OBJETO: EXECUÇÃO DA OBRA DO MUSEU PELÉ, EM ÁREA DO EMISSÁRIO SUBMARINO DA PRAIA DO JOSÉ MENINO, NO MUNICÍPIO DE SANTOS. NÚMERO: 2003.61.04.001402-4 ÓRGÃO JULGADOR: SEÇÃO JUDICIÁRIA DE SÃO PAULO AUTOR: . MINISTÉRIO PÚBLICO FEDERAL RÉUS: . MUNICÍPIO DE SANTOS · CONSTRUTÉCNICA ENGENHARIA LTDA · ESTADO DE SÃO PAULO · UNIÃO MINISTÉRIO PROCURADORIA PUBLICO DA REPÚBLICA FEDERAL NO ESTADO DE SÃO PAULO EXMO. SR. JUIZ DA __ u VARA FEDERAL DE SANTOS - SEÇÃO JUDICIÁRIA DO ESTADO DE SÃO PAULO 1 1111/:111,11111111111111/111'11111111111111 /1111111/ 1IIIi/!/II/III/IIIIIII/,111 1 2003 b1 04 001402-4 O MINISTÉRIO PÚBLICO FEDERAL, por meio dos procuradores da República infra, vem à presença de Vossa Excelência, no uso de suas atribuições, com suporte nos artigos 129, IIr, da Constituição Federal, 6°, VII, b, da Lei Complementar 75/93, 1°, I, e 5° da Lei 7.347/85, bem como no Procedimento de Investigação Preliminar n. 1.34.012.000455/2001-41, em anexo, propor AÇÃO CIVIL PÚBLICA COM PEDIDO DE LlMINAR 1) o MUNICÍPIO DE SANTOS, co~ sede na Praça Visconde de Mauá, s/n, Centro; 2) CONSTRUTÉCNICA ENGENHARIA L TOA., com sede na Rua Funchal, n. 203, 6° andar, São Paulo (SP); 3) o ESTADO DE SÃO PAULO, cuja Procuradoria-Geral está situada na Rua Boa Vista, n. 103,5° andar, Sé, São Paulo (SP); 4) a UNIÃO, cujo órgão representativo, a Advocacia da União, está situado, nesta cidade, na Praça Barão do Rio Branco, n. 30, 7° andar, pelos fatos e fundamentos a seguir expostos. DOS FATOS 1. O Município de Santos (concorrência n. 13.906/2002) com o seguinte objeto: promoveu licitação "Constitui o objeto da presente licitação a contratação de empresa para elaboração de projeto executivo e execução da obra do Museu Pelé no Município de santos, conforme Anexos II - Memoriais Descritivos, Anexo III - Planilha de Serviços e Preços e Anexo IV Cronograma Físico Financeiro e Anexo V - Projetos."(fI. 481). 2. Concluído o certame, sagrou-se vencedora a ré CONSTRUTÉCNICA, com a qual foi celebrado o contrato n. 386/2002, acostado às fls. 148/152 do procedimento de investigação preliminar anexos às fls. 153/220. O objeto do contrato está assim definido: "Constitui objeto do presente a elaboração de projeto executivo e execução da obra do Museu Pelé no município de Santos conforme Memoriais Descritivos, Planilha de Serviços e Preços, Cronograma Físico-Financeiro e Projetos, que compõem os Anexos I, II, III e IV, respectivamente, do Edital de Concorrência nO 13.906/2002, ao qual o presente se acha vinculado." (Cláusula primeira, fi. 148). 3. O intróito do Anexo II uma boa idéia do projeto: memoriais descritivos - dá "Trata-se de um edifício para abrigar o Museu Pelé, com área de aproximadamente 5.300 m2, estrutura em concreto protendido e vedação com vidro estrutural. O Museu ocupará área de 3.000m2, no emissário submarino da Praia do José Menino, ocupando grande destaque na paisagem, por sua estética simbólica e partido arrojado, sem criar grande obstáculo às visuais do local. Isso determinou a adoção de algumas soluções arquitetônicas, como a elevação do piso, liberando a continuidade das perspectivas e a vedação em vidro de todo o perímetro do edifício, permitindo uma transparência e leveza. O programa de necessidades definido propõe os usos da seguinte maneira: O primeiro pavimento será ocupado por lojas de material esportivo e souvenires do Rei Pelé, por meio de escadas e elevadores se tem acesso ao segundo pavimento que estará I TODAS AS FOLHAS DOS AUTOS MENCIONADAS NESTA PETIÇÃO REFEREM-SE À NUMERAÇÃO DO PROCEDIMENTO DE INVESTIGAÇÃO PRELIMINAR N. 1.34.012.000455/2001-41. 2 /~ exposto o acervo, com objetos, fotos, troféus, além de auditório com capacidade para cerca de 200 pessoas, onde será apresentado documentários, filmes e os gols de Pelé. Na cobertura será instalado um restaurante e choperia." (fl. 154). 4. Os preparativos para a obra começaram recentemente, com a colocação de tapumes e placa no local, como mostram as fotografias constantes dos autos (fls.30l/310). 5. A cláusula quinta do contrato estabelece um prazo de 12 meses para a conclusão da obra, a partir da emissão da ordem de serviço pela fiscalização da SEOSP (fl. 150). 6. A Plataforma do Emissário Submarino de Santos é área de propriedade da União, cedida ao Município de Santos com base em contrato de cessão. A certidão n. 10/96 da Delegacia da Secretaria do Patrimônio da União em São Paulo (fls. 260/262) refere-se ao primeiro deles, que resultou na Portaria n. 238, de 18.9.97, do Ministro da Fazenda, em cujo art. 2° constava a destinação do imóvel: "Art. 2° O imóvel a que se refere o artigo anterior destina-se à implementação, pelo cessionário, de projetos paisagísticos e urbanísticos, e à instalação e exploração de equipamentos de lazer e recreação, e de estudo e pesquisa voltados à biologia marinha. § 10 O cessionário poderá cometer a terceiros, mediante locação ou arrendamento, a instalação e a exploração dos equipamentos de lazer, recreação, estudo e pesquisa mencionados no caput deste artigo, caso que deverá ser creditado à União cinqüenta por cento das receitas decorrentes, permanecendo os cinqüenta por cento restantes com o Município, a título de administração e ressarcimento pelas obras que venha a realizar." (fl.287). 7. Não satisfeita 'com a redação acima, a Prefeitura de Santos propôs a modificação, para que ficasse expressa a sua possibilidade de outorgar a particulares a exploração econômica de equipamentos e acessórios e complementares ao aproveitamento público pretendido. Foi lavrado, então, em 04.12.97, "termo de retificação e ratificação do contrato de cessão, sob a forma de utilização gratuita", conforme a certidão n. 012/97 (fls. 288/289), passando o Prefeito a considerar liberada a utilização da Plataforma do Emissário Submarino para a edificação do Museu Pelé (cr cópia do Diário Oficial de Santos de 5.12.97, fl. 290). Prescreve o novo contrato: O imóvel composto por terreno de acrescidos de marinha denominado Plataforma do Emissário Submarino, situado na Praia do José Menino, no Município de Santos, no Estado de São Paulo, destina-se à implantação, pela Outorgada Cessionária, de projetos paisagísticos e à instalação e exploração de equipamentos de lazer e recreação e de estudo e pesquisa voltados à biologia marinha; cLÁUSULA SEGUNDA - A Outorgada Cessionária poderá cometer a terceiros, mediante locação ou arrendamento, observado o cumprimento da legislação vigente, a instalação e a exploração dos equipamentos de lazer, recreação, estudo e pesquisa mencionados no caput do artigo 2° da referida Portaria, caso que deverá ser creditado à Outorgante Cedente cinqüenta por cento das receitas decorrentes, permanecendo os cinqüenta por cento restantes com a Outorgada Cessionária, a título de administração e ressarcimento pelas obras que venha a realizar; (...)." "cLÁUSULA PRIMEIRA - 8. O Governo do Estado de São Paulo se comprometeu a investir na obra recursos da ordem de R$ 4.000.000,00 (quatro milhões de reais), como é público e notório, já que amplamente noticiado na imprensa (cr, v.g., fi. 320). 9. Nos termos do contrato de cessão em vigor, a União tem direito a cinqüenta por cento das receitas decorrentes de eventual instalação e exploração dos equipamentos de lazer, recreação, estudo e pesquisa ali mencionados. 10. Não foi realizado estudo de impacto ambiental e seu respectivo relatório (ElA/RIMA), para instruir a decisão sobre a realização da obra no local. DOS FUNDAMENTOS DE FATO E DE DIREITO O objetivo da presente ação é a proteção do meio ambiente, natural e artificial, bem como a preservação do uso coletivo de bem de uso comum do povo, nos termos legais e constitucionais. Aspectos do empreendimento em tela relativos ao patrimônio público (uso de dinheiro público na obra, termos da exploração comercial do empreendimento, etc.) poderão ser tratados em outro processo. Vale registrar que, muito embora todas as homenagens que se puderem prestar ao "atleta do século" passado, considerado o maior jogador de futebol de todos os tempos, sejam merecidíssimas, principalmente em Santos, terra que o projetou para o mundo e que se tomou famosa também em virtude do grande time de futebol da cidade, que se formou nos anos 60, com a participação magistral de Pelé, o certo é que tais homenagens podem ocorrer à margem da lei. o local pretendido para a construção do prédio do Museu Pelé, área das mais nobres da cidade, está sujeito a várias restrições que não foram devidamente observadas pelas partes envolvidas, como se verá a seguir. b. a impossi~ilidade da construção de edificação para uso especial em imóvel que se constitui em bem de uso comum do povo A Plataforma do Emissário Submarino é um "terreno acrescido" - ou seja, formou-se para o lado do mar, em seguimento ao terreno de marinha. Nasceu tomando uma parte da Praia do José Menino, por ocasião da construção do emissário de esgotos. Pertence, portanto, à União (art. 20, VII, da Constituição). No início, tratava-se de um aterro provlsono, para a execução da obra. Verificada a inviabilidade da sua remoção, a plataforma acabou se integrando no contexto da estrutura urbana da cidade, tomando-se definitiva. Como se trata de área privilegiada, não demorou muito para que ali se tentasse erguer prédios com destinação econômica. Ocorre que não se pode restringir o acesso da comunidade a um bem de uso comum do povo sem intervenção legislativa. Tratando da alienação de bens público~, HEL Y L. MElRELLES afirma: "As formalidades administrativas para a venda de bem público imóvel são, como já vimos, a autorização competente, a avaliação prévia e a licitação, nos termos da legislação pertinente. Tratando-se de bem de uso comum do povo ou de uso especial, haverá necessidade de desafetacão Ie.gal, que poderá constar da mesma norma que autorize a alienação. (...) Mesmo no âmbito da União é necessária a desafetacão por lei, pois é óbvio que a autorizacão de venda Dor decreto, prevista no art. 195 do Dec-Iei 200167, não a disPensa." (Direto Administrativo brasileiro, 21a ed, Malheiros, p. 450, destacou-se). 5 .?~ :"~ MINISTÉRIO PÚBLICO FEDERAL '··~I'T::"·: o Código Civil vigente até I 1. I .03 dispunha que "os bens de que trata o artigo anterior [os bens públicos] só perderão a inalienabilidade, que Ihes é peculiar, nos casos e forma que a lei prescrever." "Tal inalienabilidade poderá ser revogada desde que o seja mediante lei especial. Há juristas entendendo que apenas poderão ser alienados, mediante lei, os bens dominicais. Todavia, como o art. 67 não faz nenhuma distinção, entendemos que qualquer bem público pode ser alienado desde que haja autorização legal, que tenha perdido sua utilidade ou necessidade, que a entidade pública o faça em hasta pública ou por meio de concorrência administrativa (RF, 83:27S; EJSTJ, 12:IS)." (Código Civil anotado, sa ed., Saraiva, pp. 87/88. Nesse sentido, o Tribunal Regional Federal da P Região já decidiu: "sem a necessária desafetação - que reclama ato legislativo específico - os imóveis funcionais em questão remanesceram, por força de expressa disposição legal, na esfera de inalienabilidade patrimonial da União (STF, ROMS 21,96S-7/DF, ReI. Ministro CELSO MELLO, DJ 24.06.94)." (4<1 Turma, EDAC 96.01,06944-S /DF, ReI. Mário César Ribeiro, DJ de 29.3.99). Se para a alienação do bem de uso comum do povo é preciso lei, consectário lógico é que também isso será necessário para a sua desafetação, seja para torná-Io alienável (bem dominical), seja para lhe conferir uso especial. No caso dos autos, ainda que o prédio a íler construido fosse da própria União, haveria essa necessidade, pois mero ato administrativo não pode transformar bem de uso comum em bem de uso especial, sobretudo em se tratando de. um imóvel que tem destinação natural para o uso de todos. Segundo CELSO ANTÔNIO BANDEIRA DE MELLO, "a desafetação dos bens de uso comum, isto é, seu trespasse para o uso especial ou sua conversão em bens meramente dominicais, depende de lei ou de ato do Executivo praticado na conformidade dela. (...) Só um ato de hierarquia jurídica superior, corno o é a lei, poderia ulteriormente contrariar o destino natural que adquiriram ou habilitar o Executivo a fazê-Io." (Curso de Direito Administrativo, sa ed., Malheiros, 434). Vale lembrar que a cessão de uso, Administrativo, é apenas "a transferência gratuita da público de uma entidade ou órgão para outro, a fim de utilize nas condições estabelecidas no respectivo termo, indeterminado." (Hely L. MeireIles, op. cit., p. 442). conforme o Direito posse de um bem que o cessionário o por tempo certo ou Transferência de posse, evidentemente, não implica transfomlação da natureza do bem, que continua sendo de uso comum do povo, passando apenas a ficar sujeito à administração do cessionário, observadas as limitações peculiares ao bem em questão. Se a União não poderia transformar a Plataforma em bem de uso especial, claro que não poderia ceder esse direito. o uso desorqenado da orla marítima de Santos, em que se nota a proliferação de bares avançando sobre o mar, atenta contra o direito de todas as pessoas da comunidade de usufruir desse espaço, tirando, inclusive, parte da vista para o mar. A própria Plataforma do Emissário tem sido utilizada com freqüência para sediar empreendimentos sazonais, tais como parques de diversão, feiras e circos, dentre outros eventos de exploração econômica que privatizam o uso da área pública. Tal situação é intolerável, como já teve oportunidade de decidir o Tribunal Regional Federal da 53 Região: "ADMINISTRATIVO. TERRENO DE MARINHA RESERVADO AO 'USO COMUM DO POVO'. CONSTRUÇÃO IRREGULAR DE BARES E RESTAURANTES À BEIRA-MAR. CONCESSÃO DE PRAZO PARA A DESOCUPAÇÃO IMÓVEL. INCABIMENTO. - É DE LONGA TRADiÇÃO EM NOSSO DIREITO NÃO SE ADMITIR DIREITO À POSSE, AINDA QUE PRECARIA E TEMPORÁRIA, DE TERRENO DE MARINHA, OU DE QUALQUER OUTRO BEM PÚBLICO, QUE ESTEJA DESTINADO ESPECIFICAMENTE AO SERViÇO PÚBLICO OU AO USO COMUM DO POVO, COMO SUCEDE NO CASO PRESENTE. - AO CONCEDER PRAZOS DILATADOS AO APELADO PARA QUE PERMANEÇA NA POSSE DE ÀREA QUE, SOBRE SER PROPRIEDADE PÚBLICA, É BEM RESERVADO AO USO COMUM DO POVO, A DECISÃO A QUO INOVA PERIGOSAMENTE NA MATÉRIA E CAUSA, PELA CONVALlDAÇÃO DO MAU EXEMPLO, GRAVES PREjuízos À ORDEM PÚBLICA, MORMENTE QUANDO NA INSTÂNCIA ADMINISTRATIVA O APELADO JÁ TEVE DEFERIDOS DIVERSOS PEDIDOS DE PRAZO PARA A RETIRADA DA CONSTRUÇÃO. - APELAÇÃO E REMESSA OFICIAL PROVIDAS." (TRF da 58 Região, 1 Turma, AC 180507, ReI. Castro Meira, DJ de 06.4.01, unânime, destacou-se). Ad argumentandum, ainda que se diga que é possível mudar a destinação da Plataforma mediante o ato de cessão praticado, transformando-a, parcialmente, em bem público de uso especial, o certo é que o projeto que se pretende implantar não está de acordo com os termos da cessão feita pela União. De acordo com o contrato de cessão em vigor, a Plataforma destina-se à implantação, pela Prefeitura de Santos, "de projetos paisagísticos e à instalação e exploração de equipamentos de lazer e recreação e de estudo e pesquisa voltados à biologia marinha". Não se concebe como, dessa descrição, possa se concluir que é possível a edificação de um prédio de três andares no local, pois tal construção não se encaixa no conceito de projeto paisagístico ou no de equipamento de lazer e recreação. o arquiteto explica o que é paisagismo: e paisagista Rodrigo Gonçalves asSIm "O paisagismo não é um mero enfeite ou efeito estético atribuído ao projeto de arquitetura ou urbanismo. Um projeto paisagístico contempla, antes de tudo uma sincronia com a natureza e objeto construído, buscando amenizar impactos no ambiente urbano que a consolidação do empreendimento possa ocasionar. Grandes projetos como por exemplo, hotéis, marinas, trapiches para atracação, centros empresariais ou culturais - os quais mexam consideravelmente em uma estrutura ambiental e/ou urbana, devem ser idealizados juntamente com um projeto de paisagismo, aliando espaço construído com vegetação, pátios, jardins, entre outros. Estes elementos paisagísticos dão uma qualidade estética à construção e mostram uma consciência ambiental bem mais apurada, digna de empreendedores do novo milênio. (Fonte: htto:llwww.folhanorte.com.brlsite/noticia.php?id noticia::;::187, em 12.02.02). o dicionário paisagismo da seguinte forma: Hôuaiss da língua portuguesa define "2 ARQ URB a arte e a técnica de planejar e organizar a paisagem para possibilitar ao homem maior aproveitamento e fruição de grandes espaços externos de uso coletivo 3 ARQ estudo para preparação e realização de paisagens como complemento arquitetônico 4 ARQ URB B plano, projeto paisagístico que se desenvolve a partir da conjugação de elementos naturais com outros como seleção e distribuição da vegetação compatível, emprego do material adequado (pedra, água, concreto), projeto das estruturas arquitetônicas, circulação etc." (l a ed., Objetiva, p. 2105). da iluminação, Portanto, a menção a paisagismo remete a jardins, calçadas, praças, espaços externos de uso coletivo, etc., não a edificações. Mas certamente a Prefeitura entende que o projeto do Museu Pelé se enquadra no conceito de "equipamento de lazer e recreação". Pode até ter sido essa a intenção de ambas as partes que finnaram o contrato de cessão, mas, em se tratando de direito público, a vontade das partes não pode suplantar o que consta do ato administrativo, até porque o princípio da publicidade impõe a exteriorização precisa das ações do poder público. Analisando-se o que ficou escrito, "lazer e recreação", em uma área de uso comum do povo, dá a idéia de quadras esportivas, bancos de areia, playgrounds, local adequado para a pesca desportiva, etc., vale dizer, equipamentos que possam ser usados por qualquer pessoa. Já um museu (que é a atividade principal que se pretende implantar), em princípio, só por interpretação bastante extensiva pode se enquadrar no conceito de "equipamento de lazer e recreação", pois se trata, antes de mais nada, de um espaço cultural. No caso concreto, ao museu se agregaran1, como visto acima, lojas, um restaurante e uma choperia, transformando o museu quase em um pequeno shopping center. Todavia, tal destinação da Plataforma deveria vir expressa no ato de cessão, com a previsão da possibilidade da construção de um prédio e do funcionamento de comércio, dado o grave impacto ambiental da sua implementação. Mas isso não ocorreu, nem poderia ter ocorrido, porque não é esse o objetivo do ato de cessão. Este, evidentemente, visava a preservar a característica do local de bem de uso comum do povo, não se admitindo que esteja subentendida a construção de obras que desvirtuem o terreno, atendendo à discricionariedade da Administração. Como se viu, a cessão é apenas a transferência da posse de um bem, para uso nas condições especificadas no contrato. Se o próprio cedente (no caso, a União) não poderia fazer o que ora pretende o Município ".,) • MINISTÉRIO PÚBLICO FEDERAL ?~~;'i de Santos, não se pode imaginar que este, mercê do ato de cessão, possa fazê-lo. Não é a primeira vez que a Prefeitura tenta erguer um ] á em 1998 foi ajuizada ação popular contra projeto que reservava ali "espaço para setenta e quatro lojas, bares, restaurantes e cinemas." A sentença, acostada às fls. 291/299, julgou procedente o pedido, fundada primordialmente na discrepância entre o projeto e a finalidade do imóvel, prevista no contrato de cessão, no edital de licitação e na lei municipal autorizadora. Tendo ocorrido o distrato entre o município e a empresa ganhadora da licitação, requereu-se a extinção do feito, sem exame do mérito, por perda do objeto do processo, o que foi acatado no Eg. Tribunal de Justiça do Estado de São Paulo (fls. 2231229). A nova tentativa, pelos motivos acima expostos, não merece outra resposta do Poder Judiciário. "Art. 225. Todos têm direito ao meio ambiente ecologicamente equilibrado, bem de uso comum do povo e essencial à sadia qualidade de vida, impondo-se ao Poder Público e à coletividade o dever de defende-Io e preserva-Io para as presentes e futuras gerações. (...) § 10 Para assegurar a efetividade desse direito, incumbe ao Poder Público: N - exigir, na forma da lei, para instalação de obra ou atividade potencialmente causadora de significativa degradação do meio ambiente, estudo prévio de impacto ambiental, a que se dará publicidade; ( ...)." o projeto do Museu Pelé é potencialmente causador de significativa degradação ao meio ambiente artificial, pois está previsto para um terreno acrescido a terreno de marinha, bem de uso comum do povo, local usado pela população como área de lazer, acarretando, inclusive, diminuição da vista do mar. Influências também pode haver no meio ambiente natural, já que a Plataforma está construí da sobre um emissário de esgotos, não havendo estudo que mostre quais são as possíveis implicações ,/ ~.'~;'<'.~"\ [ I,IJ::I \\ .,\t .._, /.)',I J \<~~':..':~.:\~~/ do projeto, tanto sobre a tubulação como em relação à necessidade eventual de um conserto da mesma. A SABESP, respondendo a oficio do Secretário de Obras de Santos, afirmou, sobre "o projeto de reurbanização do Emissário Submarino": "não interfere diretamente com o equipamento, porém, devemos salientar que se por necessidade de manutenção ou por algum acidente com o referido emissário e, portanto, danificarmos o que sobre a faixa de proteção for colocado" (sic) - fi. 240. Já o IBAMA, em informação técnica (fls. 238/239), não se manifestou sobre o projeto arquitetónico, mas tão-só sobre a vegetação existente no local (gramíneas), não vendo, sob esse estrito aspecto, impedimento técnico ao projeto. Recomendou, contudo, o IBAMA, a oitiva dos órgãos estaduais competentes, como a SABESP, a CETESB e a DAIA. A lacónica informação do IBAMA não se afigura suficiente para se concluir que o projeto não é potencialmente causador de significativa degradação do meio ambiente, de modo a se dispensar o estudo de impacto ambiental e seu respectivo relatório (EIA/RIMA). O princípio da prevenção impõe ao administrador o dever de se cercar de todos os subsídios técnicos disponíveis para tomar sua decisão. PAULO AFFONSO LEME MACHADO acentua o caráter não-vinculativo do estudo e seu objetivo de chamar a atenção para a importância dos fatores ambientais e possibilitar o sopesamento de prós e contras com a devida consciência. Cita J F. CHAMBAUL T ("Lês études d'impact et Ia Communauté Européene", in Revue Juridique de I 'Environnement 4/401-441, 1985): " 'A função do procedimento de avaliação não é influenciar as decisões administrativas sistematicamente a favor das considerações ambientais, em detrimento das vantagens econômicas e sociais suscetíveis de advirem de' um projeto'. O objetivo é dar 'às Administrações Públicas uma base séria de informação, de modo a poder pesar os interesses em jogo, quando da tomada da decisão, inclusive aqueles do ambiente, tendo em vista uma finalidade superior', como acentua J. F. Chambault." (Direito Ambiental Brasileiro, lQa ed., p. 199). In casu, nem mesmo relatório ambiental preliminar, para avaliar a necessidade do estudo de impacto, foi produzido, revelando que a Administração não conferiu ao problema ambiental a importância merecida. Contudo, a discussão sobre se a degradação potencial é ou não significativa mostra-se ociosa, na espécie, pois a Lei 7.661//88 impõe a realização de EIA/RIMA: "Art. 6° O Iicenciamento para parcelamento e remembramento do solo, construção, instalação, funcionamento e ampliação de atividades, com alterações das características naturais da Zona Costeira, deverá observar, além do disposto nesta Lei, as demais normas específicas federais, estaduais e municipais, respeitando as diretrizes dos Planos de Gerenciamento Costeiro. ( ...) § 2° Para o licenciamento, o órgão competente solicitará ao responsável pela atividade a elaboração do estudo de impacto ambiental e a apresentação do respectivo Relatório de Impacto Ambiental - RIMA, devidamente aprovado, na forma da lei. ff Tal dispositivo insere-se no âmbito da proteção especial destinada à Zona Costeira, que tem foro constitucional. O § 4° do art. 225 da Constituição a considera patrimônio nacional, estabelecendo que a sua exploração será feita, na forma da lei, dentro de condições que assegurem a preservação do meio ambiente, inclusive quanto ao uso dos recursos naturais. • o fumus boni Juris decorre dos fatos e fundamentos jurídicos expostos acima: a área da construção é imóvel de uso comum do povo, não desafetado conforme lei específica; o instrumento de cessão do bem pela União não contempla o uso que se pretende dele fazer; e a implantação do projeto não foi precedida de ElA/RIMA; • o periculum in mora evidencia-se pelo fato de que a construção está prestes a começar, já tendo sido levantados os tapumes e estando em fase de construção as casas dos operários. Uma vez construí do, ainda que parcialmente, o prédio causará estorvo à coletividade, que não poderá usufruir da Plataforma na sua totalidade, bem como tampará parte da vista do mar e tomará mais custoso, inclusive para os cofres públicos, o retomo à situação original. Pelo exposto, requer-se a concessão de medida liminar, inaudita altera parte, que detennine aos réus Município de Santos e Construtécnica Engenharia Ltda. a) a imediata paralisação da obra, b) a remoção, no prazo de 20 dias, dos tapumes e instalações de operários lá erguidos, para que, durante o processo, a Platafonna esteja plenamente apta a ser utilizada pela população, assim como c) a não-promoção de novas edificações no local, pennanentes ou sazonais, sem a prévia aprovação, com a devida publicidade e a realização de audiências públicas, do estudo de impacto ambiental e do respectivo relatório, sob pena de multa diária de R$ 20.000,00, a ser destinada ao Fundo instituído pela Lei 7.347/85, com expressa disposição de que o valor deverá ser aplicado in situ, sem prejuízo das demais sanções legais, inclusive de natureza penal. Tal estudo d~verá atender às disposições nonnativas e abordar, inclusive, os aspectos paisagísticos (poluição visual), a livre acessibilidade à prai~ a poluição sonora, o fator socioeconâmico e a totalidade dos impactos já provocados por outros equipamentos implantados na orla, traçando, aind~ uma perspectiva do impacto conjunto com projetos que se pretenda instalar na orla. DO PEDIDO 2. I. impedir qualquer obra tendente à realização do projeto que constitui o objeto do contrato n. 386/2002, celebrado entre a Prefeitura Municipal de Santos e a COllstrutécnica Engenharia Ltda.; 2.2. subsidiariamente, impedir qualquer obra tendente à realização do projeto que constitui o objeto do contrato citado sem a elaboração prévia de ElA/RIMA, ao qual deve ser assegurada a necessária publicidade, possibilitando-se a participação da coletividade por meio das audiências públicas: 2.3. impor ao Município de Santos a obrigação de recolocar o imóvel em condições de uso pela população, para os fins previstos no contrato de cessão celebrado em 04.12.97. Nesses termos, Pede deferimento. o Ministério Público Federal vem, re I p itosamente, presença de Vossa Excelência esclarecer alguns pontos importantes ara subsidiar a respeitável decisão Iiminar que se aguarda, dentre eles: 1) reafirmar o caráter de bem público de uso comum do povo da plataforma; 2) retificar incorreção contida na narrativa dos fatos e; 3) especificar a abrangência do Estudo de Impacto Ambiental necessário, objeto do pedido, para que avalie inclusive a possibilidade e a viabilidade da restauração do bem público de uso comum do povo ao estado original. Outrossim, requer que tais esclarecimentos instruam os competentes mandados de citação das rés a serem expedidos, de modo a que integrem a petição inicial como parte da causa de pedir e do pedido. Cabe observar que os esclarecimentos solicitados às rés já atendem à exigência legal, sendo, ao que parece, desnecessário postergar a análise do pedido Iiminar, eis que elas já puderam explanar as razões pelas quais entendem adequada a construção do empreendimento. Considerando o prosseguimento da execução das obras no local, o Ministério Público Federal ratifica o pedido de concessão, em caráter de urgência, da Iiminar. O autor requer a juntada do parecer anexo, subscrito em 18/12/1995, pelo Dr. Elias Bauab, ilustre Procurador Patrimonial da União, indicativo do caráter provisório do aterro denominado "plataforma" do emissário de esgotos feito sobre área de uso comum do povo, o qual seria removido após a implantação do emissário de esgotos. Entretanto, não houve a remoção do aterro, segundo parece pelo fato da União ter atendido a pedido em tal sentido formulado pela ré Prefeitura. Ocorre que tal aterro provisório cobriu a praia e o mar, ou seja, bens públicos de uso comum do povo, tendo provocado indiscutível alteração da natureza local, dentre outros aspectos, pelas modificações no fluxo de areias, no fluxo de águas (que influi no perfil das praias) e pela supressão de parte de praia e de mar destinados ao lazer comunitário gratuito e a outras atividades, além do prejuízo à paisagem natural. .P ~ /~~~. fi \"-"~,~f)~\. .;r ,- U.~V~>:. ir- J• MINISTÉRIO Aulos 11" PÚBLICO FEDERAL 2003.6104.001402-4 ti.; v fl .\ \ ' .. A justificativa apresentada para a permanência do aterro r~~~ basicamente, na necessidade de fixação para a tubulação, pois a instalação da mesma não teria observado a profundidade prevista. Cabe ponderar, contudo, que a engenharia é, segundo consta, uma ciência exata, não parecendo plausível que inexistam no equipamento outras formas de ancoragem, considerando o caráter provisório da plataforma. Ademais, não parece razoável, também considerando a manutenção do perfil planialtimétrico dos Jardins da orla de Santos, que não se tenha enterrado a tubulação na profundidade prevista, considerando a transitoriedade da plataforma, salvo erro grosseiro na execução decorrente de falha das empresas que o executaram e da própria União que não fiscalizou a contento. Questiona-se: será que a engenharia empregada seria tão imprecisa, a ponto de não ser capaz de colocar a tubulação na profundidade adequada no subsolo e de retirar o aterro após o serviço, conforme previsto na autorização precária, sem prejuízo para a segurança e para a qualidade ambiental? Contudo. como é cediço, o bem público de uso comum do povo (praia e o mar) continuou a ser utilizado pela coletividade gratuitamente a maior parte do tempo como mirante, para passeios e atividades esportivas, apesar da permanência do aterro sobre ele, ou seja, manteve o sentido de bem público de uso comum do povo destinado ao lazer comunitário. Importante notar que a praia e o mar subsistem no local, porém cobertos pelo aterro. O simples fato de cobrir tais bens, de forma precária, e de não retirar tal aterro indevidamente, não possui o condão de alterar a natureza do bem, retirando o atributo de uso comum do povo. Com a devida vênia, absurdo supor o contrário. Dispõe a Lei nO9.636/98: "Arf. 4° Os Estados, Municípios e a iniciativa privada, a juízo e a critério do Ministério da Fazenda, observadas as instruções que expedir sobre a matéria, poderão ser habilitados, mediante convênios ou contratos a serem celebrados com a SPU, para executar a identificação, demarcação,· cadastramento e fiscalização de áreas do patrim6nio da União, assim como o planejamento e a execução do parcelamento e da urbanização de áreas vagas, com base da legislação pertinente. em projetos elaborados na forma § 1° Na elaboração e execução dos projetos de que trata este artigo, serão sempre re~peitados a preservação e o livre acesso às praias marítimas, fluviais e lacustres e a outras áreas de uso comum do povo. § 3° A participação nas receitas de que trata o parágrafo anterior será ajustada nos respectivos convênios ou contratos. observados os limites previstos em regulamento e as instruções a serem baixadas pelo Ministro de Estado da Fazenda, que considerarão a complexidade, o volume e o custo dos trabalhos de identificação, demarcação, cadastramento, recadastramento e ~;;' ',., /t.:;,.~";n.~{'d (;!.'-' LA!\~'~~~ MINISTÉRIO PÚBLICO FEDERAL Autos n" 2003.61 .04.001 402-4 \.:.: ri 'I\~~ \ " A() l, .. fiscalização das áreas vagas existentes, bem como"<"'~àà:,:::~:.:; elaboração e execução dos projetos de parcelamento e urbanização e, ainda, o valor de mercado dos imóveis na região e, quando for o caso, a densidade de ocupação local. Art. 42 .... Parágrafo único. Quando o empreendimento necessariamente envolver áreas originariamente de uso comum do povo. poderá ser autorizada a utilização dessas áreas, mediante cessão de uso na forma do art. 18, condicionada. quando for o caso. à apresentação do Estudo de Impacto Ambiental e respectivo relatório. devidamente aprovados pelos órgãos competentes. observadas as demais disposiçóes legais pertinentes. Art. 11. Caberá à SPU a incumbência de fiscalizar e zelar para que sejam mantidas a destinação e o interesse público, o uso e a integridade f{sica dos imóveis pertencentes ao patrimônio da União, podendo, para tanto, por intermédio de seus técnicos credenciados, embargar serviços e obras, aplicar multas e demais sanções previstas em lei e, ainda, requisitar força policial federal e solicitar o necessário auxílio de força pública estadual. § 4° Constitui obrigação do Poder Público federal, estadual e municipal, observada a legislação especffica vigente, zelar pela manutenção das áreas de preservação ambiental, das necessárias à proteção dos ecossistemas naturais e de uso comum do povo, independentemente da celebração de convênio para esse fim." A natureza de uso comum do povo foi reafirmada, portanto, pela Lei 9636/98, ao mencionar que as "praias marítimas, fluviais e lacustres e outras áreas de uso comum do povo", reproduzindo previsão da Lei 7661/88, que trouxe maiores detalhes a respeito. Além disso, o valor de flnercado dos imóveis na região é um dos parâmetros a ser considerado em eventual cessão, a qual deve respeitar o procedimento licitatório sempre que possível. Ainda que sob o prisma de desenvolvimento do turismo, em áreas originariamente de uso comum do povo (que é o caso, pois antes era apenas praia e mar e depois continuou como praia e mar com um aterro provisório), as exigências da Lei 7661/88 incidem sobre o bem. A praia e o mar pertencem à União e são bens de uso comum do povo, segundo os dispositivos constitucionais, sendo que tais atributos não podem ser modificados pelo Executivo a seu bel talante, sem incorrer em ilegalidade, seja pela omissão na retirada de um aterro provisório sobre tais bens, seja pela edição de atos ";"f'r~1 ;~ t.~.~~~'i .".. 4'0 Ai, r'''::! ~ 'c::. j I,,·; ~~: fL... MINISTÉRIO PÚBLICO FEDERAL . ' ' O \~:;:;/)) l~"', Autos n° 2003.61.04.001402-4 , normativos infralegais que cederam o aterro para terceiros explorarem economicamente o espaço, exploração esta que restringirá a ocupação gratuita na área por qualquer pessoa da população, em especial os menos aquinhoados que mal conseguem o mínimo para uma subsistência digna (dentre eles, por exemplo, inúmeros aposentados que recebem benefícios insuficientes para subsistência). Cabe considerar que grande parte das edificações na região é constituída por apartamentos pequenos sem áreas de lazer. Portanto, o espaço das praias e da orla é fundamental, sendo de elevado valor para a coletividade (como exemplo, tem-se os belíssimos Jardins de Santos que atraem milhares de pessoas para inúmeras atividades de descanso e lazer gratuíto, valorizando o sentido de cidadania, sendo que, ao menos naquele espaço, todos são donos em igualdade de condições, existindo ali uma isonomia entre ricos ou pobres). Evidente que compete ao Poder Público assegurar a ordem e o respeito recíproco entre os freqüentadores do local, bem como evitar que ocorram indevidas apropriações de tais bens, ainda que sob o disfarce de permissão ou cessão de uso, locação ou arrendamento, sob condições que não asseguram o cumprimento das exigências legais e a participação da coletividade, através das audiências públicas, além de não deixar evidenciado que o particular que eventualmente vier a explorar economicamente o local pagará o valor justo (a ser definido também com a colaboração do ElA/RIMA) pelo bem público, de localização privilegiada, que estará desfrutando, caso se mostre viável a edificação. Ora, conforme consta das respeitáveis decisões anexas, que decidiram matéria correlata da praia do Itararé, em São Vicente (vizinha do emissário), a realização do Estudo de Impacto Ambiental sobre bens integrantes da zona costeira é exigência legal, que não se torna dispensável por mera declaração dos órgãos ambientais ou pelo fato da área já ter sido objeto degradação ambiental pela antropização anterior. Cumpre observar que não consta ter sido realizado tal estudo e que tenha, através de equipe multidisciplinar composta por especialistas dos vários ramos do conhecimento envolvidos, sido apreciada, dentre outras alternativas, inclusive se é ou não possível e viável a remoção da plataforma. Tal aspecto, acerca da eventual possibilidade e viabilidade de remoção é, inclusive, um pré-requisito para que se possa avaliar eventual destinação da plataforma. Portanto, para que reste bem esclarecido, o estudo requerido nesta ação deve ser completo, ou seja, inclusNe avaliar a necessidade de permanência de tal aterro e, caso entenda justificável a permanência, deverá incorporar o passivo do aterro indevido e incluir medidas mitigadoras e compensatórias. Deverá, ainda, avaliar o impacto turístico, qualificando o perfil do turista e o reflexo na economia local, de modo a demonstrar o valor a ser exigido pela exploração econômica e se haverá efetivo retorno do investimento para o dinheiro público envolvido, inclusive na construção do próprio aterro. Vale notar os indicativos de que o prazo de tal exploração econômica seria de 25 anos, prorrogável por mais 50 anos, ou seja, atravessa gerações e caracteriza alienação, na prática. " , '""t ~ MINISTÉRIO PÚBLICO FEDERAL Autos nO 2003.6104.001402-4 Portanto, a praia, bem de uso comum do povo por definição legal, não pode ter tal finalidade alterada por mera disposição do Executivo, ainda mais considerando a irregularidade da permanência do aterro "provisório". A reportagem anexa indica que o responsável pela direção da empresa, possivelmente beneficiária da exploração econômica do museu e dos outros empreendimentos nele existentes, teria declarado que o museu isoladamente não é viável para a iniciativa privada, a qual somente arcaria com os custos de construção se entendesse viável o empreendimento, bem como que já estaria mantendo contatos com outras empresas para a exploração do local. Não pode, portanto, a coletividade ser alijada do processo de cessão da área sem que sejam feitos os estudos multidisciplinares sobre a situação de permanência ou não do aterro Importante retificar o trecho da inicial que relata o processo de cessão da área. A área inicialmente foi cedida para urbanização, ajardinamento e fazer comunitário, ou seja, atividades que permitiriam ao menos a preservação da finalidade de bem público de uso comum do povo (Certidão nO10 - cláusula quarta). As posteriores retificação e ratificação possibilitaram a utilização para equipamentos ligados à biologia marinha e a cessão a terceiros para exploração econômica (certidão nO 12). A União, em sua resposta, apenas indicou que entende que o Museu enquadra-se no conceito de lazer cultural. Todavia, a expressão contida na cessão deve ser interpretada de forma estrita, sob pena de abranger praticamente tudo e alcançar inclusive atividades, por exemplo, de bingos e boates, as quais, assim como o Museu projetado, nada tem a ver com a praia ou o mar. Importante lembrar o disposto na Lei nO 9.636/98: "Arf. 18. A critério do Poder Executivo poderão ser cedidos, gratuitamente ou em condições especiais, sob qualquer dos regimes previstos no Decreto-Lei nO 9.760, de 1946, imóveis da União a: I - Estados, Municípios e entidades, sem fins lucrativos, de caráter educacional, cultural ou de assistência social; /I - pessoas físicas Ou jurídicas, em se tratando de interesse público ou social ou de aproveitamento econômico de interesse nacional, que mereça tal favor. § 3° A cessão será" autorizada em ato do Presidente da República e se formalizará mediante termo ou contrato, do qual constarão expressamente as condições estabelecidas, entre as quais a finalidade da sua realização e o prazo para seu cumprimento, e tornar-se-á nula, independentemente de ato especial, se ao imóvel, no todo ou em parte, vier a ser dada aplicação diversa da prevista no ato autorizativo e conseqüente termo ou contrato. /d,,"f!;?AL S"f, r~;·\"·JYf.·~"'~. ~~I~o~~~?~~~:~,~ FEDERAL \~ § 5° A cessão, quando destinada à execução de empreendimento de fim lucrativo, será onerosa e, sempre que houver condiçóes de competitividade, deverão ser observados os procedimentos Iicitatórios previstos em lei. " A União não justificou, portanto, a razão para tolerar as lojas, a choperia e o restaurante, os quais também não necessitam estar associados à praia ou ao mar e não caracterizam Jazer em sentido estrito. Vale notar que, dos três pavimentos, no máximo um está projetado para abrigar o acervo do ilustre jogador, ou seja, a maior parte será destinada para o comércio (situação diversa da existente em outros importantes museus do mundo, onde o inverso predomina, ou seja, o acessório ocupa menor espaço que o principal. Sem precisar ir tão longe, basta lembrar do Museu de Pesca e do Museu do Ipiranga). O risco de se investir dinheiro público em tal obra, em desrespeito à natureza do bem e aos limites da cessão, sem prévio estudo multidisciplinar que avalie inclusive a necessidade de permanência do aterro e, portanto, que pode inclusive culminar com a necessidade de posterior demolição parcial ou total, bem como o fato de não estar suficientemente demonstrado o efetivo e adequado retorno financeiro para os cofres públicos são razões que impõem a concessão da liminar pleiteada em caráter de urgência. Termos em que, Pede e Espera Deferimento. Santos, 18 de m~rço de 2003 I p 7(7" PODER JUDICIARIO JUSTiÇA FEDERAL 1a VARA CíVEL FEDERAL EM SANTOS AUTOS DO PROCESSO N° 2003.6104001402-4 AÇÃO CIVIL PÚBLICA - PEDIDO DE L1MINAR AUTOR: MINISTÉRIO PÚBLICO FEDERAL RÉUS: MUNICípIO DE SANTOS E OUTROS O Ministério Público Federal aJU1ZOUação civil pública em face do Município de Santos, Construtécnica Engenharia Ltda, Estado de São Paulo e a União. Pede a concessão de tutela jurisdicional liminar para que sejam paralisadas as obras de construção, bem como impedir o início de novas edificaçães relativas ao projeto MUSEUPELÉ, no município de Santos, especificamente na área em que se situa a plataforma do emissário submarino da Praia do José Menino, área de propriedade da União, cedida ao Município de Santos por contrato de cessão. Alega que não foram devidamente observadas várias restrições para impossibilidade desafetação a realização de edificação do projeto sendo elas: a em bem de uso comum do povo sem a do bem, defendendo, intervenção legislativa; em questão, para tanto, a necessidade de prévia inobservância das condições da cessão, por não estar o projeto respaldado em nenhuma das espécies de destinação previstas no contrato de cessão celebrado.eAo estudo de impacto ambientalí? I' município de Santos e a União; falta de PODER JUDICIÁRIO JUSTiÇA FEDERAL Este Juizo reservou-se à apreciação do pedido de liminar após a manifestação dos representantes das pessoas juridicas de direito público, nos termos do art. 2°, da Lei 8.437/92. Para melhor compreensão da questão, urgem esclarecimentos concernentes ao espaço fÍsico no qual se assenta o projeto de construção do Museu. Trata-se de uma plataforma elevada sobre a areia da praia, com área de 42.766m2, denominada Submarino de Esgotos, situada no munidpio marinha surgido da utilização Plataforma de Santos, um acrescido de da praia como canteiro construção daquela obra sanitária, do Emissário de obras para a tendo à época (década de setenta) se obrigado a SABESPa remover o aterro artificial e restituir a praia ao estado natural, o que não foi feito. Com o passar dos anos, o aterro não retirado foi integrado à paisagem urbana. Atualmente. existem no local jardins, calçada, iluminação pública, plataforma para surfistas, pista de bicicross e outros. Em parte dessa área, o Munidpio de Santos pretende a construção do Museu Pelé, projetado num edificio de três pavimentos, sendo o primeiro destinado ao comércio, o segundo a eXQosições e o terceiro, choperia e restaurante. um mirante, destinado a PODER JUDICIÁRIO JUSTIÇA FEDERAL o Ministério Público Federal aponta, como primeira restrição à realização do projeto, a necessidade de intervenção legislativa a amparar o trespasse do uso do bem, pela edição de ato legislativo específico. Contudo, analisando o conjunto de atos norma ti vos reguladores, entre eles os Decretos-Leis nOs 9.760146 e 178/67, - dispondo, ambos, sobre os bens imóveis da União e sua cessão - bem como as Portarias nOs497, de 11 de setembro de 1.995 e Fazenda, 238, de 18 de setembro de 1.997, do Ministério da reconheço-os como suficientes a prestigiar o princípio constitucional da legalidade. A segunda restrição não observada para a realização do projeto, refere-se à inobservância das condições da cessão veiculadas no respectivo contrato, no que se relaciona à destinação do imóvel cedido. Sobre o assunto, a cláusula quarta do mencionado contrato prevê a destinação do imóvel para a implantação de urbanização, ajardinamento e equipamentos de lazer comunitário. A Portaria n° 238, do Ministério da Fazenda prevê que o cessionário destinará o imóvel a projetos paisagÍsticos e urbanísticos, e à instalação e exploração de equipamentos de lazer e recreação, e de estudo e pesquisa voltados à biologia marinha. É fora de dúvida que um museu proporciona aos seus visitantes momentos de lazer e recreação, classificável, portanto, no conceito de equipamento dessa espécie. A terceira restrição não observada, diz respeito à necessidade do estudo ambien1f de impacto ambiental e relatório de impacto 3 PODER JUDICIÁRIO JUSTiÇA FEDERAL Por esse fundamento, a pretensão liminar do autor merece ser acolhida. Senão, vejamos. A Lei nO 6.938, de 31 de agosto de 1.981, ao dispor sobre a Política Nacíonal do Meio Ambiente, alçou à estatura de principio o planejamento e fiscalização do uso dos recursos ambientais (art. 2°, 111). O art. 3° do mencionado diploma, considera poluição a degradação da qualidade ambiental resultante de atividades que direta ou indiretamente afetem as condições sanitárias do meio ambiente. A Lei n° 7.661, de 16 de maio de 1988, que instituiu o Plano Nacional de Gerenciamento Costeiro, no arte 6°, prescreve, "verbis": "O {;cenôamento remembramento para parcelamento do solo, construção, e instalações das característica naturais da Zona Costeira, deverá observar, além do disposto nesta lei, as demais normas especificas federais, estaduais e municipais, respeitando as diretrizes dos Planos de Gerenôamento Costeiro. "Para o solicitará [icenôamento, ao responsável o órgão pela competente atividade elaboração do estudo de impacto ambiental apresentação do respectivo Relatório a e a de Impacto PODER JUDICIARIO JUSTIÇA FEDERAL Ambiental - RIMA, devidamente aprovado, na forma da lei." A Portaria 497/95, Fazenda, alterada pela de n° 238/97, art. 2°, § 4° do Ministério da é expressa quanto à necessidade de prévia aprovação pelo Instituto Brasileiro do Meio Ambiente e dos Recursos Renováveis - IBAMA, para os projetos e instalações no imóvel cedido, não podendo ser efetuada qualquer modificação no imóvel enquanto não cumprida essa condição. Ao que parece, segundo os documentos juntados, o Município acredita haver se desincumbido desse mister ao obter do Engenheiro Chefe do E.R.IBAMA/SANTOSo parecer de fls. 259/260. Contudo, o documento emitido, além de não se constituir em Relatório de Impacto Ambiental, revela conteúdo inconsistente, e, s.m.j., desconforme às determinações expressas no art. 10, especificamente o parágrafo 4°, da Lei n° 6.938/81, quando refere à competência do IBAMA para o licenciamento de construção capaz, sob qualquer forma, de causar degradação ambiental. Com o mesmo propósito, talvez, o Município colheu ofício subscrito por engenheiro da Companhia de Saneamento Básico do Estado de São Paulo - SABESP,de redação sucinta e confusa. Presentes, consubstanciados na plausibilidade assim, os do direito requisitos autorizadores, e no perigo da demora - PODER JUDICIÁRIO JUSTiÇA FEDERAL caracterizado este pelo alto custo que envolverá o retorno à situação original - CONCEDO a liminar para determinar a imediata paralisação da obra e a remoção, no prazo de vinte dias, dos tapumes e instalações de operários lá erguidos, de modo a ensejar, de forma plena, sua utilização pela população, bem como para impedir no local a promoção de novas edificações sem o indispensável Estudo de Impacto Ambiental e respectivo Relatório de Impacto Ambiental - RIMA, sob pena de multa diária de RS20.000,OO. Oficiem-se o Instituto Brasileiro do Meio Ambiente e Recursos Naturais Renováveis - IBAMA e a Companhia de Saneamento Básico do Estado de São Paulo - SABESPpara ciência.