A qualidade do ensino fundamental?
O óbvio que não é óbvio (*)
Claudio de Moura Castro
A palavra “óbvio” contém uma contradição em termos. Digo: “é óbvio que a prioridade deveria ser para o
ensino fundamental”. Mas obviamente, não é óbvio. Se fosse realmente óbvio não precisaria dizer que é
óbvio. Quando dizemos que algo é óbvio, é justamente porque não o é. De fato, tal é o caso com o ensino
fundamental. Obviamente, deveria ser a primeira e única prioridade. Mas não é.
A presente nota tem um foco certeiro: a péssima qualidade do nosso ensino fundamental. Inicialmente,
tentamos mostrar o status subalterno do ensino fundamental em nossa sociedade. Mas isso pouco nos
prejudicava, diante do parque produtivo que tínhamos, onde era possível produzir razoavelmente bem
com uma força de trabalho minimamente educada. Hoje isso não é mais possível.
Registramos o enorme tempo transcorrido, antes que conseguíssemos matricular na escola toda a faixa
etária correspondente. Em seguida, passamos em revista os indicadores que documentam de forma
indisputável a fraca qualidade do nosso ensino. Tratamos então das prováveis causas da má qualidade da
sala de aula, identificando várias fraquezas congênitas do sistema.
Não obstante, o maior obstáculo impedindo a melhoria da qualidade é a percepção da sociedade brasileira
de que a escola está bem. Os pais querem vagas, o sistema oferece vagas para todos. Os pais não
percebem deficiências graves na qualidade. Em conseqüência, o sistema não oferece qualidade. Não há
crise. Não há uma dinâmica que impulsione o sistema a vencer as barreiras que impedem a melhoria da
qualidade.
1. Os desencontros de uma sociedade elitista.
O Brasil tem um sistema educacional surpreendente. Já foi medíocre em todos os azimutes. De fato, em
matéria de educação, por mais de quatro séculos, o país teve pouco ou quase nada a mostrar.
Não obstante, coisas interessantes começaram a acontecer na segunda metade do século XX.
Curiosamente, a primeira grande transformação não foi na educação acadêmica, mas na formação
profissional. Também curioso, tal iniciativa não foi impulsionada ou patrocinada por educadores, mas
pelos grandes capitães da indústria paulista. No início dos anos quarenta, foi criado o SENAI, uma versão
tropicalizada das melhores idéias dos sistemas germânicos. Foi adotada uma fórmula inédita no mundo:
um sistema operado pelo patronato industrial e financiado por um tributo. Esta fórmula sobrevive até hoje
e é considerada uma das razões do sucesso do empreendimento que se expandiu para outras áreas,
constituindo o Sistema S.
Em um relatório de viagem ao Brasil, uma comitiva alemã de diretores de centros de formação
profissional afirmou que seu papel no país poderia ser de troca de experiências, jamais de assistência
técnica. Mesmo descontando algum zelo diplomático exagerado, diretores alemães não diriam nada
parecido, se não houvessem levado uma excelente impressão do que viram. Em outras palavras, temos um
sistema de formação profissional, com alguns centros atingindo os níveis de excelência dos melhores do
mundo.
Uma busca recente não conseguiu identificar um só artigo de pesquisadores brasileiros publicado em
periódicos científicos na década de 50. Ou seja, nossa ciência engatinhava, se tanto. Somente a USP
escapava desse perfil de mediocridade.
Na década de sessenta, desencadeia-se um processo acelerado de criação de universidades federais,
construção de campi belíssimos e o início do envio de brasileiros para fazer sua pós-graduação no
exterior. Quando os primeiros mestres e doutores começam a voltar, uma injeção generosa de fundos
públicos cria a pós-graduação brasileira, seguindo o modelo americano. Tomam corpo a CAPES, FINEP,
CNPq e FAPESP, cujos superlativos desempenhos permitem um vertiginoso crescimento da nossa
pesquisa.
Os resultados não poderiam ser mais espetaculares. Em menos de meio século, o país sai do quase zero e
torna-se o 17º maior produtor de pesquisas (publicadas nos melhores periódicos internacionais). Note-se a
quase total ausência de outros países do Terceiro Mundo na lista dos maiores produtores.
Criamos uma situação paradoxal. Nossas mercadorias correspondem a pouco mais de 1% das exportações
mundiais. Em contraste, somos responsáveis por 1,7% da ciência mundial. Ou seja, somos maiores
exportadores de pesquisa do que de mercadorias. Para um país que praticamente começa do zero na
ciência, é um resultado extraordinário. Exibimos uma das taxas mais elevadas de crescimento da pesquisa
publicada.
A grande contradição é que fizemos isso tudo tendo como pano de fundo estatísticas deploráveis de
educação básica. Formação profissional de Primeiro Mundo. Ciência de Primeiro Mundo. Em contraste
com educação básica dos rincões atrasados do Terceiro Mundo (piores do que Bolívia, Equador e
Paraguai).
Tão estranho desempenho dificilmente poderia haver sido fortuito. De fato, parece ser o resultado de um
elitismo atávico do país. Como nota Maria Luiza Marcilio, 1 nossas primeiras escolas eram de nível
médio. As primárias eram menos prioritárias, pois as elites contratavam preceptores para as primeiras
letras dos seus filhos. É exatamente o oposto do que estava acontecendo na Europa e América do Norte,
onde se alarga a matrícula nas escolas primárias. Nossas primeiras faculdades, criadas por D João, vêm
antes do ensino público de nível inferior.
Por que investimos pesadamente na criação de uma rede exuberante de universidades federais, quando
apenas tínhamos um pouco mais da metade da nossa infância entrando na escola? A resposta está na
história e na sociologia.
As explicações passam ao largo das distinções entre governo civil e militar, entre direita e esquerda. O
elitismo é da sociedade brasileira e não desse ou daquele segmento. É preciso entender muito bem tal
característica, pois permeia os processos que determinam todos os rumos do nosso país.
2. A emergência da sociedade tecnológica
Na década de 70, falava-se no Milagre Brasileiro. De fato, nos cem anos anteriores, nenhum país no
mundo cresceu com taxas tão elevadas quanto o Brasil. Deixamos de ser um país paupérrimo em um
continente pobre e passamos a ser um país em transição, com grandes ilhas de modernidade e pujança
industrial.
Obviamente, não podemos subestimar o salto econômico da sociedade brasileira. Mas se houve realmente
um milagre, foi o fato de que a economia cresceu com uma educação de porte e qualidade deploráveis. É
simplesmente extraordinário que um país de tão inexpressiva educação haja conseguido tanto na
economia. Aliás, para os que acreditam na importância crucial do capital humano, é embaraçoso lidar
com o caso brasileiro.
Mas se assim sucedeu, temos que entender o porquê. A explicação parece estar na combinação dos
processos produtivos adotados com a existência de algumas ilhas de excelência na nossa educação.
Privilegiamos a grande indústria, onde poucas pessoas bem educadas comandam um exército de
trabalhadores com mínimos níveis de escolaridade.
Se a tecnologia é estável ao longo do tempo, não é preciso muita educação, mesmo que os processos
sejam complexos. Havendo tempo, é possível preparar pessoas de mínima educação para tarefas
relativamente complexas.
Acontece que houve uma enorme transformação tecnológica, sobretudo a partir da década de 90.
Precipitadas pela abertura da economia, as empresas foram obrigadas a se modernizar e adotar técnicas
1
- História da Escola em São Paulo e no Brasil (São Paulo: Imprensa Oficial SP, 2005).
que permitissem maior produtividade, como por exemplo, Qualidade Total e ISO 9000. Equipamentos
manuais ou de automação fixa foram trocados por outros mais complexos e mais flexíveis. Indústrias
menos competitivas foram seriamente feridas e muitas desapareceram.
Essa modernização do parque produtivo tem três características fortes. A primeira é que processos mais
complexos exigem níveis de escolaridade mais elevados e qualidade melhor dessa educação. De fato, a
automação, o achatamento das hierarquias, manufatura flexível, maior variedade de produtos, o uso de
tecnologias da informação, a complexidade da logística e muitas outras transformações requerem níveis
mais elevados de educação.
Em segundo lugar, há uma mudança no centro de gravidade do dinamismo econômico. Cresce a
importância das empresas pequenas e mesmo das micro-empresas. Seu papel de absorção de mão de obra
é fundamental. Mas essa transformação muda completamente o perfil de demanda de mão de obra
qualificada. Alguns poucos quadros de altíssima qualidade são suficientes nas grandes empresas. Como
são poucas, o total é modesto. Com o maior peso e exigência das pequenas e micro-empresas,
multiplicam-se as necessidades de pessoas mais educadas, pois um bom profissional em uma de nada
serve para a outra.
Finalmente, há o fato singular de que não apenas a tecnologia se torna mais complexa, mas ela muda com
muito mais freqüência. Um operador de prensa mecânica ou de torno pode trabalhar com a mesma
máquina durante toda a sua vida profissional. Mas em um torno de controle numérico mudam as
linguagens de programação, mudam as formas de operar em intervalos de um par de anos. Programas de
computador são vendidos antes que estejam prontos e sem “bugs”. As novas versões, reparos e
“upgrades” se sucedem em ritmo frenético. Há uma conseqüência fundamental nessa obsolescência
acelerada da tecnologia. Sabemos que o ritmo de aprendizado de uma nova prática é função do nível de
escolaridade. Se há tempo, é possível ensinar técnicas complexas. Mas se a vigência da tecnologia é curta,
somente os mais educados tem a velocidade de aprendizado requerida em uma empresa competitiva.
Há hoje ampla evidência mostrando que os países de maior crescimento são aqueles que estão investindo
mais em educação. O Brasil nem tem um rápido crescimento e nem consegue melhorar a sua educação
com suficiente rapidez.
Tal raciocínio nos leva a uma conclusão muito plausível. Foi possível crescer com pouca educação. Mas
mudaram rapidamente a exigências de escolaridade, diante da rápida transformação das empresas
brasileiras. Infelizmente, não conseguimos acompanhar tais transformações com um avanço suficiente do
ensino. Nosso crescimento está travado e, ao que tudo indica, a fragilidade da nossa educação é uma das
principais causas, se não a primeira.
3. Quase cinco séculos para universalizar a escola fundamental
Em 1612, o Ducado de Weimar passou uma lei obrigando à universalização da escola primária. Mais
ainda, proibia a contratação de quem não tivesse estudos. No século XIX, completa-se na Europa o
processo de matricular em escolas toda a infância na idade correspondente.
Uruguai e Argentina iniciam, em meados do século XIX, um grande movimento para levar também toda a
sua juventude à escola. Nesse momento, o Estado de São Paulo sequer tinha escolas públicas.
O Brasil é retardatário no desenvolvimento de suas escolas. De fato, quando examinamos estatísticas de
escolaridade da população como um todo, ainda estamos abaixo do Paraguai e Bolívia, apesar do enorme
crescimento nos últimos anos.
Na entrada do século XX tínhamos por volta de 80% de analfabetismo. Sintomaticamente, Portugal tinha
uma proporção semelhante à nossa.
Somente na década de 90 conseguimos universalizar o acesso e a presença na escola da população de 7 a
14 anos. Diante do atraso, foi um feito extraordinário, pela velocidade em que sucedeu. Mas não podemos
deixar de registrar o fato de que meramente nos igualamos aos países latino-americanos mais modestos.
Seja como for, se antes tínhamos uma educação que era pouca e fraca, agora já não é tão pouca. Com a
universalização da entrada e da permanência na escola até 14 anos, aumentam as graduações no
fundamental, cresce aceleradamente o médio e viramos o milênio com taxas de crescimento muito
elevadas no superior. Nesse nível, por falta de alunos, persistia por duas décadas uma quase estagnação
da matrícula.
A batalha da quantidade foi vencida. Levou 500 anos – o que é uma constatação espantosa. Mas na
década de 90, finalmente, o ensino básico conseguiu vencer as barreiras que outros países haviam vencido
com séculos de anterioridade.
4. Os indicadores de qualidade são vergonhosos
Como veremos adiante, na década de 90, não conseguimos resolver os problemas da qualidade. Mas
resolvemos o problema de medir a qualidade. Agora sabemos, com segurança, como anda a qualidade da
nossa educação. É pois confiável a constatação de que é muito deficiente essa qualidade.
Temos todas as ferramentas para ficar sabendo como estamos. O SAEB mede o nível de aprendizado dos
alunos de 4ª, 8ª e última série do médio. O Instituto Paulo Montenegro / INAF, do grupo Ibope, mede
grau de alfabetização dos adultos brasileiros. E o PISA permite comparar o nível de aprendizado dos
nossos alunos com o dos países da OECD e de mais alguns que se voluntariaram para fazer o teste (como
foi o caso do Brasil). Os três testes satisfazem a todos os critérios usuais de confiabilidade, precisão,
aleatoriedade da amostra e lisura na aplicação. Ou seja, não apareceram críticas tecnicamente respaldadas
e que ameacem os resultados mais importantes. Mais ainda, todos os três já foram aplicados mais de uma
vez e os resultados não variam de forma substancial.
O SAEB, aplicado à quarta série do fundamental, mostra que 54% dos alunos não foram plenamente
alfabetizados. Essa é uma etapa a ser vencida ao fim da primeira série, por praticamente todos os alunos.
Ou seja, ao cabo de quatro anos, mais da metade dos alunos não aprendeu a ler. Como a leitura é a
principal ferramenta da escola, metade dos alunos não tem o instrumento que precisariam para ser
educados. E isso sem considerar que os alunos chegam à quarta série com uma taxa de repetência que é a
maior da América Latina. Ou seja, nem andam na velocidade certa e nem aprendem. É o pior dos
mundos.
Nas gerações mais recentes, poucos deixam de permanecer na escola por muitos anos (em média, por
cerca de nove anos). Não obstante, a escola produz analfabetos funcionais. Se o SAEB mostrou que
aprenderam pouco na escola, o INAF mostra a conseqüência disso quando viram adultos. Verificou-se
que 74% dos adultos são funcionalmente analfabetos. Trocando em miúdos, não conseguem ler
suficientemente bem para se comunicarem por escrito (exceto por bilhetes toscos), não conseguem ler
notícias de jornal (exceto as muito simples) e não conseguem usar a leitura para se educarem (uma
funcionalidade essencial em uma sociedade moderna). Pelas definições internacionalmente aceitas, três
quartos dos brasileiros adultos são analfabetos funcionais. O restante da população está em estágio de
analfabetismo (7%), de alfabetização rudimentar (30%) ou alfabetização básica (38%).
O PISA nos dá o golpe de misericórdia. Dentre 31 países, obtivemos o último lugar. Estamos atrás de
todos os países avançados, o que não seria uma grande surpresa. Mas estamos substancialmente atrás do
México. No segundo PISA, com uma participação mais numerosa de países com níveis de renda
próximos à do Brasil, saímos em penúltimo. Somente o Peru nos salva do último lugar. Aliás, tais
resultados não divergem de alguns outros, gerados por provas internacionais de desempenho educativo.
Não fosse o bastante tal constatação, o PISA faz também desabar um mito da educação brasileira, pelo
qual nossa educação seria fraca para os pobres, afinal, somos um país pobre, mas nossas elites estariam
recebendo uma educação de qualidade, sobretudo nas escolas particulares. O PISA
mostra que os
filhos das nossas elites entendem menos o que está escrito no teste do que os filhos de operários de toda a
Europa (e mais Estados Unidos e Canadá). Que elite é essa que aceita para seus filhos uma educação pior
do que a oferecida nas piores escolas européias e americanas?
Não há nenhuma notícia ruim no país cuja gravidade se compare com esta. Nem violência, nem
desemprego e nem os coeficientes de Gini mostram um quadro tão negativo e alarmante.
5. A educação básica deveria ser a única prioridade
É difícil evitar da conclusão de que o nosso ensino inicial deveria ser a única prioridade para o nosso país.
Não apenas como prioridade dentro da educação, mas como prioridade para a nação.
Se precisássemos detalhar mais as prioridades, teríamos uma lista bem curta. E são prioridades simples:
ler, entender o que está escrito, escrever, usar números e resolver problemas. Nada mais. Diante do estado
de emergência, não podem haver outras prioridades dentro da escola. O resto, ou não é prioridade, ou é
tudo mais que vem espontaneamente junto, no processo de ler, escrever e lidar com números.
6. O raquitismo do nosso ensino: A autópsia
As constatações anteriores nos levam a perguntar por que nossa escola falha tão gravemente na sua
tentativa de educar nossa juventude. Centenas de livros e milhares de artigos já foram escritos sobre o
assunto. Infelizmente, uma boa parte deles perde-se em diatribes e discussões ideológicas.
Não obstante, podemos com certa segurança identificar o cerne das dificuldades.
•
Nossos professores nem dominam os conteúdos que ensinam e nem aprenderam a dar aula.
Aprenderam teorias grandiloquentes de gurus consagrados, mas não aprenderam a traduzir isso
tudo em práticas testadas e comprovadas na sala de aula.
•
Não há prestação de contas (accountability) em nenhum nível. Os professores não são
responsabilizados pelos maus resultados de seus alunos. Os diretores não são cobrados pelos
resultados de suas escolas. Os secretários de educação não se sentem responsáveis e não são,
tampouco, cobrados. É a impunidade em cadeia. E por tudo que nos mostra a pesquisa recente,
accountability é um dos fatores críticos explicando o sucesso dos países que têm boa educação.
•
A comunidade dos educadores não acredita em educação baseada em evidência. Não logramos o
mínimo sucesso em criar um ambiente intelectual onde a abundante pesquisa existente passe a
ser o critério para decidir o que é boa prática e o que é pura superstição ou mito. Essa visão
epistemológica da pesquisa e da experiência não é aceita nem pelos que se dizem pesquisadores
na educação. Os gurus da educação pontificam em espaços inter-galáticos, com olímpico
desprezo pela evidência empírica e pela crescente abundância de pesquisas bem feitas e
mostrando resultados claros e sem ambigüidades. Em contraste, os médicos decidem qual
tratamento aplicar, com base nas pesquisas que mostraram qual droga salva mais vidas. Graças a
tal prática, muitos de nós estamos vivos. Graças à rejeição deste princípio na educação, nosso
ensino está morto.
•
Os recursos dedicados pelo Estado à educação básica correspondem, por aluno, a um décimo
daqueles dedicados ao ensino superior público. Pior, esses parcos recursos são gastos em
sistemas pessimamente concebidos e administrados.
Nossa educação é vista como uma seqüência de atos heróicos. É o primado dos elementos afetivos, do
desejo ingênuo de criar utopias, da aplicação de teorias rarefeitas e da busca de soluções complicadas. É
interessante comparar com o que acontece nas escolas dos países bem sucedidos em matéria de educação.
Lá vemos profissionalismo, foco no essencial, métodos simples, mas bem dominados pelos professores.
O que falta em malabarismos intelectuais e teorias sobra em persistência e seriedade.
7. Cadê a crise?
Em 2001, desabou na Alemanha uma notícia aterradora. O país saiu em 25º lugar no teste do PISA
(dentre 31). Educadores, pais e autoridades oscilaram entre traumatizados e enfurecidos. Até hoje, o clima
está tumultuado, com comissões, seminários e uma enxurrada de novas leis.
Nesse mesmo exame, como já mencionado, o Brasil obteve o último lugar. Só que, no caso brasileiro, há
outra notícia ainda pior: o resultado não criou uma crise. A imprensa não fez barulho. Esquerda e direita
ficaram mudas. Somente agora, começam a aparecer alguns comentários esparsos.
Pesquisas de opinião com pais mostram um resultado quase inacreditável: eles estão satisfeitos com a
educação oferecida aos seus filhos. Há um desencontro extraordinário entre o que mostram os testes e o
que pensam os pais. Os testes mostram um desastre. Em contraste, os pais estão satisfeitos, porque há
vagas, há merenda e uma boa proporção de seus pimpolhos acaba ganhando algum diploma. Não ocorre a
eles que o diploma é falso, pois os alunos foram aprovados sem saber o que se espera que soubessem (o
que está meridianamente claro nos resultados do SAEB).
Como os filhos de quase todos receberam uma educação melhor do que a deles próprios, concluem que
deve ser uma educação boa. Ou seja, pais educados em escolas ainda piores e por mais curto tempo não
são bons juízes do que é uma boa educação.
Tal contentamento dos pais e da sociedade, em geral, se constitui em um obstáculo formidável para
aquela minoria que consegue perceber a fragilidade do ensino brasileiro. Pensemos na lógica de um
político. Pela sua posição na sociedade, são pessoas com excelentes radares para detectar onde estão as
reais demandas dos seus eleitores.
A sociedade tem demandas muito claras e muito vocais. Quer ruas, quer serviços de saúde, quer
programas assistenciais e muito mais. Tem percepções muito azedas quanto ao que falta. Reclama. Ora,
se considera que as escolas são boas, seria uma péssima idéia para um político ou um administrador
mobilizar os escassos recursos existentes para sanar um problema que não existe na cabeça dos seus
eleitores.
Em breves palavras, a educação não está em crise. Tal crise só existe na cabeça de uma minoria muito
mais educada, mas cujo peso político não é suficiente para mudar o status quo. Pior, os que têm mais
poder, estão preocupados com a educação dos seus filhos, mas no nível superior. De novo, é o velho
elitismo atávico da nossa sociedade.
A solução para nossas mazelas educacionais passa, portanto, pela geração de uma crise. Não iremos a
lugar algum se a sociedade não for convencida de que a nova geração está sendo fraudada na qualidade da
educação que recebe e que, por isso, o futuro da nação está sendo bloqueado. Não há espaço para
reformas quando uma fração predominante da sociedade está contente com o que tem.
Antes de resolver os problemas técnicos do ensino que, de resto, não são tão difíceis assim, temos que
lidar com a equação política. Em outras palavras, a qualidade da nossa educação depende de decisões e
estratégias políticas.
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(*) Texto apresentado no Fórum Nacional – INAE, em maio de 2006. Será publicado em livro a ser
editado pelo Fórum.
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A presente nota tem um foco certeiro