PARECER nº 17/PP/2015-P Conclusão, o requerente não obstante ter aceite substabelecimento para assegurar o mandato do arguido num ato concreto do processo, poderá na qualidade de testemunha abonatória prestar depoimento no âmbito desse mesmo processo-crime, sobre factos do seu conhecimento desde que estes não estejam abrangidos pelo segredo profissional. A Sr. Dr. (…), advogado, titular da cédula profissional nº (…), com escritório (…), coloca a questão de saber se “existe incompatibilidade de ter representado um arguido, mesmo que tenha sido em apenas uma diligência e no mesmo processo ser testemunha abonatória do mesmo, esclarecendo com mais detalhe que: 1. A pedido de mandatário do arguido e com substabelecimento que lhe foi conferido para o efeito acompanhou este ultimo num interrogatório que decorreu na fase de inquérito, com indicação de que o arguido se remeteria ao silêncio o que viria a suceder; 2. A sua intervenção no processo consistiu apenas naquela diligência; 3. O requerente é amigo de longa data do arguido e de sua família, tendo-lhe sido pedido que depusesse como testemunha abonatória no julgamento que irá realizar-se no próximo dia 25 de Maio. 4. Assegura que apenas atestará sobre factos relativos à personalidade e ao carácter do arguido, suas condições pessoais e conduta anterior. 5. No seu entendimento entende que não viola o sigilo profissional uma vez que o seu depoimento não recairá sobre factos a coberto de sigilo, designadamente, de que tenha tido conhecimento na diligência em que interveio. Conclui por requerer parecer sobre a incompatibilidade de prestar depoimento enquanto testemunha abonatória. Cumpre decidir. Pese embora alguma imprecisão nos termos em que formula o seu pedido, facilmente se alcança que o que o Requerente pretende é saber se pode ou não depor na qualidade de testemunha abonatória no processo crime que identifica, pelo facto de ter assumido a defesa do arguido numa determinada fase desse processo. A questão que é colocada não encontra resposta direta no EOA e nenhuma disposição expressa o proíbe. Também não cabe a este CDP responder à questão de saber se o requerente pode ou não pode ser ouvido como testemunha, na perspetiva de que é à parte que caberá decidir quem arrola ou não como testemunha e ao juiz se admite ou não as testemunhas arroladas a depor. A questão teria mais propriedade no domínio e âmbito do próprio depoimento. Ou seja, se uma vez indicado como testemunha e chamado a depor, o advogado pode/deve recusar prestar o seu depoimento escusando-se no facto de tal constituir violação de dever profissional. No caso em apreço, depreende-se que o senhor advogado requerente pretende prestar depoimento enquanto testemunha abonatória a menos que o facto de ter intervindo com substabelecimento em determinado ato isolado do processo o impeça. Pela descrição dos factos sobre os quais pretende depor, não se afigura que se trate de factos a coberto de sigilo profissional. Estamos cientes que a jurisprudência que vem sendo firmada no âmbito dos processos de levantamento de sigilo profissional vai no sentido de que não pode ser concedido o levantamento de sigilo profissional a um Advogado para depor como testemunha, num processo em que interveio como mandatário, por incompatibilidade com a dignidade do mandato forense enquanto participante na administração da justiça (cfr. Artigo 12º da Lei de Organização do Sistema Judiciário, Lei n.º 62/2013, de 26/08). O Senhor Bastonário Augusto Lopes Cardoso na sua obra Do Segredo Profissional na Advocacia é perentório em afirmar que é inaceitável autorizar a depor o advogado que “tendo iniciado o processo com procuração aí junta, trata de substabelecer depois sem reserva” para efeitos de intervenção como testemunha. (…) Seria incompreensível a todas a luzes que ele (advogado) pudesse despir a toga, sair formalmente do processo e passar a sentar-se no banco das testemunhas em vez de na bancada prestigiada que antes ocupara”(Cardoso,1997:83). Tal seria no seu entender altamente desprestigiante para a advocacia. Estamos em crer que este entendimento não significa que o advogado não possa, em circunstância alguma, depor como testemunha se já interveio como advogado. As razões que estão subjacentes a esta posição tradicional não ficam comprometidas pelo depoimento do requerente, tendo presente o relatado por este, no caso em concreto, e nessa circunstância, sendo indicado como testemunha abonatória parece-nos que poderá prestar o seu depoimento, o que de resto corresponde à sua vontade. Ainda que possamos de certo modo comprimir um princípio que tem jurisprudência consolidada, sustentar a inadmissibilidade do depoimento do requerente, tendo presente as circunstâncias do caso concreto, seria impor ao advogado um forte constrangimento na sua qualidade de cidadão que, no nosso modesto entender, a defesa da dignidade e do prestígio da profissão não reclama nem exige. Contudo, e sem prejuízo do que antecede, se no decurso da sua inquirição o Sr. Dr. (…) constatar que a resposta à questão que lhe é colocada implica a revelação de facto abrangido pelo segredo profissional, no cumprimento do dever que lhe é imposto pelo artº 87º nº 1 do EOA, terá de recusar a prestação do depoimento. Recusa essa que lhe é legitimada pelo artº 135º nº 1 do CPP. Manifestada essa recusa, (i) ou requer a dispensa do segredo profissional ao abrigo do disposto no artº 87º nº 4 do EOA, caso o facto releve para a defesa dos direitos e interesses do arguido cuja defesa assumiu numa determinada fase do processo; (ii) ou se assim não fôr, terá autoridade judiciária de fazer uso de mecanismo previsto no artº 135º do C.P.Penal, quer para averiguar se a recusa do depoimento é legítima, quer para suscitar, querendo, o incidente de levantamento do segredo, obviamente, com observância do prescrito na citada norma processual, designadamente, a audição prévia da Ordem dos Advogados. Em conclusão, o requerente não obstante ter aceite substabelecimento para assegurar o mandato do arguido num ato concreto do processo, poderá na qualidade de testemunha abonatória prestar depoimento no âmbito desse mesmo processo-crime, sobre factos do seu conhecimento desde que estes não estejam abrangidos pelo segredo profissional. Porto, 7 de Maio de 2015 A Relatora, Paula Costa