“A (I)LEGALIDADE DA CRIMINALIZAÇÃO DA CONDUTA
DO INSIDER TRADING NAS OPERAÇÕES FINANCEIRAS”1
Fernanda Bandinelli Baccim2
Resumo: O presente trabalho versa sobre a Legalidade da Criminalização da conduta do
Insider Trading nas operações financeiras. A pesquisa apresenta uma análise geral do Sistema
Financeiro Nacional, sua estrutura e órgãos reguladores, direcionado para o mercado de
capitais, onde são negociados os valores mobiliários, objeto das operações em bolsa. Além
disso, é feita uma análise dos princípios constitucionais do Direito Penal, mais
especificamente o Princípio da Legalidade, com seus desdobramentos, e o Princípio da
Intervenção Mínima, na tentativa de demonstrar como e quando deve ocorrer a intervenção do
Direito Penal para regular determinadas condutas, e caracterizá-las como criminosas. Após o
desenvolvimento das questões já mencionadas, o trabalho aborda a conduta do Insider
Trading, como ocorre o abuso de informação privilegiada e a regulamentação da Comissão de
Valores Mobiliários, como órgão fiscalizador das operações ocorridas no mercado de capitais,
trazendo a questão da criminalização dessa conduta, cuja base legal está presente na Lei n.º
10.303/01. O objetivo principal deste trabalho é discutir se necessária ou não a criminalização
da conduta do Insider Trading.
Palavras-chave: Insider Trading. Comissão de Valores Mobiliários. Legalidade.
Intervenção Mínima. Criminalização.
INTRODUÇÃO
O presente artigo objetiva fazer uma análise quanto à necessidade, ou não, da
intervenção do Direito Penal no combate ao uso de informações privilegiadas no mercado de
capitais, o chamado Insider Trading, uma vez que tal conduta já era caracterizada como ilícita
na esfera administrativa, inclusive com a aplicação de sanções pela Comissão de Valores
1
Artigo extraído do Trabalho de Conclusão de Curso apresentado como requisito parcial para obtenção do grau
de Bacharel em Ciências Jurídicas e Sociais pela Faculdade de Direito da Pontifícia
Universidade Católica do Rio Grande do Sul, aprovado, com grau máximo, pela banca examinadora,
composta pelos professores Vitor Antonio Guazzelli Peruchin (orientador), Marcelo Caetano Guazzelli Peruchin
e Marcus Vinicius Boschi, em 10 de junho de 2011.
2
Acadêmica do curso de Ciências Jurídicas e Sociais da Pontifícia Universidade Católica do Rio Grande do Sul
2
Mobiliários.
Com a entrada em vigor da Lei n.º 10.303/2001, tornou-se crime a utilização de
informações privilegiadas por pessoas que a elas têm acesso, conduta esta já regulada pela
Instrução Normativa n.º 31/84, da Comissão de Valores Mobiliários. A criação deste novo
tipo penal ocorreu com base na necessidade de se obter maior controle das operações
financeiras, principalmente em face de um notável crescimento das negociações de ações e
debêntures no mercado de capitais.
A Lei n.º 10.303 alterou a Lei das Sociedades Anônimas e a Lei do Mercado de
Capitais, legislações estas que já referiam a proibição do uso de informações privilegiadas nas
operações envolvendo a negociação de valores mobiliários, porém, tratando tal conduta como
ilícita, com a aplicação de sanções administrativas, diferentemente do que ocorreu após a
criação dessa nova legislação, que criminalizou tal conduta.
Paralelamente a tais considerações de ordem legal, surge a discussão acerca da
necessidade da intervenção do Direito Penal no mercado financeiro, à luz dos princípios
constitucionais da Legalidade e da Intervenção Mínima. Tais princípios norteiam a aplicação
do Direito Penal, a fim de revestir da mais estrita legalidade os atos que dele decorrerem, bem
como fazer o seu uso como última alternativa, se esgotados os demais instrumentos para
resolução dos conflitos.
Serão analisados os aspectos gerais e fundamentais relacionados a estrutura do
mercado financeiro, além de uma abordagem de aspectos mais específicos, no que diz
respeito ao mercado de capitais, como o mercado de bolsa e balcão, nos quais são negociados
os valores mobiliários, funcionando como um propulsor da economia, e possibilitando que as
empresas promovam maiores investimentos.
Posteriormente, serão estudados os princípios caracterizadores do Direito Penal,
fazendo–se uma análise da aplicação destes, principalmente no que diz respeito à Legalidade
e Intervenção Mínima. São princípios constitucionais que norteiam a aplicação das normas de
Direito Penal, buscando a adequação ao caso concreto. Quanto ao Princípio da Intervenção
Mínima, será demonstrada a intervenção do Direito Penal como ultima ratio.
Será observado, por fim, o uso de informação privilegiada no mercado de capitais,
como isso ocorre e quais os efeitos para o mercado financeiro, da mesma foram que será feita
uma análise de como o Insider Trading surgiu e como é regulado em outros países. Será
estudada a questão da regulamentação do abuso de informação privilegiada pela Comissão de
Valores Mobiliários.
Far-se-á, ainda, uma pequena referência à primeira sentença penal condenatória por
Insider Trading do Brasil, art. 27-D, da Lei n.º 6.385/76, introduzido pela Lei n.º 10.303/01,
onde a Comissão de Valores Mobiliários atuou como Assistente da Acusação.
(PUCRS). E-mail: [email protected].
3
1 SISTEMA FINANCEIRO NACIONAL
1.1 ESTRUTURA DO SISTEMA FINANCEIRO NACIONAL
Primeiramente deve-se esclarecer qual o que é o Sistema Financeiro Nacional, antes
de analisar aspectos do seu surgimento. Assim, vejamos o conceito, nas palavras de Eduardo
Fortuna:
“Uma conceituação bastante abrangente de sistema financeiro poderia ser a de um
conjunto de instituições que se dedicam, de alguma forma, ao trabalho de propiciar
condições satisfatórias para a manutenção de um fluxo de recursos entre poupadores
e investidores.”3
O Sistema Financeiro Nacional atualmente dispõe de uma estrutura basicamente
composta pelas autoridades monetárias e pelas instituições financeiras, dentre elas algumas
com maior relevância e outras que são denominadas de apoio.4
Pode-se dizer que as instituições financeiras são responsáveis pela manutenção do
fluxo de recursos e pela ordem do mercado financeiro, através de normas e procedimentos
aplicados àqueles que atuam perante o sistema, seja na forma de investidor ou poupador5. Já
as autoridades monetárias, são encarregadas de controlarem a circulação da moeda ou os
meios de pagamento, além das condições de crédito.6
Além disso, existem os intermediários financeiros que são aqueles que reúnem os
investidores, como por exemplo, os bancos e corretores, sendo que os bancos são
intermediários entre depositantes e tomadores finais de recursos.7
As instituições financeiras, por sua vez, devido a sua função essencial na estrutura do
Sistema Financeiro Nacional, são bem definidas na obra de Eduardo Fortuna8, como
monetárias, as quais trabalham com depósitos à vista multiplicando a moeda, e as nãomonetárias, que captam recursos através da emissão de títulos, apenas intermediando a
moeda.
3
FORTUNA, Eduardo. Mercado Financeiro Produtos e Serviços. 16ª ed. rev. e atual. Rio de Janeiro: Editora
Qualitymark, 2007, p. 16.
4
FORTUNA, Eduardo. Mercado Financeiro Produtos e Serviços. 16ª ed. rev. e atual. Rio de Janeiro: Editora
Qualitymark, 2007, p. 15.
5
PINHEIRO, Juliano Lima. Mercado de Capitais – Fundamentos e Técnicas. 4ª ed. São Paulo: Editora Atlas,
2008, p. 64.
6
NASCIMENTO, Carlos Valder do. Curso de Direito Financeiro. 1ª edição. Rio de Janeiro: Editora Revista
Forense, 1999, p. 140.
7
PINHEIRO, Juliano Lima. Mercado de Capitais – Fundamentos e Técnicas. 4ª ed. São Paulo: Editora Atlas,
2008, p. 108.
8
FORTUNA, Eduardo. Mercado Financeiro Produtos e Serviços. 16ª ed. rev. e atual. Rio de Janeiro: Editora
Qualitymark, 2007, p. 27 e 32.
4
Por isso, é que o objetivo principal da política monetária é de manter o valor da moeda
nacional, com a atenção voltada à oferta da moeda e ás taxas de juros9, de modo a garantir a
liquidez e o nível geral de preços.
Assim, são denominados instrumentos de política monetária junto ao mercado a
emissão do papel-moeda, o controle das reservas bancárias, as operações com títulos públicos
e os empréstimos de liquidez às instituições financeiras. Pode também ser considerado como
tal, o controle e seleção de crédito10.
Ainda, o mercado financeiro é divido em mercado de crédito e mercado de capitais.
Importante para este estudo a análise do mercado de capitais11, o qual abre espaço para
transações de médio ou longo prazo, como por exemplo, o mercado de ações, através das
instituições financeiras.
Com o crescente desenvolvimento econômico, as operações no mercado financeiro
necessitam de um controle mais rigoroso, com o intuito de impor limites para que as
atividades financeiras permaneçam em desenvolvimento equilibrado, e para manter a
estabilidade na economia do país. Por isso a importância já salientada das autoridades
monetárias e da política monetária, fiscal e cambial.
Dentre as autoridades monetárias destaca-se o Conselho Monetário Nacional, com
funções especificamente normativas, pois é quem elabora todas as direrizes que regem a
política econômica do país, transformando-se na entidade superior do sistema financeiro,
regulando o valor interno e externo da moeda12, e atuando junto às instituições financeiras,
para fins de aperfeiçoar o funcionamento das mesmas.13
É necessário destacar o Banco Central do Brasil – BACEN, outra importante
autoridade monetária, que atua como órgão executivo central do sistema financeiro,
responsável por fazer cumprir todas as normas emanadas do Conselho Monetário nacional14.
Além das autoridades referidas, atuam como autoridades de apoio a Comissão de
Valores Mobiliários – CVM, a qual é responsável pelo desenvolvimento, disciplina e
fiscalização do mercado de valores mobiliários e o Banco do Brasil – BB, que ainda opera
como agente financeiro do Governo Federal.
9
ANDREZO, Andrea Fernandes; LIMA, Iran Siqueira. Mercado Financeiro: aspectos históricos e
conceituais. 1ª ed. São Paulo: Editora Thomson Pioneira, 2002, p. 77.
10
FORTUNA, Eduardo. Mercado Financeiro Produtos e Serviços. 16ª ed. rev. e atual. Rio de Janeiro: Editora
Qualitymark, 2005, p. 47.
11
PINHEIRO, Juliano Lima. Mercado de Capitais – Fundamentos e Técnicas. 4ª ed. São Paulo: Editora Atlas,
2008, p. 174.
12
NASCIMENTO, Carlos Valder do. Curso de Direito Financeiro. 1ª edição. Rio de Janeiro: Editora Revista
Forense, 1999, p. 141.
13
FILHO, Armando Mellagi; ISHIKAWA, Sérgio. Mercado Financeiro e de Capitais. 2ª ed. São Paulo:
Editora Atlas, 2000, p. 113.
14
FORTUNA, Eduardo. Mercado Financeiro Produtos e Serviços. 16ª ed. rev. e atual. Rio de Janeiro: Editora
Qualitymark, 2007, p. 23.
5
1.2 AUTORIDADES MONETÁRIAS
1.2.1 Conselho Monetário Nacional – CMN
É um órgão normativo, considerado um órgão superior do sistema financeiro,
responsável pela fixação de normas que regem as políticas monetária, creditícia e cambial15.
Com isso, como explica José Roberto Securato16, busca o equilíbrio nos pagamentos
do país com a regulação das taxas de câmbio, orienta a aplicação dos recursos financeiros e,
principalmente, busca melhorar o desempenho das instituições e dos instrumentos financeiros
para garantir o desenvolvimento equilibrado da economia nacional.
Entre as atribuições do Conselho Monetário Nacional, podemos destacar também a sua
autonomia para autorizar a emissão do papel-moeda, aprovar orçamentos do Banco Central,
disciplinar as modalidades de crédito e estabelecer limites para as operações financeiras17.
Além disso, como leciona Juliano Lima Pinheiro18, devido a sua característica
exclusivamente normativa, estabelece as normas para o Banco Central promover operações de
câmbio e transações com títulos públicos, bem como regula a constituição, funcionamento e
fiscalização de todas as instituições financeiras que operam no país.
Deste modo, pode-se dizer que o Conselho Monetário Nacional executa a função de
um conselho de política econômica. Desde a implantação do Plano Real ele possui apenas três
membros, o Ministro da Fazenda, o Ministro do Planejamento, Orçamento e Gestão e o
Presidente do Banco Central do Brasil19.
Já a Comissão Técnica da Moeda e do Crédito (COMOC), subordinada do Conselho e
encarregada de regulamentar as matérias expedidas por este, é composta pelo Presidente do
Banco Central como coordenador, por quatro diretores desse mesmo órgão, pelo Presidente da
Comissão de Valores Mobiliários, e pelos Secretários Executivos do Ministério do
Planejamento, Ministério da Fazenda e, ainda, pelos Secretários do Tesouro Nacional e da
Política Econômica do Ministério da Fazenda.20
Além desta, existem outras Comissões Consultivas mais específicas, as quais foram
criadas para dar suporte ao Conselho Monetário Nacional, visando regulamentar e melhorar
outros setores de sua responsabilidade21, como por exemplo, a Comissão de Mercado de
15
NASCIMENTO, Carlos Valder do. Curso de Direito Financeiro. 1ª edição. Rio de Janeiro: Editora Revista
Forense, 1999, p. 141.
16
SECURATO, José Roberto. Mercado Financeiro, conceitos, cálculo e análise de investimento. 2ª ed. São
Paulo: Editora Saint Paul, 2007, p. 60.
17
SECURATO, José Roberto. Mercado Financeiro, conceitos, cálculo e análise de investimento. 2ª ed. São
Paulo: Editora Saint Paul, 2007, p. 60.
18
PINHEIRO, Juliano Lima. Mercado de Capitais – Fundamentos e Técnicas. 4ª ed. São Paulo: Editora Atlas,
2008, p. 49.
19
http://www.fazenda.gov.br/portugues/orgaos/cmn/cmn.asp.
20
http://www.fazenda.gov.br/portugues/orgaos/cmn/cmn.asp.
21
YAZBEK, Otavio. Regulação do Mercado Financeiro de Capitais. 2ª edição. Rio de Janeiro: Elsevier
6
Valores Mobiliários e de Futuros, de Crédito Habitacional e de Saneamento, de Crédito Rural,
Industrial, entre outras.
Como leciona José Roberto Securato em sua obra, "O Conselho Monetário Nacional é a
autoridade máxima dentro do Sistema Financeiro Nacional e tem a função de definir as principais regras,
políticas e procedimentos referentes ao funcionamento e operação do sistema"22.
1.2.2 Banco Central do Brasil – BACEN
O Banco Central do Brasil foi criado pela Lei nº 4.595, em 1964, como uma autarquia
federal, com a finalidade de assegurar o equilíbrio monetário, zelando pela liquidez da
economia, pela manutenção das reservas internacionais do país e da formação da poupança23.
Em uma visão geral, sua missão é garantir a estabilidade e o aperfeiçoamento do Sistema
Financeiro.
É o órgão executivo central do sistema financeiro, está posicionado entre o Conselho
Monetário Nacional, regulando as normas expedidas por esse, e as demais instituições
financeiras públicas e privadas que atuam no país, sobre as quais autoriza e estabelece
condições para o seu funcionamento24.
Dessa forma, segundo os ensinamentos de Eduardo Fortuna25, o Banco Central pode
ser considerado o Banco dos Bancos, pois administra os empréstimos compulsórios e define a
taxa de redesconto bancário, é Gestor do Sistema Financeiro Nacional, pois autoriza,
normatiza e fiscaliza segundo as determinações do Conselho Monetário Nacional e é Executor
da Política Monetária, determinando a taxa Selic26 e exercendo controle sobre os meios de
pagamento e os orçamentos monetários.
Além disso, é o banco emissor da moeda circulante, é o banqueiro do governo, pois
promove financiamento ao Tesouro Nacional, administra a dívida pública interna e externa, é
o gestor das reservas internacionais, como também é o representante junto às instituições
financeiras internacionais27.
Editora Ltda., 2007, p.198.
22
SECURATO, José Roberto. Mercado Financeiro, conceitos, cálculo e análise de investimento. 2ª ed. São
Paulo: Editora Saint Paul, 2007, p. 61.
23
FORTUNA, Eduardo. Mercado Financeiro Produtos e Serviços. 16ª ed. rev. e atual. Rio de Janeiro: Editora
Qualitymark, 2007, p. 20 e 21.
24
YAZBEK, Otavio. Regulação do Mercado Financeiro de Capitais. 2ª edição. Rio de Janeiro: Elsevier
Editora Ltda., 2007, p.201.
25
FORTUNA, Eduardo. Mercado Financeiro Produtos e Serviços. 16ª ed. rev. e atual. Rio de Janeiro: Editora
Qualitymark, 2007, p. 21 e 22.
26
“Taxa SELIC, é a taxa de juros por dia útil formada pelas negociações que envolvem os títulos públicos,
também denominada de taxa de carregamento, por difundir a ideia de que o investidor, por meio do juros da
aplicação, está carregando o título.” SECURATO, José Roberto e José Claudio Securato. Mercado Financeiro,
conceitos, cálculo e análise de investimento. 2ª ed. São Paulo: Editora Saint Paul, 2007, p. 97.
27
ANDREZO, Andrea Fernandes; LIMA, Iran Siqueira. Mercado Financeiro: aspectos históricos e
7
1.2.3 Comissão de Valores Mobiliários – CVM
É relevante salientar a atuação da Comissão de Valores Mobiliários no Sistema
Financeiro Nacional, criada pela Lei nº 6.385, em 07/12/76, como uma autarquia do
Ministério da Fazenda e subordinada ao Conselho Monetário Nacional.28
A Comissão de Valores Mobiliários, como explica José Roberto Securato29, tem um
poder regulador, é autônoma e descentralizada, porém vinculada ao governo, composta por
um Presidente e alguns e quatro diretores, aos quais se designa a direção desse órgão
normativo, cujo objetivo é promover o desenvolvimento e a fiscalização do mercado de
valores mobiliários não emitidos pelo Sistema Financeiro e pelo Tesouro Nacional.
Quando há referência aos valores mobiliários não emitidos pelo Sistema Financeiro,
pode-se dizer mercado de ações e debêntures. Para José Roberto Securato30, as ações podem
ser definidas como sendo a menor parcela em que um capital social pode ser dividido e as
debêntures como títulos emitidos pelas Sociedades Anônimas, com autorização da Comissão
de Valores Mobiliários, permitindo que as empresas captem recursos no mercado financeiro.
A Comissão de Valores Mobiliários regula especificamente o mercado de ações e
debêntures, disciplinando, fiscalizando e promovendo a expansão, desenvolvimento e
funcionamento eficiente desse mercado31. Juliano Lima Pinheiro define com clareza a
finalidade deste órgão, vejamos:
“A Comissão de Valores Mobiliários tem por finalidade contribuir para a criação de
estrutura jurídica favorável à capitalização das empresas por meio do mercado de
capitais de risco, fortalecimento da empresa privada nacional e defesa do acionista e
investidor.”32
Sua função normativa é em virtude do seu papel ser voltado para o desenvolvimento e
disciplina dos valores mobiliários não emitidos pelo sistema financeiro Nacional. Já seus
poderes fiscalizador e punitivo, foram ampliados com o objetivo de incluir as Bolsas de
Mercadorias e Futuros, as entidades de mercado de balcão e de compensação e liquidação de
operações com valores mobiliários.33
conceituais. 1ª ed. São Paulo: Editora Thomson Pioneira, 2002, p.41.
28
YAZBEK, Otavio. Regulação do Mercado Financeiro de Capitais. 2ª edição. Rio de Janeiro: Elsevier
Editora Ltda., 2007, p.202.
29
SECURATO, José Roberto. Mercado Financeiro, conceitos, cálculo e análise de investimento. 2ª ed. São
Paulo: Editora Saint Paul, 2007, p. 65.
30
SECURATO, José Roberto. Mercado Financeiro, conceitos, cálculo e análise de investimento. 2ª ed. São
Paulo: Editora Saint Paul, 2007, p. 65.
31
YAZBEK, Otavio. Regulação do Mercado Financeiro de Capitais. 2ª edição. Rio de Janeiro: Elsevier
Editora Ltda., 2007, p.202.
32
PINHEIRO, Juliano Lima. Mercado de Capitais – Fundamentos e Técnicas. 4ª ed. São Paulo: Editora Atlas,
2008, p. 50.
33
NASCIMENTO, Carlos Valder do. Curso de Direito Financeiro. 1ª edição. Rio de Janeiro: Editora Revista
Forense, 1999, p. 145
8
Por último, sua função reguladora terá efeito sobre os investidores, sobre os quais
atuará na defesa, fiscalizando as práticas que contrariam os interesses dos mesmos.34
Ademais, devido a sua função reguladora, a Comissão de Valores Mobiliários coloca à
disposição do mercado inúmeras informações, as quais necessitam de constante atualização,
uma vez que são oriundas de companhias de capital aberto35, além de realizar atendimentos de
consultas de investidores e fiscalização em documentos de investidores estrangeiros.
Por todo o exposto, as atribuições da Comissão de Valores Mobiliários são definidas
em lei, e umas das suas principais atribuições, destacada por Juliano Lima Pinheiro é a
seguinte:
“Evitar ou coibir modalidades de fraude ou manipulação destinada a criar condições
artificiais de demanda, oferta ou preço dos valores mobiliários negociados no
mercado, protegendo seus titulares e investidores, além de assegurar o
funcionamento regular dos mercados de bolsa e do balcão.”36
Anualmente a Comissão de Valores Mobiliários abre dezenas de processos chamados
sancionadores, cuja finalidade é apurar quaisquer irregularidades no mercado de capitais,
realizadas pelas empresas37. Tais processos investigam as supostas operações ilícitas, bem
como os sujeitos que as realizaram, na tentativa de aplicar sanções que possam coibir essa
prática, caso seja comprovada alguma irregularidade.
1.3 MERCADO DE CAPITAIS
1.3.1 Definição e função do Mercado de Capitais
O mercado de capitais pode ser explicado, segundo a obra de José Roberto Securato,
da seguinte forma:
“O Mercado de Capitais assume papel dos mais relevantes no processo de
desenvolvimento econômico. É – ou deveria ser – o grande municiador de recursos
permanentes para a economia, em virtude da ligação que efetua entre os que têm
capacidades de poupança – os investidores – e aqueles carentes de recursos de longo
prazo, isto é, que apresentam déficit de investimento.”38
34
FORTUNA, Eduardo. Mercado Financeiro Produtos e Serviços. 16ª ed. rev. e atual. Rio de Janeiro: Editora
Qualitymark, 2007, p. 23.
35
YAZBEK, Otavio. Regulação do Mercado Financeiro de Capitais. 2ª edição. Rio de Janeiro: Elsevier
Editora Ltda., 2007, p.203.
36
PINHEIRO, Juliano Lima. Mercado de Capitais – Fundamentos e Técnicas. 4ª ed. São Paulo: Editora Atlas,
2008, p. 50.
37
ROCHA, Janes. Mercado de Capitais: Procurador-chefe da CVM defende acordos e multas como
instrumentos eficazes para desestimular ilícitos. Rio de Janeiro: Jornal Valor Econômico, 14.09.2010.
38
SECURATO, José Roberto e José Claudio Securato. Mercado Financeiro, conceitos, cálculo e análise de
investimento. 2ª ed. São Paulo: Editora Saint Paul, 2007, p. 27.
9
Desse modo, a sua estrutura visa suprir as necessidades dos investimentos de médio e
longo prazo, uma vez que movimenta recursos em grande escala entre investidores e
poupadores39. É constituído por instituições não bancárias e diversas instituições auxiliares
componentes do sistema de poupança e empréstimo.
Nesse sentido Andrea Fernandes Andrezo explica como podem ocorrer as operações
no mercado de capitais:
“as operações são normalmente efetuadas diretamente entre poupadores e empresas,
ou por meio de intermediários financeiros não bancários. Neste mercado, pode-se
dizer que, predominantemente, a instituição financeira não atua como parte na
operação, mas, sim, como mera interveniente obrigatória”40.
Porém, apesar de dispor de uma ampla infraestrutura e de capacidade para realizar
operações financeiras, o Brasil ainda demonstra timidez em relação ao financiamento no setor
privado e às operações de longo prazo41.
Na obra de Juliano Lima Pinheiro pode-se destacar aspectos importantes do mercado
de capitais:
“O surgimento do mercado de capitais ocorreu quando o mercado de crédito deixou
de atender às necessidades da atividade produtiva, no sentido de garantir o fluxo de
recursos nas condições adequadas em termos de prazos, custos e exigibilidades.”42
De acordo com o entendimento de José Roberto Securato,43 é o mercado de capitais
que supre a lacuna deixada pelo mercado de crédito, pois devido a limitação do crédito de
curto e médio prazo, bem como a escassez de recursos dos bancos para financiar o processo
produtivo, as empresas buscam financiamentos de longo prazo no mercado de capitais,
através das ações, debêntures, bônus de subscrição e commercial papers.44
A constituição do mercado de capitais pode ser definida na obra de José Roberto
Securato45 como o mercado de balcão e de bolsa, que atuam junto dos seus auxiliares, sendo
39
PINHEIRO, Juliano Lima. Mercado de Capitais – Fundamentos e Técnicas. 4ª ed. São Paulo: Editora Atlas,
2008, p. 174.
40
ANDREZO, Andrea Fernandes; LIMA, Iran Siqueira. Mercado Financeiro Aspectos Históricos e
Conceituais. São Paulo, Thomson Pioneira, 2002, p. 68.
41
PINHEIRO, Juliano Lima. Mercado de Capitais – Fundamentos e Técnicas. 4ª ed. São Paulo: Editora Atlas,
2008, p. 130.
42
PINHEIRO, Juliano Lima. Mercado de Capitais – Fundamentos e Técnicas. 4ª ed. São Paulo: Editora Atlas,
2008, p. 131.
43
SECURATO, José Roberto e José Claudio Securato. Mercado Financeiro, conceitos, cálculo e análise de
investimento. 2ª ed. São Paulo: Editora Saint Paul, 2007, p. 144.
44
“Commercial Papers ou Notas Promissórias: são títulos de emissão de sociedades por ações abertas,
representativos de dívida de curto prazo (mínimo de 30 e máximo de 360 dias). Em geral, são emitidos com
deságio e não preveem pagamento de cupom.” (Securato, p. 154)
45
SECURATO, José Roberto e José Claudio Securato. Mercado Financeiro, conceitos, cálculo e análise de
investimento. 2ª ed. São Paulo: Editora Saint Paul, 2007, p. 144.
10
eles os clearings46, as sociedades corretoras, as sociedades distribuidoras de valores
mobiliários e algumas instituições financeiras que realizam serviços de custódia e
intermediação financeira de títulos.
Segundo Juliano Lima Pinheiro47, uma das melhores formas das empresas buscarem
recursos para novos investimentos, expansão ou reestruturação financeira é por meio do
mercado de capitais, pois a canalização de recursos ocorre pela busca de novos sócios para os
empreendimentos que a empresa deseja fazer.
Observa-se, portanto, que o mercado de capitais é fundamental para o
desenvolvimento das empresas como um propulsor de capitais para investimentos e,
consequentemente para o desenvolvimento econômico como um todo, pois permite a
participação coletiva nos resultados da economia48.
1.3.2 O mercado de capitais no Sistema Financeiro Nacional e o desenvolvimento
econômico
Pode-se dizer que os players49 do mercado de capitais se dividem em dois grupos, os
que normatizam e os que operacionalizam. Os primeiros são a Comissão de Valores
Mobiliários e as Bolsas de Valores, já os segundos são os investidores, sejam eles particulares
ou pessoas jurídicas.50 Esses participantes atuam no mercado de capitais em dois segmentos, o
mercado primário e secundário.
No mercado primário, ocorre a oferta pública de novos valores mobiliários, com isso a
empresa vende parte de seu capital, admitindo novos sócios, do mesmo modo que ao oferecer
títulos de dívida, ela admite credores.51
É importante compreender que, após o lançamento dos títulos no mercado primário,
para que esses tenham liquidez, é necessário que sejam comercializados no mercado
secundário, através dos mercados de balcão e das bolsas de valores.52
46
“Clearings são organizações dedicadas ao gerenciamento de sistemas e garantias para a liquidação das
operações realizadas e para a custódia – guarda e administração dos valores mobiliários negociados.”
SECURATO, José Roberto e José Claudio Securato. Mercado Financeiro, conceitos, cálculo e análise de
investimento. 2ª ed. São Paulo: Editora Saint Paul, 2007, p. 144.
47
PINHEIRO, Juliano Lima. Mercado de Capitais – Fundamentos e Técnicas. 4ª ed. São Paulo: Editora Atlas,
2008, p. 127.
48
YAZBEK, Otavio. Regulação do Mercado Financeiro de Capitais. 2ª edição. Rio de Janeiro: Elsevier
Editora Ltda., 2007, p.202.
49
“Player – participante do mercado financeiro. Quando usado no plural (players) em geral designa um grupo
específico de participantes, por exemplo, pessoas físicas, bancos, etc.” (http://viesfinanceiro.com/about2/glossario/)
50
PINHEIRO, Juliano Lima. Mercado de Capitais – Fundamentos e Técnicas. 4ª ed. São Paulo: Editora Atlas,
2008, p. 133.
51
SECURATO, José Roberto e José Claudio Securato. Mercado Financeiro, conceitos, cálculo e análise de
investimento. 2ª ed. São Paulo: Editora Saint Paul, 2007, p. 145.
52
FORTUNA, Eduardo. Mercado Financeiro Produtos e Serviços. 16ª ed. rev. e atual. Rio de Janeiro: Editora
Qualitymark, 2007, p. 559.
11
A negociação dos títulos das empresas no mercado aberto pode resultar em vantagens
e desvantagens. Alguns aspectos positivos são o aumento da produção a partir de maiores
investimentos, gerando mais empregos e renda, resultando na maior arrecadação de impostos.
Por outro lado, a publicação de informações como os lucros gerados, o volume da venda,
podem causar desequilíbrios na concorrência e prejudicar a organização da empresa, pois
reduzem a flexibilidade operacional e administrativa.53
1.3.2.1 Bolsas de valores e mercado de balcão
O mercado de balcão pode ser definido como o local onde são negociadas as ações das
empresas não listadas na bolsa de valores. Ainda, segundo José Roberto Securato, “o
Mercado de balcão caracteriza-se por ser um mercado de títulos sem lugar físico
determinado para as transações, que são realizadas por telefone e/ou via computadores entre
as instituições financeiras.”54
Além dos mercados de balcão, a bolsa de valores tem uma importante atuação no
mercado de capitais, constituindo-se no principal meio de negociação dos valores mobiliários
devido ao número elevado de investidores e operações.
É difícil precisar a data do surgimento das bolsas de valores. A obra de Juliano Lima
Pinheiro55 explica que alguns escritores buscaram a origem no emporium dos gregos, outros
nos bazares palestinos e no collegium mercatorum dos romanos.
Devido ao seu surgimento em épocas distintas e por não haver uma definição histórica,
apenas sabe-se que não se vinculavam especificamente a valores mobiliários56. Foi no século
XVIII que as bolsas de valores alcançaram maior desenvolvimento, pois com a expansão das
sociedades por ações, elas assumiram papel fundamental na oferta e na demanda de capitais.
Segundo Eduardo Fortuna, “as bolsas de valores não são instituições financeiras, mas
associações civis sem fins lucrativos, constituídas pelas corretoras de valores para fornecer a
infraestrutura do mercado de ações.”57 São autônomas e funcionam como órgãos auxiliares
da Comissão de Valores Mobiliários, da qual estão sob supervisão.
Dessa forma, torna-se imprescindível uma regulamentação eficaz desse importante
mercado de negociação de ações. É através do poder regulador e fiscalizador que a Comissão
53
PINHEIRO, Juliano Lima. Mercado de Capitais – Fundamentos e Técnicas. 4ª ed. São Paulo: Editora Atlas,
2008, p. 153.
54
SECURATO, José Roberto e José Claudio Securato. Mercado Financeiro, conceitos, cálculo e análise de
investimento. 2ª ed. São Paulo: Editora Saint Paul, 2007, p. 147.
55
PINHEIRO, Juliano Lima. Mercado de Capitais – Fundamentos e Técnicas. 4ª ed. São Paulo: Editora Atlas,
2008, p. 175.
56
ANDREZO, Andrea Fernandes; LIMA, Iran Siqueira. Mercado Financeiro: aspectos históricos e
conceituais. 1ª ed. São Paulo: Editora Thomson Pioneira, 2002, p.220.
57
FORTUNA, Eduardo. Mercado Financeiro Produtos e Serviços. 16ª ed. rev. e atual. Rio de Janeiro: Editora
Qualitymark, 2007, p. 559.
12
de Valores Mobiliários mantém a estrutura do mercado sempre organizada, com a atualização
constante das informações e, principalmente, com a manutenção da publicidade das
operações58.
Nesse sentido leciona Eduardo Fortuna:
“As empresas de capital aberto, cujas ações estão registradas em bolsa de valores,
estão sujeitas a uma série de exigências quanto ao fornecimento de informações
junto ao público. Estas empresas têm de se sujeitar a todo um conjunto de regras de
divulgação de informações a seus acionistas – regras de disclosure59 – que forma
regulamentadas pelas instruções CVM 369 e 379, respectivamente, de 11/06/02 e
12/11/02.”60
Além disso, destaca-se que as companhias de capital aberto não podem se deter apenas
em cumprir com os dispositivos legais, mas principalmente devem exigir de seus
administradores uma postura ética, para que a divulgação dos seus atos e fatos seja imediata,
especialmente no que se refere ao manejo de informações privilegiadas em relação a emissão
de
valores
mobiliários
comercialização.
que
serão
posteriormente
colocados
no
mercado
para
61
2. DIREITO PENAL
2.1 A CRIMINALIZAÇÃO E OS PRINCÍPIOS
Conforme análise realizada anteriormente, deve-se observar a estrutura do Sistema
Financeiro Nacional, seus órgãos reguladores, competência e eficácia na atuação destes.
Diante de uma estrutura completa como se apresenta, e da especificidade das funções de cada
órgão, pode-se dizer que o Sistema Financeiro Nacional tem um controle e uma
regulamentação capazes de manter o seu equilíbrio.
A Comissão de Valores Mobiliários, com sua atuação disciplinadora e fiscalizadora na
emissão e negociação dos valores mobiliários, atua diretamente nas companhias abertas. Com
isso, percebe-se que o mercado de capitais é estruturado de forma que possui fiscalização
direta e atuante da Comissão Valores Mobiliários, contra os ilícitos praticados.
Nesse sentido, percebe-se que surgiram novas percepções acerca das condutas ilícitas
58
NASCIMENTO, Carlos Valder do. Curso de Direito Financeiro. 1ª edição. Rio de Janeiro: Editora Revista
Forense, 1999, p. 145
59
“Disclosure, é a divulgação de informação por parte de uma empresa, possibilitando uma tomada de decisão
consciente
pelo
investidor
e
aumentando
sua
proteção.”
(.http://www.bertolo.pro.br/adminfin/html/Dicionario.htm)
60
FORTUNA, Eduardo. Mercado Financeiro Produtos e Serviços. 16ª ed. rev. e atual. Rio de Janeiro: Editora
Qualitymark, 2007, p. 560.
61
PINHEIRO, Juliano Lima. Mercado de Capitais – Fundamentos e Técnicas. 4ª ed. São Paulo: Editora Atlas,
2008, p. 155.
13
praticadas no mercado de capitais, tratando-as como criminosas, como é o caso da conduta do
Insider Trading. Consequentemente, ocorre a criminalização dessas condutas, e a sanção
passa a ser aplicada cumulativamente, no âmbito administrativo e penal.
Por isso mostra-se fundamental a análise da necessidade ou não da intervenção do
Direito Penal em operações financeiras regulamentadas pelos órgãos administrativos
competentes, cujas condutas praticadas já estão disciplinadas e fiscalizadas de maneira eficaz,
com a aplicação das respectivas sanções administrativas.
Assim leciona Hugo de Brito Machado:
“a criminalização de certos ilícitos que geralmente ocorrem no âmbito das
empresas tem provocado situações nas quais os princípios e normas de direito
penal, atinentes a responsabilidade, são violados a pretexto de que se precisa
viabilizar a sanção penal”.62
A questão da criminalização das condutas praticadas quando da realização de
operações financeiras gera divergências, uma vez que diz respeito diretamente aos princípios
de Direito Penal, os quais são fundamentais no ordenamento jurídico. O próprio autor acima
referido diz que em um Estado Democrático de Direito, para tornar eficaz determinadas
normas, não se pode violar outras63.
Faz-se necessária a análise dos princípios em Direito Penal, pois são parte de uma
estrutura complexa, juntamente das regras e dos valores, sendo insuficiente a concentração
apenas nas regras, diante de um objetivo mais amplo como a visualização do sistema jurídico
no qual estamos inseridos64.
O Direito Penal, nas palavras de Cezar Roberto Bitencourt:
“um conjunto de normas jurídicas que tem por objeto a determinação de infrações de
natureza penal e suas sanções correspondentes – penas e medidas de segurança. Esse
conjunto de normas e princípios devidamente sistematizados, tem a finalidade de
tornar possível a convivência humana, ganhando aplicação prática nos casos
ocorrentes, observando rigorosos princípios de justiça”.65
Nesse contexto, não se pode privilegiar determinadas normas em detrimento dos
princípios, principalmente no mercado financeiro, cuja regulamentação no âmbito
administrativo é efetiva para dirimir os conflitos. Segundo Celso Luiz Limongi66, os
62
MACHADO, Hugo de Brito. Crimes contra a Ordem Tributária. 1ª ed. São Paulo: Editora Atlas S/A, 2008,
p. 18.
63
MACHADO, Hugo de Brito. Crimes contra a Ordem Tributária. 1ª ed. São Paulo: Editora Atlas S/A, 2008,
p. 18.
64
BOSCHI, José Antonio Paganella. Das penas e seus critérios de aplicação. 4ª ed.rev.atual. Porto Alegre:
Livraria do Advogado, 2006, p. 27.
65
BITENCOURT, Cezar Roberto. Tratado de Direito Penal, parte geral I. 14ª ed. rev. atual. e ampl. São
Paulo: Editora Saraiva, 2009, p. 02.
66
LIMONGI, Celso Luiz. O Devido Processo Legal Substantivo e o Direito Penal. Revista Escola Paulista de
Magistratura, nº 1, 2001, p. 151.
14
princípios jurídicos são a base do ordenamento, e não se concebe norma legal que os
contravenha, pois as normas devem ser aplicadas em sintonia com eles, uma vez que atuam
como “vetores para soluções interpretativas”.
É notória a importância dos princípios na estrutura do ordenamento jurídico,
principalmente porque são fundamentais na interpretação e aplicação das normas jurídicas.
Assim confirma Roque Antonio Carrazza67, em sua obra, fazendo referência à lição de Celso
Antônio de Mello:
“Princípio (...) é, por definição, mandamento nuclear de um sistema, verdadeiro
alicerce dele, disposição fundamental que se irradia sobre diferentes normas
compondo-lhes o espírito e servindo de ideia para sua exata compreensão e
inteligência, exatamente por definir a lógica e a racionalidade do sistema normativo,
no que lhe confere a tônica e lhe dá o sentido harmônico. É o conhecimento dos
princípios que preside a intelecção das diferentes partes componentes do todo
unitário que há por nome sistema jurídico positivo.”68
No mesmo sentido a obra de José Antonio Paganella Boschi69 reúne ensinamentos de
importantes juristas como Carlos Maximiliano70, segundo o qual os princípios seriam a
aplicação da hermenêutica, pois regem a interpretação, e Jorge Figueiredo Dias71, dizendo que
os princípios exprimem valores e bens, dando sentido às normas e permitindo à dogmática
explicação e compreensão dos problemas do Direito, buscando soluções.
Desse modo, percebe-se que os princípios, assim como os valores e as normas, são a
estrutura do ordenamento, e que não se pode em detrimento de um, criar outro, devendo-se
respeitar a importância de cada elemento do ordenamento, pois servem de complemento um
ao outro. Pode-se dizer que os princípios são espécies de normas que veiculam valores, cuja
eficácia se volta à resolução de questões concretas.
Por isso, diante da recente criminalização de determinadas condutas praticadas no
mercado financeiro, necessária uma análise dos princípios constitucionais penais, para avaliar
a necessidade ou não da intervenção do Direito Penal em uma estrutura que possui
instrumentos de regulamentação e fiscalização próprios, inclusive com a aplicação de sanções.
Sobre a importância desses princípios leciona Maura Roberti:
“A função dos princípios constitucionais penais, ao contrário do que se possa
parecer a primeira vista, não é de legitimar o exercício absoluto do poder punitivo,
mas antes condicioná-lo, vinculá-lo, servindo de obstáculos à indiscriminada
67
CARRAZZA, Roque Antonio. Curso de Direito Constitucional Tributário. 24ª ed.rev.ampl.atual. São Paulo
: Malheiros, 2008, p. 39.
68
MELLO, Celso Antônio Bandeira de. Curso de Direito Administrativo. 25ª ed. São Paulo: Malheiros
Editores, 2008, p. 942 2 943.
69
BOSCHI, José Antonio Paganella. Das penas e seus critérios de aplicação. 4ª ed.rev.atual. Porto Alegre:
Livraria do Advogado, 2006, p. 32 e 33.
70
MAXIMILIANO, Carlos. Hermenêutica e Aplicação do Direito. Rio de Janeiro: editora Forense, 1980, p.
295.
71
DIAS, Jorge Figueiredo. Direito Processual Penal. Vol. 1. Coimbra, 1974, p. 113.
15
utilização da punição.”72
Observa-se que os princípios do Direito Penal também podem ser chamados de
princípio fundamentais de garantia do cidadão perante o poder estatal, em que as ideias de
liberdade e igualdade limitam a intervenção do Estado nas liberdades individuais, como o
Princípio da Legalidade ou da Reserva Legal e o Princípio da Intervenção Mínima, sobre os
quais será feita uma análise mais detalhada.
2.2 PRINCÍPIOS
2.2.1 Princípio da Legalidade
A partir da Constituição de 1988, foram instituídos princípios especificamente penais,
sejam explícitos ou implícitos, destacando-se o princípio da legalidade, que é uma garantia
individual, prevista no art. 5º, inciso II, da Constituição. Porém, sua origem remonta a
Revolução Francesa, tida como marco inicial da democracia, mais precisamente na
Declaração dos Direitos do Homem e do Cidadão73.
A análise do princípio da legalidade é imprescindível para a compreensão de todos os
institutos de Direito Penal, motivo pelo qual é amplamente trabalhado pelos doutrinadores, de
forma detalhada e abrangente. O princípio está intimamente ligado a ideia de Estado de
Direito, assegurando a todos a possibilidade de desenvolvimento individual, tendo como
principal característica o domínio da lei.
Segundo a interpretação de Fernando Mantovani, presente na obra de Luiz Luisi, o
princípio da legalidade possui desdobramentos, que seriam a reserva legal, a determinação
taxativa e a irretroatividade da lei, vejamos:
“O princípio da legalidade, segundo a doutrina mais contemporânea, se desdobra em
três postulados. Um quanto as fontes das normas penais incriminadoras. Outro
concernente a enunciação dessas normas. E um terceiro relativo a validade das
disposições penais no tempo. O primeiro postulado é o da reserva legal. O segundo é
o da determinação taxativa. E o último é o da irretroatividade”.74
Na visão de Guilherme de Souza Nucci75, o princípio da legalidade tem três
significados principais, quais sejam, o político, que o posiciona como garantia constitucional
72
ROBERTI, Maura. A Intervenção Mínima como princípio no Direito Penal Brasileiro. Porto Alegre:
Sergio Antonio Fabris Editor, 2001, p. 70.
73
LUISI, Luiz. Os princípios constitucionais penais. 2ª ed. rev. e aum. Porto Alegre: Sergio Antonio Fabris
Editor, 2003, p. 17.
74
MANTOVANI, Fernando. Direito Penale. 1988 apud LUISI, Luiz. Os princípios constitucionais penais. 2ª
ed. rev. e aum. Porto Alegre: Sergio Antonio Fabris Editor, 2003, p. 17.
75
NUCCI, Guilherme de Souza. Código Penal comentado. 4. ed. rev., atual. e ampl. São Paulo: Revista dos
Tribunais, 2003, p. 43.
16
dos direitos fundamentais; o jurídico lato sensu, traduzido pelo próprio artigo 5º, inciso II, da
carta constitucional; e o jurídico stricto sensu, em que todas os tipos penais incriminadores só
podem ser criados por lei em sentido estrito, em conformidade com o processo legislativo
disciplinado.
A obra de Pilar Gómez Pavón também traz a concepção de que o Princípio da
Legalidade é um dos fundamentos do Estado de Direito, e que é muito importante diferenciar
seu fundamento político e jurídico:
“El principio de legalidade aparece hoy como uno de los fundamentales en um
Estado de Derecho. Es lugar común fijar su origen en la Ilustración, descartando
otros posibles antecedentes, y de ese momento histórico deriva su fundamento.
(...)
El principio da legalidade, en su actual formulación (no hay delito sin una previa ley
que así lo establezca; no hay más pena que la prevista en la ley para cada delito),
supone la supremacía de la ley como única fuente creadora de delitos y penas, y se
encuentra recogido, por lo menos a un nível formal, en la práctica totalidade de los
ordenamentos.”76
Como leciona Luiz Luisi, não há que se duvidar que o princípio da legalidade, como
garantia individual, tem inspiração no iluminismo, é norma fundamental de direito penal e
com previsão constitucional desde os regimes liberais democráticos a partir do século
XVIII77.
Essas mudanças também influenciam na concepção do homem, não mais como
indivíduo de direito, mas principalmente de deveres com a sociedade. Diante dessa nova
realidade, Luiz Luisi78 afirma que muitos setores da doutrina constitucional e penal chegaram
a sugerir a prática da supressão do princípio da legalidade, recomendando a utilização de tipos
mais abrangentes, com a finalidade de absorver a amplitude de fatos, em nome da exigência
de uma Justiça material atuante. Outros, por exemplo, tem sugerido o seu abandono, como
necessidade da proteção de certos bens e interesses coletivos.
Ocorre que muitas vezes, o legislador acaba tipificando condutas de maneira
incompleta, normas conhecidas como Leis Penais em Branco, as quais ferem o princípio da
legalidade. Vejamos texto de Manuela Abanto Vásquez:
“Como es fácil observar, la “ley penal en blanco” entra enseguida en colisión con el
“principio de legalidade”, sobre todo con su aspecto de “lex certa” o principio de
“certeza”, “determinación” o “taxatividad”. A saber dice este principio, que la ley
penal debe tener carácter cierto, preciso, de tal manera que los destinatarios de la
76
PAVÓN, Pilar Gómez. Cuestiones Actuales del Derecho Penal Económico: El Principio de Legalidad y
Las Remisiones Normativas. Revista de Derecho Penal y Criminología, 2ª época, nº extraordinário 1, 2000, p.
426 e 427.
77
LUISI, Luiz. Os princípios constitucionais penais. 2ª ed. rev. e aum. Porto Alegre: Sergio Antonio Fabris
Editor, 2003, p. 30.
78
LUISI, Luiz. Os princípios constitucionais penais. 2ª ed. rev. e aum. Porto Alegre: Sergio Antonio Fabris
Editor, 2003, p. 30 e 31.
17
norma puedan prever el alcance de sus conductas y ajustarlas de tal manera que no
incurran em delitos”.79
Porém, Luiz Luisi80 posiciona-se dizendo que entre o princípio da legalidade e as
exigências do estado social não existem incompatibilidades, pois os Estados Democráticos
Sociais têm compromisso com os valores do Iluminismo, principalmente a liberdade. Ainda
afirma que para resguardo da legalidade penal basta que o legislador saiba traduzir os valores
e interesses coletivos em leis precisas, conforme ensina.
Dessa forma, em se tratando do princípio da legalidade, é imprescindível considerar
seu fundamento político e jurídico, e somente alcançará sua plena eficácia em um Estado
Democrático e Liberal, de maneira que assegurará os direitos individuais. Vejamos as
palavras de Pilar Gómez Pavón:
“Aparece, pues, como substancial al principio de legalidad su entendimiento como
garantía de todos frente al poder que, a su vez se encuentra limitado por la ley,
emanación de la vontad popular, que, precisamente por ello se corresponde con las
exigencias del Derecho natural y la razón (...) es un principio político que dotado de
su más puro sentido garantiza al sistema penal”.81
Pilar Gómez Pavón82 ainda explica que o princípio da legalidade não é uma mera
garantia de segurança e previsibilidade, pois evita o arbítrio judicial, além de garantir que a
legislação responda aos interesses da maioria.
Em relação aos delitos tributários, por exemplo, Sergio Moccia83 refere-se que para a
reconstrução efetiva do objeto da tutela desses delitos, deve-se construir uma base sobre a
qual serão adequadas as exigências do sistema penal e dos princípios do Estado de Direito, e
para isso é necessário que se respeite as exigências da legalidade, como a taxatividade e
ofensividade.
Portanto, é imprescindível fazer uma breve análise dos desdobramentos desse
princípio fundamental para o Direito Penal, conforme leciona Fernando Mantovani84, e a
sistematização de suas funções.
79
VÁSQUEZ, Manuela Abanto. El Principio de Certeza en las Leyes Penales en Blanco. Revista Peruana de
Ciencias Penales, nº 9, ano V, p. 13.
80
LUISI, Luiz. Os princípios constitucionais penais. 2ª ed. rev. e aum. Porto Alegre: Sergio Antonio Fabris
Editor, 2003, p. 31.
81
PAVÓN, Pilar Gómez. Cuestiones Actuales del Derecho Penal Económico: el Principio de Legalidad y las
Remisiones Normativas. Revista de Derecho Penal e Criminología, 2ª Época, nº extraordinário 1, 2000, p. 428 e
429.
82
PAVÓN, Pilar Gómez. Cuestiones Actuales del Derecho Penal Económico: el Principio de Legalidad y las
Remisiones Normativas. Revista de Derecho Penal e Criminología, 2ª Época, nº extraordinário 1, 2000, p. 427.
83
MOCCIA, Sergio. El Derecho Penal entre Ser y Valor. Colleción: Maestros del derecho Penal, nº 10.
Buenos Aires: Euros Editores S.R.L., 2003, p. 296 e 297.
84
MANTOVANI, Fernando. Direito Penale. 1988, apud LUISI, Luiz. Os princípios constitucionais penais. 2ª
ed. rev. e aum. Porto Alegre: Sergio Antonio Fabris Editor, 2003, p. 18.
18
2.2.1.1 Reserva Legal – Taxatividade – Irretroatividade
O Princípio da Reserva legal, um dos desdobramentos do princípio da legalidade, está
previsto no art. 5º, inciso XXXIX, da atual Constituição Federal, porém já era previsto desde
a Constituição de 1824, com a seguinte redação: “não há crime sem lei anterior que o defina,
nem pena sem prévia cominação legal”.
Este princípio, segundo algumas análises da doutrina penal, pode ser tratado como
Reserva Absoluta e Reserva Relativa. Fernando Mantovani85 assim explica, que “pela
Reserva Relativa, o legislador fixa as linhas fundamentais, delegando o seu detalhamento à
administração. Pela Reserva Absoluta só a lei pode disciplinar a matéria criminal, excluindose qualquer outro tipo de disciplina normativa”.
Na obra de Luiz Luisi ainda há distinção entre legalidade formal e legalidade
substancial86, onde explica que a substancial é a negação da Reserva Legal, pois tem como
fonte um direito natural, que decorre da natureza das coisas, e que somente na legalidade
formal é que se pode identificar o princípio ora analisado. Ainda refere-se que os dispositivos
constitucionais evidenciam que princípio da reserva legal incide sobre a execução da pena de
forma imperativa.
Dessa forma, percebe-se que tal princípio é fundamental para o ordenamento jurídico,
para limitar o poder punitivo do Estado ao que estiver previsto em lei, caracterizando-se como
uma garantia fundamental ao cidadão, pois somente poderão ser imputados como conduta
ilícita aqueles fatos previstos previamente como delitos, e cuja penalidade igualmente esteja
fixada.
O princípio da legalidade, além de relacionado diretamente com o princípio da reserva
legal, tem como princípio qualificador a taxatividade. A chamada determinação taxativa,
como prefere Luiz Luisi87, é a exigência para que as leis penais sejam claras e precisas,
inexistindo a abrangência ampla e indeterminada dos tipos penais.
Desse modo, torna-se imprescindível a exigência de um legislador mais qualificado e
competente, atento ao uso de uma técnica correta, uma linguagem rigorosa e uniforme. É
fundamental limitar o tipo penal ali explicitado, de maneira que a interpretação seja o mais
coerente possível, a fim de evitar lacunas, ou seja, evitar a utilização de cláusulas gerais e
indeterminadas88.
Vejamos os ensinamentos de René Ariel Dotti, o qual também faz referência à clareza
85
MANTOVANI, Fernando. Direito Penale. 1988, apud LUISI, Luiz. Os princípios constitucionais penais. 2ª
ed. rev. e aum. Porto Alegre: Sergio Antonio Fabris Editor, 2003, p. 22.
86
LUISI, Luiz. Os princípios constitucionais penais. 2ª ed. rev. e aum. Porto Alegre: Sergio Antonio Fabris
Editor, 2003, p. 22.
87
LUISI, Luiz. Os princípios constitucionais penais. 2ª ed. rev. e aum. Porto Alegre: Sergio Antonio Fabris
Editor, 2003, p. 24.
88
SCHMIDT, Andrei Zenkner. O Princípio da Legalidade Penal no Estado Democrático de Direito. Porto
19
e precisão das normas penais, garantindo o fácil acesso de todos:
“para que a lei penal possa desempenhar função pedagógica e motivar o
comportamento humano, deve ser facilmente acessível a todos, não só aos juristas.
Exige-se, portanto, uma lei certa que diz respeito com a clareza dos tipos de ilícito,
restringindo-se a elaboração dos tipos penais abertos que acarretam insegurança
jurídica”.89
Este princípio, ao reforçar o princípio da legalidade e contribuir para a garantia da
certeza, como refere Raúl Cervini90, afirma ainda mais a tese da inconstitucionalidade das
normas penais em branco. Ainda explica que é necessário tutelar bens jurídicos individuais a
fim de evitar a aplicação das dos tipos penais tão abertos.
Nesse sentido, Raúl Cervini ainda afirma que “Las violaciones al principio da
legalidade y máxima taxatividad son presentadas como una necesidad de tutela de los bienes
jurídicos supraindividuales y ello deviene en la construcción de tipos penales en blanco o
extremadamente abiertos”.91
Como se pode perceber, o princípio da taxatividade se opõe às normais penais em
branco, que são aquelas de ampla abrangência. Na visão desses autores o legislador deve criar
normas com a máxima precisão. Ocorre que alguns autores perceberam ser inevitável a
indeterminação de alguns tipos penais, vez que a certeza é difícil de ser aplicada na aplicação
das leis.
Assim entende Andrei Zenkner Schmidt:
“A verdade, porém, é que, em maior ou menor grau, a indeterminação dos tipos
penais é uma característica inevitável das proibições legais, visto que até mesmo as
elementares objetivas comportam, sempre, uma valoração judicial, e isso faz com
que o efetivo cumprimento do “mandado de certeza” seja uma dos problemas mais
árduos do manejo correto da técnica legislativa”.92
Percebe-se, pois, que a clareza das normas penais não depende apenas do trabalho do
legislador, mas envolvem fundamentalmente a linguagem em si. Além disso, diante da
variedade de condutas que recaem sobre os distintos bens jurídicos, torna-se difícil chegar à
precisão das normas, pois impossível descrever todos os detalhes.
Pilar Gómez Pávon explica que exige-se da doutrina uma lei certa, e essa certeza
vinculada à técnica legislativa implica em uma descrição do ilícito de forma clara, inequívoca
Alegre: Livraria do Advogado, 2001, p. 249.
89
DOTTI, René Ariel. Curso de Direito Penal – parte geral. 2ª ed. rev. atual. e ampl. Rio de Janeiro: Editora
Forense, 2005, p. 60.
90
CERVINI, Raúl. ADRIASOLA, Gabriel. El Derecho Penal de la Empresa. Buenos Aires: Euros Editores
S.R.L., 2005, p. 132.
91
CERVINI, Raúl. ADRIASOLA, Gabriel. El Derecho Penal de la Empresa. Buenos Aires: Euros Editores
S.R.L., 2005, p. 133.
92
SCHMIDT, Andrei Zenkner. O Princípio da Legalidade Penal no Estado Democrático de Direito. Porto
Alegre: Livraria do Advogado, 2001, p. 249.
20
e expressa, determinando exatamente o âmbito do proibido. Refere que se trata de conseguir o
maior grau possível de determinação na lei, limitando a possibilidade de decisão dos
Tribunais na configuração concreta do que se proíbe93.
Trata-se de um ideal que não passa de uma utopia, que como todas as outras, é
impossível de realizar-se, pois o próprio instrumento utilizado pelo legislador, que é a
linguagem, impossibilita o cumprimento da taxatividade, uma vez que os idiomas mudam
com o tempo e com as circunstâncias, são pouco precisos e imperfeitos. Pilar Gómez Pavón
ainda complementa: “Admitiendo la imposibilidad de conseguir esa meta, y la necesidad de
una cierta indeterminación, el problema radicaría en establecer cuando puede considerarse
satisfecta la obligación de taxatividad por el legislador”.94
Com isso, diante da necessidade da clareza das normas, para a efetiva aplicação do
princípio da legalidade, mas também visível a dificuldade da determinação taxativa, Andrei
Zenkner Schmidt95 entende que para se conseguir a excelência moral, deve-se encontrar o
equilíbrio entre a segurança e a justiça, pois no Estado Democrático de Direito a justiça social
não é o fim último do Direito Penal, mas autoriza o legislador a agir sempre que não haja
incompatibilidade desta com as consequências sociais previsíveis.
Ainda, em decorrência do princípio da legalidade, é importante destacar a
irretroatividade da lei penal, que é um complemento da Reserva legal, em que a lei só poderá
atingir os fatos ocorridos após a sua vigência. Assim leciona Luiz Luisi96: “Expressa ela a
exigência da atualidade da lei, impondo que a mesma, como princípio, só alcança os fatos
cometidos depois do início de sua vigência, não incidindo sobre os fatos anteriores”.
A irretroatividade da lei dá a segurança ao cidadão de não ser punido, ou de não ser
punido mais severamente, por fatos que no momento em que ocorreram não eram previstos
como ilícitos, ou tinham uma pena mais amena.
A aplicação da retroatividade da lei penal em benefício do réu tem sido restringida em
alguns países, devido a inadequada disciplina constitucional. No Brasil, porém, a constituição
dispôs de forma clara a retroatividade da lei penal quando beneficia o réu, vejamos a lição de
Luiz Luisi:
“Isto importa que sempre a lei penal retroage quando em favor do réu, ainda quando
haja sentença com trânsito em julgado. Ao contrário da legislação penal peninsular,
a nossa lei penal, por abarcar todas as hipóteses possíveis consagra que mesmo no
caso de uma sucessão de leis, se aplica dentre elas a mais favorável, mesmo quando
93
PAVÓN, Pilar Gómez. Cuestiones Actuales del Derecho Penal Económico: el Principio de Legalidad y las
Remisiones Normativas. Revista de Derecho Penal e Criminología, 2ª Época, nº extraordinário 1, 2000, p. 448.
94
PAVÓN, Pilar Gómez. Cuestiones Actuales del Derecho Penal Económico: el Principio de Legalidad y las
Remisiones Normativas. Revista de Derecho Penal e Criminología, 2ª Época, nº extraordinário 1, 2000, p. 449.
95
SCHMIDT, Andrei Zenkner. O Princípio da Legalidade Penal no Estado Democrático de Direito. Porto
Alegre: Livraria do Advogado, 2001, p. 244 e 245.
96
LUISI, Luiz. Os princípios constitucionais penais. 2ª ed. rev. e aum. Porto Alegre: Sergio Antonio Fabris
Editor, 2003, p. 26.
21
tenha havido condenação definitiva”.97
Portanto, o princípio da irretroatividade, assim como os demais desdobramentos da
legalidade, deve ser respeitado para que se tenha a correta aplicação das leis, evitando abusos
estatais em relação aos direitos fundamentais daqueles que estejam submetidos ao processo
penal.98
2.2.2 Princípio da Intervenção Mínima
Como visto anteriormente, o princípio da legalidade impõe limites ao poder do
legislador, para evitar o arbítrio judicial, mas isso não impede que sejam criados tipos penais
que vão contra a equidade. Nesse sentido o princípio da intervenção mínima mostra-se
fundamental ao ordenamento jurídico. Vejamos a sua definição na visão de Maura Roberti:
“ Como limitante ao jus puniendi, o princípio da intervenção mínima, a exemplo de
todos os princípios com tal finalidade específica, representa dentro do nosso
ordenamento jurídico um “mandamento nuclear de uma sistema, verdadeiro alicerce
dele, disposição fundamental que se irradia sobre diferentes normas compondo-lhes
o espírito e servindo de critério para sua exata compreensão e inteligência,
exatamente por definir a lógica e a racionalidade do sistema normativo , no que lhe
confere a tônica e lhe dá sentido harmônico”.99
Segundo Luiz Luisi100, o princípio da intervenção mínima, ao qual ele também dá a
denominação de princípio da necessidade, é um orientador e limitador do poder criativo do
crime, sendo que a criminalização de um fato só deve ser legitimada se constituir meio
necessário para a proteção de um bem jurídico.
Percebe-se que há divergências em relação ao conceito desse princípio, porém não há
dúvidas que os autores citados concordam quanto a sua função, que é limitar o direito de
punir, qualificando o princípio da legalidade e tornando-o mais benéfico ao cidadão.
A Constituição Brasileira vigente trata como invioláveis os direitos à liberdade, à
igualdade, à segurança, à vida e à propriedade, e ainda coloca como fundamento do Estado
Democrático a dignidade da pessoa humana. Assim, mesmo que o princípio da intervenção
mínima não esteja explícito, ele decorre das garantias asseguradas pela constituição, uma vez
que esses direitos invioláveis só poderão ser restringidos se a sanção penal for estritamente
necessária.
97
LUISI, Luiz. Os princípios constitucionais penais. 2ª ed. rev. e aum. Porto Alegre: Sergio Antonio Fabris
Editor, 2003, p. 29.
98
SCHMIDT, Andrei Zenkner. O Princípio da Legalidade Penal no Estado Democrático de Direito. Porto
Alegre: Livraria do Advogado, 2001, p. 213.
99
ROBERTI, Maura. A Intervenção Mínima como princípio no Direito Penal Brasileiro. Porto Alegre:
Sergio Antonio Fabris Editor, 2001, p. 70.
100
LUISI, Luiz. Os princípios constitucionais penais. 2ª ed. rev. e aum. Porto Alegre: Sergio Antonio Fabris
Editor, 2003, p. 39.
22
Dessa forma evidencia-se a natureza subsidiária do Direito Penal, de maneira que só
será utilizado como última tentativa, frente à ineficácia de outros métodos punitivos utilizados
na proteção dos bens jurídicos.
Ademais, em sendo o princípio da intervenção mínima um limitador da intervenção
estatal, é primordial que se avalie outras possibilidades de proteção aos bens jurídicos, antes
de ser aplicada a sanção penal, Andrei Zenkner Schmidt101 entende que “ao princípio da
necessidade há de ser agregada uma substância capaz de muni-lo de mecanismos impeditivos
de excessos quantitativos e qualitativos da intervenção penal”.
Muitos ordenamentos jurídicos preocupam-se com a chamada inflação penal, como
demonstra a obra de Luiz Luisi102. Na Europa, por exemplo, esse problema levou a adoção de
medidas que visam despenalizar aqueles ilícitos considerados “bagatelas criminais”, e impor
critérios ao legislador, quando se tratar da criminalização. Também na Itália, houveram
diversas medidas nesse sentido, despenalizando pequenos ilícitos penais e criando os limites
para a elaboração dos novos tipos penais.
A criação de quaisquer medidas restritivas da liberdade deve estar de acordo com a
finalidade a que se propõem, para atingir seu objetivo, a fim de que essa necessidade de
criminalizar ocorra somente se a ofensa ao bem jurídico for grave, pois o Estado vincula-se ao
fim da justiça social e não à vontade própria do legislador ou do juiz.
Na visão de Andrei Zenkner Schmidt,
“a vedação do excesso interventivo vincula o poder legiferante e judicante. Com
efeito, o nullum crimen nulla poena sine lege necessariae determina (além da
culpabilidade e da lesividade do fato reprovável) que todo processo de produção de
normas penais incriminadoras observe a finalidade, a minimização e a
proporcionalidade da intervenção penal, parâmetros estes que também vinculam o
processo de aplicação da pena”.103
Dessa forma, baseada na doutrina, Maura Roberti104 atribui três funções ao princípio
da intervenção mínima, a de estabelecer as hipóteses de incidência das leis penais; indicar os
limites de restrição da liberdade de ação humana, para que seja alcançada pela norma penal; e
estabelecer a necessidade da incidência da consequência jurídica do delito.
Em se tratando de estabelecer as hipóteses de incidência das leis penais, o princípio da
intervenção mínima está diretamente ligado ao processo de elaboração das normas, servindo
em um primeiro momento como regra de determinação qualitativa para a tipificação das
101
SCHMIDT, Andrei Zenkner. O Princípio da Legalidade Penal no Estado Democrático de Direito. Porto
Alegre: Livraria do Advogado, 2001, p. 317.
102
LUISI, Luiz. Os princípios constitucionais penais. 2ª ed. rev. e aum. Porto Alegre: Sergio Antonio Fabris
Editor, 2003, p. 44 e 45.
103
SCHMIDT, Andrei Zenkner. O Princípio da Legalidade Penal no Estado Democrático de Direito. Porto
Alegre: Livraria do Advogado, 2001, p. 318.
104
ROBERTI, Maura. A Intervenção Mínima como princípio no Direito Penal Brasileiro. Porto Alegre:
Sergio Antonio Fabris Editor, 2001, p. 73.
23
condutas, e em um segundo momento, juntamente com o princípio da proporcionalidade, para
determinar a sanção pertinente.105
Nesse sentido o bem jurídico a ser protegido pelo direito penal, como principal
delimitador da matéria a ser pautada nesse ramo do direito, para ser merecedor da tutela penal,
conforme leciona Maura Roberti106, deve possuir uma grande relevância social e um grande
efeito pessoal. Além disso, ainda refere que a pena será desnecessária quando existirem outros
meios eficientes de tutelar o bem jurídico, ou quando da intervenção do Direito Penal
resultarem em consequências negativas.
Luiz Luisi entende que a constituição, ao estabelecer como a dignidade da pessoa
humana como fundamento de todo o ordenamento jurídico, deverá ser colocada como
parâmetro para a criação dos tipos penais. Vejamos:
“A partir do momento em que o legislador penal se dissociar do parâmetro traçado
pela Constituição Federal, imperando a falta de limitações jurídicas quando da
elaboração da norma penal incriminadora, indubitavelmente haverá, como estamos
constatando, a hipertrofia da intervenção do Estado nas relações sociais, bem como
total desproporcionalidade entre os delitos e as penas, com o consequente descrédito
das leis por parte da população”.107
Pode-se dizer, portanto, que o postulado maior da intervenção mínima é o fato de o
Direito Penal só intervir quando outro ramo do direito não for eficaz na solução dos conflitos.
Indispensável, pois, os limites de restrição da liberdade, para que seja alcançado pela norma
penal.
Segundo Maura Roberti108, não basta que a conduta se amolde ao tipo penal para
chegar à categoria de crime, mas devem ser identificadas as hipóteses que desaconselhem a
aplicação do princípio da intervenção mínima, pois se isso não ocorrer, a intervenção não será
mínima, mas consequencial. Importante ressaltar que para estabelecer os limites que serão
alcançados pela restrição imposta pelo direito penal, há uma relação com o princípio da
insignificância para se determinar a existência ou não do crime.
Percebe-se que as funções primordiais do princípio da intervenção mínima vistas até
aqui são critérios da não incidência do Direito Penal, na modalidade da não tipificação de
novas condutas pelo legislador, ou na descriminalização pelo magistrado em face da não
antijuridicidade da conduta descrita no tipo legal. Porém ainda há uma outra função, que diz
respeito a necessidade da incidência da consequência jurídica do delito, ou seja, diz respeito
105
ROBERTI, Maura. A Intervenção Mínima como princípio no Direito Penal Brasileiro. Porto Alegre:
Sergio Antonio Fabris Editor, 2001, p. 73.
106
ROBERTI, Maura. A Intervenção Mínima como princípio no Direito Penal Brasileiro. Porto Alegre:
Sergio Antonio Fabris Editor, 2001, p. 74.
107
LUISI, Luiz. Os princípios constitucionais penais. 2ª ed. rev. e aum. Porto Alegre: Sergio Antonio Fabris
Editor, 2003, p. 43 e 44.
108
ROBERTI, Maura. A Intervenção Mínima como princípio no Direito Penal Brasileiro. Porto Alegre:
Sergio Antonio Fabris Editor, 2001, p. 86 e 87.
24
às penas aplicadas, seja com a redução das penas privativas de liberdade ou na aplicação
abaixo do mínimo legal.
Maura Roberti complementa:
“A pena privativa de liberdade, como instrumento de coerção do Direito Penal,
também está sujeita à regra da mínima incidência, pois, como já afirmado, a
liberdade há que ser o último bem jurídico a ser sacrificado em detrimento de
qualquer outro bem penalmente protegido”.109
Partindo da necessidade de se adequar à pena ao tipo penal, tanto o legislador, quanto
o juiz tem que estabelecer critérios para a aplicação correta da pena. Assim entende Suzana de
Toledo Barros110, ao referir que a adequação da pena exige que sejam adotados meios
próprios à obtenção da finalidade pretendida. A autora também afirma que é necessário que a
medida restritiva seja indispensável a conservação dos direitos fundamentais próprios, ou do
outro, não podendo ser substituída por outra pena igualmente eficaz e menos gravosa.
Entende-se, com isso, que deve ser levada em consideração a proporcionalidade, para
que a restrição seja ponderada em função dos seus resultados, sempre considerando-se a pena
mínima como preponderante. Isso por tratar-se de restrições aos direitos fundamentais, digase, ao mais importante deles, a liberdade, devendo ocorrer a tutela penal como última
alternativa, frente a ineficácia da aplicação de outros ramos do direito na resolução dos
conflitos.
3. O USO DA INFORMAÇÃO PRIVILEGIADA NO MERCADO DE CAPITAIS
BRASILEIRO – “INSIDER TRADING”
A regulamentação e fiscalização do mercado de capitais, onde se negociam os valores
mobiliários, é de responsabilidade da Comissão de Valores Mobiliários, sujeitando-se á
orientações do Conselho Monetário Nacional.
Nesse sentido, em relação ao uso de informações privilegiadas para promover
operações no Sistema Financeiro Nacional, a Comissão de Valores Mobiliários criou a
Instrução Normativa nº 31/84, que regulamentou os dispositivos da Lei 6.404/76, que
disciplinavam o dever de informar e proibiam a prática dessa conduta.
Se levado em consideração os termos puramente doutrinários, sem observar a
legislação vigente em cada país, pode-se dizer que “Insider” é toda a pessoa que tem acesso a
informações privilegiadas em virtude da sua posição dentro de uma determinada companhia,
tomando conhecimento dos negócios da mesma, e utilizando-se das informações, as quais
109
ROBERTI, Maura. A Intervenção Mínima como princípio no Direito Penal Brasileiro. Porto Alegre:
Sergio Antonio Fabris Editor, 2001, p. 93.
110
BARROS, Suzana de Toledo. O princípio da proporcionalidade e o controle de constitucionalidade das
25
podem interferir na cotação dos valores mobiliários afetando as decisões de investidores, para
atuar nas operações do mercado financeiro.111
O abuso de informação privilegiada, Insider Trading, recentemente introduzido como
ilícito penal no ordenamento jurídico brasileiro, pela Lei nº 10.303/01, destaca a diferença
entre os envolvidos, de um lado aquele grupo reduzido e diferenciado por ser detentor de
informações que só eles conhecem, e de outro, aquela maioria, no caso os investidores, que
sofreram prejuízos decorrentes da respectiva operação.112
3.1 A INFORMAÇÃO PRIVILEGIADA NO MERCADO DE CAPITAIS
Nas palavras de Nelson Laks Eizirik113, o insider trading é a utilização de informações
relevantes sobre uma companhia, por pessoas que estão a par dos seus negócios, devido à sua
profissão, para realizar operações no mercado antes que tais informações tornem-se públicas.
O autor ainda complementa, “o insider compra ou vende no mercado a preços que ainda não
estão refletindo o impacto de determinadas informações sobre a companhia, que são do seu
conhecimento exclusivo”.
Assim, para analisar a conduta do Insider Trading, é fundamental definir informação
privilegiada. Desse modo, pode-se dizer que são as informações que não se tornaram públicas,
e que dizem respeito a valores mobiliários ou outros instrumentos financeiros, as quais seriam
idôneas a partir do momento que lhes fosse dada publicidade, para influenciarem nos preços
do mercado financeiro114.
De maneira clara e objetiva, João Pedro Scalzilli define o Insider Trading:
“o Insider Trading, ou uso de informação privilegiada, é a utilização de informação
relevante capaz de afetar a negociação de valores mobiliários antes de ser ela
divulgada aos demais investidores, por pessoa que a tenha obtido, normalmente, por
força de relação profissional mantida com a companhia”.115
A partir dessa definição, os autores fazem referência aos elementos que caracterizam a
prática dessa conduta. O dois primeiros elementos abordados são a relevância da informação e
leis restritivas de direitos fundamentais. Brasília: Editora Brasília Jurídica, 1996, p.210.
111
PARENTE, Norma Jonssen. Aspectos Jurídicos do “Insider Trading”. Rio de Janeiro, Comissão de Valores
Mobiliários, 1978.
112
COSTA, José de Faria; RAMOS, Maria Elisabete. O Crime de Abuso de Informação Privilegiada (Insider
Trading) - A informação enquanto problema jurídico-penal. Coimbra Editora, 2006, p. 18.
113
EIZIRIK, Nelson Laks. “Insider Trading” e Responsabilidade de Administrador de Companhia Aberta.
São Paulo: Revista de Direito Mercantil, 1983, vol. 50, p. 43.
114
COSTA, José de Faria; RAMOS, Maria Elisabete. O Crime de Abuso de Informação Privilegiada (Insider
Trading) - A informação enquanto problema jurídico-penal. Coimbra Editora, 2006, p. 41 e 42.
115
SCALZILLI, João Pedro. SPINELLI, Luis Felipe. A racionalidade econômica de combate ao Insider
Trading: assimetria de informação e dano ao mercado. São Paulo: Revista de Direito Mercantil, 2007, vol.
147, p. 43.
26
a necessidade de que seja sigilosa. Ao tratar de informação relevante, João Pedro Scalzilli e
Luis Felipe Spinelli assim definem:
“qualquer decisão do controlador, deliberação da assembleia-geral ou dos órgãos de
administração da companhia aberta, ou qualquer outro fato de caráter políticoadministrativo, técnico, negocial, ou econômico-financeiro ocorrido ou relacionado
aos seus negócios, que possa influir, de modo ponderável, na cotação dos seus
valores mobiliários e na decisão dos seus investidores de comprar, vender ou manter
esses títulos”.116
Porém, não basta que a informação seja sobre fato relevante, mas também é necessário
que tal informação seja sigilosa, pelo simples fato de não ter sido divulgada. Possuindo essas
duas características, será uma informação privilegiada, e poderá caracterizar o Insider
Trading.
3.2 O INSIDER TRADING EM OUTROS PAÍSES
O primeiro país a se preocupar com o a utilização de informações privilegiadas pelos
dirigentes de sociedades foi os Estados Unidos, editando, desde o new deal do Presidente
Roosevelt, uma legislação para reprimir o que lá se convencionou chamar de Insider
Trading.117
“O objetivo dessa legislação, como de declarou nos debates parlamentares que
precederam o Securities Act de 1933, foi pôr os proprietários de títulos em posição
de igualdade, tanto quanto possível, com os dirigentes das sociedades emissoras e,
no que diz respeito à informação disponível, colocar o comprador em pé de
igualdade com o vendedor, ou então, como afirmou um acórdão, proteger os que
ignoram as condições do mercado contra os abusos dos que as conhecem. ”.118
O seção 16 da Securities Exchange Act de 1934, dispôs que todos aqueles que detém
direta ou indiretamente, mais de 10% de qualquer categoria de ações, sejam administradores,
diretores ou funcionários das sociedades emissoras de títulos admitidos à cotação em bolsa,
tem o dever de informar à Securitie Exchange Comission quaisquer prováveis alterações que
reflitam na compra e venda desses títulos, através dos relatórios mensais119. Importante
esclarecer que a Securitie Exchange Comission é o órgão responsável pela fiscalização das
operações com valores mobiliários, ou seja, a Comissão de Valores Mobiliários.
Em 1964, outra lei estendeu a aplicação dos dispositivos da Securities Exchange Act às
116
SCALZILLI, João Pedro. SPINELLI, Luis Felipe. A racionalidade econômica de combate ao Insider
Trading: assimetria de informação e dano ao mercado. São Paulo: Revista de Direito Mercantil, 2007, vol.
147, p. 44.
117
COMPARATO, Fábio Konder. “Insider Trading”: sugestões para uma moralização no nosso mercado de
capitais. São Paulo: Revista de Direito Mercantil, 1971, vol. 2, p. 41.
118
COMPARATO, Fábio Konder. “Insider Trading”: sugestões para uma moralização no nosso mercado de
capitais. São Paulo: Revista de Direito Mercantil, 1971, vol. 2, p. 41.
119
SILVA, Maurício Botelho. “Insider Trading” do Acionista Controlador. São Paulo: Revista de Direito
Público, 1983, v. 67, p. 312.
27
ações não cotadas em bolsa, quando o número de acionistas não fosse inferior a 500, e o ativo
de pelo menos um milhão de dólares120, porém há divergências em relação a essa experiência
legislativa. Mas é importante ressaltar que a repressão ao Insider Trading não se limitou aos
dispositivos citados, pois a Securitie Exchange Comission, servindo-se do seu amplo poder
normativo, editou outra regra em 1942, vejamos o que refere Fábio Konder Comparato:
“em maio de 1942 a Comissão editou a regra n. 5, que considerou ilegal para
qualquer pessoa, direta ou indiretamente, pelo uso de qualquer meio de comércio
interestadual, ou pelo correio, ou servindo-se de qualquer bolsa nacional de valores,
quando em relação a compra ou venda de valores mobiliários: 1) empregar qualquer
plano, esquema, ou artificio fraudulento; 2) fazer qualquer declaração inverídica
sobre fato importante, ou deixar de declarar qualquer fato importante; ou 3)
comprometer-se em qualquer ato, prática, ou negociação que representa ou
representaria uma fraude ou burla em relação a qualquer pessoa”121.
Essa regra de enunciado intencionalmente vago tem proporcionado à Comissão norteamericana, reprimir as manifestações de Insider Trading, sem as limitações contidas nos
dispositivos criados em 1933 e 1934. As punições aos infratores começaram
administrativamente, e mais tarde com ações de indenizações contra os responsáveis. Porém,
mesmo diante do extenso poder da Comissão, inúmeros problemas ainda são reconhecidos
quanto a figura do Insider Trading.
Na França, por sua vez, conforme descreve Fábio Konder Comparato122, pela
Ordenação n.º 833 de 1967, foi adotada uma disciplina bem semelhante à norte-americana no
mercado de valores mobiliários. Foi criada a Comissão das Operações de Bolsa, para
fiscalizar informações sobre títulos emitidos por sociedades e zelar pelo bom funcionamento
das Bolsas de valores.
A partir da criação da Comissão das Operações de Bolsa, a legislação francesa passou
por uma série de modificações, visando regulamentar de maneira mais eficaz o Insider
Trading. Assim, tal conduta tornou-se crime em 1970, ampliando o conceito de Insider,
principalmente para incluir nela todas as pessoas que obtém informações confidenciais devido
à sua função ou profissão. Além disso, a definição de informação privilegiada também foi
ampliada em 1982, para incluir as “informações de mercado”.123
No artigo de Fábio Konder Comparato124, há referência às normas repressoras de
Insider Tradings nas sociedades anônimas da Colômbia, onde a Lei n.º 58 de 1931 criou uma
120
COMPARATO, Fábio Konder. “Insider Trading”: sugestões para uma moralização no nosso mercado de
capitais. São Paulo: Revista de Direito Mercantil, 1971, vol. 2, p. 42.
121
COMPARATO, Fábio Konder. “Insider Trading”: sugestões para uma moralização no nosso mercado de
capitais. São Paulo: Revista de Direito Mercantil, 1971, vol. 2, p. 43.
122
COMPARATO, Fábio Konder. “Insider Trading”: sugestões para uma moralização no nosso mercado de
capitais. São Paulo: Revista de Direito Mercantil, 1971, vol. 2, p. 44.
123
EIZIRIK, Nelson Laks. “Insider Trading” e Responsabilidade de Administrador de Companhia Aberta.
São Paulo: Revista de Direito Mercantil, 1983, vol. 50, p. 48 e 49.
124
COMPARATO, Fábio Konder. “Insider Trading”: sugestões para uma moralização no nosso mercado de
capitais. São Paulo: Revista de Direito Mercantil, 1971, vol. 2, p. 44.
28
entidade governamental semelhante à Securities and Exchange Comission dos Estados
Unidos. O mesmo dispositivo legal, em seu art. 25, proibiu diretores e administradores em
geral, de comprar e vender ações da sociedade, por si, ou por qualquer outra pessoa, enquanto
estiverem no cargo.
No caso da legislação canadense, por exemplo, as pessoas consideradas “Insiders” são
enumeradas expressamente, assim como nos Estados Unidos, diferentemente do ocorre com a
França, onde o objetivo não é definir os “insiders”, mas sim estabelecer obrigações para
aqueles que têm esse status. Ainda na legislação canadense há enumeração das informações
sobre fatos considerados relevantes que devem ser reveladas, e as que devem ser discutidas
previamente com a Comissão.125
Após uma breve análise acerca da regulamentação do uso de informação privilegiada
em outros países, importante analisar como ocorre o controle e fiscalização dessa conduta no
Brasil, principalmente no que diz respeito a atuação da Comissão de Valores Mobiliários.
3.3 A REGULAMENTAÇÃO DO USO DE INFORMAÇÕES PRIVILEGIADAS PELA
COMISSÃO DE VALORES MOBILIÁRIOS – CVM
Incialmente cumpre destacar que a Comissão de valores Mobiliários é o órgão com
poder fiscalizador e regulador no mercado de capitais brasileiro, e foi através da instrução
Normativa n.º 31/84, que regulamentou, de maneira cuidadosa, os dispositivos da Lei
6.404/76, que disciplinam o dever de informar, art. 157, e proíbem o Insider Trading, art. 155,
§ 1º.
A Instrução também ampliou o elenco de pessoas que podem ser consideradas
insiders. De acordo com o seu art. 10, é vedada a utilização de informações privilegiadas aos
administradores e acionistas controladores de companhia aberta. Já no seu art. 11, refere que é
proibida a negociação de valores mobiliários por qualquer pessoa, que em virtude da função,
tenha conhecimento de fato relevante ainda não divulgado pela empresa.
Em seu artigo, Nelson Laks Eizirik ainda esclarece que:
“na sistemática estabelecida pela Instrução CVM 31/84, o dever de divulgar ato ou
fato relevante incumbe apenas aos administradores da companhia (art. 2º). O dever
de guardar sigilo sobre informações referentes a atos ou fatos relevantes, até a sua
divulgação pública, incumbe aos administradores e acionistas controladores (art. 9º).
Já o dever de não utilizar a informação privilegiada incumbe não só aos
administradores e acionistas controladores, como também às pessoas que, no seu
exercício profissional, tiveram acesso à informação, e, adicionalmente, a qualquer
pessoa que a ela tivera acesso, sabendo tratar-se de informação privilegiada, ainda
não divulgada ao mercado (arts. 10 e 11)”.
125
PARENTE, Norma Jonssen. As operações com valores mobiliários realizadas por pessoas que tem acesso
a informações relevantes. Rio de Janeiro: CVM Legisbancos, 1980, vol. 4, p. 33 e 34.
29
Percebe-se, com isso, que a referida Instrução, conseguiu regulamentar os principais
aspectos do insider trading, de forma detalhada, confirmando o disposto na Lei das
Sociedades Anônimas, a fim de evitar o abuso de informações privilegiadas no mercado
financeiro.
Dessa forma, a Comissão de Valores Mobiliários, com base nos dispositivos legais
mencionados, fiscaliza o uso de informações privilegiadas no mercado de capitais, aplicando
sanções administrativas, como multas, advertências, suspensões ou proibições da atuação aos
administradores ou acionistas controladores.126
Ocorre que nem sempre essas medidas punitivas foram consideradas eficazes no
combate ao Insider Trading. Por isso, em virtude de alguns sistemas penais estabelecerem
novos delitos e bens jurídicos, com a finalidade de dar efetividade ao combate das condutas
ilícitas127, tal conduta foi criminalizada, através das alterações legislativas promovidas pela
Lei n.º 10.303, de 31 de outubro de 2001.
3.4 A CRIMINALIZAÇÃO DA CONDUTA DO INSIDER TRADING
A Lei n.º 10.303, criada em 2001, alterou a Lei n.º 6.404/76, nos seu art. 155, § 3º e §
4º, e a Lei n.º 6.385/76, no seu art. 4º, inciso IV, alínea “c”, além de introduzir três novos
delitos, constantes no Capítulo Dos Crimes contra o Mercado de Capitais, arts. 27-C, 27-D e
27-E.
Dentre as alterações acima referidas, a mais importante delas, objeto deste trabalho, é
a criminalização do abuso de informação privilegiada, art. 27-D, da Lei n.º 6.385/76128,
conduta que até então era apurada e sancionada quase que exclusivamente na esfera
administrativa, com raras exceções em que ocorriam ações judicias de indenização, pleiteadas
pelos investidores lesados.
Um dos argumentos utilizados para a intervenção do Direito Penal foi a elevada
lesividade social provocada por esse ilícito, além do argumento de que a prisão, em
comparação com a pena de multa, iria dissuadir ou reprimir a prática dessas condutas.129
Portanto, ao se observar quais são as razões que levam ao combate do Insider Trading,
126
ROCHA, Janes. Mercado de Capitais: Procurador-chefe da CVM defende acordos e multas como
instrumentos eficazes para desestimular ilícitos. Rio de Janeiro: Jornal Valor Econômico, 14.09.2010.
127
SANCTIS, Fausto Martin. Punibilidade no Sistema Financeiro Nacional. Campinas: Millennium Editora,
2003, p. 96.
128
Art. 27-D. Utilizar informação relevante ainda não divulgada ao mercado, de que tenha conhecimento e da
qual deva manter sigilo, capaz de propiciar, para si ou para outrem, vantagem indevida, mediante negociação, em
nome próprio ou de terceiro, com valores mobiliários: (Artigo incluído pela Lei nº 10.303, de 31.10.2001)
Pena – reclusão, de 1 (um) a 5 (cinco) anos, e multa de até 3 (três) vezes o montante da vantagem ilícita
obtida em decorrência do crime. (Incluído pela Lei nº 10.303, de 31.10.2001)
Exercício Irregular de Cargo, Profissão, Atividade ou Função (Incluído pela Lei nº 10.303, de 31.10.2001)
129
Institute for International Research. A criminalização do Insider Trading no Brasil e seu contributo para
o Direito Penal Econômico. São Paulo: Revista dos Tribunais, 2006, vol. 850, p. 442.
30
mais uma vez pode-se questionar a necessidade da Intervenção do Direito Penal. Uma vez que
o abuso de informação privilegiada deve ser proibido com base em razões estritamente
voltadas para o mercado financeiro, seja para manter seu equilíbrio, seja para proteger seus
investidores, poderia se aperfeiçoar a fiscalização realizada administrativamente, na tentativa
de tornar mais eficazes as punições, sem a necessidade de criminalizar a conduta.
Ademais, existe outra questão importante, no que tange ao combate ao Insider
Trading, que é a harmonização das normas entre os países que proíbem essa conduta. Através
de pesquisas, foi comprovada a existência de proibição do uso indevido de informações
privilegiadas em mais de 85% dos países do mundo com mercado de capitais.130
Para isso não se pode afirmar que somente seria possível uma harmonização das
normas com a intervenção do Direito Penal, muito pelo contrário, pois talvez uma
regulamentação própria do mercado de capitais seria muito mais acessível para fins de
proteger indivíduos que negociam valores mobiliários no exterior, uma vez que o mercado de
ações do mundo todo interage.
Também importante fazer uma observação sobre a primeira sentença penal
condenatória de Insider Trading do Brasil, proferida em 18 de fevereiro de 2011, pela 6ª Vara
Federal Especializada de São Paulo, no processo n.º 0005123-26.2009.4.03.6181.
Na referida ação, proposta pelo Ministério Público Federal de São Paulo, em que a
Comissão de Valores Mobiliários atuou como assistente da acusação, ocorreu a denúncia de
Insider Trading no âmbito de oferta pública para aquisição de ações de emissão da Perdigão
S/A, formulada no ano de 2006, pela Sadia S/A. A sentença condenou um ex-diretor e um exmembro do Conselho de Administração da Sadia S/A, à pena privativa de liberdade,
substituída por penas restritivas de direito, além de pena de multa.131
Isso mostra que as punições anteriormente aplicadas, restritas ao âmbito
administrativo, continuam sendo aplicadas, demonstrando a importância do poder regulador
na esfera administrativa com a atuação da Comissão de Valores Mobiliários.
CONSIDERAÇÕES FINAIS
A pesquisa realizada teve por objetivo a análise da necessidade da intervenção do
Direito Penal na proibição do uso de informações privilegiadas no mercado de capitais. De
acordo com as informações trazidas, foi possível dirimir algumas dúvidas sobre o tema,
principalmente no que diz respeito à fiscalização administrativa, realizada pela Comissão de
130
VISCONTI, Rafael Ribeiro. Mercado Globais, Reguladores Nacionais – A Internacionalização do
Mercado de Capitais e o caso do Insider Trading. São Paulo: Revista de Direito Mercantil, 2009, vol.
151/152, p. 320.
131
http://www.cvm.gov.br/ - Informativos CVM – 04/03/2011
31
Valores Mobiliários, através da Instrução CVM 31/84, que regulamentou a Lei das
Sociedades Anônimas e a Lei do Mercado de Capitais.
Com o estudo da estrutura do Sistema Financeiro Nacional, função dos seus órgãos e
funcionamento do mercado de capitais, percebeu-se a preocupação da Comissão de Valores
Mobiliários em proporcionar segurança aos investidores, ao editar normas visando revestir as
negociações em Bolsa de maior credibilidade e evitar o uso de informação privilegiada por
aqueles que tem acesso à elas.
Posteriormente, a partir da análise dos princípios constitucionais penais, da Legalidade
e da Intervenção Mínima, foi possível abordar a importância destes para a aplicação do
Direito Penal, e, principalmente, encontrar embasamento para a questão que norteou o
presente trabalho, que é a criminalização do insider trading no ordenamento jurídico
brasileiro.
Não se pode deixar de registrar, como visto no decorrer do trabalho, que o Sistema
Financeiro Nacional possui uma estrutura ampla, cujo controle e regulamentação são feitos
por órgãos específicos. No que diz respeito ao mercado de capitais, nota-se a presença atuante
da Comissão de Valores Mobiliários no combate aos ilícitos cometidos.
Ademais, é possível constatar que mesmo diante da ineficácia de algumas medidas
administrativas aplicadas aos ilícitos praticados nas operações financeiras, os mecanismos
disponíveis para esse fim devem ser esgotados, antes de haver a intervenção do Direito Penal.
Isso se deve ao fato de o principal bem jurídico protegido pelos direitos fundamentais ser a
liberdade do indivíduo, a qual deve ser mantida e preservada até que se esgotem outros meios
para resolução dos conflitos.Nesse sentido, o princípio da intervenção mínima assegura que o
Direito Penal seja utilizado como ultima ratio.
Assim, pode-se pensar que a criminalização do uso de informações privilegiadas no
mercado de capitais foi uma medida desproporcional, mas principalmente, foi uma medida
que não trouxe garantias de combate ao Insider Trading, não havendo também garantias de
proteção ao bem jurídico tutelado pelo tipo penal, qual seja, a livre-concorrência.
Não obstante a existência de diversos tipos penais abrangentes, cuja adequação ao
caso concreto muitas vezes reveste-se de inúmeras nulidades, a criação de novos delitos,
como é o caso do crime de abuso de informação privilegiada, pode colocar em dúvida a
eficácia das sanções administrativas, além de desacreditar a atuação dos órgãos reguladores.
Diante da análise realizada neste trabalho, bem como pelas considerações ora
esposadas, percebe-se que o tema abordado tem grande relevância, tanto para o mercado
financeiro, na manutenção do seu equilíbrio e credibilidade das suas operações, quanto para
uma discussão a respeito da intervenção do Direito Penal, os limites para isso, e,
principalmente, a busca pela eficácia na aplicação de outras punições, utilizando-se a sanção
penal como última alternativa.
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lima pinheiro