PARECER Nº 13/PP/2015-P
CONCLUSÃO:
1. A mera indicação do advogado como testemunha em determinado processo
judicial não pode, só por si, ser configurado como ato de intervenção processual
para efeitos de aplicação do disposto no artº 94º do EOA;
2. Os impedimentos constituem uma restrição ao princípio da liberdade do
exercício da advocacia consagrado no artº 64º do EOA;
3. No confronto do dever de colaborar com a descoberta da verdade com o direito
ao livre exercício do patrocínio forense na sua múltipla dimensão, este direito a
ter de ceder, terá de o ser em razão de uma materialidade que razoavelmente o
justifique, e não em razão de uma formalidade que gratuitamente o imponha.
4. A mera indicação do advogado como testemunha em determinado processo, só
por si, não gera o impedimento de esse mesmo advogado assumir o patrocínio
ou defesa de uma das partes nesse mesmo processo.
Propõe assim que o Conselho Distrital da Ordem dos Advogado do Porto, no uso da
competência que lhe é conferida pelo disposto no artº 78º nº 4 do EOA, delibere
não declarar o Sr. Dr. (…) impedido de assumir a defesa do arguido (…), no
âmbito do processo nº Proc. nº (…) a correr termos na
Instância Central – 1ª
Secção Criminal – J2 do Tribunal da Comarca (…)
1.
Reportado ao processo nº (…), o Meritíssimo Juiz da 1ª Secção Criminal – Instância Central
da Comarca (…), solicitou ao Conselho Distrital do Porto da Ordem dos Advogados parecer
sobre a questão prévia suscitada pelo Sr. Dr. (…), advogado, titular da cédula profissional
nº (…), no requerimento de abertura de instrução.
Os factos que rodeiam o despacho com pedido de Parecer são os seguintes:
1.
Tendo o Senhor Procurador indicado como testemunha de acusação o Sr. Dr. (…) e
designado o dia 12 de Dezembro de 2012 para sua inquirição, este, assumindo a defesa do
arguido no âmbito do processo mencionado, juntou procuração ao processo;
2.
Por
despacho
do
Senhor
Procurador
foi
ordenado
o
desentranhamento
procuração, invocando para o efeito o disposto no artº 94º nº 1 do EOA;
da
3.
O Sr. Dr. (…) não aceitou a posição do Senhor Procurador, alegando que a sua
indicação como testemunha era incompatível com a sua qualidade de defensor do arguido,
que já tinha acompanhado e assistido aquando da sua constituição como arguido;
2.
Na sua longa e não menos douta alegação em sede de questão prévia no Requerimento de
Abertura de Instrução, o Sr. Dr. (…) faz um percurso pelas decisões da Ordem dos
Advogados e outra Jurisprudência sobre a questão de saber se o advogado pode depôr
como testemunha num processo onde patrocina ou defende uma das partes.
É incontroverso que um advogado não pode, simultaneamente, intervir no mesmo processo
na qualidade de testemunha e de patrono ou defensor.
Dizer mais do que foi dito nos pareceres da Ordem dos Advogados e nos arestos
jurisprudenciais citados, e em parte transcritos pelo Sr. Dr. (…), é pura redundância.
Acrescentaremos apenas, e por certo sem grande novidade que, para além de uma
inconciliabilidade de funções – a testemunha vinculada ao dever jurado de dizer a verdade e
toda a verdade, e o defensor ou patrono, embora comprometido com a verdade, com o de
defender os direitos e interesses do seu cliente, ainda que calando ou omitindo a verdade existe uma impossibilidade prática: não pode o advogado ao mesmo tempo, sentar-se na
barra do tribunal e recolher à sala das testemunhas nem instar-se ou contra instar-se.
Julgamos, contudo, que a questão não é tanto a de saber se o Sr. Dr. (…) pode depor como
testemunha, mas a de saber se, pelo facto de ter sido indicada como testemunha naquele
processo, terá de abdicar da defesa do seu constituinte.
Numa primeira análise fomos tentados a retirar do artº 94º nº 1 do EOA a resposta direta à
questão. Talvez sugestionados pela invocação desta norma no douto despacho do Senhor
Procurador. Mas cremos que não.
O artº 94º nº 1 do EOA tem no propósito da sua estatuição, impedir situações de conflitos
de interesses, tendo em vista a salvaguarda dos princípios da confiança, lealdade, isenção,
e dever de guardar segredo profissional.
A intervenção para efeitos de aplicação daquela norma não se basta, em nosso entender
com um mero ato formal, antes, pressupõe a prática de atos que a materializem.
Assim, mesmo que entendêssemos que a questão se enquadrava na previsão do artº 94º nº
1 do EOA, sempre consideraríamos que a indicação do Sr. Dr. (…) como testemunha
naquele processo, não configuraria ato de intervenção para efeitos de aplicação da citada
norma estatutária
3.
Para dar uma resposta à questão colocada, terão, em nosso entender, de ser convocadas as
normas que regem a matéria de impedimentos.
O artº 78º do EOA consigna que os impedimentos diminuem a amplitude do exercício da
advocacia e constituem incompatibilidades relativas do mandato forense e da consulta
jurídica, tendo em vista uma determinada relação com o cliente, com os assuntos em causa
ou por inconciliável disponibilidade para a profissão.
Não sendo assumido o impedimento, e existindo dúvida quanto à sua existência, no uso da
competência prevista no artº 78º nº 4 do EOA, compete ao Conselho Distrital decidir.
E, também aqui consideramos que o simples ato de indicação do Sr. Dr. (…) como
testemunha não gera o impedimento.
Será pertinente chamar à colação a situação do juiz titular do processo que é indicado como
testemunha por uma das partes.
Nos termos do disposto no artº 499º do C.P.Civil, o processo é-lhe concluso. Só depois de
declarar sob juramento que tem conhecimentos dos factos, é que é declarado impedido. A
mera indicação do juiz como testemunha não gera logo o impedimento para prosseguir com
a titularidade do processo.
Não existe uma norma que, a exemplo do artº 499º do C.P.Civil, preveja a situação do
advogado indicado como testemunha de uma das partes, e nesse processo patrocina ou
vem a patrocinar uma das partes. No entanto, e por maioria de razão, conforme diremos de
seguida, entendemos que o mero ato de indicação do advogado como testemunha, não
pode gerar por si só o impedimento.
Vamos admitir que as respostas às questões que venham a ser colocadas ao Sr. Dr. (…)
implicam a revelação de factos abrangidos pelo segredo profissional. Neste caso, por força
do disposto no artº 497º nº 3 do C.P.Civil, o advogado tem o dever de recusar a prestação
do depoimento.
Não se deveria também dar conhecimento antecipado das questões sobre as quais é
pretendido o depoimento do advogado, evitando assim que o livre exercício do patrocínio
possa eventualmente ser preterido sem justificação razoável?
Mas não é na mera hipótese de os factos estarem abrangidos pelo segredo profissional que
colhemos o argumento para a decisão da questão que nos é colocada, até porque não a
resolve definitivamente.
Vamos admitir por mera hipótese de raciocínio que os factos sobre os quais é pretendido o
depoimento do advogado, não estão abrangidos pelo segredo profissional.
Na hipótese considerada, a exemplo do juiz titular do processo, terá o advogado de se
considerar impedido de assumir o patrocínio ou a defesa de uma das partes?
Esta é, quanto a nós, a questão nuclear.
Os impedimentos constituem uma limitação à liberdade de exercício da advocacia
consagrado no artº 64º do EOA. Este direito não pode apenas ser dimensionado na
perspectiva do advogado. Ele está inelutavelmente interligado com os direitos de quem, por
faculdade ou obrigação, tem de recorrer aos serviços do advogado, de tal forma que, a
restrição do livre exercício da advocacia, implica a negação desses direitos. Pensamos por
exemplo, (i) no direito de o arguido escolher defensor e a ser por ele assistido em todos os
atos do processo, tal como expressamente consigna o artº 32º nº 3 da CRP; (ii) no direito
de o mandante, no âmbito do mandato forense, escolher pessoal e livremente o seu
advogado nos termos consignados no artº 62º nº 2 do EOA.
É certo que o advogado, como qualquer cidadão, tem o dever de prestar a sua colaboração
para a descoberta da verdade. Mas no confronto deste dever com o direito ao livre
exercício do patrocínio, este, a ter de ceder, que o seja em razão de uma materialidade que
objectivamente o justifique, e não de mera uma formalidade que gratuitamente o imponha.
Desconhecendo qual a relevância ou preponderância dos valores e interesses que se
pretendem proteger com a descoberta da verdade material, desconhecendo quais em
concreto os factos do conhecimento do Sr. (…) e a sua relevância para a descoberta dessa
verdade, não nos é possível com ponderação, decidir se o direito ao livre exercício do
patrocínio forense na sua múltipla dimensão, terá de ceder perante o dever de colaborar
para a descoberta da verdade.
Mas com alguma convicção poderemos afirmar que, a mera indicação como testemunha,
não determina desde logo que o Sr. Dr. (…) fique impedido de assumir a defesa do arguido
naquele processo.
Em conclusão:
1. A mera indicação do advogado como testemunha em determinado processo
judicial não pode, só por si, ser configurado como ato de intervenção
processual para efeitos de aplicação do disposto no artº 94º do EOA;
2. Os impedimentos constituem uma restrição ao princípio da liberdade do
exercício da advocacia consagrado no artº 64º do EOA;
3.
No confronto do dever de colaborar com a descoberta da verdade com o
direito ao livre exercício do patrocínio forense na sua múltipla dimensão, este
direito a ter de ceder, terá de o ser em razão de uma materialidade que
razoavelmente o justifique, e não em razão de uma formalidade que gratuitamente
o imponha.
4.
A mera indicação do advogado como testemunha em determinado processo,
só por si, não gera o impedimento de esse mesmo advogado assumir o patrocínio
ou defesa de uma das partes nesse mesmo processo.
Propõe assim que o Conselho Distrital da Ordem dos Advogado do Porto, no uso da
competência que lhe é conferida pelo disposto no artº 78º nº 4 do EOA, delibere
não declarar o Sr. Dr. (…) impedido de assumir a defesa do arguido (…), no
âmbito do processo nº Proc. nº (…) a correr termos na
Secção Criminal – J2 do Tribunal da Comarca (…).
Porto, 22 de Maio de 2015
O Relator,
Domingos Ferreira
Instância Central – 1ª
Download

Parecer n.º 13-PP/2015-P