A choradeira e livre mas não se justifica Pois bem. Será mesmo assim o quadro? Talvez valesse uma boa olhada na história De São Paulo recente das transições democráticas ocorrihoje,finalmente.Com pompa, circuns- das no Ocidente. Se nos mirarmos no exemtância, Hino Nacional tocado na ram- plo dos homens de Atenas, vamos ver que a pa do Congresso e a inevitável mani- nefanda "ditadura dos coronéis" passou a festação da CUT nos gramados em democracia tendo um general do regime mifrente, instala-se a Assembleia Nacio- litar, Phaedon Gizikis, como presidente — e nal Constituinte. Deputados e senadores vão lá está hoje a Grécia há 12 anos de volta ao acomodar-se em suas poltronas e ser imedia- regime que inventou, além do mais há cinco tamente envolvidos por dois climas diferencom um governo socialista e, não bastasse, condicionado do plenário e a densa confortavelmente refestelada na Comunidade Económica Europeia. A Espanha não teve mistura de ceticismo e pessimismo com que constituinte exclusiva em 1977. E ainda por são aguardados os trabalhos da Consticima havia um rei inventado pelo ditador tuinte. * Francisco Franco no meio do caminho — só A crise económica e a errática, quase que este rei tornou-se um estadista revelação kafriana condução que lhe imprime o govere a constituição em vigor, além de ter um no certamente colaboram para isso. Mas é bom também desconfiar que existe, mistura- texto que em nada incomoda nos túmulos Lope de Vega ou Garcia Lorca, é um primor do nessa fórmula, um velho ingrediente da alma brasileira: a síndrome do tudo ou nada. de concisão e sabedoria na organização do É aquela velha história de que, fora da glória, Estado. Portugal passou por conspirações tudo o mais é execração, e que o segundo palacianas, desordem civil e quarteladas enlugar numa Copa do Mundo ou numa Olimquanto aprovava uma constituição — isso, píada é tão vergonhoso e desprezível quanto porém, não impediu que chegasse a uma a deserção num campo de batalha. democracia estável e civilizada. Para não Transplantada para a política de hoje, a falar na Argentina, que nem constituinte síndrome desabou sobre os eleitos de 15 de precisou fazer para alçar-se da barbarice o presidente Raul Alfonsín governa com â velha constituição liberal de 1853 restaurada. No Brasil, portanto, é preciso ir devagar com o andor. Ninguém ignora as limitações do pleito de 15 de novembro — desde a pressão do poder económico à falta de sensatez na utilização do horário gratuito da televisão. Mas talvez valha a pena insistir no verso da medalha. Não se falou anos na necessidade de renovação? Pois bem, mais de 60% dos constituintes estarão hoje pisando pela primeira vez os fofos tapetes do plenário. Não se clamou décadas pela liberdade' aos partidos comunistas? Pois bem, lá estão eles hoje, com suas próprias bancadas e seus aliados vestindo a camisa de outros partidos. Não se exigia soberania para a As. sembléia? Pois basta ver a novembro e faz da Constituinte uma espécie amplitude de providências cogitadas durande saco de pancadas preferido da frustração te os últimos dias — indo desde a colocação nacional De vários setores — o mundo aca- em recesso da Câmara e Senado para que a démico, o meio empresarial, os contrafortes Constituinte trabalhe em paz, até a edição sindicais, os cenáculos de formadores de dos controvertidos "atos constitucionais" — opinião — parte, como os raios de Zeus para se ver que a choramingação sobre falta disparados do cume do Olimpo, uma formi- de poder da Constituinte não-exclusiva era dável coleção de execrações. Constituinte exagerada. Cá para nós, é bem possível que a misturada a Congresso não vale nada, res- composição da Constituinte, com seus bimungam alguns. Essa Constituinte não é cheiros, aliados da UDR, radicalóides, estatirepresentativa da sociedade brasileira, ge- zadores, burocratas e toda uma vasta gama mem outros. Ela não tem legitimidade, por de deputados e senadores vindos do interior, ter saído de uma eleição com uma percenta- das universidades, dos sindicatos, das profisgem muito alta de votos brancos e nulos, sões liberais e das fábricas seja um retrato bem aproximado e fiel da sociedade brasiresolvem os restantes. O resultado do trabalho dos deputados e leira. senadores que elegemos é, assim, de antePara os céticos mais renitentes, é convemão julgado merecedor da cesta de lixo da niente lembrar — mirando fora do Brasil —• história. Mais ou menos como se houvesse a que Thomas Jefferson, um dos forj adores de sensação generalizada de que ou a nova constituição-marco das liberdades púConstituição é mais brilhante e genial do que uma era um proprietário de escravos. E todas as demais — ai incluídas a Magna blicas, basta um rápido exame em nossa própria Carta Inglesa, a Constituição americana e a Declaração dos Direitos do Homem gerada história recente para constatar que a pranpela Revolução Francesa —, ou então nada teada Constituição de 1946 não foi propriafeito. Esse colossal mau humor para com as mente elaborada por bancadas de querubins possibilidades dos 556 constituintes extrava- e serafins. Talvez seja hora de parar de chorar defisa ao ponto de se questionar, de quebra, se o presidente José Sarney tem, afinal, legitimi- ciências e limitações que, afinal, em maior ou dade para conduzir a transição, e só está menor grau, são parte da democracia. Se até mesmo faltando dizer que o povo, além de Gorbachev anda querendo importar mecanismos dela para a União Soviética... tudo, não sabe votar. Ricardo A. Setti E