Tendo em vista a perplexidade causada em mim pelo teor do editorial de 07.05.2008, da Folha de São Paulo, intitulado "Auditores Sem Controle", decidi elaborar o presente manifesto, a fim de demonstrar o grau de parcialidade, desinformação, comodismo e agressividade exposto naquele texto. Vejamos. "A ABUSIVA greve dos auditores fiscais, que se arrasta por quase dois meses e traz prejuízos milionários ao comércio exterior do país, prossegue tratada com leniência pelo governo federal. O presidente Lula e seus ministros não fizeram cumprir a promessa de cortar o ponto dos grevistas. Na ausência de uma regulamentação para o direito de greve entre funcionários públicos, tarefa legada pela Constituição e negligenciada pelo Congresso, o Supremo Tribunal Federal (STF) fez sua parte. Estendeu aos movimentos paredistas de servidores limitações impostas aos de trabalhadores do setor privado. Liminares do Supremo fixaram em 8 de abril a ilegitimidade da paralisação dos auditores e autorizaram o desconto de dias não trabalhados" Ora, o texto parte de uma premissa agressiva, onde já considera, julga e sentencia a greve como ABUSIVA, sendo que nem a justiça ainda se manifestou nestes temos. Para que uma greve seja considerada dentro dos limites legais, deve, inicialmente, haver um prazo razoável de tentativas em mesas de negociação – foram sete meses de conversas, sem sequer uma proposta acabada por parte do governo; deve haver a publicação prévia da deflagração do movimento – o que foi efetuado a contento; deve seguir a legislação que ampara a greve – inexistente por inércia de décadas do governo, o que, a jurisprudência do STF determinou que se deve manter dentro do limite mínimo de 30%, referente às atividades essenciais, o que foi mantido em TODAS as unidades do país, a fim de desembaraçar produtos médicos e perecíveis, p.ex. Por fim, a decisão do STF abarcava tão-somente a questão da possibilidade do corte de ponto por parte do governo, isto é, a legitimidade da greve nunca fez parte do objeto da ação. Portanto, onde está a propalada ABUSIVIDADE? O jornal não se deu ao trabalho de pesquisar o caso? Como adotar uma postura tão incisiva sem ao menos uma consulta jurídica sobre o assunto? Aqui grassa o comodismo e a agressividade ! Registra-se o assombro, especialmente no trecho sobre "a leniência com que o governo federal trata o assunto..". seria uma alusão à inflexibilidade do governo? Ao fato de o mesmo não negociar? Ao desrespeito com os contribuintes? À demora em resolver o impasse? Não, a leniência é no que tange à ausência do corte de ponto! É de pasmar! Uma imprensa que se diz democrática, ou a serviço da democracia, exigir uma mão-de-ferro, um instrumento ditatorial, sem ao menos buscar o cerne da questão, sem ao menos procurar se informar sobre onde reside a celeuma entre governo e grevistas. Informar-se para só então informar. Continuemos. "Munido da permissão superior, o ministro do Planejamento, Paulo Bernardo, falou grosso e prometeu o corte no ponto. Desperdiçada a chance de fazê-lo no pagamento de abril, alegou que a decisão final coubera à Receita. Esta, por sua vez, oferece como pretexto para descumprir a determinação decisões já superadas de uma corte hierarquicamente inferior, o Superior Tribunal de Justiça (STJ). Ao que parece, faltou falar grosso dentro do próprio governo -ou então tudo não passava de teatro." Mais uma vez, é gritante a desinformação do jornal. Em apertada análise: O STF disse que o STJ é quem deveria decidir sobre a greve, por este possuir escopo nacional. E como exposto alhures, o objeto da ação no STF era a possibilidade jurídica de o governo cortar o ponto. Daí a fazê-lo, demanda uma questão política, ou seja, o governo juridicamente poderia cortar, mas deveria pensar em suas conseqüências. Como bem captou o sábio ministro Napoleão, do STJ, em sua sentença conciliadora: "Não creio que a supressão dos pagamentos vencimentais, pela Administração, possa conduzir à solução desejável desse impasse, mas me parece evidente que tal iniciativa, embora possa corresponder a um impulso natural do Gestor Público, deve ser coibida pela atuação judicial, inclusive para se evitar que o conflito desborde dos limites jurídicos e possa, eventualmente assumir a feição de um confronto, cuja superação demandará esforços muito maiores e custos sociais muito mais elevados." Logo se vê que a situação é um pouco mais complexa do que o editorial faz crer, em sua estreita redação. "Numa administração dominada por antigos líderes sindicais, a pantomima talvez não chegue a surpreender. Os grevistas decerto contam com essa danosa convergência sindicalista" Aqui, observamos uma inferência profundamente danosa e completamente sem fundamento – "Os grevistas decerto contam com essa danosa convergência sindicalista". Ora, se houvesse inclinação sindicalista por parte deste governo, não seriam necessários sete meses de reuniões, totalmente infrutíferas, muito menos a deflagração de um movimento paredista que não interessa a ninguém. Visão pueril e canhestra, completamente inapropriada a um veículo informativo deste porte. "À vontade, infligem perdas monumentais ao país para obter uma despropositada elevação do teto salarial da categoria, de R$ 13.400 para R$ 19 mil. Isso representa 78% dos ganhos de um ministro do STF (teto da administração pública desde 1998, quando caiu a exigência nunca cumprida de não exceder no Executivo os ganhos de um ministro de Estado). O governo já concordou com o valor, que catapulta auditores ao topo da elite salarial, diminuta até no setor privado. Discordam só quanto a fazê-lo em 2009 ou 2010. Nesta hora em que o movimento dá sinais de fraqueza, a Presidência da República perdeu a chance de desferir um golpe cabal na pretensão desmesurada." Inicialmente, cabe esclarecer que ninguém, absolutamente ninguém, se sente à vontade em situações deste quilate, o que poderia passar pela mente de alguém que nunca vivenciou a experiência de um movimento grevista, fator natural de pressões e estresse incomensuráveis. O texto demonstra conhecimento marginal do assunto tratado, já que não entra em seu miolo, ou onde residiria o impasse. Ocorre que o governo ofereceu o reajuste, escalonado até julho de 2010. Em virtude da legislação eleitoral, um próximo reajuste poderia ocorrer somente em 2011. Com isto, o governo costuraria um acordo até o próximo mandato. Levando-se em conta que o último reajuste foi em 2006, o presente acordo cobriria seis anos (2006-2011). Como o percentual oferecido gira em torno de 41%, temos a recomposição inflacionária do período, isto é, se não houver mudanças até 2011. Vale dizer que o topo da carreira, os propalados R$ 19 mil brutos (aproximadamente 12 mil líquidos), valeriam até 2011, mas a comparação do editorial é com o salário atual de ministro do STF. Isto é, compara-se o salário de hoje (STF) com o salário de 2011 (auditores), e verifica-se que é um disparate (78%)! Lembremos ao jornal que estamos em 2008! E que a equiparação é com a Polícia Federal, que receberá o mesmo topo em 2009! Ademais, os percentuais trazidos à baila são médios, já que a proposta contempla um novo pagamento em forma de subsídios, o que, assim que implantado, anula quaisquer adicionais já recebidos, inclusive por aposentados. Exemplo: Um auditor em fim de carreira, ou um aposentado que tenha 30% de anuênios, várias ações judiciais incorporadas, etc. teria tudo reduzido ao subsídio, conforme tabelabase, o que seria a perda dos chamados "penduricalhos", o que, para o governo, sem sombra de dúvidas, é um excelente negócio financeiro, derrubando os índices divulgados, na casa dos 40%, e tornando de difícil mensuração o percentual médio. Questão de complexidade, sequer imaginada ou veiculada pela Folha. Registra-se ainda que o governo, em uma de suas práticas de retirar itens das últimas propostas apresentadas, apresentou uma tabela com um inicial de carreira em torno de R$ 10 mil, o que equivaleria a um líquido de R$ 5.500. Ora, como é que um Auditor da Receita Federal que comumente lavra autos de infração de 10, 20, 30 milhões pode receber R$ 5.000 reais líquidos como quer o governo. Sendo que, para defender estes autos de infração, há uma banca de advogados especialistas que recebem milhões para derrubá-los. Se, obviamente, não há como equiparar os salários com os profissionais oponentes do mercado, que se pague ao menos de forma equiparada à Polícia Federal. Há estudos dando conta de que um Auditor-Fiscal lança em média, o equivalente a sessenta vezes o seu salário bruto, sem contar a arrecadação espontânea decorrente, o denominado efeito multiplicador. É uma categoria que paga o próprio salário e contribui diretamente para todo o custeio da máquina pública federal, nos três poderes. O mais danoso disso tudo é que o editorial em apreço passa ao largo do mérito da questão, sem sequer se dar ao trabalho de entrar em contato com alguma unidade sindical em qualquer parte do país, que poderia esclarecer os pontos aqui suscitados. Por fim, o jornal não citou que o governo apresentou um "pacote pronto" aos Auditores, que incluía em seu DNA um sistema de avaliação draconiano, denominado SIDEC (Sistema de Desenvolvimento da Carreira), inexistente em qualquer outro setor da administração pública federal, portanto piloto, onde os servidores para cumprir o interstício do início da carreira ao topo levariam até 42 anos, conforme estudos, dependendo, em seu cerne, de indicações dentro do próprio órgão – meritocracia pura –, o que politizaria sobremaneira o órgão, técnico, por excelência. Em outras palavras, antes de ser uma questão salarial, que já está até certo ponto resolvida, há a séria perspectiva de desmonte, o que levou mobilização e força à categoria. Questões completamente ignoradas pelo editorial. Pelo exposto, apelo a este Ombudsman, por não ter a quem recorrer – sequer ao bispo –, apontando a grande armadilha em que um jornal deste porte pode cair, abdicando de seu histórico de lutas democráticas e dos princípios inafastáveis da imparcialidade e da informação, que devem pautar o jornalismo sério e honesto. Outrossim, ressalto que o título mais adequado ao editorial em tela deveria ter sido "Folha de São Paulo Sem Controle". Marcelo Augusto Guimarães Gonçalves