), Azevedo (2004) e Abdalla (2006) concebem que o aprender e o agir profissional precisam acontecer por meio de trabalho coletivo, por meio de uma cultura colaborativa, com objetivos comuns, de modo que os desafios sejam compartilhados e enfrentados no trabalho, para que as mudanças ocorram de fato. A formação continuada centrada na escola, contexto e objeto de discussão dessa pesquisa, é defendida por Silva (2002) como aquela que acontece dentro do 12 serviço ou na própria escola em que o docente atua. Esse processo visa favorecer a reflexão sobre a própria prática e fortalecer os fundamentos teóricos que podem contribuir com o crescimento pessoal e profissional dos educadores e promover o êxito no processo de ensino e de aprendizagem. Christov (2008) reforça essa perspectiva afirmando que a teoria e a prática estão sempre juntas na experiência do professor. Para ela, construímos teoria quando lemos as nossas experiências, as questionamos, interrogamos os motivos, as dúvidas, consequências ou problemas de cada ação, colocando-as em relação com as contribuições teóricas dos autores. Na mesma perspectiva, Azevedo (2004) acredita que os educadores, ao trocarem experiências, constituem uma poderosa maneira de aprender a serem professores, uma vez que buscam compreender o outro nas redes culturais. Esse compreender não está no sentido de concordância e sim no de entender como o sujeito tece suas redes de significação com os muitos fios das observações e informações da trajetória da sua vida. Bozzini e Oliveira (2006) complementam que a formação, quando ocorre no ambiente do trabalho, valoriza a escola como espaço para a construção do trabalho docente, oportunizando trocas de experiências que contribuem para o aperfeiçoamento do professor quando estas são utilizadas para a reflexão da prática pedagógica. Os trabalhos de Cunha (2006), Orsolon (2009), Clemente (2009) e Domingues (2009) afirmam que o professor coordenador (PC) tem relevante papel na formação continuada do docente. É o agente responsável pela promoção das condições para a formação no HTPC. O trabalho desempenhado pelo PC no HTPC, como ressalta Garrido (2007), é o de facilitador e articulador dos professores que precisam criar propostas para ir ao encontro dos desafios da escola. Assim, tendo o HTPC como contexto de investigação e a temática da indisciplina como eixo norteador das discussões dos professores, a questão orientadora da pesquisa é: Quais os sentidos atribuídos pelos professores à indisciplina dos alunos? 13 A pesquisa objetiva conhecer e discutir os sentidos atribuídos pelos professores à indisciplina dos alunos do Ensino Médio no decorrer das reuniões do HTPC e compreender o processo formativo que acontece nesse espaço. Importante destacar que a indisciplina como tema das discussões nos HTPCs foi sugestão do grupo de professores participantes dessa investigação por ser uma preocupação constante. Aquino (1996, 1999), Rego (1996), La Taille (1996), Garcia (1999), Alves (2002), Vasconcellos (2004), Franco (2003), Souza e Placco (2006), entre outros autores, reconhecem que a indisciplina é um obstáculo no processo de ensinoaprendizagem e motivo de conflitos entre as escolas e as famílias, entre professores e gestão escolar (diretor, vice-diretor e professor coordenador). A indisciplina na sala de aula produz impacto e conflitos na vida dos professores, que enfrentam dificuldades para administrar as relações e criar alternativas de intervenção para que se possam contornar as situações com os estudantes indisciplinados. O conceito e os motivos para a indisciplina estão longe de ser consensuais devido sua complexidade e multiplicidade de interpretações, o que nos permite afirmar que seu conceito não é estático, uniforme e muito menos universal. Ela está relacionada aos conjuntos de valores e expectativas ao longo da história, nas diferentes culturas dentro de uma mesma sociedade, nas diversas instituições. Para atender à questão e aos objetivos dessa pesquisa, a apresentação do trabalho está organizada da seguinte forma: Capítulo I: O Início do caminho: tecendo os fios - apresenta um breve memorial do percurso formativo da professora coordenadora e pesquisadora, justificando a construção do problema e da questão da pesquisa. Capitulo II: Caminhos da Formação de Professores – discute a formação continuada dos professores no contexto da escola, notadamente a importância dos Horários de Trabalho Pedagógico Coletivo (HTPC). 14 Capitulo III: A Indisciplina na escola: perspectivas – introduz a discussão teórica sobre o fenômeno da indisciplina sob diversas perspectivas, apresentando autores que ajudarão no diálogo com os enunciados dos professores. Capitulo IV. A Construção da Pesquisa – apresenta a metodologia do trabalho, descrevendo o percurso da investigação. Capitulo V – Sentidos da Indisciplina, da escola e da profissão docente: análise dos dados - apresenta os eixos de discussão anunciados no título do capitulo com base no material produzido nos encontros de HTPC. Capitulo VI - Considerações Finais. 15 Capítulo I – O INÍCIO DO CAMINHO: Tecendo os fios Acordava ainda no escuro, como se ouvisse o sol chegando atrás das beiradas da noite. E logo sentava-se ao tear. Linha clara, para começar o dia. Delicado traço cor da luz, que ela ia passando entre os fios estendidos, enquanto lá fora a claridade da manhã desenhava o horizonte. Depois lãs mais vivas, quentes lãs iam tecendo hora a hora, em longo tapete que nunca acabava. Se era forte demais o sol, e no jardim pendiam as pétalas, a moça colocava na lançadeira grossos fios cinzentos do algodão mais felpudo. Em breve, na penumbra trazida pelas nuvens, escolhia um fio de prata, que em pontos longos rebordava sobre o tecido. Leve, a chuva vinha cumprimentá-la à janela. Mas se durante muitos dias o vento e o frio brigavam com as folhas e espantavam os pássaros, bastava a moça tecer com seus belos fios dourados, para que o sol voltasse a acalmar a natureza.Assim, jogando a lançadeira de um lado para outro e batendo os grandes pentes do tear para frente e para trás, a moça passava os seus dias (Marina Colasanti, 2004, p.1-2). A escolha dessa epígrafe me remete às lembranças do Curso de Gestão Escolar, o qual muito acrescentou em minha formação continuada. Precisamente, lembro da disciplina “A Avaliação Educacional e Institucional”, quando a professora introduzia sua aula lendo trechos de textos de diversos autores, os quais traziam discussões pertinentes aos assuntos que seriam discutidos no decorrer da aula. Dos excertos lidos, o conto “A Moça Tecelã”, de Marina Colasanti, tocou-me profundamente. Ao retomá-lo, emprego-o para narrar a constituição da minha formação pessoal e profissional como quem borda um enorme tapete. Nesse tapete muitos fios. Coloridos e escuros. Os momentos nublados foram pouco a pouco sofrendo transformações. Aprendizagens importantes ocorreram e, aos poucos, os fios escuros se tornaram mais claros, iluminados pelos dourados, do brilho que representavam os momentos felizes. Tecer/escrever pensamentos e conhecimentos exige cuidado, paciência, determinação, pois precisa ser construído, desconstruído e reconstruído muitas vezes para que esse se torne cheio de vida e de riquezas. Ao traçar o “risco do bordado” recuperamos momentos de nossas vidas e a atividade da escrita potencializa a leitura do desenho. Admito, escrever é um processo que envolve muitos elementos, é doloroso, contudo, prazeroso. Por meio da escrita agregamos valores, conhecimentos, crescimento intelectual. É um saber 16 inicial que possuímos e, aos poucos, desenvolve-se na roda de conversa que estabelecemos com outros sujeitos. Para Marques (2006, p.15), “escrever é isso aí: iniciar uma conversa com interlocutores invisíveis, imprevisíveis, virtuais apenas, sequer imaginados de carne e ossos, mas sempre ativamente presentes”. O bordado desse tapete começa numa pequena cidade do interior do estado de São Paulo chamada Rafard, onde nasci. Morávamos em um pequeno sítio, distante da cidade, longe de tudo e de todos. Passei meus doze primeiros anos nesse local. Em 1978, aos meus oito anos, tive meu primeiro contato com o conhecimento sistematizado na escola que ficava distante da minha residência, aproximadamente quatro quilômetros. Os quatro primeiro anos de estudos se deram em escolas públicas rurais. Nessa primeira escola existia uma única sala de aula onde tínhamos as quatro séries do Ensino Fundamental. Havia o hábito de ajudar sempre os alunos que possuíam dificuldades. Leitura de livros de histórias era quase inexistente. Quando acontecia, a professora saía da sala de aula e sentávamos todos embaixo de uma mangueira. Nossas mentes viajavam, imaginando a linda história que a professora deliciosamente dramatizava, o que nos enchia de vontade de tomar o livro em mãos para lê-lo individualmente. Após concluirmos o quarto ano fomos estudar na cidade. Nas favelas, no senado/Sujeira pra todo lado/Ninguém respeita a constituição/Mas todos acreditam no futuro da nação/Que país é esse?/Que país é esse? /Que país é esse? ...(Legião Urbana1). Ao som dessa música recordo-me que, em 1982, fui matriculada na quinta série, longe de onde morava. O acesso à escola era difícil devido ao transporte, mas, mesmo assim, foi possível estudar. A nova realidade era totalmente diversa daquela vivenciada anteriormente: outra organização escolar, exigências de posturas e cumprimentos de normas. Importantes professores fizeram parte da 1 Que País é Esse? Composição de Renato Russo. Estilo pop Rock. Lançada em 1987. Disponível em: <http://www.vagalume.com.br/legiao-urbana/que-pais-e-esse.html>. Acesso: 29 Jun. 2010. 17 minha formação, os quais me permitiram o crescimento. Outra novidade era o acesso a biblioteca da escola, o que oportunizou a descoberta e o gosto pela leitura. No percurso do “ginásio” ao então denominado Inciso, que corresponde hoje ao Ensino Médio, várias pessoas foram significantes em minha formação intelectual e pessoal. Contudo, não posso deixar de ressaltar a professora de Ciências. Como esquecer a aula sobre as células? Ver aquelas estruturas marcou-me profundamente, a ponto de interferir em minha opção profissional. A partir dessa surge outra fase em minha vida: a Universidade. Novas canções acompanharam esse período. Anda, quero te dizer nehum segredo/Falo nesse chão da nossa casa/Vem que tá na hora de arrumar/Tempo, quero viver mais duzentos anos/Quero não ferir meu semelhante /Nem por isso quero me ferir/Vamos precisar de todo mundo/Pra banir do mundo a opressão/Para construir a vida nova/Vamos precisar de muito amor/A felicidade mora ao lado/E quem não é tolo pode ver/A paz na Terra, amor/O pé na terra/A paz na Terra, amor/O sal da Terra(....) (Roupa Nova2). Quanto ouvir Beto Guedes em meus estudos solitários à noite, na calada da madrugada... Estudava as disciplinas que compunham a grade curricular do curso de Licenciatura em Ciências Físicas e Biológicas, com habilitação em Biologia na Universidade Metodista de Piracicaba - UNIMEP. Cursar Biologia foi extremamente gratificante, emocionante, algo maravilhoso. Apaixonada literalmente pelo curso. No inicio do curso de licenciatura, apenas uma coisa me incomodava: a resistência. Ser professora não estava em meus objetivos, não concebia essa ideia. Imaginava que os conhecimentos que eu tinha eram insuficientes e que não conseguiria ter postura para lecionar. O ato de ensinar, em minha concepção, era compreendido como um “sacerdócio”, um “dom”. Em 1992, último ano do curso, precisei enfrentar os medos e lecionar em uma escola pública na cidade de Elias Fausto. Disciplinas que não correspondiam à minha formação. Lecionei Historia para a oitava série e Educação Moral e Cívica para as sextas séries. Que desafio! Como lecionar essas disciplinas de forma que 2 O Sal da Terra: Composição: Beto Guedes - Ronaldo Bastos. Disponível em: <http://letras.terra.com.br/roupanova/63883/>. Acesso: 29 Jun. 2010. 18 os alunos entendessem, não decorassem, estimulando-os para aprender e gostar de aprender? Recorri a exemplos dos professores do percurso estudantil anterior ao curso universitário, aos meus mestres, os quais eram referências. Além desses, obtive ajuda nos estudos dos colegas que cursavam História. Os planos de ensino eram, aos poucos, construídos, as aulas eram planejadas. “Botando a mão na massa” foi possível aprender a elaborar o plano de ensino de acordo com as normas da Secretaria Estadual de Educação, a preparar aula e fazer registros em diários de classe. Contudo, o mais significativo, foi o contato com os educandos. Aprendi com eles a importância de estabelecer a relação dialógica, de ouvilos e dar a oportunidade da fala, pois através dela o plano das aulas foi, várias vezes, reconstruído e avaliado. Descobri o desejo de lecionar, a vontade de ensinar, de fazer parte dessa profissão pouco reconhecida. Nas palavras de Mariano (2006, p.21), Descobrimos o prazer de atuar, de nos sentirmos parte integrante de um elenco que faz o espetáculo acontecer. Descobrimos o reconhecimento e os aplausos advindos da platéia e de alguns colegas de profissão. Quiçá da equipe dos bastidores. Descobrimos, talvez, o amor à arte... Dessa forma, vários outros desafios foram acontecendo. Em 1993, lecionei Matemática para alunos em uma escola da periferia de Capivari. Eram aulas no período noturno. Outra realidade, classes lotadas. Tínhamos alunos em sua respectiva idade e série e também alunos com idade/série divergente. Como fazer da matemática algo menos temido e mais próximo daqueles alunos? O desafio encontrava-se no planejar as aulas. Foi preciso dedicação, compromisso, e principalmente, estudo, pois, caracteriza Mariano (2006). é estudando, ensaiando, atuando... estudando, ensaiando, atuando... repetindo esse “movimento”, indefinidamente ...A atuação, acompanhada de ensaio e estudo, é o melhor caminho para mostrarmos que sabemos ler a reação da platéia, perceber que precisamos buscar foco de luz, que a peça precisa estar em outro lugar. É a união desses três aspectos – estudo, ensaio e atuação- que nos permite fazer improvisos, sobreviver, descobrir – nos, seguir em frente (p 24). 19 Esses dois anos iniciais de minha carreira estimularam a vontade de aproveitar todas as oportunidades de “capacitação”, de formação continuada daquela época. Nos anos posteriores, as disciplinas lecionadas por mim foram relacionadas à minha graduação, Ciências Biológicas. Com a reorganização das escolas, em 1995, fiquei afastada durante dois anos da educação. O retorno aconteceu na metade de 1998, quando fui convidada a lecionar matemática para uma oitava série. Essa classe tinha características peculiares: a maioria dos alunos era repetente, os professores desistiam de lecionar, problemas disciplinares, muitas dificuldades pedagógicas. Novamente estava vivenciando todas as complexidades da escola, as dificuldades desses educandos. Esses obstáculos me fizeram estudar, procurar caminhos, muitas vezes difíceis, os quais nem sempre deram certo. No ano seguinte, outro percurso muito interessante aconteceu. Lecionar para alunos do EJA3. Outra realidade, outro universo, outro caminhar em busca do ensinar. Trabalhar com educandos mais maduros possui outro significado para o fazer docente. Esses buscavam o aprender, pois isso era exigido deles, em seus trabalhos. No entanto, as mudanças mais marcantes aconteceram entre os anos de 2001 a 2005. Precisei lecionar em uma cidade próxima, chamada Monte Mor. Fiquei lecionando e trabalhando em uma escola durante quatro anos. Tive a oportunidade de trabalhar com professores determinados, críticos e que estudavam e, com eles, muitas experiências foram trocadas e muitos projetos desenvolvidos. O projeto ambiental “S.O.S Preservação” é um dos exemplos. Tinha por objetivo incentivar os alunos a buscarem conhecimentos e que fossem participativos socialmente dentro do espaço que habitavam. Era um projeto multidisciplinar, envolvia conhecimentos históricos, sociais, matemáticos, biológicos, entre outros. Para o seu desenvolvimento tivemos parcerias com uma Organização Não-Governamental e também com a Prefeitura do Município. Vários trabalhos foram divulgados e a escola ganhou prêmios e reconhecimento dos pais. 3 EJA: Educação de Jovens e Adultos - forma de ensino da rede pública do Brasil, com objetivo de desenvolver o ensino fundamental e médio com qualidade para as pessoas que estão fora da idade escolar. 20 No ano de 2003, por conta desse projeto, fui convidada a elaborar um projeto para pleitear a Coordenação Pedagógica. No início, foram “passos de tartaruga”, pois não tinha noção de como iniciar, o que fazer e como fazer, uma vez que minha formação não contemplava esses saberes. Groppo (2008) tem razão quando afirma que a passagem de docente para professor coordenador desencadeia uma “turbulência afetiva” devido às divergências encontradas. Esse aprendizado foi acontecendo aos poucos, com o apoio da direção e também com a colaboração dos professores. Os Horários de Trabalho Pedagógico Coletivo - HTPCs eram construídos de acordo com a realidade e necessidades dos professores. Com a introdução do “Programa do Ensino Médio em Rede” pela Secretaria Estadual de Educação, em 2004, os encaminhamentos do HTPC mudaram. O programa, com características de “efeito cascata”, seguia o modelo de uma rede. Eram “formados” primeiramente os Assistentes Técnicos Pedagógicos das Diretorias de Ensino, depois os professores coordenadores nas escolas e esses, nos HTPCs, “formavam” os docentes. Os temas pertinentes eram: formação do professor coordenador no programa Ensino Médio em Rede, professores e alunos, currículo da escola média, o projeto político-pedagógico e o planejamento escolar. As pautas eram previamente organizadas pelos módulos. Nos encontros, os professores liam, de forma individual ou em grupos, e discutiam as ideias de autores como Antonio Nóvoa e Edgar Morin. Juntamente com as discussões, muitas trocas de experiências ocorriam. Entendo que o fato das pautas serem previamente organizadas engessavam o HTPC, uma vez que os assuntos eram únicos em todas as escolas que desenvolviam o projeto, não privilegiando as características do local do trabalho. Contudo, eram momentos que nos faziam estudar, ler e pensar sobre a continuidade de nossa formação. Nesse sentido, o fato da existência do tempo de estudo supera os pontos negativos. Acredito, portanto, que esses momentos tenham sido um dos mais ricos vivenciados por mim como professora coordenadora. Em abril de 2005 mudei de cidade, fui morar em Piracicaba. Também comecei a atuar na Coordenação Pedagógica em uma escola pública estadual. Encontrei 21 outro grupo de professores extremamente participativo e sensibilizado com a escola onde atuavam, comprometido em trazer sempre algo de melhor para os educandos. Nova necessidade de continuar os estudos, pois “não importa onde você parou, em que momento da vida você cansou, o que importa é que sempre é possível e necessário recomeçar” (DRUMMOND, 2004). Retornei aos estudos, busquei a formação na Pós-Graduação Lato Sensu. O percurso se deu entre 2005 e 2007 no Curso de Gestão Escolar. Sentia que minha formação não dava mais conta de subsidiar os meus colegas e amigos de trabalho na função de Professora Coordenadora. A sede pelo saber potencializou-se gradativamente, sendo impossível, como disserta Tardif (2002), separar os saberes docentes das outras dimensões do ensino ou do trabalho realizado diariamente. Esses saberes estão interligados com os condicionantes: emoções, fatores sociais, políticos, econômicos, entre outros, conectados com o professor, com a pessoa, com sua identidade, suas experiências de vida, suas histórias de vivências e o que fazem. Nesse meu caminho outras oportunidades desafiadoras apareceram, como ocupar a função de Vice-Diretora em uma escola de Educação Fundamental de Ciclo I, em 2007. Novas aprendizagens, necessidades de outras leituras, como da área de Alfabetização. Exigências diferentes das vivenciadas anteriormente nos Ensinos Fundamental Ciclo II e Médio. Durante esse período participei do Curso de “Formação de Professores em Educação Ambiental e Resíduos Sólidos”, oferecido pelo Departamento de Economia, Administração e Sociologia da Escola Superior de Agricultura ”Luiz de Queiróz” (ESALQ/USP) e Programa “USP Recicla”, com apoio do Comitê de Fomento às Iniciativas de Cultura e Extensão Universitária da Pró-Reitoria de Cultura e Extensão Universitária da USP. Nesse percurso meu olhar voltou-se à formação docente em relação à Educação Ambiental. No final do curso foi exigida a elaboração de um projeto ambiental exequível dentro das escolas. A partir desse projeto entusiasmei-me para prosseguir meus estudos acadêmicos, agora com um nível de desafio maior. Empenhei-me para conseguir ser admitida em curso de mestrado que tivesse como foco a formação e o estudo em relação à Educação Ambiental. 22 Com a indicação de uma professora que lecionava na ESALQ, me inscrevi no Programa de Pós-Graduação em Educação na UNIMEP. Fui aprovada e constatei que a carga horária do curso de mestrado impossibilitava a minha permanência na Vice-Direção. Recebi um convite para atuar novamente na coordenação pedagógica de uma escola pública estadual. Elaborei um projeto, realizei a entrevista para admissão e iniciei novamente o meu trabalho de Professora Coordenadora, agora no segmento do Ensino Médio. A escola enfrentava diversos desafios, entre eles a preocupação em aumentar o índice do IDESP (Índice de Desempenho de Educação no Estado de São Paulo). Várias inquietações, indagações e preocupações me acompanhavam nesse momento: como propiciar o estudo e viabilizar o trabalho coletivo para que o trabalho pedagógico fluísse e as expectativas depositadas fossem atingidas? Através das disciplinas do Curso de Pós-Graduação, outros questionamentos somaram-se à experiência como Professora Coordenadora. Contudo, as aulas da disciplina “Necessidades “Formativas dos Professores”, sob a responsabilidade da Professora Dra. Roseli Pacheco Schnetzler foram de fundamental importância para repensar as questões investigativas para meu projeto de ingresso no mestrado. Durante atividades propostas pela professora me deparei com muitas inquietações relacionadas à minha prática como professora coordenadora. Certa vez, conversando com a professora Roseli a respeito de minhas preocupações, no início de 2009, perguntei-lhe: “- Professora, como fazer esses professores participarem dos HTPCs? O que faço? Os professores estão apáticos, não participam, não comentam as leituras propostas. A sensação que tenho é que o assunto colocado para discussão não tem importância para eles. Ocorrem, às vezes, alguns pequenos comentários, contudo, superficialmente. Percebo que é uma fala mecanizada. A maioria da vezes acabo falando sozinha. Um monólogo, na verdade”. Depois de ouvir o desabafo, a professora Roseli pediu para que eu contasse como aconteciam os HTPCs. Expliquei a ela como eram preparados esses momentos: escolhia os textos para a leitura conforme as necessidades que eu acreditava que os professores possuíam (alguns dos textos eram “sugestões” da 23 Secretaria Estadual de Educação) e propunha a discussão, dividindo a pauta com outros assuntos da escola. Após o relato, a professora Roseli falou: “- Por que você não muda a forma de fazer? Chegue para eles e pergunte: O que vocês gostariam que fosse discutido nos HTPCs? Em que, você, enquanto professora coordenadora, poderia ajudá-los? Do que eles precisam?” Resolvi seguir a sugestão e fazer o questionamento aos professores. Assim, indaguei o grupo de professores com as seguintes questões: Quais eram as principais dificuldades na parte pedagógica? O que eu, enquanto professora coordenadora, poderia auxiliá-los na formação continuada e desenvolvimento profissional, visto que legalmente essa é a principal função do professor coordenador? A partir desses questionamentos os professores foram expondo as principais dificuldades, fizemos uma pequena lista dos assuntos indicados e definimos que o tema indisciplina era a maior preocupação entre os professores participantes. Distante da problemática da Educação Ambiental e mergulhada no cotidiano da escola pública, preocupada com a promoção de uma formação continuada no HTPC e reconhecendo a necessidade de colaborar com a compreensão do fenômeno da indisciplina na escola, meus interesses e expectativas de pesquisa foram se modificando. Uma nova questão orientaria minha pesquisa: Quais os sentidos atribuídos pelos professores à indisciplina dos alunos? Desta forma, a pesquisa agora apresentada e intitulada “Sentidos da indisciplina em reuniões de HTPC com professores de Ensino Médio” passou a ser construída. Durante o seu processo de constituição e mesmo após sua finalização, muitas pedras no caminho foram encontradas, retiradas e outras apareceram novamente... Mas como me lembra Fernando Pessoa (2004, p.358), “pedras no caminho? Guardo todas, um dia vou construir um castelo...”. 24 CAPITULO II – CAMINHOS DA FORMAÇÃO DE PROFESSORES Forma Reforma Disforma Transforma Conforma Informa Forma José Lino Grünewald Este capítulo apresenta uma revisão bibliográfica sobre a formação docente, destacando a escola como espaço formativo com vistas à promoção da reflexão sobre as práticas pedagógicas. Está subdividido em: Formação Continuada de Professores, Formação no Contexto da Escola e Formação no Horário de Trabalho Pedagógico Coletivo (HTPC). 2.1. Formação Continuada de Professores A discussão acerca da formação continuada de professores está orientada pela relação formação/trabalho. No modelo da racionalidade técnica, as circunstâncias de formação são exteriores ao trabalho e, como destaca Correia (2003), visam contribuir com a 25 manutenção do equilíbrio do sistema, assegurando a adaptação técnica e a adaptação psicológica dos indivíduos ao contexto. Essa formação, pautada pela aquisição de conhecimentos relativos a princípios, leis e teorias que explicam o processo de ensino-aprendizagem, estabelece normas e regras a serem cumpridas pelo professor nos momentos da prática (VEIGA e VIANA, 2010), ignorando a complexidade dos fenômenos educativos. Contrapondo-se a esse modelo e apoiada na idéia de que o processo de aprender a ensinar prolonga-se por toda a carreira do professor, a perspectiva da racionalidade prática aponta para outro modelo de formação. Segundo Zeichner (1992), a formação deve ter como base a reflexão sobre a prática na sala de aula e sobre as condições sociais de sua produção. Essa reflexão não corresponde a um conjunto de procedimentos padronizados, mas, sim, a uma forma de encarar e responder às situações-problema. A reflexão, para o autor, implica intuição, emoção e paixão e três atitudes importantes: abertura de espírito (ouvir mais de uma opinião); responsabilidade (questionar-se: gosto dos resultados?); e sinceridade. A reflexão é um processo que ocorre antes, durante e depois da ação, e possibilita a resolução de situações-problema em contexto. Gomez (1992) distingue bem essas duas concepções de formação destacando que, na primeira, o professor é visto como técnico-especialista, cumpridor de regras e conceitos instituídos pelo conhecimento científico, enquanto que, na segunda concepção, o professor reflexivo é autônomo e toma decisões orientadas pela avaliação que faz da sua realidade. A crítica ao modelo da racionalidade técnica é baseada no princípio de que não existe uma teoria científica que permita, na prática, uma única escolha de meios, regras e técnicas para resolver os problemas. Porque as situações de ensino são incertas, únicas, variáveis e portadoras de conflitos de valores, as decisões em relação à escola, ao ensino e ao currículo devem levar em conta os conhecimentos científicos e a reflexão sobre a prática (GOMÉZ, 1992). Goméz (1992) destaca que a natureza do processo de reflexão, no entanto, não é mecânica, nem simplesmente um exercício de construção de novas ideias. A 26 reflexão não pode ser considerada apenas um processo psicológico individual, independente do conteúdo, do contexto ou das interações. A reflexão implica em um mergulho consciente do indivíduo no mundo de suas experiências, as quais são carregadas de interpretações divergentes, valores, correspondências afetivas, interesses sociais e de cenários políticos. O sucesso do professor está na sua capacidade de lidar com a complexidade e de resolver problemas práticos por meio da integração inteligente e inovadora entre conhecimento e reflexão, denominada por Schön (1992) como processo de reflexão na ação ou diálogo reflexivo. Schön (1992) enuncia três níveis de reflexão que integram o pensamento prático reflexivo: o conhecimento na ação (saber fazer e saber falar), reflexão na ação (situação de diálogo com a situação problemática) e reflexão sobre a ação (reflexão que o indivíduo faz após a ação, sobre as características e processos da própria ação). O autor afirma que esse processo forma o pensamento reflexivo do profissional e é vital para que ele compreenda os processos de ensinoaprendizagem. A formação do professor como profissional reflexivo caracteriza uma nova perspectiva para a formação. De aplicador de teorias, o professor passa a ser considerado produtor de conhecimentos sobre a própria prática. A consequência desse tipo de formação é a mudança profunda na concepção de sua formação e do processo de desenvolvimento profissional. Valorizam-se os saberes da prática profissional que têm origem no cotidiano, os conhecimentos, habilidades, o saber-fazer e o saber-ser (TARDIF, 2002; DUBAR, 2003). Dessa forma, a formação continuada passa a ser orientada por situações em que os indivíduos se reconheçam nos saberes produzidos pelas experiências de formação e por momentos que suscitem indagações sobre as intenções, valores e maneiras de fazer. Esses questionamentos sobre o como ensinar, como entrar na relação com os outros, quais os efeitos das ações e dos valores nos quais se apóia, exigem do docente disponibilidade e capacidade de discernir sobre suas convicções e ações. 27 O processo reflexivo promove a autoconsciência e a necessidade de uma formação que contemple as seguintes dimensões relacionadas por Placco e Silva (2000): Dimensão técnico-científica: necessidade da formação docente no que diz respeito aos conhecimentos técnico-científicos relacionados à sua formação básica e flexibilidade para mudanças; Dimensão da formação continuada: uma vez que o profissional tenha essa disponibilidade e flexibilidade na formação, é necessário que ele continue pesquisando, questionando sua área de conhecimento, buscando novas informações, analisando-as e incorporando-as em sua formação. A habilidade de busca, o interesse e a motivação são os motores propulsores para que a formação continuada seja assumida; Dimensão do trabalho coletivo e da construção coletiva do projeto educativo: o coletivo de uma escola abrange todos os atores envolvidos no processo educativo e deve promover, por meio da formação intencionalmente desenvolvida, a cooperação e a integração relacionadas às necessidades e às possibilidades da transdisciplinaridade; Dimensão dos saberes para ensinar: essa dimensão envolve os saberes produzidos pelos docentes sobre os educandos, nos seguintes aspectos: origem social do educando, suas experiências e conhecimentos prévios, entre outras características que possam fortalecer o aprender no âmbito coletivo. Está presente também nessa dimensão o conhecimento sobre as finalidades e utilização dos recursos didáticos, assim como outros conhecimentos relacionados ao afetivo-emocional, aos objetivos educacionais e aos compromissos do cidadão e do profissional; Dimensão crítico-reflexiva: importância do processo reflexivo no aprender, que é indispensável para qualquer processo metacognitivo. O processo reflexivo do aprender exige disponibilidade e compromisso do formador e do formando; Dimensão avaliativa: capacidade avaliativa do docente em desenvolver habilidades de coletar, trabalhar, analisar, levantar hipóteses a respeito de dados, encaminhar propostas e soluções para as questões encontradas. 28 Nessa perspectiva, a formação do professor é compreendida como um processo longo, de construção e reconstrução de conhecimentos da formação e dos saberes da experiência. Como afirmam Veiga e Viana (2010), não pode ser pensada apenas como uma adaptação a uma condição profissional. Deve ser crítica, catalisadora das trocas entre as diferentes potencialidades de aprendizagem no exercício do trabalho. Essa formação passa a ser pensada como intervenção nos espaços coletivos de trabalho e como possibilidade de reconstrução de identidades pessoais e sociais dos docentes. Formação que pretende desenvolver a escuta, visando a interpretação das experiências passadas e dos saberes a elas associados, favorecendo a sua rearticulação e recontextualização (CORREIA, 2003). 2.2. Formação Continuada em Contexto Admitindo a importância da reflexão sobre a experiência como condição para a formação continuada, é importante valorizar aquela que acontece no contexto da própria escola em que o professor atua. A formação continuada em contexto, ou centrada na escola, é composta por três elementos principais: por fazer coincidir o trabalho/formação no espaço/tempo/pessoas, ou seja, fazer com que o exercício do trabalho permita aprender a aprender com a experiência, instituindo um processo de aprendizagem permanente; por organizar sob a forma de projetos de ação para responder aos problemas identificados no contexto; e por abandonar a ideia de transferência da formação segundo uma lógica de aplicação, instrumentalizada, escolarizada (CUNHA, 2006, p. 223). A escola como espaço de formação dos professores pode favorecer a reflexão sobre a própria prática, fortalecer os fundamentos teóricos, promover o crescimento pessoal e profissional dos docentes e o êxito do processo de ensino aprendizagem. 29 Para Silva (2002) e Abdalla (2006), a formação no contexto de trabalho deve estar orientada pelos assuntos concretos relacionados ao dia-a-dia da sala de aula, com suas contradições e desafios. Assim, o desenvolvimento do docente se dá por meio das trocas de experiências. Argumentam que a formação centrada na escola necessita de ações inovadoras que contribuam com a renovação dos projetos educacionais. A formação no contexto da escola rompe com a visão de professores cumpridores de programas na medida em que não mais separa aqueles que concebem os programas de ensino daqueles que os aplicam. Considerando a escola como esse contexto de trabalho e formação reflexiva, Alarcão (2000, 2001 e 2003) salienta a importância de um ambiente tranquilo, dos seus membros terem clareza do que ele significa e do papel que nele devem desempenhar. Os professores precisam reconhecer o momento de dizer sim e também de dizer não, promovendo, dessa forma, a prevenção, no sentido de evitarem as repressões e os possíveis conflitos relacionados ao poder e/ou à competitividade. A autora entende, também, que a escola reflexiva é uma organização que pensa sobre si mesma, sobre sua missão social, sobre sua estrutura, e se confronta, no desenvolvimento da sua atividade, num processo simultaneamente avaliativo e formativo. O objetivo desse tipo de comportamento é o desenvolvimento qualitativo da organização escolar e dos que nela realizam o seu trabalho de estudar, ensinar ou apoiar a função educativa. Esse desenvolvimento se dá por meio de aprendizagens individuais e coletivas. Uma escola reflexiva, em desenvolvimento e aprendizagem ao longo de sua história, forma-se por meio do pensamento e de práticas reflexivas, resultantes do desejo de quem dela participa, de compreender a sua razão de ser, as características que lhe são peculiares, os constrangimentos que a afetam e as suas potencialidades. Da visão que se tem sobre a escola, que deverá evoluir de acordo com as mudanças sociais, deriva seu próprio projeto, interativamente construído por meio do diálogo entre seus membros, no entrelaçar de estratégias ascendentes e descendentes. 30 Alarcão (2001) assinala características que definem a escola reflexiva: A centralidade das pessoas nas escolas e o poder da palavra: os sujeitos interagem por meio do exercício da palavra, pela qual expressam, compartilham, demonstram sentimentos, argumentam, interpretam, entre outras ações; Liderança, racionalidade de diálogo e pensamento sistêmico: por meio desses mecanismos constrói-se uma escola interativa, participativa, reflexiva e democrática; A escola e seu projeto próprio: a elaboração do projeto educativo é resultado de todas as interações, reflexões, avaliações do coletivo escolar na construção dos objetivos, das metas e das estratégias; A escola entre o local e o universal: a escola é constituída por meio do seu projeto especifico, de acordo com seu projeto educativo, no entanto, esse projeto é socializado por meio do diálogo com outras escolas. Estabelece-se, assim, uma rede comunicativa do local com outras instituições, o que a torna global; A educação para o e no exercício da cidadania: a escola vive em contradição com a sociedade, que é competitiva, individualista e não solidária. Esses aspectos contrariam as propostas de mundo globalizado, que tem aproximado as pessoas, possibilitando-lhes pleitear uma formação para a cidadania, a quem deve compreender a sua realidade, exercendo sua liberdade e responsabilidade; Articulação político-administrativo-curricular-pedagógica: essas dimensões não podem ser trabalhadas em compartimentos estanques, desvinculadas umas da outras. É necessário que se compreendam essas dimensões para que o projeto educativo seja elaborado e aplicado; O protagonismo do professor e o desenvolvimento da profissionalidade docente: diante de toda a complexidade em relação à profissionalidade docente, o professor, como individuo social, assume seu papel na política educativa, uma vez que acompanha 31 todo o desenvolvimento da instituição escolar, pois ele permanece nesse local por muito mais tempo que o aluno; O desenvolvimento profissional na ação refletida: a atividade do profissional docente demanda relações com outros indivíduos, de forma dialógica, interativa e reflexiva, nas instituições escolares, as quais produzem práticas sociais permeadas por valores, crenças e conhecimentos. Estas práticas estão impregnadas pelas situaçõesproblemas, exigindo do professor a busca pela continuidade da sua formação; O desenvolvimento ecológico de uma escola em aprendizagem: a escola que não quiser desaparecer precisa responder às mudanças ocorridas no mundo e no ambiente que a rodeia. Alarcão e Tavares (2003) afirmam que nas últimas décadas a escola veio assumindo um papel fundamental no processo educativo, o qual perpassa três níveis: investigação educacional, mudança educacional e desenvolvimento profissional docente que privilegia a formação centrada nos estabelecimentos de ensino. Esse cenário reflexivo com abordagem de formação que atribui aos profissionais a capacidade de pensarem a sua pratica e de construírem e reconstruírem o seu conhecimento a partir do campo de ação, caracterizado por dinâmicas de incertezas e por decisões altamente contextualizada. Essa situação epistemológica acontece devido à observação reflexiva e de um diálogo permanente com as situações atuais e com os atores que nela atuam e na sábia mobilização dos saberes de referência que possibilitam a compreensão da ação (ALARCÃO e TAVARES, 2003, p. 132). A escola, compreendida com lugar de aprender e lugar de fazer, precisa contar com uma gestão participativa e com lideranças (individuais e coletivas) capazes de compreender as mudanças necessárias para que a formação tenha como finalidade a inovação e o desenvolvimento organizacional da escola. É preciso considerar que a principal finalidade dessa formação é estimular e estruturar o sistema de mudança. 32 A formação deve se orientar no sentido de que os professores sejam capazes de elaborar diagnósticos sobre os problemas da instituição e mobilizar as suas experiências, saberes e ideias para encontrar as soluções possíveis. Os professores precisam conversar entre si e trocar suas expectativas e experiências como ponto de partida para a construção de consensos. Embora alguns professores desvalorizem esses momentos de intercâmbio de idéias ou “contação de casos”, considerando-os como “abobrinhas” e/ou ”troca de figurinhas”, não se pode ignorar que revelam modos de interpretar as situações vividas (AZEVEDO, 2004). Azevedo (2004) argumenta que os educadores precisam trocar experiências e informações sobre como desenvolvem as atividades em sala de aula, quais recursos utilizam, as necessidades que contemplam, as dificuldades encontradas, entre outras. Essa “troca”, segundo a autora, constitui-se em uma poderosa maneira de aprender a ser professor, uma vez que ocorre entre iguais, é imediata, parte de uma solicitação implícita ou explícita e tem o intuito de ajudar. No entanto, para ser bem sucedido, qualquer projeto de formação contínua precisa que os educadores sejam valorizados, respeitados e ouvidos - devem expor suas experiências, ideias e expectativas. É preciso que o saber advindo de sua experiência seja valorizado; que os projetos identifiquem as teorias que eles praticam e criem situações para análise, e critiquem suas práticas, reflitam a partir delas, dialoguem com bases nos novos fundamentos teóricos, troquem experiências e proponham formas de superação das dificuldades (FUSARI, 2007, p. 220). O cotidiano escolar é um espaço de interação e formação, porque nele se dá a relação com o outro (singular e plural), com o que se sabe e com o que não se sabe a respeito de si mesmo. Nesse espaço, transitam e são operadas múltiplas e complexas interpretações e negociações entre as políticas educacionais e as redes sociais de cada um dos sujeitos nesse processo, incluindo-se aí, as trajetórias escolares, a formação acadêmica, as expectativas e os desejos. O “material” dessa formação centrada na escola, portanto, é a experiência construída pelo professor ao longo da sua trajetória profissional. Para Larrosa (2002), a experiência é algo que nos toca, nos transforma e nos de(forma). 33 Entretanto, esse processo depende de um tempo reservado ao diálogo, período em que ocorrem as trocas de experiências que nos mobilizam a refletir (pensar, olhar, escutar, sentir o que nos atravessa). Os sujeitos atribuem sentidos aos acontecimentos, à aprendizagem e ao conhecimento. Esses sentidos compartilhados podem vir a orientar perspectivas de mudanças na forma de pensar e/ou de agir dos próprios sujeitos a partir do diálogo no coletivo de professores. O desenvolvimento profissional do docente está vinculado a projetos centrados na escola, com os quais esse profissional e todos os demais agentes estejam, coletivamente, comprometidos e envolvidos, incluindo a construção do projeto político - pedagógico, que deve estar norteado por uma concepção democrática. Só assim o projeto permitirá que sejam desenvolvidas capacidades e potencialidades dos alunos, relativas ao aprender os conteúdos e a construir conhecimentos fundamentais para a compreensão e transformação da realidade, da sua inserção e participação na sociedade; enfim, da construção, de fato, da sua cidadania. 2.2.1 Formação no Horário de Trabalho Pedagógico Coletivo – HTPC O Horário de Trabalho Pedagógico Coletivo, HTPC, como será referido daqui por diante, é considerado nesta pesquisa, como espaço formativo privilegiado. As pesquisas realizadas por Bozzini e Oliveira (2006) e Mendes (2008) descrevem o processo histórico da conquista desse espaço formativo nas escolas públicas do Estado de São Paulo. O HTPC começou a ser implantado no final da década de 1980, no Governo de André Franco Montoro, devido ao alto índice de fracasso escolar. Nesse período, era denominado de Horário de Trabalho Pedagógico (HTP) e era dirigido aos professores do Ciclo Básico, correspondente ao Ensino Fundamental Ciclo I. O HTP conferia aos professores momentos individuais e coletivos de formação, visando ao aperfeiçoamento profissional. Segundo Mendes (2008), a proposta do HTP era de revalorização docente e propunha, como principal ação, o 34 equilíbrio entre as horas-atividade dedicadas à preparação das aulas, à correção de trabalhos, à coordenação interdisciplinar e pedagógica e à reciclagem e aperfeiçoamento docente. Conforme apontam Bozzini e Oliveira (2006), essas ações não foram suficientes para a resolução dos problemas do ensino enfrentados na época. Havia, ainda, a necessidade de outras mudanças na escola: novas propostas, elaboração de novos projetos e posturas de compromisso coletivo dos docentes. Em 1991, por meio do Projeto da Escola Padrão, que tinha como objetivos a recuperação da qualidade do ensino, sua modernização e a utilização das novas tecnologias, o HTP foi proposto para os professores dessas escolas, que correspondiam a mais ou menos 10% (dez por cento) dos educadores ativos do Estado de São Paulo. Em 1995, com a Reorganização Escolar das Escolas Públicas, o HTP foi assegurado a todos os professores e foi criado o cargo de Professor Coordenador nas escolas estaduais. O espaço do HTP foi instituído como coletivo e tinha como função a articulação dos docentes com os demais segmentos da escola e a conexão entre as atividades desenvolvidas em salas de aula e as diretrizes educacionais (BOZZINI e OLIVEIRA, 2006; MENDES, 2008). De acordo com as autoras, o HTP, em 1996, tem sua denominação mudada para HTPC - Hora de Trabalho Pedagógico Coletivo. Em 1997, por meio das reivindicações orientadas pelo Sindicato dos Professores do Estado de São Paulo (APEOESP), o HTPC foi aberto a todos os professores do Ensino Fundamental e Médio da rede estadual de ensino, tornando-se obrigatório aos professores de 1ª a 4ª séries e optativo aos demais. Em 1998, ele passou a ser obrigatório a todos os professores que tivessem carga horária igual ou superior a dez horas-aula semanais como composição da jornada. O foco desses encontros era garantir momentos coletivos de formação entre os docentes. Atualmente, o HTPC é obrigatório a todos os docentes, com duração de duas a três horas, conforme a carga horária do professor. Continua com o objetivo de formação coletiva entre os docentes, no entanto, é tarefa complexa garantir um horário que consiga atender o maior número de professores em cada unidade escolar, devido à organização dos períodos de aula. 35 A mudança horária na grade curricular de cinco para seis aulas, no período diurno, e de quatro para cinco aulas, no período noturno, tem provocado alguns contratempos, pois o professor pode lecionar no máximo oito horas-aula diárias. Essa mudança estrutural promove limitações aos encontros da HTPC, dispersando os grupos de trabalho e colocando em risco esse espaço já conquistado. O Comunicado da Coordenadoria de Estudos e Normas Pedagógicas (CENP) da Secretaria de Educação do Estado de São Paulo (SEE), de 6 de fevereiro de 2009, com o objetivo de estabelecer as bases para o funcionamento das HTPCs, recomenda aos Dirigentes de Ensino, Supervisores de Ensino e Diretores de Escolas: 1. O HTPC é fundamentalmente espaço de formação continuada docente de cunho pedagógico, destinada à discussão, acompanhamento e avaliação da proposta pedagógica da escola e do desempenho do educando. Esse espaço deve proporcionar momentos de estudos, discussão e reflexão sobre o currículo e sobre questões relacionadas à melhoria da prática docente; 2. Os HTPCs deverão ser planejados e organizados pelo Professor Coordenador de cada segmento do ensino fundamental e médio, em sintonia com toda a equipe gestora, para garantir a integração do coletivo de professores do respectivo segmento; 3. O planejamento e organização dos HTPCs devem, sobremaneira, considerar: as demandas docentes de acordo com as prioridades da escola; elaboração da pauta, a partir das contribuições dos participantes; divisão das tarefas relacionadas à reunião, como os registros, escolha de textos e a organização dos estudos com os participantes; organização das formas de avaliação das reuniões pelo coletivo participante; pressuposição de formas de registros das discussões, avanço, dificuldades, intervenções propostas e decisões tomadas, a necessidade de apoio dos supervisores e da oficina pedagogia das Diretorias de Ensino; 4. Cabe ao Professor Coordenador organizar o horário, o qual deverá assegurar a participação de todos os professores do mesmo segmento em um único dia da semana, com reuniões, no mínimo, de duas horas 36 consecutivas. Quando existe a impossibilidade desse cumprimento, há necessidade de se organizar dois grupos permanentes de docentes, em dois dias diferentes da semana. Se mesmo assim existir impossibilidades, o HTPC poderá, em caso de absoluta excepcionalidade, justificada e assinada pelo diretor da escola, com a anuência do supervisor de ensino, ser organizado em qualquer dia da semana, desde que fique assegurada a participação dos professores em duas horas consecutivas de trabalho coletivo pedagógico; 5. As escolas que têm Professor Coordenador de segmentos de ensino diferente deverão organizar, sempre que possível, as reuniões bimestrais envolvendo todos os professores; 6. As escolas de Tempo Integral devem oportunizar a participação dos docentes que atuam nas disciplinas do currículo básico junto com os das oficinas curriculares; 7. Nas escolas que não comportarem o posto de Professor Coordenador nos segmentos existentes, essa função ficará sob a responsabilidade do Diretor da Escola. Entre algumas dificuldades para a operacionalização do HTPC, Bozzini e Oliveira (2006) mencionam que algumas dessas reuniões se tornam desgastantes, uma vez que ocorrem geralmente no final do período de trabalho do professor. Ao contrário de serem produtivas, contribuem para um clima de cansaço e sobrecarga das atividades docentes, prejudicando a participação destes. Os estudos de Mendes (2008) apontam alguns aspectos a serem garantidos na organização desses momentos: gestão democrática e decisões tomadas coletivamente; descentralização das decisões; acompanhamento do trabalho desenvolvido nos HTPCs pelo Diretor da Escola; plano do Professor Coordenador (PC) apresentar discussões a partir de diversas temáticas, que devem mirar as necessidades dos professores. Nesse caso, também, o desenvolvimento do projeto político-pedagógico da escola e as práticas docentes devem ser sistematicamente trabalhadas por meio do encaminhamento das dificuldades, como parte do processo de ensino-aprendizagem. 37 Relativo a esse aspecto, Micheletti (2007, p. 22) afirma que É no Horário de Trabalho Pedagógico Coletivo – HTPC – que os direcionamentos são dados, visando cumprir as ações escolares previstas, por meio da discussão, reflexão e avaliação das atividades realizadas. Trata-se de um espaço especifico no qual desenvolve o trabalho de formação continuada com vistas à consecução dos objetivos da Secretaria. Esse trabalho de formação continuada deve ser pautado no desenvolvimento do trabalho coletivo, na investigação da ação pedagógica, na cooperação a favor do desenvolvimento profissional e da melhoria do ensino oferecido pelos docentes aos seus alunos. A formação com essa estrutura requer organização de tempo/espaço na escola, aproximação às necessidades formativas da escola, a co- responsabilidade dos professores para o desenvolvimento profissional, e o investimento no Professor Coordenador, no sentido de proporcionar um tipo de reflexão para além da socialização das trocas de procedimentos de atividades (DOMINGUES, 2009). Nessa perspectiva, a pesquisa de Oliveira (2006) revela que o HTPC pode ser um espaço de formação contínua desde que seja utilizado para a reflexão e colabore para subsidiar o professor no desenvolvimento diferenciado de seu trabalho. O que não significa, necessariamente, uma formação com vistas ao cumprimento dos objetivos da Secretaria, mas de discussão e proposição de alternativas coerentes para o grupo de professores. Nesse sentido, Imbernón (2009) ressalta que as trocas de experiências, quando compartilhadas dentro de projetos educativos constituídos entre iguais, potencializam a comunicação na realidade social, possibilitando a formação em todos os campos educacionais e rompendo com o individualismo e o isolamento profissional. Para esse autor, a formação vai além de aprender, ela gera intervenções. A formação continuada precisa instigar, apoiar, criar e potencializar a reflexão docente sobre suas práticas pedagógicas nas escolas, permitindo o exame das teorias envolvidas, estabelecendo um constante processo de autoavalição “do que faz” e “do porquê faz”. Isso somente será possível quando a escola tiver um projeto 38 educativo que seja peça “chave” na organização da instituição escolar e, também, base para o processo de formação continuada centrada na escola. Deve-se considerar toda a complexidade da instituição escolar, historicamente constituída e situada, na qual ações são conduzidas por seus profissionais, dentre eles o Professor Coordenador. Os trabalhos de Cunha (2006), Orsolon (2009), Christov (2009), Clementi (2009), Domingues (2009), entre outros, salientam a importância do Professor Coordenador (PC) dentro da unidade escolar, desempenhando o seu papel em relação ao seu principal alvo, que deve ser o de mediador da formação de professores durante os HTPCs. Silva (2008) compreende que para o PC exercer o papel articulador dessa formação, ele precisa traçar um plano de ação que envolva a comunidade escolar. Na concepção do autor, a escola fornece alguns instrumentos que potencializam a ação articuladora como o Projeto Político - Pedagógico, que simboliza o importante exercício de autonomia da escola, permitindo o (re)pensar nas dimensões internas e externas dessa instituição. Orsolon (2009) salienta que é importante que o PC compreenda que o trabalho deve ser planejado de forma coletiva, ou seja, com os demais atores situados naquele determinado contexto escolar. O planejamento visa direcionar as ações desses sujeitos com a finalidade de explicitar os seus compromissos frente à elaboração do projeto educativo da escola e para que eles apresentem as necessidades relativas ao seu cotidiano escolar e suas expectativas e estratégias em relação a projetos de mudança. Essas ações estão ligadas, de forma subjetiva, ao saber-fazer, ao saber-ser e ao saber-agir, ações essas que envolvem as dimensões técnicas, humanas e políticas do PC. A transformação das reuniões que acontecem na escola em espaço de reflexão e produção de saberes sobre a docência exige uma metodologia proposta e dirigida pelo PC, cuja liderança é essencial para que tais reuniões não assumam a condição de horário de trabalho perdido (BRUNO e CHRISTOV, 2007, p. 61). 39 Garrido (2007) ressalta que o trabalho realizado pelo PC no HTPC é de fundamental importância para que, em âmbito coletivo, os docentes criem propostas para responder aos desafios da escola. É nesse espaço que PC e professores compartilham suas dificuldades, angústias e refletem sobre suas práticas, formandose reciprocamente. Orsolon (2009) contribui com seus estudos, no sentido de afirmar que, nos últimos tempos, vivenciamos desafios mediante os quais, muitas vezes, sentimo-nos despreparados. Temos constatado indícios de constantes mudanças nos diversos campos do conhecimento, nas organizações sociais, nas diferentes culturas e sociedades. Essas mudanças chegam à escola, promovendo questionamentos que demandam, do seu coletivo, reflexões e discussões. 40 CAPÍTULO III – INDISCIPLINA NA ESCOLA: PERSPECTIVAS Meu bom senso me diz... Saber que devo respeito à autonomia, à dignidade e à identidade do educando e, na prática, procurar a coerência com este saber, me leva inapelavelmente à criação de algumas virtudes ou qualidades sem as quais aquele saber vira inautêntico, palavreado vazio e inoperante. De nada serve, a não ser para irritar o educando e desmoralizar o discurso hipócrita do educador, falar em democracia e liberdade mais impor ao educando a vontade arrogante do mestre. (Freire, 2009, p 62). Este capítulo apresenta perspectivas teóricas que discutem e argumentam sobre a indisciplina no espaço escolar. Discutida intensamente no Brasil desde os anos 1990, por diversas perspectivas teóricas, ocupa, no entanto, ainda nos dias atuais, grande espaço na produção acadêmica. É considerada um dos principais obstáculos no processo de ensino- aprendizagem, porque dificulta o diálogo entre professores e alunos, entre as escolas e as famílias, e entre professores e gestão escolar (diretor, vice-diretor e professor coordenador). A indisciplina escolar causa impacto e conflito na vida dos professores e colabora com os processos de estresse a que comumente esses profissionais são acometidos, especialmente pela dificuldade em administrarem e criarem alternativas de intervenção para lidar com as situações geradas na relação com estudantes indisciplinados (AQUINO, 1996, 1999; REGO, 1996; VASCONCELLOS, 2004; FRANCO, 2003; SOUZA e PLACCO 2006). Para os professores do Ensino Médio envolvidos com esta pesquisa, a indisciplina é um grande desafio e fonte de preocupação, o que justificou seu interesse pela discussão e estudo do tema durante os encontros de HTPC, contexto dessa pesquisa. A discussão sobre a multiplicidade de sentidos conferidos à indisciplina fazse necessária neste momento do trabalho, uma vez que esta pesquisa busca responder a questão: Quais os sentidos atribuídos pelos professores à indisciplina dos alunos? Por meio de levantamentos bibliográficos realizados para a sustentação teórica sobre o tema, pude constatar um número elevado de autores que tratam do 41 assunto a partir de diferentes pontos de vista. Entre eles, podemos encontrar estudos apoiados em Piaget, Mafffesoli e Vygotsky. Aquino (1996, 1998, 1999), Araújo (1996) e Parrat -Dayan (2008) apoiam-se nos estudos de Piaget, cuja preocupação foi elucidar como o sujeito chega ao estágio de respeito às regras. Segundo Piaget, o sujeito passa por diversas fases, divididas em: anomia (o bebê não percebe que existem regras), heteronomia (a criança já percebe a existência de regras, mas segue a imposição dos adultos) e autonomia (ela percebe que existem regras e o respeito é gerado por acordos mútuos) (PIAGET, 1994). Para Piaget, o sujeito autônomo é aquele em quem a fonte das regras está em si próprio, em sua capacidade racional de discernir entre o certo e o errado. Através de sua teoria, ao explicitar o desenvolvimento do juízo moral das crianças como um processo psicogenético, ele mostra que é impossível o sujeito ser autônomo sem antes passar pelo estagio da heteronomia (ação de seguir as regras externas). Defende ainda a autodisciplina, que não é imposta de fora, mas inspirada pela busca pessoal da necessidade do equilíbrio. Para Aquino (1996), a indisciplina presente no espaço escolar contemporâneo é responsável por confrontos, ameaças, muros e grades; e dos impasses que ocorrem na escola, resultam certos embates entre agentes que compõem esse espaço de forma direta ou indireta: professor, aluno, corpo gestor, entre outros. Segundo o autor, a indisciplina é um sintoma escolar que se dá nas relações educativas, ou seja, ela não existe como algo em si. Assim como não podemos ver a escola como uma instituição independente e autônoma em relação ao contexto sócio-histórico. Existe, pois, a dependência entre a escola e a sociedade: uma dependência histórica. Nesse sentido, Aquino (1996) tece dois olhares interpretativos sobre o tema: o olhar sócio-histórico e seus condicionantes culturais, e o olhar psicológico, cujas determinantes são as relações entre as famílias dos educandos e a escola. Em seu estudo, o autor constata que a escola promove expectativas moralizadoras nas práticas pedagógicas, deixando a desejar, muitas vezes, a objetividade epistêmica fundamental da instituição escolar, que é o trabalho com os conteúdos escolares. Dessa maneira, entende que três decorrências são reforçadas: 42 desperdício de forças do talento profissional, o desvio da função e a quebra do contrato pedagógico. Tudo isso gera insatisfação e ambiguidade. Esses fatores enfraquecem os paradigmas da instituição escolar, o que é sentido pela instituição familiar, indicando perda de visibilidade dos sentidos sociais da educação de forma integral. Para Aquino (1996), a indisciplina é um fenômeno transversal que perpassa todas essas unidades conceituais (professor/aluno/escola). Araújo (1996) discute as questões referentes à indisciplina, apoiado em Piaget: “toda moral consiste num sistema de regras, e a essência de toda a moralidade deve ser procurada no respeito de que o individuo adquire por essas regras” (p. 103). Dessa premissa, retirou dois temas básicos: o primeiro, a vinculação entre regra e moral; o outro ponto refere-se à importância que o respeito às regras (e não a obediência) exerce no desenvolvimento da moralidade, o qual apresentará como uma forma prática para a ação do educador diante do problema da indisciplina na sala de aula. Para Araújo (1996), a autonomia é comumente confundida com “fazer tudo que se acha certo”, mas, na verdade, o conceito de autonomia para Piaget refere-se à existência de regras fundamentais, as quais devem ser estabelecidas com a colaboração mútua dos sujeitos, para que ocorra um acordo entre as partes envolvidas. O autor coloca que a indisciplina na escola se refere ao desrespeito às regras estabelecidas. O autor destaca, no entanto, que é de fundamental importância a forma como as regras foram construídas: se foram impostas coercivamente ou construídas de forma democrática. Se a regra foi imposta de forma coerciva, autoritariamente, o sujeito pode não se sentir obrigado a cumpri-la e, nesse caso, a indisciplina pode ser uma forma de protesto. No espaço escolar existem diferentes formas dos professores lidarem com os enfrentamentos dos alunos e atitudes indisciplinadas. Esses enfrentamentos passam por posturas permissivas ou autoritárias da escola. Nesse impasse, métodos de repressão são utilizados, no entanto, eles funcionam apenas com os sujeitos que têm medo das autoridades ou por elas sentem afeto. Nos casos em que esses sentimentos não estão em jogo, os indivíduos ignoram as regras, as ordens impostas e, por exemplo, quanto mais o professor grita, mais os alunos se 43 satisfazem interiormente. De outro lado, estão as escolas permissivas, onde também há problemas de indisciplina gerados por falta de contratos pedagógicos. Como solução para essa dicotomia em relação à indisciplina escolar, Araújo (1996) defende a democratização da escola por meio das relações de respeito mútuo e reciprocidade. Aquino (1999) também concorda que a ação pedagógica, para que aconteça, depende da organização do espaço, do tempo e da presença de regras. Defende que toda relação institucionalizada se inicia de uma parceria entre sujeitos específicos em prol de um propósito. Existe um contrato entre esses sujeitos, o qual delimita lugares e funções conforme as regras. O não cumprimento dessas regras é interpretado pelos professores, segundo Aquino (1998), a partir de três hipóteses: a primeira é de que o educando seria desrespeitador porque a escola é permissiva; a segunda hipótese aborda o educando como “sem limites” e responsabiliza a família pela “má educação”; a terceira hipótese levantada é de que o aluno seria desinteressado. Para Aquino (1998), as três hipóteses cometem equívocos desde o princípio, uma vez que a disciplina não é pré-requisito para a ação pedagógica e, sim, produto ou efeito do trabalho desenvolvido cotidianamente na sala de aula. O autor destaca, ainda, que o aluno indisciplinado com um professor nem sempre será com os demais, além da ideia de que, para se iniciar uma atividade em sala de aula, o professor precise de silêncio e obediência. A pergunta que se faz a respeito dessas questões apontadas sobre indisciplina seria, então: O que fazer para solucionar essa problemática? Aquino (1998) discorre sobre a possibilidade de a indisciplina ser indício de que a intervenção docente não está se processando a contento. Ele comenta que, para o professor, a indisciplina é algo que precisa ser resolvido para que o ensino possa ser realizado. Parrat-Dayan (2008) contribui com a discussão acrescentando que a indisciplina escolar aumentou nesses últimos anos devido a diferentes causas, sendo a massificação do ensino um dos fatores que colaborou para a emergência da diversidade dos educandos. Esses educandos pertencem a heterogeneidades 44 culturais e frequentam o mesmo lócus de estudo - a escola. Portanto, a causa da indisciplina decorreria tanto de fatores externos como internos à escola. Os fatores externos, de grandes dimensões, referem-se às condições socioeconômicas desses indivíduos, em uma malha de representações, de valores e de condições de existência. Já a origem interna pode estar ligada ao ambiente escolar, às condições de ensino-aprendizagem, às relações entre professores e educandos, ao perfil do aluno, bem como à sua capacidade de adaptação ao sistema escolar. Acrescenta-se a essa lista, a falta de motivação do educando, a ausência de normas que propiciem um equilíbrio de comunicação entre os envolvidos na relação escolar, a ausência de consideração aos ritmos biológicos dos discentes e, finalizando, a falta de autoridade do professor. Nessa multiplicidade de causas, não podemos esquecer que a escola não está isolada da sociedade. Pelo contrário, ela está inserida no contexto social, do qual reproduz os problemas. Guimarães (1996), apoiada em Maffesoli, atenta para a ambiguidade do espaço escolar. A autora observa que, de um lado, temos ações da escola que aplicam as leis e as normas determinadas pelos órgãos centrais que uniformizam o comportamento das pessoas e, de outro, ocorre a dinâmica dos grupos internos, os quais estabelecem interações, rupturas e possibilitam a troca de ideias, palavras, sentimentos. Contudo, a escola está estruturada para a uniformização, para que todos sejam iguais. Isso se exerce por diversos mecanismos disciplinares, com a imposição de atitudes de docilidade. Segundo a autora, é preciso construir um projeto político-pedagógico que leve em conta as características dos educandos de hoje. A organização do ano escolar, dos programas e das aulas, assim como a estrutura dos prédios e sua conservação precisam considerar o gosto e as necessidades dos alunos. A autora entende que quando a escola não tem significado para o aluno, a mesma energia que pode leválo ao envolvimento, ao interesse, pode transformar-se em apatia ou explodir em indisciplina e violência. Conforme Rego (1996), a perspectiva vygotskiana pode responder a inúmeros questionamentos sobre a indisciplina. Embora não faça referências explicitas a essa 45 questão, é possível reconhecer a contribuição dessa teoria a partir da gênese do psiquismo humano em seu contexto histórico-cultural. Um dos estudos de Rego (1996) aponta dois aspectos preliminares ligados à indisciplina: um se refere às inúmeras configurações e enfoques que a noção de indisciplina pode assumir ou suscitar; o outro diz respeito à tentativa de se analisar os pressupostos subjacentes às ideias e às explicações sobre o fenômeno da indisciplina. Este se encontra presente, geralmente, no meio educacional. Segundo esse estudo, a indisciplina está longe de ser consensual, pois é complexa e dá margem a múltiplas interpretações, portanto, seu conceito não é estático, nem uniforme, tampouco universal. A indisciplina está relacionada a um conjunto de valores e expectativas que variam ao longo da história, nas diferentes culturas e até numa mesma sociedade, nas suas diversas classes sociais, nas suas divergentes instituições, ou, ainda, dentro da mesma camada social ou organismo. Os sentidos dados à indisciplina, no plano individual, dependem da vivência de cada sujeito e do contexto em que ela ocorre. Assim, os padrões para se caracterizar a indisciplina, e os atos indisciplinados, foram passando por diversos processos de transformação ao longo do tempo e, também, estão relacionados às diferentes dinâmicas sociais. De acordo com Rego (1996), entre as relações atribuídas à sua origem, há aquelas que a entendem como manifestação de um indivíduo ou de um grupo de indivíduos, os quais demonstram comportamento inadequado, rebeldia, intransigência, desacato; atitudes traduzidas como “falta de educação” ou de “respeito pela autoridade”. Nessa perspectiva, esses indivíduos teriam incapacidade de se ajustar às regras ou normas-padrão do comportamento humano. As regras, nesse caso, seriam imprescindíveis para a manutenção da ordem, e o que se propõe é o controle e coerção dos educandos. Nessa visão, todo ato de manifestação de inquietação, de questionamento, de discordância, de conversa ou desatenção é entendido como indisciplina. A disciplina, ao contrário, é caracterizada pela busca do silêncio, da docilidade e da passividade. Rego (1996) comenta que quando a “manutenção da disciplina” está associada à “tirania”, as diretrizes são encaradas como meio de prática autoritária, relacionadas à opressão e enquadramento, razão pela qual as regras na escola são 46 subvertidas, abolidas, ignoradas. Nesse caso, a indisciplina seria uma virtude, coragem de ousar, de desafiar os padrões vigentes. A autora, no entanto, discute o fenômeno da indisciplina em outra perspectiva: a de se compreender que a vida em sociedade pressupõe a criação e o cumprimento de preceitos capazes de nortear as relações, possibilitar os diálogos, a cooperação e a troca entre membros de um grupo social. Sendo assim, o papel da escola estaria em fomentar regras e normas orientadoras para o seu funcionamento e para a convivência entre os diferentes atores que nela atuam. O modo de entender/interpretar a disciplina/indisciplina acarreta uma série de implicações à prática pedagógica, as quais fornecem elementos capazes de interferir não somente nos tipos de interação estabelecidos entre a instituição escolar e os alunos, e na definição de créditos para avaliar o desempenho da escola, como o estabelecimento dos objetivos que se quer alcançar. Se o modo de compreender a indisciplina é inatista, a ação pedagógica se orienta pela ideia de que as características são inatas, independente das influências do outro ou dos fatores históricos-culturais; se a perspectiva é ambientalista, baseada na filosofia empirista e positivista, o sujeito é entendido como mero resultado de modelagem e condicionamento social. Contrariamente a esses modos de enxergar a indisciplina, a perspectiva vygotskiana acredita que os indivíduos são formados a partir de inúmeras e constantes interações com o meio (contexto físico e social), nas quais se incluem dimensões interpessoais e culturais que estabelecem, desde seu nascimento e durante todo seu percurso de vida, a constituição significativa e ressignificativa, responsável pela internalização dos processos externos. Analisando-se a indisciplina por meio de um quadro mais amplo, temos a visão abrangente, integrada e dialética dos diferentes fatores que atuam na formação do comportamento e desenvolvimento individual. Pode-se afirmar, a partir dessa perspectiva, que as questões relativas ao sujeito indisciplinado estão intimamente ligadas às suas experiências e ao seu percurso educativo, os quais trazem as características do grupo social e seu momento histórico, no qual esse sujeito esteja inserido. Aos traços do comportamento humano e aos valores do sujeito vinculam-se o aprendizado que se dá por meio de sua apropriação de “ser 47 social”, no seu grupo cultural. Assim, o fato de o sujeito ser indisciplinado está relacionado à multiplicidade de influências recebidas, do repertório do seu grupo cultural. Essas influências são internalizadas em um processo ativo e singular de seu aprendizado. Rego (1996) explica que o processo de constituição do sujeito se dá por meio das inúmeras interações sociais, das informações e influências dos diferentes elementos mediadores que compõem o grupo social e cultural, incluindo pessoas, instituições, meios de comunicação e instrumentos disponíveis no ambiente. A autora também coloca que a constituição familiar é de grande importância na constituição do sujeito que, no entanto, não se reduz a essa experiência. Os indivíduos interagem com outros indivíduos e com outros ambientes, além do familiar, os quais também o constituem como sujeitos. Sendo assim, a escola não pode se eximir da tarefa educativa, no que se refere à disciplina. Ao se referir a essas implicações na prática escolar, em relação ao confronto entre o comportamento dos alunos e a expectativa da escola, Rego (1996) coloca que: A prática escolar cotidiana deve dar condições para que esses educandos conheçam essas expectativas, construam e interiorizem valores, principalmente, desenvolvam mecanismos de controle reguladores de sua conduta. Para que isso seja possível é necessário que a escola e os educadores aprendam adequar as exigências às possibilidades e necessidades dos alunos. Os alunos, por sua vez, mais do que obedecer e se conformar com as regras estabelecidas devido às punições e ameaças, precisam ter a oportunidade de conhecer as intenções que as originaram, assim como suas consequências caso sejam infringidas. O papel de mediação que o professor exerce é de fundamental importância. É necessário também aos educadores além de refletirem constantemente sobre as regras presentes na escola (São coerentes? São justas? São necessárias? Podem ser negociadas ou flexibilizadas?) busquem uma coerência entre a conduta e aquela que se espera dos alunos. (REGO, 1996, p. 99). Vasconcellos (2004) argumenta que um dos elementos que dificulta o enfrentamento da problemática disciplinar está no fato de o educador não dispor de uma concepção, de um método, de uma ferramenta eficiente para lidar com ela. O educador está marcado, de modo geral, pela concepção idealista: ele tem uma série de ideias bonitas sobre disciplina, mas não sabe o porquê de não conseguir colocá48 las em prática: falta-lhe análise dos fatores determinantes, clareza de objetivos e mediações concretas. Ele estaria buscando conscientizar a comunidade a respeito do sentido da disciplina. Mas, como se dá essa conscientização? Para o autor, essa conscientização se dá pela dialética, na/da ação-reflexãoação. A preocupação estaria em os seguimentos sociais envolvidos na questão dialogarem a partir de dados da realidade sobre a indisciplina, de refletirem sobre ela, de forma a se despertar o desejo e o compromisso em construir algo diferente do que se tem até o momento e buscarem juntos uma proposta que possa efetivamente ser posta em prática: Para onde vamos? O que realmente almejamos? Para o que dirigir os esforços e a elaboração das formas de mediação? Vasconcellos (2004) alerta que é fundamental que o coletivo escolar queira enfrentar o problema da indisciplina, o que implica na análise do problema em sua totalidade, para se entender o que de fato ocorre. Essa análise possibilitaria que se enxergasse a perplexidade dos professores quando estes enfrentam a indisciplina, embate pelo qual alguns desses profissionais chegam a desistir da profissão. Juntam-se a esse, os demais fatores que também contribuem para essa “fuga”: baixos salários, desprestígio social, desrespeito do educando, entre outros. Dentro dessa circunstância profissional surge a angústia dos educadores frente à sensação de impotência, de incapacidade de dar conta dos efeitos das mudanças sociais, que se revelam no ambiente escolar. O professor, hoje, tem se questionado muito sobre a maneira como deve agir para manter a disciplina em sua sala de aula, até mesmo por estar, de certa forma, perdido e desestimulado, tanto pela situação do magistério (formação defasada, salário baixo, sobrecarga de trabalho/carga horária e desprestígio social), como pela posição da escola, cuja função está sendo questionada, além de ser acusada de reprodutora do sistema. Sem preparação para lidar com as necessidades dos alunos, hoje, os professores tentam impor a disciplina ”custe o que custar” e, para isso, recorrem a formas coercivas. Segundo Vasconcellos (2004), a causa da indisciplina pode ser encontrada na sociedade, na família, no professor e no aluno, que se encontram interligados também nas justificativas dadas para a indisciplina. É, portanto, por meio da mediação desses diferentes agentes que se concretiza esse fenômeno. Do mesmo 49 modo, acrescenta o autor, a disciplina não está pronta, ela deve ser uma construção coletiva, que necessita da participação de todos. No enfrentamento à questão da indisciplina, há, também, segundo o autor, a necessidade de nos preocuparmos em construir uma postura comum entre os educadores e educandos, e a escola precisa estabelecer certos parâmetros a serem seguidos por todos os seus profissionais, os quais devem trabalhar de fato com o aluno, no sentido da resolução do problema. As normas instituídas devem estar bem definidas, claras (o quê, para quê, quem, quando, onde, como, qual a consequência), colocadas por escrito, para que ajudem a objetivar esse procedimento. Vasconcellos (2004) chama a atenção para que o professor assuma a realidade de seu trabalho, para a necessidade de desalienar a relação pedagógica: entender que os educandos são problema seu, e não ficar procurando culpados do outro lado. Esse seria o ponto de partida. O segundo ponto é o de transformar a realidade, no sentido de o professor sair de uma posição reativa, defensiva e partir para uma fase de autocrítica e de (re)construção de sua proposta pedagógica. Segundo Vasconcellos (2004), o professor é um dos principais agentes de mudança na questão disciplina/indisciplina, por três razões: estar em contato direto com o educando em um local privilegiado, onde se manifesta o problema; por ser um profissional da educação; e por ser potencialmente um dos mais interessados em resolver essa questão, devido ao grande desgaste que ela lhe causa. Souza e Placco (2006) também contribuem, nesse sentido, para o esclarecimento da construção dos valores relacionados ao exercício da autoridade. Elas colocam que a formação de valores se constitui como condição para a construção das relações que fomentam a educação e a ética. A autoridade, para essas autoras, está fundamentada pela filosofia de Arendt (2000) e Elmore (1987) e pela psicologia de La Taille (1999). Na filosofia, a autoridade é entendida como uma relação de reciprocidade, embasada na desigualdade. Ela se daria pelo respeito à competência ou ao conhecimento, pela represália, pela tradição ou pela regra. Na psicologia, o respeito, a hierarquia e a autonomia constituem condição para a existência da autoridade. 50 Afirmam essas autoras que, ao se obedecer a determinada ordem, não quer dizer que o mandante tenha autoridade, se ele não tiver respeito e autonomia. Assim, a autoridade está relacionada ao respeito que é concebido nas relações, e que pode ser construído de duas maneiras: pela hierarquização nas relações sociais e pelo reconhecimento e prestigio. Resultam dessas construções dois tipos de autoridade. Uma diz respeito à autoridade que se constrói nas relações, por meio do reconhecimento daquele que detém a autoridade, porque possui conhecimentos e saberes institucionais; e o outro tipo de autoridade é aquela construída nas relações interpessoais, e que são permanentes. Ainda sobre a discussão a respeito da indisciplina, Damke (2007) faz um estudo, baseando-se na perspectiva da percepção social dos professores. Sua base teórica encontra-se na Psicologia Social e na Sociologia do Conhecimento. A percepção social, para essa autora, está vinculada ao imaginário social, constituído pela concepção de mundo, as crenças e os valores compartilhados por um determinado grupo. Para o campo educacional, a autora salienta que a percepção social desempenha importante papel, uma vez que busca compreender o processo de construção social da realidade do docente, por meio da sua distinta percepção e interpretação dessa realidade. Damke (2007) afirma que as primeiras impressões que o professor tem do aluno e de suas posturas podem estar associadas à cultura do ambiente escolar e ao estereótipo de outros professores em relação à indisciplina, o que distorceria a sua percepção real do que está sendo vivenciado. Desse modo, ele poderia cair em uma forma simplista de perceber as relações professor-aluno e os objetos que permeiam essas relações. Para a autora, o professor constrói sua percepção social por meio das interpretações, crenças, hábitos e valores compartilhados. A autora acrescenta que determinações, regulações e exigências culturais de um determinado ambiente se apóiam em um conhecimento prescrito, o qual fornece regras de condutas, que são aceitas com a função de construir os papéis exercidos naquele ambiente, com as crenças e experiências dos docentes que vivem sob sua influência. Dessa forma, ao compartilhar de suas experiências, crenças, hábitos e valores, os docentes estão construindo a percepção social da indisciplina. 51 Franco (2003) destaca a importância do Professor Coordenador (PC) junto à equipe escolar para auxiliar o grupo de docentes nas discussões e nos estudos referentes à indisciplina. As ações do PC podem ser embasadas em dois de seus papéis: como investigador da realidade e como proponente de projetos para a formação docente, que visem alternativas para mediar a questão disciplina/indisciplina. Na investigação da realidade, o PC pode observar diversos aspectos que desencadeiam a indisciplina na escola, como a concepção de disciplina dos docentes, a relação professor-aluno, o conhecimento que os professores tem sobre da relação entre professor e adolescente, assim como as propostas de trabalho que o professor faz à sua sala de aula. A proposta do projeto para formação docente deve apontar a intervenção do PC por meio dos dados que ele coletou na investigação da realidade. No processo de intervenção, Franco (2003) destaca que é fundamental a participação de toda a comunidade escolar, afirmando a importância da construção conjunta do projeto político-pedagógico, no qual conste o diagnóstico da escola e o planejamento de ações que mobilizem mudanças. A formação docente, por sua vez, comenta o autor, está vinculada a um espaço privilegiado para a formação continuada dos professores, o HTPC, momento em que os docentes e PC se encontram para, de fato, dar vida ao projeto. É nesse espaço que o PC realiza a investigação da realidade, que ajudará na condução das reuniões e nas reflexões que se fizerem necessárias à equipe. A perspectiva adotada para a interpretação dos diálogos estabelecidos com os professores envolvidos com essa pesquisa está alinhada com os pressupostos defendidos por Rego (1996), apoiada em Vygotsky, quando defende que os indivíduos são constituídos por constantes interações com o meio físico, social e cultural, estabelecidas desde o seu nascimento, e que continuam durante todo o seu percurso de vida. Essa constituição - significativa e ressignificativa - se dá por meio das internalizações dos processos que são mediados por outros sujeitos, instituições, meios de comunicação e instrumentos disponíveis no ambiente. A constituição do sujeito é, portanto, atravessada por fatores socioculturais. 52 CAPÍTULO IV - A CONSTRUÇÃO DA PESQUISA Poética De manhã escureço De dia tardo De tardo anoiteço De noite ardo. A oeste a morte Contra quem vivo Do sul cativo A este é meu norte. Outros que contem Passo por passo: Eu morro ontem Nasço amanhã Ando onde há espaço Meu tempo é quando Vinícius de Moraes Este capítulo tem o intuito de apresentar os procedimentos metodológicos adotados nesta investigação para responder a questão: Quais os sentidos atribuídos pelos professores à indisciplina dos alunos? O trabalho de campo da pesquisa aconteceu no segundo semestre de 2009, com o propósito de discutir os sentidos atribuídos à indisciplina escolar pelos 53 professores do Ensino Médio que participavam dos encontros do Horário de Trabalho pedagógico Coletivo (HTPCs), durante duas horas semanais, em uma escola da rede pública estadual da região de Piracicaba - SP, onde a pesquisadora exercia a função de Professora Coordenadora (PC). A escola atendia, até o ano de 2009, aos três segmentos da Educação Básica (Ciclo I e II do Ensino Fundamental e Ensino Médio). Esta escola enfrentava, na época da pesquisa, inúmeros problemas, tanto na organização geral como nos aspectos pedagógicos. Reconhecendo a importância do trabalho coletivo e da formação centrada na escola, decidi fazer uma sondagem das necessidades dos professores, questionando o modo como eu, enquanto PC, poderia contribuir para o desenvolvimento do trabalho docente e para a formação continuada desses professores, no contexto do HTPC. Quando questionados, os docentes apontaram que sua maior preocupação era o problema da indisciplina dos alunos, que vinha afetando as atividades pedagógicas nas suas salas de aula. Assim, o tema “indisciplina” passou a nortear as discussões com os professores e desencadeou a presente pesquisa, que tem como objetivos conhecer e discutir quais são os sentidos produzidos pelo professores de Ensino Médio sobre a indisciplina escolar, no contexto do processo formativo que acontece nos HTPCs da escola pública pesquisada. Esta investigação, no início, contava com doze docentes participantes. Durante seu desenvolvimento, outros dois profissionais somaram-se ao grupo em função da alteração de carga horária de trabalho, totalizando, então, quatorze professores participantes. Desse total, sete eram efetivos e trabalhavam na escola pesquisada há mais de três anos. Os demais eram profissionais contratados em regime temporário pela Secretaria Estadual de Educação e era seu primeiro ano de trabalho nessa escola. Desses professores, dois também trabalhavam na rede particular de ensino e outro na rede municipal. Havia entre eles um professor em seu primeiro ano de trabalho e uma professora que desenvolvia projetos de Recuperação Paralela para a disciplina de Matemática e substituía professores que acaso faltassem. Essa diversidade do grupo permitiu ricas interações e trocas de experiências, resultando em discussões bastante significativas. 54 Com a escolha do tema norteador das discussões e a adesão do grupo de professores, sugeri a exibição de filmes para provocar e enriquecer as discussões a respeito da indisciplina, negociando a forma de organizar os encontros. Foi combinada a seguinte dinâmica para o uso das duas horas de HTPC: primeiro, nós assistiríamos um filme com a temática em questão; em seguida, discutiríamos o filme, tentando responder as seguintes perguntas: O que o filme provocou? Quais os sentidos da indisciplina dos alunos? Essas discussões foram audiogravadas, com a intenção de que se mantivesse, ao serem transcritas, total fidelidade às falas. Em um terceiro momento, fora do horário do HTPC, os professores deveriam registrar suas impressões sobre a discussão e entregar esse registro à PC (no caso, a pesquisadora), antes da exibição do próximo filme. Cabe ressaltar que esses registros foram solicitados sem indicação de um formato definido e foram produzidos ora individualmente, ora em duplas, ou até mesmo em grupo. O intuito da solicitação foi o de potencializar uma atitude de reflexão frente às discussões, a qual pudesse contribuir com a explicitação da questão de pesquisa. Os dados produzidos no processo de pesquisa incluem, portanto: a) as discussões audiogravadas e transcritas; b) o diário de campo da pesquisadora, que contém suas anotações realizadas durante os momentos de exibição dos filmes; c) registros escritos pelos professores com opiniões, indagações, compreensões a respeito dos filmes e sua temática. Quanto ao encaminhamento dos encontros, ficou acordado entre os professores que a PC (a pesquisadora) elaboraria um cronograma de trabalho em torno da discussão do tema indisciplina e selecionaria três filmes como material de trabalho. O cronograma para a pesquisa de campo previu dez encontros de HTPC, ao longo do segundo semestre de 2009, nos quais foram exibidos os filmes e realizadas as discussões. Contudo, devido a outras demandas da escola na utilização desse espaço de formação, os encontros se reduziram a seis. Foram organizados, ao longo do semestre, portanto, três encontros para a exibição dos filmes e outros três para discussão e reflexão sobre os mesmos. 55 Investindo na possibilidade de que os filmes escolhidos motivassem e potencializassem a reflexão sobre a indisciplina nas salas de aula, três produções foram selecionadas: Pro Dia Nascer Feliz (2006), Entre os Muros da Escola (2008) e Escritores da Liberdade (2007). Esses filmes, que retratam o cotidiano de diferentes universos escolares, com suas peculiaridades, tipos de problemas e maneiras de enfrentá-los, promoveram discussões significativas em relação ao fenômeno da indisciplina. São produções atuais, de nacionalidades diferentes (Brasil, França e Estados Unidos, respectivamente), que apresentam discussões de questões próximas às enfrentadas pelos professores envolvidos com esta pesquisa. Segundo Coutinho (2002), a utilização de filmes como estratégia para reproduzir a essência da realidade é relevante, mesmo quando as cenas se passam em estúdios cinematográficos, pois relacionam a obra literária, o mundo imaginário das personagens e as situações recriadas. Alves (2001) argumenta que os filmes se constituem de fragmentos da realidade, embora não possam ser considerados como tal, uma vez que contêm “técnicas figurativas” que percebem, interpretam e criam o mundo. Esse dispositivo possibilita outras experiências que deformam (transformam) a postura dos sujeitos na relação com o mundo, envolvendo, nesse processo, percepções e compreensões da realidade histórico-social. Na mesma perspectiva, os estudos organizados por Duarte et al. (2004) reforçam que a produção dos sentidos, bem como a construção de valores por meio da experiência com o cinema, partem do princípio de que o sentido do filme não é dado pela maneira como ele se organiza tecnicamente (construção do roteiro, imagens, trilha sonora, textos escritos, falas etc.), mas, sim, pela relação entre a pretensão do que se quer transmitir e aquilo que o espectador interpreta/compreende. Para os autores, a significação dos filmes caminha “entre o universo íntimo e privado da memória e do imaginário do espectador, e o universo público da memória social e do imaginário cultural” (DUARTE et al., 2004, p. 4). Esse imaginário permite o diálogo com os fragmentos dos filmes, os quais marcariam, de alguma forma, a vida do sujeito, formando uma rede de comunicação que passaria a interferir no 56 modo de “ver”, assimilar, compreender e interpretar os demais filmes com que esse sujeito viesse a ter contato. Os autores acreditam, portanto, que esse “museu de imagem” estabelece o elo entre o filme e o olhar do espectador, o que lhe permitiria fazer a ligação do filme com o mundo real, considerando, contudo, a fantasia como parte desse processo de significação. A proposta desta pesquisa de utilizar filmes que retratem o fenômeno da indisciplina escolar, com a intenção de fomentar a discussão dos professores, concorda com esse estudo, quando os autores afirmam que: Os filmes funcionam como campos de problematizações, pois colocam valores em discussão para espectadores de distintas origens e tradições morais e culturais. A apresentação de situações de conflito, em que determinadas decisões são tomadas tendo como referência estes ou aqueles guias de valor, esta ou aquela norma de ação moral, leva os espectadores a analisar (...) suas crenças e pressupostos (...). Filmes funcionam como campos de problematização porque possibilitam aos espectadores experimentar situações morais diversas (DUARTE et al., 2004, p. 48). Quando assistimos a um filme nos sentimos envolvidos pela trama, pois enxergamos ali dados da nossa própria realidade e, muitas vezes, temos a oportunidade de relembrar acontecimentos que dão significado e sentido ao que estamos vivendo no presente, como também de refletirmos sobre o nosso ser e estar no mundo, não apenas como testemunhas oculares, mas como alguém que “vê, percebe, sente, revive momentos e sensações” (ALVES, 2001, p.136). A opção por assistirmos a filmes que tratavam de aspectos relacionados à indisciplina para, em seguida, discutirmos o assunto coletivamente, justifica-se, ainda, pelo fato de que as imagens “trazem informações, nos sensibilizam e nos emocionam. Nos ajudam a conhecer, decifrar, perceber, nos informar, sobreviver e também iludir, enganar, dirigir, dominar e controlar” (ALVES, 2001, p. 6) e, dessa forma, mobilizar o sujeito, corporal, emocional e intelectualmente. O ato de ver filmes permite se fazer um retrospecto, reviver momentos e sensações, rememorizar. O ato de ver filmes e discuti-los em seguida ajudaria a reelaborar repensar, algo que já foi vivido, pela pessoa ou pela humanidade. Além disso, é uma outra forma de percepção do mundo que pode alargar o conhecimento (ALVES, 2001, p. 64). 57 Acreditando na hipótese defendida por Vianna e Setton (2004, p. 89), de que as mensagens trazidas pelos filmes “são carregadas de sentidos, os quais emitem significados e juízos de valor (...) e que servem como importantes agentes socializadores”, os filmes foram utilizados como recurso para auxiliar a discussão sobre os sentidos que os professores do Ensino Médio constroem sobre a indisciplina. O documentário “Pro Dia Nascer Feliz”, de João Jardim (2007), aborda a educação brasileira. Mostra as diversas situações que os estudantes, na faixa dos 14 aos 17 anos, enfrentam dentro da escola pública dos estados de Pernambuco, da periferia do Rio de Janeiro e da cidade de São Paulo: precariedades, preconceitos, violência. As diferenças capazes de chocar o espectador aparecem quando o filme nos permite comparar a realidade destes jovens com as de outros estudantes de renomados colégios particulares paulistas. Além do foco no aluno, este documentário também mostra aspectos relativos ao professor, como seus problemas em sala de aula, seus desejos, suas angústias, a falta de reconhecimento da sua profissão, entre outras questões políticas e sociais vinculadas à profissão docente no Brasil. “Entre os Muros da Escola”, filme dirigido por Laurent Cantet (2008), aborda o cotidiano escolar para expor a visão francesa sobre o choque entre culturas. Evidencia as diferenças sociais e culturais entre alunos e entre professores e alunos, as quais estariam gerando incompreensão e intolerância das partes. O filme “Escritores da Liberdade” é norte-americano, com direção de Richard LaGravenese (2007), e foi inspirado na história de vida de uma professora em início de carreira, interessada em lecionar Língua Inglesa e Literatura para uma turma de adolescentes que resistiam ao ensino tradicional. O desafio da professora está em educar esses adolescentes discriminados pelos outros professores, que os consideram “sem futuro”. Para isso, ela utiliza diversas estratégias e acaba por inovar o ensino daquela escola. A construção da análise dos dados da pesquisa implicou a leitura dos registros escritos dos docentes participantes, a leitura das transcrições dos encontros e também das anotações do diário de campo da pesquisadora. 58 Nesse processo de construção da análise orientada pela busca das concepções sobre a indisciplina, foi possível reconhecer que os sentidos atribuídos pelos professores à indisciplina estavam relacionados aos questionamentos dirigidos à própria profissão e à função da escola. Assim sendo, os sentidos sobre a indisciplina, à profissão docente e à função da escola foram tomados como eixos complementares de análise do material. CAPÍTULO V - SENTIDOS DA INDISCIPLINA, DA ESCOLA E DA PROFISSÃO DOCENTE: ANÁLISE DOS DADOS Aprendi... Sei da minha responsabilidade em assumir o outro em minha constituição, bem como entendo o quanto o inverso também pode ser verdadeiro, ou seja, o quanto se faz importante que o outro se perceba também coresponsável por meu processo formativo. Também sei de todas as transformações que esse movimento pode carregar. Essa decisão é singular, mas construída com e a partir do outro, e é potencializada no/com/para o coletivo. Daí minhas provocações são só perguntas, mas que carregam em si a vontade de pensarmos nossa profissão com a finalidade primeira de favorecer a aprendizagem dos estudantes, essencialmente (VICENTINI, 2010, p. 43). Começo a tecer as primeiras considerações deste capítulo por meio do excerto de Vicentini (2010), que discute o processo formativo dos sujeitos 59 ressaltando a importância do “outro” nesse processo, sem se esquecer da coresponsabilidade desses sujeitos. Defendendo a mesma perspectiva da autora, quando coloca que “essa decisão é singular, mas construída com e a partir do outro, e é potencializada no/com para o coletivo”, mergulho nos dados desta pesquisa partindo desse princípio de co-responsabilidade dos professores participantes, ao debaterem e escreverem sobre o objeto de discussão desta pesquisa: a indisciplina escolar. Como mencionado no capítulo que descreve a metodologia, os dados da pesquisa foram construídos a partir da transcrição dos encontros de HTPC e da leitura dos registros escritos dos professores participantes de modo a responder a questão: Quais os sentidos atribuídos pelos professores à indisciplina dos alunos? No processo de análise, três eixos complementares foram definidos para discussão: Sentidos da Indisciplina, Sentidos da Escola e Sentidos da Profissão. Isso por que a indisciplina escolar, tema das discussões com os professores, foi apresentada pelo grupo como justificativa para a maioria dos problemas de ensinoaprendizagem no sistema educacional, caracterizando-se, portanto, como um obstáculo pedagógico. Essa problemática sobre a indisciplina escolar promoveu, nos professores participantes desta investigação, inquietações em relação à profissão docente e ao sentido e objetivos da escola. Os sentidos da indisciplina, nas perspectivas dos professores, portanto, estão relacionados aos sentidos da escola e da profissão docente. 5.1 Análises das discussões nos HTPCs As perspectivas assumidas pelos professores, tradução de seu percurso formativo, estão apoiadas nas suas experiências (CAVACO, 2009; LARROSA, 2002) e resultam do acúmulo de vivências, de interações entre os indivíduos, ou do sujeito consigo mesmo (auto-reflexão) no meio em que atua. Nos seus estudos, Rego (1996) destaca que há múltiplas formas dos professores compreenderem o fenômeno da indisciplina, caracterizadas como 60 verdades que se originam mais do senso comum e da vivência dos sujeitos e menos da fundamentação teórica. A autora chama a atenção para o fato de que a busca para os determinantes da indisciplina, de acordo com suas pesquisas com professores, tem como sustentação a visão que atribui à influência de fatores extra-escolares a justificativa para os comportamentos inadequados dos alunos, como se pode destacar no fragmento abaixo: Sílvia: A gente tem que pensar o seguinte: quando o aluno vem pra cá tem um monte de problema: o pai bateu, a mãe espancou, sofreu abuso; ou o pai bateu na mãe, os pais estão sofrendo, está cheio de problema. É muito cômodo ouvir tudo isso, né? O problema, traz aqui pra gente e não tem como resolver. E aí? Quando chega aqui na escola, eles ficam com mais problemas de disciplina ainda. Os pais dos meninos dizem que são “bonzinhos” em casa. [A professora Felícia chega nesse momento]. PC: Estamos colocando aqui, Felícia, os comentários sobre o filme [Pro dia nascer feliz]. A Sílvia está colocando aqui que o filme a instigou tanto que ela quer fazer mestrado sobre indisciplina, né? E que ela quer saber se é um fator social ou fator... Sílvia: Ou se o problema é que está dentro da escola Felícia: Pra mim é social. Sílvia: Eu tenho uma hipótese. São várias (...). Então, sem eu ler nada, sem analisar nada, grosso modo, eu acho que seja um problema da escola. Conforme Rego (1996) e Vasconcellos (2004), a indisciplina está relacionada à multiplicidade de influências no percurso constitutivo do sujeito. Portanto, a família tem grande responsabilidade nessa constituição. No entanto, o individuo também se constitui em outras relações que não apenas as familiares; a escola não pode se eximir de sua função educativa de fomentar o aprendizado das posturas e de dar condições ao sujeito para que ele construa e interiorize valores. Para isso é necessário que os educadores aprendam a adequar as exigências de sua profissão às possibilidades e necessidades dos alunos. Segundo Imbernón (2010, p.15), esse aprendizado do professor tem a ver com o fato de que é necessário “romper essa forma de pensar que leva a analisar o progresso e a educação de uma maneira linear, sem permitir integrar outras formas de ensinar, aprender, de se organizar (...) e de escutar outras vozes”. Essa formação acontece por meio dos problemas práticos vivenciados nas escolas, assim como 61 pelas necessidades reais dos profissionais que atuam nesse ambiente. Dessa forma, a escola passa a ser foco do processo de ação-reflexão-ação. Esse processo de ação-reflexão-ação pode promover o reconhecimento, por parte dos professores, da sua parcela de responsabilidade pela indisciplina na escola. Esse reconhecimento, de acordo com Rego (1996), seria um alerta para a busca de outros determinantes para a indisciplina. A autora aponta que a influência extra-escolar no comportamento dos educandos ocupa primeiro plano na justificativa de diversos docentes. Segundo essa visão, as atitudes comportamentais classificadas como indisciplinadas (rebeldia, desatenção, agressividade, entre outras) seriam características individuais e resultantes dos fatores inerentes a cada aluno, sendo vistas como consequência das opressões do universo social (família, televisão, entre outros fatores). Os enunciados a seguir mostram essas características levantadas por Rego, que destaca a importância da família no acompanhamento da vida escolar dos estudantes e na relação da permissividade dada pelos pais às situações problemáticas “classificadas” como indisciplinadas. A Profª Sílvia tem esse posicionamento. Acredita que o problema de indisciplina na escola é devido à ausência das famílias na vida dos educandos. Sílvia: Sabe Felícia, eu penso assim: antes nós tínhamos a mãe em casa, sabendo ou não ler. Agora, o pai sai, a mãe sai. Quem educa os filhos somos nós, por isso que falo que o problema da indisciplina está na escola. Felícia: Como educar um filho sem punir? Silvia: Não tem como, mas acabam sendo permissivos, porque falam assim: “Eu não fico com ele”. Então, falam sempre: “- Deixa, eu nunca fico com ele, agora vou falar não?”. E aí gera tudo isso. Você fala não aqui, e lá fala sim o tempo todo, e o conflito está gerado. Cláudio: Mas talvez seja um pouco de cada, Sílvia. O problema não está ali ou está aqui. É um pouco o problema social que acaba interferindo na escola. A escola não é uma coisa fechada, apartada da sociedade. Ela interage com a comunidade. A escola acaba também influenciando toda essa relação. Mesmo quando os professores admitem a indisciplina associada à escola, não abandonam a visão de que isso ocorre devido à “ausência” da família. Nesse sentido, Rego (1996) afirma que as famílias têm sido responsabilizadas pela 62 indisciplina dos estudantes, devido à dissolução do modelo familiar, de educandos vindos de famílias consideradas “desestruturadas” ou, ainda, pela falta de interesse dos pais pela vida escolar de seus filhos. Encontramos a questão da permissividade dos pais como um ponto que poderia ser motivador da indisciplina, como coloca a professora Sílvia. Para Rego (1996), os pais permissivos são aqueles pais com bastante dificuldade de controlar suas crianças/adolescentes. São muito tolerantes diante de uma situação de conflito, teimosia ou “birra”, não estabelecendo limites e parâmetros comportamentais. Concordo também com Rego (1996) e com Souza e Placco (2006) sobre o fato de a indisciplina ser uma questão bastante complexa, alvo de múltiplas interpretações, e construída a partir de um conjunto de valores e expectativas variáveis ao longo da história, nas diferentes culturas e até dentro de um mesmo contexto. Na interpretação do sentido da indisciplina apresentada pelo professor Cláudio, essa complexidade de sentidos fica clara. Ele entende que a indisciplina é causada tanto por motivos sociais externos como por fatores internos à escola. Na conversa do grupo, algumas práticas e rotinas da escola passam a ser questionadas: Felícia: Eu acho que a escola hoje é muito... Sílvia: Posso dizer o termo certo? Pra mim é falta de limite (...), todo mundo necessita de limite, gente. Felícia: Eles pedem limite, né? Sílvia: Todo mundo precisa de limite, nós precisamos de limite, se nós não precisássemos estar aqui, estaríamos aqui? (...) Por que estou aqui? Porque tem um limite, porque eu não posso faltar. Tem uma punição para isso, se eu não vier. Felícia: E o que acontece com os alunos que não têm limite? Silvia: Nenhuma. Felícia: Eles precisam perder alguma coisa. Sílvia: Quando digo escola, estou dizendo tudo. Eu, os alunos, todos, até aqueles que mandam as coisas pra gente. Felícia: Quando eles passam do limite, eles não têm nenhuma punição e ainda podem participar, como aconteceu essa semana, que achei um absurdo que o aluno “S” foi ao Salão de Humor depois 63 de tudo o que aconteceu, depois do que ele me fez. (...) Mas, espera ai! Você pode fazer “nada” na sala de aula, pode dormir e você pode ir aos passeios? Não tem “tipo”: você está merecendo? Silvia: Concordo com ela, é uma forma de limite. Felícia: É uma forma de limite, você vai porque você está merecendo. Agora, na escola, o aluno faz o que quer e não quer e tem o passeio e o aluno vai? Como pode? Cláudio: Espera aí. A visita ao Salão de Humor não é um passeio. É uma atividade. Felícia: Ah, sim. Claudio: Que tem que ser aproveitado como conteúdo, não pode deixar nenhum aluno de fora. Felícia: Para eles é um passeio. Cláudio: Passeio é Hopi Hari. Esse, sim, é um passeio. Felícia: Que nesse eles participam mesmo, né? Claudio: Com esse passeio [Hopi Hari] foram duas sextas-feiras perdidas, fora o tempo para acerto de contas e toda a balbúrdia que fica por conta dessa excursão. Não tem conteúdo nenhum... Felícia: Eles vão? Claudio: Então, esse é um passeio que não tem conteúdo. Qual é o conteúdo? (...) Sílvia: Olha, por exemplo: eu quero levar os alunos no Museu da Língua. Não dá para levar todos, eu tenho duas classes de primeiro ano do EM e duas de oitava [do EF]. Eu quero levar um ônibus, tem que fazer uma seleção. Qual o critério para selecionar esses alunos? É quem merece. Entendeu? É isso que a professora está dizendo. Realmente, você tem que começar dar prêmios para quem é bom e não punir, nesse sentido de castigo... Cláudio: Até onde entendo a Felícia, é usar como critério de punição para os indisciplinados, é esse limite. Olha, você não vai nesse tipo de atividade, a sua atividade será dentro de sala de aula. Nádia: Mas a “Quinta no cinema” é assim que eles estão fazendo, não é? Você não vai. Você vai. Você não vai por causa de sua indisciplina... (...) Laura: Isso estava fazendo falta para a escola. Quando você sai com eles, eles são totalmente diferentes. Você tem a liberdade de conversar com eles, não só como professor e aluno, né? Mas eles são outros alunos. Veja o primeiro D, a Natália foi comigo, eles se comportaram. Eu acho que essas atividades, assim, elas fazem falta para a escola. Eu acho que é por isso que temos tantos casos de indisciplina na escola. Silvia: Eu acho que deveria ter mais excursões assim (...). Nossa, seria ótimo, por exemplo, a próxima excursão seria para o Salão de Humor de São Paulo, porém, com alguns critérios para o aluno ir (...). Eles iriam pensar: a próxima será para São Paulo, mas para eu ir tenho que ter alguns critérios... Tem bastante passeio. No diálogo, observamos que existem diversas formas de entender e interpretar a disciplina/indisciplina, as quais acabam interferindo nas práticas 64 pedagógicas. Essas práticas pedagógicas estão relacionadas às constituições dos professores, que se dão por meio das suas inúmeras interações sociais, das informações e influências que recebem dos diferentes elementos mediadores que compõem o seu grupo social e cultural, incluindo determinadas pessoas, instituições e meios de comunicação (REGO, 1996). Nesse sentido, Abdalla (2006) contribui dizendo que a perspectiva da escola, tanto no âmbito cultural quanto no político, depende das interpretações dos sujeitos sobre a situação vivenciada por eles e das orientações políticas que a constituem. Culturalmente, a escola se apresenta como uma organização complexa, cujos processos de funcionamento nem sempre estão de acordo com o que é formalmente estabelecido. Trata-se, pois, de uma realidade socialmente construída, desenvolvida entre seus membros no contexto de trabalho. Sobre esse aspecto, Rego (1996) observa que “as trocas” de “experiências” fornecem elementos capazes de interferir não somente nos tipos de interação estabelecidos entre a instituição escolar e os alunos e na definição de créditos para avaliar o desempenho da escola, mas também no estabelecimento dos objetivos que se quer alcançar de maneira coletiva. A discussão sobre a indisciplina mobiliza a participação dos professores, estimulando-os a se responsabilizarem pelo desenvolvimento de estratégias que possam modificar as práticas pedagógicas. Essas mudanças estariam baseadas na experiência individual e grupal acumulada, e também nas novas necessidades afloradas na discussão, como acontece quando os professores Cláudio e Laura opinam sobre a necessidade da escola investir mais em projetos culturais, que de alguma forma pudessem minimizar atos de indisciplina. Essa busca de novas estratégias que promovam ações pedagógicas permite, antes de tudo, a revisão e a relativização de pontos de vista, num processo de coordenação de perspectivas, como aponta o diálogo a seguir: Cláudio: O documentário [Pro dia nascer feliz] mostra a integração com a escola, os alunos participam da banda da escola, do grupo de dança. A outra mocinha, quando terminou os estudos, falou que sentia falta da convivência da escola com os amigos, com os professores. Aqui não temos só alunos indisciplinados, temos alunos super gente fina, temos alunos excelentes. São melhores que quando eu fui estudante. Isso, com certeza. Tem certo grau de civilização, são finos, são educados. 65 Em vários eventos aí, eles procuram a escola para socialização. Essa escola também dá uma referência de humanismo para que depois eles apliquem em suas vidas. Tem uma referência familiar. O problema é que perdemos muito tempo com os alunos indisciplinados. Se nós pudéssemos desenvolver mais com esses alunos, ficaríamos muito mais satisfeitos Juarez: Sabe Felícia, fiquei aqui pensando. A questão é simples, Felícia. Quando que a escola não teve alunos indisciplinados? Quando? Sempre. Então a escola está sempre em mudança. Mesmo o objetivo da escola está mudando. Após o exercício de revisar e relativizar as explicações sobre a indisciplina, outras questões surgiram. A pergunta “quando que a escola não apresentou alunos caracterizados como indisciplinados?” exige que os professores admitam que este fenômeno sempre fez parte da realidade escolar e está inscrito em um contexto em que concorrem fatores sociais, culturais e históricos. Cada escola está em processo constante de mudança e de constituição de sua singularidade. O fato de ser singular confere a cada uma a possibilidade de se diferenciar de outras escolas, conforme sua estrutura organizativa e o tratamento dado aos seus educadores e educandos. Silva (2002) observa que quando o espaço permite o estudo dos assuntos relacionados ao dia-a-dia da sala de aula, com suas contradições e desafios, o desenvolvimento do docente se dá por meio da reflexão sobre a experiência: Sílvia: Vou dizer uma coisa para você, Nildo, uma das coisas que vimos nos filmes. Quanto mais contato com meus alunos... E eu não preciso sair na rua para conhecê-los melhor. Mas como? Por exemplo, o campeonato que teve a semana passada. Eles se soltam, eles ficam super à vontade e, imagine você, eles vendo os professores deles jogando contra eles? E eles torciam por nós professores. Eles apaixonados pelos professores. Só para ter isso daí foi... A professora teve que colocar a cara a tapa, entendeu? Só que isso é a primeira vez que acontece. Nildo: Isso aconteceu por quê? Sílvia: Todos os professores se reuniram e assumimos um compromisso junto com a professora [Ed. Física]. Nildo: Isso foi bom porque quebrou a formalidade. Sílvia: A impressão que possuem é de que o professor está num patamar tão elevado, e que o professor não tem problema, não tem erro. Nildo: Deixaram de ser alunos para serem iguais. Sílvia: Agora, precisa de mais coisas como essa? Precisa. Nildo: Por isso que eu falei que precisa gostar da escola. 66 Conforme Silva (2002), a participação de todos os professores no desenvolvimento de uma ação coletiva, ou mesmo de um projeto, é de fundamental importância para que possam aparecer suas inquietações e dúvidas. Assim, terão oportunidade de construir, juntos, propostas que vislumbrem a compreensão e a execução do processo de ensino-aprendizagem. Conforme Alarcão (2000), o cenário reflexivo como abordagem de formação provoca a necessidade dos profissionais pensarem em suas práticas, e de construírem e reconstruírem o seu conhecimento a partir do campo de ação, caracterizado por dinâmicas de incertezas e por decisões devidamente contextualizadas. Assistir aos filmes, discutir coletivamente e produzir reflexões escritas sobre a indisciplina permitiram aos professores a oportunidade de questionar a si mesmos, a imagem da profissão e sua prática como educadores, como se pode observar nos próximos enunciados: Felícia: Quando comecei a escrever, pensei: até que ponto estamos sendo educadores? PC: Por quê? Felícia: Olha, não sei... Fico tão perdida, às vezes... Da forma que é... Há tanta coisa que a gente se submete, estou confusa, será que é isso que estamos fazendo? Sílvia: Ouvi alguém dizendo outro dia: professora é uma empregada doméstica bem paga, ela só faz o que mandar. O diálogo acima nos remete ao fato de que o aprender e o agir profissional docente não podem ser pensados separadamente; para que ocorram mudanças reais dentro do espaço educativo é preciso um trabalho em equipe, com propósitos comuns. A escola precisa empreender mudanças por meio de ações apoiadas no diálogo, na reflexão e na avaliação contínua, critica e construtiva. No impasse de como fazer para se conseguir práticas pedagógicas adequadas às exigências relativas às possibilidades e necessidades do educando, minimizando os conflitos, surge uma questão quanto ao sentido da escola, evidenciada na reflexão sobre os objetivos e propósitos do ensino: 67 Felícia: Pare agora e pense: e quando eles vão para o SENAC ou SENAI? Eles mudam o comportamento. Por quê? Silvia e Felicia: É porque lá tem regras. Juarez: Devido à “funcionalidade”. No SENAI, o que eles estão em busca ali? O SENAI vai formar um profissional. Qualquer curso do SENAI. Aqui, a gente não está formando profissional. É formação humana. E como tem essa diferença, gera conflito no aluno. Então, lá eles estão indo para formar um profissional, eles estão indo. Aqui, formação humana. Sem esse conflito eles não conseguem dialogar, gera indisciplina aqui. Por quê? Estou aprendendo filosofia pra quê? Primeira pergunta. Professor Claúdio vai lá e explica. Se o aluno entendeu ou não, tudo bem. Digamos que não entendeu. E aí, vou estudar filosofia pra quê? Se durante o ano o professor Claúdio conseguir, em algum momento, explicar o porquê o aluno está aprendendo filosofia, ganhou o aluno. Se não, vai ter indisciplina do aluno. Lá no SENAI não. Eu estou aprendendo AutoCAD para quê? Para fazer planta baixa e acabou. Eles vão lá cientes do que eles estão fazendo. Essa é a diferença. De acordo com Vasconcellos (2004), a escola deve estar preparada para responder a pergunta: “Estudar para quê?”. Com esse questionamento é possível que consigamos chegar ao objetivo da escola, desde que ele esteja de acordo com o contexto social em que a escola atua. Outro ponto relevante nessa discussão é a importância a ser dada a todo novo conhecimento, resultado da tríplice articulação entre o compreender o mundo em que vivemos, usufruir do patrimônio acumulado pela humanidade e, sobretudo, transformar esse mundo, qual seja, colocar esse conhecimento a serviço da construção de um mundo melhor, mais justo e solidário. Sílvia: Agora, outro ponto é: você tem que dar aquilo que tem representatividade, aquilo que representa alguma coisa na vida dele, ensinar aquilo que... Você vai ensinar raiz com delta lá? Onde ele vai usar isso? O que não é significativo pra ele, como pra gente também, você deleta. Nildo: Mas pra fazer algo diferente, que funcione, ele tem que procurar. Eu acho que plano de ensino, você fazer plano de ensino, eu acho que é conversa para “boi dormir”. O certo é dar aquilo que o aluno está precisando. Ele quer falar sobre o quê? Quer falar sobre o sexo dos anjos? Então vamos falar sobre o sexo dos anjos. Ótimo, ele vai aprender. A Gazeta [jornal da cidade] está fazendo a ordem cronológica... Eu acho, dar esse conteúdo do caderninho [referência ao material didático empregado na rede pública estadual paulista], idiota, entendeu? Vou citar um filme, é gostoso de assistir, que é um dos primeiros a trabalhar a relação professor-aluno que é “Ao Mestre com Carinho”. Sílvia: Lindo. Nildo: O que o cara fez? Ali, o cara fez o certo: se eles não estavam querendo ler o que estava determinado, ele procurou outra alternativa. Eu acho que é o caminho lógico, entendeu? Desculpa, eu 68 vou falar e vou parar, porque já falei demais. Se você tiver algo que não estiver determinado pelo Estado ou pela Secretaria da Educação, a diretora da escola “pega” você. Então, são essas coisas, entendeu? Então, acho que você tem que evitar de... Sílvia: Olha, eu entendo o que você falou, concordo plenamente, só que tem o outro lado da moeda: Quando vai mudar isso? Como você vê quarenta realidades [quarenta alunos]? Juarez: Não vendo. Nildo: Não vejo quarenta realidades, eu acho que você tem que criar uma que seja... Sílvia: Oportuna para todos. No exercício de indagar e discutir a indisciplina, conseguimos abranger outros assuntos que incomodam os professores, como o conteúdo programático indicado pela Secretaria Estadual de Educação, no que diz respeito a fazer ou não sentido para o educando. A discussão sobre o material pedagógico distribuído pela rede estadual provoca a reflexão sobre a coerência da escola e da ação do professor: Sílvia: Vejam no meu caderninho de Português da oitava série: sabe qual era o trabalhinho que eles estavam pedindo do início do ano até o final do ano? A viagem de formatura! Meu Deus, a nossa escola aqui? A viagem ideal está totalmente fora da realidade deles. Eles não vão nunca numa viagem de formatura. Só que lá estava pedindo. Como é que vou fazer agora? Nildo: Aqui? Quem pediu? Sílvia: Não, foi o caderninho do Estado. Eles tinham que ver uma viagem de formatura. Eles precisam ir em agências de viagens, elaborar os planos, pegar todas as propagandas de viagens e convencer a sala a ir naquela viagem que o grupo escolheu. Nildo: Daí pode, né? Sílvia: Achei isso o cúmulo: dá volta, dá volta, e o que eu faço? Vamos lá gente, vocês vão escolher uma chácara para passarmos um dia. Aí se mataram, tiraram fotos de chácaras, aí entra matemática pra ver quando que custa cada pessoa, a chácara, o aluguel, quantos dias vão, pai e mãe querem, sabe? Isso sim é a realidade deles. Sabe quantas vezes eu consigo fazer uma adaptação do caderninho com o conteúdo? Nem sempre eu consigo isso, entendeu? Eu não consigo... Nildo: É isso que estou dizendo. Eu não acredito nesse conteúdo, fica um bando do alto escalão fazendo regras pra gente e montam essas viagens. Por que não vem pra sala de aula e verifica a realidade da escola? E ai fica lá de cima escrevendo um monte de coisa para você fazer. Ao criticarem o material pedagógico da rede estadual, os professores fizeram uma análise a partir dos próprios conhecimentos e das suas experiências. Como 69 defendem Cunha (2006) e Correia (2003), são essas referências que funcionam como pontos de partida para a revisão das ações e possibilitam a transformação de práticas. Compartilhar experiências e perspectivas sobre a indisciplina, no diálogo alimentado pelos filmes, permitiu que esse grupo de professores ressignificasse não só os sentidos atribuídos à indisciplina mas, também, os sentidos da escola e da profissão docente. 5.2 Análises das reflexões escritas dos professores As produções escritas realizadas pelos professores merecem ser destacadas e analisadas separadamente de maneira a valorizar o exercício da escrita para a reflexão. Essas escritas funcionaram como “provocação ao pensar, como o suave deslizar da reflexão, como a busca do aprender” (MARQUES, 2006, p.26). De acordo com Marques (2006), escrever não possui apenas uma história, mas simboliza a historicidade do sujeito. A escrita é um ato que produz o próprio campo simbólico, social e cultural da constituição histórica. Portanto, não se resume apenas em uma mera transcrição gráfica da fala, mas, sim, uma relação de sentidos consigo e com interlocutores virtuais. Como afirmam Soligo e Prado (2007, p.34): “A escrita documenta. Comunica. Organiza. Eterniza. Subverte. Faz pensar. A nós mesmos e a nossos leitores”. Na mesma perspectiva, Rosa (2007, p.253) defende que Aquele que escreve, ao colocar-se num outro lugar, se transforma. Ao escrever, seleciona aspectos da prática. Um detalhe aparentemente sem importância, muitas vezes, revela-se significativo, assumindo um novo sentido. Durante a escrita de um parágrafo, uma lembrança pode ser acionada e o que se pensava antes em escrever pode ser redirecionado. Ao ter que organizar a explicação de uma determinada situação descobrem-se novos elementos necessários à compreensão do ocorrido. Será que chegamos ao final da escrita de um relato da mesma forma como a iniciamos? Será que olhamos para o narrado da mesma maneira? Nesse exercício de reflexão escrita dos professores pude perceber a presença de posicionamentos mais políticos, que contextualizam o problema da educação num panorama ainda mais amplo, argumentando a favor da educação 70 como direito que deve ser garantido por todos os segmentos da sociedade – responsabilidade comum. Os registros evidenciam que a discussão e reflexão sobre os sentidos atribuídos à indisciplina contribuíram para a discussão do sentido da escola e da profissão docente. O primeiro registro escrito selecionado destaca a importância de um entendimento maior a respeito das necessidades educacionais: O documentário que assistimos no HTPC [Pro dia nascer feliz] do dia 14/10 nos revela o retrato cruel da realidade educacional em várias regiões do país. Desde a falta de estrutura básica que vai de transporte a sanitários, passando pelos problemas de ordem social e econômica que a sociedade enfrenta e que a instituição escolar nada pode fazer, até as exigências colocadas no ambiente das escolas particulares que servem às elites. Não podemos, nós que vivenciamos o dia a dia da escola e da sala de aula, perceber que o que ocorre em qualquer sala de aula do país também ocorre semelhantemente à nossa frente, todos os dias. E assim, é preciso fazer esta conexão: a de que o problema não pode mais ser tratado de forma localizada ou com remendos. É preciso mais que PCNs [Parâmetros Curriculares Nacionais, do Ministério da Educação, de 1998], é preciso um compromisso da sociedade toda com a educação, para que ela não permaneça apenas o apêndice de outras coisas consideradas mais prioritárias. É preciso mais que avaliações de alunos e professores, Enem/Saresp [referência ao Exame Nacional do Ensino Médio e Sistema de Avaliação de Rendimento Escolar do Estado de São Paulo], é preciso comprometimento total do Estado, sob pena de serem responsabilizados criminalmente pelo não cumprimento desta exigência constitucional – direito de todos à educação (Natália, Sílvia, Laura). As professoras Natália, Silvia e Laura, a partir do tema da indisciplina, puderam relacioná-la a outros fatores, como falta de estrutura física nas escolas, imposição de currículo mínimo, avaliações externas, entre outros assuntos. A escrita permitiu a elaboração de pensamentos e conhecimentos que, associada aos momentos de trocas das experiências entre os professores, propiciou a continuidade do desenvolvimento profissional. O registro de Cláudio, logo abaixo, evidencia suas preocupações com o abandono das escolas, a formação docente, a falta de respeito aos professores, a necessidade de um projeto político-pedagógico que articule os objetivos da escola à realidade da comunidade. 71 O filme [Pro dia nascer feliz] nos mostra uma realidade que, apesar de muitas tentativas de mudanças, ainda temos muito que fazer para reverter o quadro da educação no Brasil. Acredito que uma educação não se muda do dia para a noite, temos que estimular mais diálogos em salas de aulas, temos que ter mais capacitações para os professores, prepará-los melhor para saber lidar com jovens que estão cada dia mais rebeldes e trabalhar também com os pais. Como diz Paulo Freire, trabalhar mais a realidade desses jovens. Embora as escolas sejam em regiões tão diferentes, algumas realidades são as mesmas. Vemos as escolas em situações de extremo abandono. Percebemos uma grande diferença nos alunos. As escolas de Pernambuco, em extremo abandono e alguns alunos tão interessados em aprender, em se empenhar, mas sem estímulo e motivação da escola, da sociedade e do professor. Os alunos são vistos como incapazes. Já em São Paulo e no Rio de Janeiro, os alunos são desinteressados, porém os professores são empenhados. Os professores são vistos sem respeito algum por parte dos alunos. É um filme que nos faz refletir sobre a verdadeira função da escola e até que ponto ela está cumprindo o seu papel. Nos mostra como a escola está defasada para trabalhar com a clientela que está recebendo. Vemos que não há preparação adequada dos conteúdos, não há um Projeto Político-Pedagógico eficaz que abranja a realidade das escolas, os professores não são preparados para tal realidade. Observamos que há um grande distanciamento entre as escolas públicas e as privadas. Concluímos que enquanto não houver nas escolas um Projeto Político-Pedagógico que seja elaborado de acordo com a realidade de cada escola e enquanto este não for colocado em prática, a escola não conseguirá cumprir sua função social. O professor deve estar sempre atento ao comportamento de seus alunos e deve trabalhar com eles os valores morais para que saibam como agir em determinadas situações de conflito. O importante é saber valorizar as capacidades que cada um possui e considerar tudo aquilo que o aluno consegue realizar através de seus esforços e não apenas avaliar seus erros. Muitos deles só precisam de “uma” oportunidade para vencer. Infelizmente, é a realidade da educação brasileira. Entrevistas desse tipo nos fazem refletir: "O que estamos fazendo por uma educação melhor?" (Claúdio). A reflexão de Cláudio admite a necessidade de valorizarmos os alunos, darlhes uma oportunidade, como possibilidade de diminuirmos a indisciplina. Destaca, com um foco ampliado, a importância da discussão sobre a função social da escola no contexto do projeto político-pedagógico. Fernandes (2010) defende que a contínua revisão do projeto políticopedagógico é uma das ações da educação continuada dos professores centrada na escola, uma vez que para sua formulação e (re)elaboração é preciso a “articulação teórica e prática dos conhecimentos. Isso possibilita o repensar das práticas pedagógicas, a visualização dos desafios do ambiente escolar, a interação entre os 72 pares no trabalho coletivo, assim como análise do contexto sociocultural” (p.94) no qual está inserida a escola. O professor Claudio se faz a pergunta: "O que estamos fazendo por uma educação melhor?”. Esse questionamento encontra eco nas significativas contribuições apresentadas pelo professor Juarez, que nos fazem refletir sobre a necessidade de repensarmos a tríplice questão: “Por que ensino? Para quem ensino? Como ensino?”. Estou colocando aqui meus conflitos enquanto professor recém formado, espero que de alguma forma possa contribuir. O filme [Pro dia nascer feliz] retrata vários ambientes em que o aluno está inserido, como na escola pública e escola particular, ambientes de ricos e pobres. Os professores relatam um pouco sobre o “sistema de ensino-aprendizagem” e os objetivos da escola, que a meu ver apontam para algumas direções e possíveis tomadas de posições. Acredito que o fazer pedagógico deve sempre passar por três momentos básicos de reflexão, que são: por que ensino, para quem ensino e como ensino? E é isto que busco realizar durante minhas aulas. Desta forma, penso que a indisciplina deve-se, a princípio, pela incoerência entre estes três fatores, afinal, qual é o objetivo central da escola? Para quem e para que é direcionado este ensino? Para que estudar? É justamente isto que o aluno vem a questionar com sua indisciplina, seja ela na forma de “bagunça” ou na “forma de não querer fazer nada”. Como este é meu primeiro ano na rede pública de educação, observo que existe a tendência de mudanças no ensino, mas, novamente, me pergunto: em qual sentido e direção? Estou observando que cada vez mais são cobradas posturas, atitudes dos professores, seja pelo governo, Estado, sociedade, família, diretores, coordenadores... Mas quem dá o suporte para que, de fato, este ensino aponte para uma direção que beneficie a sociedade? Ainda não sei (Juarez). Diante deste registro, é possível constatar que o docente tem convicção do fazer pedagógico, porém, encontra-se frente a um dilema diante de tal realidade, exigindo-se do professor resoluções de diversos problemas em relação às dificuldades em conduzir o processo de ensino-aprendizagem. Isto está relacionado às etapas de desenvolvimento de seus educandos e o conteúdo a ser desenvolvido, aos problemas de disciplina e a organização da sala de aula, aspectos relacionados. Como salientam Rego (1996) e Alves (2002), o professor ao entender/ interpretar as redes de relações estabelecidas na sala de aula, levanta uma série de implicações e indagações sobre sua prática pedagógica, fornecendo-lhe elementos para interferir nos tipos das interações estabelecidas com os educandos que 73 influenciam na forma de avaliar seu desempenho, sua autoavaliação, estabelecendo a partir dos resultados novas perspectivas a serem alcançadas. Como apontado por Vasconcellos (2004), a situação do magistério relacionada à formação, salário, carga horária, prestígio social e os questionamentos sobre a validade da contribuição da escola, acusada de reprodutora do sistema, gera grandes questionamentos e conflitos nos professores em relação à disciplina, à escola e à profissão. A formação continuada centrada na escola pode, nesse contexto, instigar, apoiar, criar e potencializar a reflexão docente sobre suas práticas pedagógicas nas escolas, permitindo o exame das teorias envolvidas, estabelecendo um constante processo de autoavaliação. De um tema eleito para discussão e reflexão no HTPC – a indisciplina, no caso dessa pesquisa – pode ser construído um plano de formação que favoreça o desenvolvimento pessoal e profissional dos professores e que contribua, sobretudo, para a construção de uma escola responsável pela humanização, socialização e ampliação da cultura dos estudantes. CONSIDERAÇÕES FINAIS 74 Escutar é obviamente algo que vai mais além da possibilidade auditiva de cada um. Escutar, no sentido aqui discutido, significa a disponibilidade permanente por parte do sujeito que escuta para a abertura à fala do outro, ao gesto do outro, as diferenças do outro. Isso não quer dizer, evidentemente que escutar exija de quem realmente escuta sua redução ao outro que fala. Isto não seria escuta, mas auto-anulação (FREIRE, 2009, p.119). Inspirada pela citação de Paulo Freire (2009) remeto-me a um processo de auto-reflexão da pesquisa realizada reconhecendo a importância de oportunizarmos momentos de escuta “da fala do outro” nos encontros dos Horários de Trabalho Pedagógico Coletivo (HTPCs). A partir da disponibilidade de ouvir e acolher as falas dos professores sobre suas necessidades e preocupações no cotidiano das salas de aula do Ensino Médio, a presente dissertação, desenvolvida pela Coordenadora Pedagógica/pesquisadora, organizou-se como processo de formação coletiva e de investigação. A investigação desenvolveu-se no contexto de uma dinâmica orientada para a formação continuada dos professores. Valoriza-se, aqui, uma formação centrada na escola, em contexto, que permita aos professores a elaboração de diagnósticos sobre os problemas da instituição e a oportunidade de aprender a aprender com a experiência no contexto do trabalho coletivo. Isso porque a formação do professor está sendo compreendida como um processo longo, de construção e reconstrução de conhecimentos da formação e dos saberes da experiência. Os sujeitos atribuem sentidos aos acontecimentos, à aprendizagem e ao conhecimento. Esses sentidos compartilhados é que podem vir a orientar perspectivas de mudanças na forma de pensar e/ou de agir dos próprios sujeitos a partir do diálogo no coletivo de professores. Nos encontros de formação do HTPC é que os professores puderam apontar a indisciplina escolar como obstáculo pedagógico que interferia no processo de ensino-aprendizagem. Com a função de mediadora da formação docente (CUNHA, 2006; ORSOLON, 2009; CHRISTOV, 2009; CLEMENTI, 2009), a Coordenadora Pedagógica/pesquisadora se propôs a “ouvir” os professores e garantir momentos de interação e reflexão. 75 Para compreender o problema da indisciplina e reorientar as práticas na sala de aula era necessário, contudo, investigar como os professores concebiam as situações de indisciplina. Para propor intervenções na escola se fazia necessária a interpretação das experiências e dos saberes a elas associados, favorecendo a sua rearticulação e recontextualização. O modo de entender/interpretar a disciplina/indisciplina acarreta uma série de implicações à prática pedagógica, as quais fornecem elementos capazes de interferir não somente nos tipos de interação estabelecidos entre a instituição escolar e os alunos, e na definição de créditos para avaliar o desempenho da escola, como o estabelecimento dos objetivos que se quer alcançar. Sendo assim, a questão orientadora da pesquisa foi “Quais os sentidos atribuídos pelos professores à indisciplina dos alunos?”. Durante seis encontros, ao longo do 2º semestre de 2009, o grupo de quatorze professores reuniu-se para assistir a três filmes que Professora Coordenadora/pesquisadora reproduziu (Pro dia nascer feliz, 2006; Entre os muros da escola, 2008; e Escritores da Liberdade, 2007), com o intuito de estimular e fomentar as reflexões sobre o tema e responder a questão da pesquisa. Os filmes escolhidos retrataram o cotidiano de diferentes universos escolares, com suas peculiaridades, tipos de problemas e maneiras de enfrentá-los, promovendo discussões significativas em relação ao fenômeno da indisciplina. São produções atuais, de nacionalidades diferentes (Brasil, França e Estados Unidos, respectivamente), que apresentam situações próximas às enfrentadas pelos professores envolvidos com esta pesquisa. A estratégia do uso de filmes justificou-se como oportunidade para a problematização da realidade e (re) consideração das próprias convicções e crenças dos professores acerca do tema. As tramas dos filmes, ao envolverem os professores, permitiram o reconhecimento de problemas comuns nas diversas realidades retratadas, oportunizando algumas reflexões sobre as experiências pessoais e profissionais de cada um. Tomando a experiência como ponto de partida para a formação dos professores, os encontros de HTPC valorizaram a reflexão sobre a prática pedagógica. Assistir aos filmes, discutir coletivamente e produzir reflexões escritas 76 sobre a indisciplina permitiram aos professores a oportunidade de questionar a si mesmos e sua prática como educadores. O processo de formação que aconteceu durante o percurso da investigação esteve orientado, portanto, por “um trabalho do sujeito sobre si próprio, em interação com os outros (...), a partir do seu patrimônio de experiências” (CAVACO, 2009, p.226). Isso significa admitir a escola como um lugar de encontro, troca de saberes e elaboração conjunta de resolução de problemas (CHRISTOV, 2008). Além do desenvolvimento profissional dos professores, observo também o meu desenvolvimento na investigação, da qual participo como Professora Coordenadora/pesquisadora com a função de mediar a escuta e a tomada da palavra entre os professores a fim de garantir momentos de interação e reflexão. Entendo que esse exercício de ouvir o outro e considerar suas perspectivas e visão de mundo torna-se um verdadeiro movimento de “trabalho do sujeito sobre si mesmo”, o qual foi extensivo, doloroso e complexo. Reconheço esse movimento de escuta e consideração do outro quando retomo o meu caminho profissional, já escrito no primeiro capítulo deste trabalho. No início de minha docência pratico esse exercício de “ouvir” os alunos do Ensino Fundamental II e afirmo que aprendi com eles a estabelecer uma relação dialógica para a elaboração do plano de ensino das disciplinas por mim lecionadas. Vasculhando essas memórias, inclusive, recordo aqui um trecho de Marino (2006, p. 24): “é estudando, ensaiando, atuando (...), repetindo indefinidamente (...), que precisamos buscar foco de luz (...) que nos permita fazer improvisos, sobreviver, descobrimos, seguir em frente.” Como professora coordenadora, iniciei a função na rede estadual de ensino paulista com essa mesma perspectiva, buscando ouvir os meus pares com o intuito de identificar as necessidades do meu espaço de atuação. Contudo, no decorrer do percurso, esse “foco de luz” se perdeu, ficou no “meio do caminho”. Como mencionado ao longo deste trabalho, pelos caminhos de pedras. Acredito que o foco na escuta e no diálogo se perdeu nos caminhos das cobranças sofridas pela profissão, entre os fazeres imediatistas e na “falta” de momentos para parar, pensar, refletir, buscar alternativas coletivamente, envolvida 77 pelas orientações das prescrições feitas ao professor coordenador pela própria Secretaria Estadual de Educação. Embora a Secretaria da Educação destaque que é relevante diagnosticar as necessidades dos professores em seu ambiente de trabalho, ela não cria mecanismos para essa atuação do professor coordenador. Pelo que vivenciei, homogeneíza-se qualquer possibilidade de escuta cuidadosa e diálogo colaborativo por meio de orientações, pacotes de projetos, metas educacionais a serem atingidas, não se considerando o que realmente acontece nesse espaço escolar: as dificuldades encontradas, a falta de estímulo, as carências profissionais, a desvalorização profissional, entre outros aspectos. Nos dias atuais, temos como prioridade a melhora do IDESP (Índice de Desenvolvimento da Educação do Estado de São Paulo) para conquistarmos a recompensa proporcionada pelo Bônus Mérito. Trabalharmos mergulhados nesse espaço, com essas cobranças e sem apoio das políticas públicas nos fazem perder o foco. O coordenador pedagógico imerso nesse contexto fica “adormecido” de tal maneira, o que o faz pensar que ao desenvolver as normativas, as orientações e as determinações está promovendo e estimulando a formação continuada dos professores. Essa foi a minha experiência e convicção durante anos desempenhando essa função. Acreditava que estava proporcionando a “formação” dos professores quando trazia para os HTPCs textos que orientavam o desenvolvimento de uma aula interessante, “dicas” de como manter a disciplina nas salas de aula, entre outros aspectos que auxiliariam esses profissionais. Não que tais textos não tivessem sua importância para os professores, contudo, percebia também que não tocavam esses profissionais, não os faziam pensar, sequer acredito que “escutavam”. Eu falava para as “paredes” e não escutava os colegas. Eram leituras avulsas, sem uma significação para o grupo. Apenas mais um HTPC cansativo, sem propósitos e com a mesma constatação – “E mais uma vez não resolvemos os problemas da escola...”. Essa “rotina” do fazer pelo fazer e a falta de sentido nos HTPs é que proporcionaram a busca pelo “foco” novamente. Minha mudança de postura como professora coordenadora foi oportunizada por leituras de textos que traziam a 78 discussão sobre a formação dos professores e por trocas com outros colegas e professores que não necessariamente vivenciavam o mesmo espaço escolar, mas que possuíam outras visões da atividade pedagógica do professor coordenador, possibilitando questionamentos, significação, reelaboração, determinação e novos desafios para serem enfrentados com “coragem”. Coragem no sentido de perguntar o que estava errado e estar preparada para ouvir as críticas dos professores participantes. Esse ato de escuta sobre as reais necessidades formativas dos professores provocou mudanças no meu fazer como professora coordenadora e, por conseguinte, como pesquisadora. No entanto, na revisão final desta pesquisa, ficou constatado que a minha presença como mediadora das discussões não aconteceu. A coordenadora que falava “sozinha”, às vezes em monólogos incansáveis, na hora do diálogo estabelecido com os professores, calou-se. Ficou emudecida perante as falas dos outros. O motivo não tem explicação única. Na verdade, parece que a experiência de contemplar os diálogos estabelecidos entre os professores despertou em mim uma reação de apenas ouvir, sem necessidade de interferir nas expressões dos professores, talvez por não querer interromper os momentos estabelecidos entre esses pares. Aprendi, sobremaneira, que o processo formativo quando acontece no contexto de trabalho, principalmente nos espaços dos HTPCs, a partir de problematizações apoiadas nos saberes experienciais, potencializa o fazer/pensar/ser docente. E o que aprendi com a pesquisa a partir dos dados produzidos e das análises realizadas? Quais os sentidos atribuídos pelos professores à indisciplina escolar? Os professores apontaram, a princípio, a indisciplina dos alunos como decorrência de fatores extra-escolares: falta de limites e punição, permissividade ou desinteresse dos pais, problemas sociais, características individuais dos alunos. Para esse grupo de professores, os sentidos atribuídos à indisciplina correspondem a comportamentos considerados inadequados, como rebeldia, intransigência, desacato, “falta de educação” ou de “respeito pela autoridade”, não cumprimento de regras, desatenção. 79 Os professores esperam que os alunos cheguem à escola com outras posturas, ignorando, como aponta Rego (1996), que o papel da escola está em fomentar regras e normas orientadoras para o seu funcionamento e para a convivência entre os diferentes atores que nela atuam. A constituição familiar é de grande importância na constituição do sujeito que, no entanto, não se reduz a essa experiência. Os indivíduos interagem com outros indivíduos e com outros ambientes, além do familiar, os quais também o constituem como sujeitos. Sendo assim, a escola não pode se eximir da tarefa educativa, no que se refere à disciplina. Analisando-se a indisciplina por meio de um quadro mais amplo, temos a visão abrangente, integrada e dialética dos diferentes fatores que atuam na formação do comportamento e desenvolvimento individual. As questões relativas ao sujeito indisciplinado estão intimamente ligadas às suas experiências e ao seu percurso educativo, os quais trazem as características do grupo social e seu momento histórico, no qual esse sujeito esteja inserido. Aos traços do comportamento humano e aos valores do sujeito vinculam-se o aprendizado que se dá por meio de sua apropriação de “ser social”, no seu grupo cultural. Assim, o fato de o sujeito ser indisciplinado está relacionado à multiplicidade de influências recebidas, do repertório do seu grupo cultural. Essas influências são internalizadas em um processo ativo e singular de seu aprendizado. Rego (1996) explica que o processo de constituição do sujeito se dá por meio das inúmeras interações sociais, das informações e influências dos diferentes elementos mediadores que compõem o grupo social e cultural, incluindo pessoas, instituições, meios de comunicação e instrumentos disponíveis no ambiente. Esses fatos foram sendo apropriados pelos professores ao longo do processo de discussão dos filmes e negociação e argumentação a respeito dos próprios pontos de vista. Das suas interações com os colegas é que novas compreensões foram sendo construídas. Ao longo das discussões e nos registros escritos, eles passaram a revisar e relativizar suas convicções e posições, ampliando os sentidos que explicariam a indisciplina: falta de aproximação com os professores, deficiências na estrutura física da escola, inadequação do material didático, imposição de currículo mínimo, avaliações externas, falta de compreensão dos objetivos da escola, ausência de um 80 projeto político-pedagógico que articule os objetivos da escola à realidade da comunidade. Ao reconhecerem esses outros aspectos, os professores puderam considerar fatores sociais, culturais e históricos e se responsabilizar por parte das dificuldades encontradas, estabelecendo relações entre a indisciplina, os sentidos da escola e da profissão docente. Assistir aos filmes, discutir coletivamente, compartilhar experiências, produzir reflexões escritas sobre a indisciplina, permitiram aos professores a oportunidade de questionar a si mesmos, a imagem da profissão e sua prática como educadores. Dessa maneira a experiência da pesquisa nos permite afirmar, portanto, que os sentidos da indisciplina estão relacionados aos sentidos da escola e da profissão docente e que as discussões e reflexões no HTPC podem instigar, apoiar, criar e potencializar a reflexão sobre as práticas dos professores e favorecer o desenvolvimento profissional docente centrado na escola. 81 REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS ABDALLA, M. F. B. O senso prático de ser e estar na profissão. São Paulo: Cortez, 2006. ALARCÃO, I. Escola Reflexiva e Supervisão: uma escola em desenvolvimento e aprendizagem. In: ALARCÃO, I. (org.). Escola reflexiva e supervisão: uma escola em desenvolvimento e aprendizagem. Portugal: Porto, 2000. ______. A escola reflexiva. In: ALARCÃO, I (org.). 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