Os líderes que não agem dialogicamente mas insistem em impor suas decisões, não organizam as pessoas: manipulam-nas. Eles não libertam, nem são libertados: oprimem. Paulo Freire, Pedagogia do Oprimido (1968) «Mudar implica riscos, mas não nos devemos impedir de ensaiar novas formas de envolver as pessoas na vida dos museus e os museus na vida das pessoas. Ouvimos falar da necessidade de trazer mais pessoas para as instituições culturais. Pessoas que cruzam as nossas portas apenas como meros espectadores, queremos que participem, sejam ouvintes atentos e revelem interesse no que andamos a fazer, que julgamos ser para seu benefício. Proclamamos que existimos e trabalhamos para as pessoas, que o que fazemos é para elas. Raramente lhes perguntamos o que querem, o que precisam, do que gostam. Dificilmente nos colocamos numa situação de igualdade com essas pessoas. Partimos do pressuposto que sabemos o que é melhor para elas (Gayatri Chakravorty Spivak, 1988). Ainda com menor frequência assistimos a processos de coautoria ou coprodução, conceitos mais recentes mas que desaguam noutros mais antigos: colaboração, partilha e confiança. As instituições culturais (tradicionais) têm vindo a reconhecer através de uma profunda reflexão crítica que nas re(a)presentações se encontram plasmadas as condições de produção dos discursos e das relações de poder em vigor. Poucas vezes ousamos sair da nossa área de conforto. Trabalhamos com os mesmos intervenientes, usamos os mesmos processos e esperamos que, de cada vez, os resultados sejam diferentes. Iludimo-nos ao acreditar que sim. Para fazer diferente implica haver abertura, envolvimento e compromisso com diferentes perfis, convocar áreas e setores que nunca foram envolvidos. Escutar ativamente o que têm a partilhar. Sem dúvida que as instituições culturais têm vindo a testar, potenciar e diversificar formas de transmissão de conhecimento através da sua programação. Procuram transmitir uma leitura possível sobre o local complexo onde vivemos. A cultura não é só o que ouvimos e o que lemos é, igualmente, o que altera a nossa forma de estar no mundo. As instituições culturais confiam nos serviços de comunicação, educação ou mediação a responsabilidade de conceber e propor processos partilhados de construção de significados, experiências únicas e coletivas, que permitem uma aquisição clara e duradoura por parte das pessoas (sejam entendidas como públicos, visitantes, participantes ou aprendentes). Mais do que fornecer informação, estas instituições têm vindo a colaborar com as comunidades que desejam servir, exploram novos caminhos de aprendizagem mútua e continuada, alicerçada numa atitude de autoridade partilhada, dialogante, onde ambas prescindem das suas posições mais conservadoras. Esta transformação resulta de uma mudança de paradigma que tem vindo a instalar-se desde 1960 e que, grosso modo, assenta num modelo de atuação mais focado nas pessoas e nas comunidades do que na coleção. Conseguir envolver, incluir e inspirar as pessoas exige abertura e vontade para aprender conjuntamente. Requer uma alteração dos processos e das práticas de trabalho e a utilização de uma linguagem comum, num tom de igual para igual. Assim haverá condições para a confiança e o respeito mútuo. Implica, de facto, uma nova forma de pensar e de agir, não só por parte das instituições culturais mas, igualmente, por parte das pessoas e das comunidades. Reajustar os princípios fundamentais que configuram o modus operandi das instituições culturais não é uma tarefa fácil nem rápida. Vai precisar de um esforço continuado para deixar de trabalhar de costas voltadas. É preciso tempo para ouvir, ter oportunidade para experimentar sem ter medo de falhar e, num diálogo aberto, ganhar confiança, construir um caminho novo, num processo de aprendizagem partilhada. Creio que os conceitos de "participatory museum", "heritage community" e da museologia social (comprometida com a comunidade) apontam nessa direção. As instituições culturais têm a obrigação de apresentar as suas propostas de uma forma inclusiva, indo ao encontro das necessidades específicas das pessoas (idade, género, etnicidade, necessidades especiais) e de uma forma diversificada, procurando responder às diferentes formas como as pessoas aprendem e apreendem novos conhecimentos. O serviço de comunicação, educação ou mediação das instituições culturais deve servir de facilitador, permitindo uma aprendizagem conectada e centrada na realidade quotidiana onde vivemos. Deve dar uma atenção especial aos mais vulneráveis, àqueles que têm menos oportunidades, promovendo uma discriminação positiva dos provenientes de famílias onde o risco de abandono escolar é mais elevado e onde os exemplos de sucesso são mais raros. Ajudar a construir comunidades resilientes, mais capacitadas para continuar a aprender e proporcionar ambientes de aprendizagem flexíveis, não formais, diversificados e focados nos interesses das pessoas e das comunidades. Creio ser este um dos maiores desafios para as instituições culturais, reafirmando a sua importância neste mundo globalizado do início do século XXI.» Por Joaquim Jorge, Antropólogo