A greve dos servidores, a universidade pública e
o Estado brasileiro
Por Ricardo Prestes Pazello
Em 2012, o Brasil irrompe no centro de uma história que não tardou a ser
escrita. Se de um romance se tratasse, estaríamos chegando ao auge de um
dos capítulos definitivos para o enredo. Como se trata da realidade concreta,
estamos diante de um importante momento da mobilização de um significativo
setor da sociedade brasileira: o serviço público federal.
O leitmotiv dessa história, parece restar nítido, é a greve dos docentes das
universidades e instituições federais de ensino. O movimento grevista
completa três meses de paralisação sem ter muito o que comemorar, a não
ser o fato de ter sido o abre-alas de um quase inesperado esboço de greve
geral do funcionalismo público.
O capítulo da conjuntura social e política do país que ora se delineia é
justamente aquele que aponta para um sinal de alerta a toda a população.
Longe de ser um símbolo de intransigência para com a sociedade brasileira,
como muitos insistem equivocamente em afirmar, trata-se de uma
convocação para a reflexão e, a depender do que se concluir, para a ação.
O Brasil entrou na década de 1990 esperando recuperar os 20 anos perdidos
com a ditadura. Mas, logo no início desse curso esperançoso, mesmo com a
Constituição cidadã, eleições diretas e os caras-pintadas, o país deparou-se
com o flagelo da repressão estatal ao movimento combativo de trabalhadores
– como ficou patente na greve dos petroleiros, em 1995. E, na sua esteira, o
contínuo desmonte do Estado recém-(re)construído.
A greve que faz 164.650 docentes do magistério superior e do ensino básico,
técnico e tecnológico fecharem os livros e guardarem o giz tem sua motivação
na mesma ordem de problemas que engajam não só os servidores técnicoadministrativos e estudantes das mesmas universidades, mas também
servidores da saúde, policiais federais, técnicos do Incra, do IBGE e dos
ministérios, fiscais do sistema financeiro e profissionais das agências
reguladoras; enfim, quase todos os servidores públicos federais.
A questão não é apenas salarial. O problema central é a estrutura laboral e as
condições de desenvolvimento do trabalho das mais de 30 categorias
paralisadas. Trocando em miúdos, o problema é o da concepção de Estado
em que se está investindo. Nesse sentido, os últimos 20 anos de nossa
história têm um depoimento comum a dar, apesar das evidentes e marginais
mudanças de marcha de uma década para outra.
Sim, as trabalhadoras e trabalhadores da educação estão discutindo o futuro
da universidade pública em nosso país. Mas esta não é a única pauta; está
em jogo o futuro da educação como serviço público fundamental. No entanto,
o mesmo pode ser dito, por analogia, sobre a saúde e a segurança públicas –
e isso para não se fazer referência a todas as demais funções “típicas” do
Estado moderno. Estamos em um momento crucial para o desenvolvimento
do Estado brasileiro e é isso que os movimentos paredistas do presente
discutem para além de suas remunerações, ao falarem de carreiras bemestruturadas e condições dignas de trabalho.
Não é o caos nem o descaso que marcam o ritmo da narrativa estatal
contemporânea no Brasil, mas uma forte herança de desestruturação.
Defender conquistas para o funcionalismo público (expressas na pauta
unificada do movimento) sem aceitar retrocessos quanto a direitos já
consolidados é o único horizonte possível para fazer com que essa história
não termine em tragédia social.
Fonte: Gazeta do Povo
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