ANÁLISE JURÍDICA DIREITO IMOBILIÁRIO Outubro 2012 37 Investimentos imobiliários no Brasil pelo programa Minha Casa, Minha Vida Maíra Lott · [email protected] Marta Borsoi · [email protected] Telma Hirata · [email protected] Advogadas no Desk Brasil da Abreu Advogados O progresso económico vivenciado pelo Brasil nos últimos anos teve influência direta no crescimento do mercado imobiliário do país. Tal crescimento pode ser atribuído à evolução dos fundamentos deste segmento, que inclui a exigência de que os bancos efetivamente destinem parte de seus recursos a empréstimos imobiliários, o aperfeiçoamento jurídico dos instrumentos de garantia de crédito e a ampliação dos direitos dos consumidores como meio gerador de equilíbrio nas relações destes face às empresas. Como consequência do desenvolvimento dos fundamentos do mercado imobiliário foram introduzidas significativas alterações nos elementos relacionados ao crédito imobiliário, como o aumento dos prazos de pagamento, a redução das taxas de juros, a flexibilização na análise da renda familiar e a desburocratização na contratação. A conjunção de todos estes fatores com o acréscimo decorrente do aumento do rendimento das famílias, da estabilidade dos preços e da diminuição da taxa de desemprego estimularam os brasileiros a utilizarem o crédito imobiliário como ferramenta para aquisição da casa própria. As políticas sociais implementadas no Brasil durante a última década propiciaram a ascensão de milhões de pessoas a uma classe social que passou a ter maior rendimento familiar e capacidade de consumo, mas que ainda não possui casa própria. Como alternativa para suprir o deficit habitacional das classes sociais de baixa e média renda, que integram a maioria da população brasileira, o governo federal criou o Programa Minha Casa Minha Vida (PMCMV). Programa Minha Casa Minha Vida (PMCMV) Instituído em 2009 e vinculado aos bancos públicos brasileiros – Caixa Económica Federal (CEF) e Banco do Brasil, o PMCMV estabelece mecanismos de incentivos à produção e aquisição de novas unidades habitacionais, urbanas ou rurais, mediante a oferta de subsídios a fundo perdido e inversamente proporcionais à renda familiar, além de taxas de juros mais reduzidas daquelas disponíveis no mercado, sendo tais benefícios aplicáveis conforme as variáveis da faixa de rendimentos mensais das famílias quando dentro dos limites do Programa. Na primeira etapa do PMCMV (2009/2010) foram contratadas mais de um milhão de unidades habitacionais. Para a segunda etapa do Programa (até 2014) o governo brasileiro pretende alcançar a meta de 2,4 milhões de unidades habitacionais, disponibilizando investimentos que atingem a quantia de 71 bilhões de reais. Recentemente, o governo brasileiro procedeu à alterações da legislação do PMCMV que, em aspetos gerais, contribuíram para ampliar o limite de renda para financiamentos de habitações populares, aumentar o valor máximo dos imóveis, reajustar a quantia atribuída aos subsídios e diminuir a taxa de juros. Este segmento do mercado imobiliário brasileiro tornou-se um mercado real amplamente atrativo ao investimento. Requisitos para os investimentos no âmbito do PMCMV A Caixa Económica Federal (CEF) – agente operador e financeiro do PMCMV - disponibiliza material com informações e especificações detalhadas para adesão ao Programa, que permite a participação de empresas atuantes no setor de construção civil e/ou incorporação imobiliária, através da apresentação de projetos junto às Superintendências Regionais da referida instituição financeira. Os projetos precisam atender às especificações estabelecidas pelo Programa, como área mínima das habitações, parâmetros legais de construção, materiais de revestimentos e acabamentos, além daqueles que envolvem o empreendimento, tais como localização, adequação ambiental, infraestrutura básica (como vias de acesso, iluminação pública, abastecimento de água e energia eléctrica) e existência ou o respetivo compromisso com o poder público local para instalação ou ampliação de equipamentos e serviços relacionados à educação, saúde, lazer e transporte público. Para os empreendimentos imobiliários serem enquadrados no PMCMV, a CEF procede à: • análise do risco da operação – viabilidade do empreendimento; • análise de risco da construtora e/ou incorporadora imobiliária apresentante do projeto – para a avaliação das condições económico-financeiras da empresa, com validade de um ano; • análise de engenharia e trabalho social – inclui a verificação das condições do projeto arquitetónico, valor de mercado das unidades habitacionais e enquadramento no Programa, orçamento da obra, além da análise do cronograma físico-financeiro para observar a viabilidade e a coerência entre a execução da obra e o desembolso financeiro programado; • análise jurídica – verificação da situação jurídica do imóvel, vendedor, construtor, seus sócios e representantes. 38 DIREITO IMOBILIÁRIO ANÁLISE JURÍDICA Outubro 2012 Sobre os requisitos exigidos para enquadramento no PMCMV, importa ressaltar aquele referente à análise de risco da empresa participante do projeto. Isto, porque no processo habitacional brasileiro é comum que as instituições considerem o risco vinculado à figura das construtoras e/ou incorporadoras imobiliárias (com avaliação da empresa, verificação dos últimos balanços e outros aspetos além dos financeiros) como fator decisivo para financiarem seus projetos. Neste sentido, especialistas do mercado imobiliário aconselham, como forma alternativa para viabilizar o investimento de estrangeiro neste setor, a busca de parcerias com empresas brasileiras que já atuam na área de construção civil e/ ou incorporação imobiliária. Para tais casos recomenda-se que, previamente ao investimento, seja realizado o exame das informações relativas a possível empresa parceira, como idoneidade, ausência de débitos pendentes e/ou acções judiciais que afetam o património, bem como das condições relacionadas ao projeto do empreendimento imobiliário, para confirmação do atendimento dos requisitos e efetiva vinculação ao PMCMV, além da obtenção das garantias necessárias para assegurar o investimento. Aprovados, os projetos podem ser financiados por uma das linhas de financiamento à produção do PMCMV. Cabe ao ente púbico local, do município ou estado, a partir do cadastro que mantém das famílias com baixa renda e que demandem habitações, fornecer a lista de beneficiários do Programa. Na ocasião em que for formalizada a aquisição do imóvel pelo beneficiário procede-se à concessão dos benefícios vinculados ao PMCMV, momento também em que o vendedor do empreendimento passa a ter direito aos recursos financeiros. Formas de Investimento Os veículos utilizados para se investir no PMCMV, subsumem-se, essencialmente, às empresas do ramo da construção civil que podem ser constituídas no Brasil pelos empreendedores estrangeiros, aos quais, não obstante, também há a opção de se associarem às companhias já existentes no país ou mesmo estruturarem parcerias comerciais imobiliárias. É certo que, em se tratando de construção ou reforma de imóveis, haverá o envolvimento de incorporadoras e/ou construtoras para que seja possível atingir o seu fim. No Brasil, a incorporação de imóveis, semelhante à promoção imobiliária em Portugal, mas com regulamentação jurídica específica, é a atividade exercida com o intuito de promover e realizar a construção para a alienação, total ou parcial, de edificações ou conjunto de edificações compostas por unidades autónomas; enquanto a construção civil se limita propriamente à construção, demolição, reforma, ampliação de edificação ou qualquer outra benfeitoria agregada ao solo ou ao subsolo.1 No caso de o investidor preferir pela constituição de empresa no Brasil, destaca-se que os tipos societários mais comuns são a sociedade anónima e a sociedade por quotas de responsabilidade limitada, modelos estes que serão adotados dependendo do interesse e do grau de complexidade do investimento. Entretanto, não é imprescindível que o investidor estrangeiro constitua ou se associe a uma sociedade por quotas ou uma sociedade anónima do setor imobiliário no Brasil para viabilizar o seu projeto, uma vez que pode, ainda, se valer de outros tipos de associação, com ou sem personalidade jurídica própria, para a formatação de uma parceria. O ordenamento jurídico brasileiro prevê três modalidades que vêm sendo muito utilizadas no mercado: a Sociedade de Propósito Específico (SPE), a Sociedade em Conta de Participação (SCP) e o Consórcio. A SPE, que pode tanto ter a estrutura de uma sociedade por quotas de responsabilidade limitada como de uma companhia S.A., conforme sugere o nome, trata-se de uma sociedade com o propósito perfeitamente determinado. Ela se sujeita às mesmas regras no que diz respeito à natureza jurídica, responsabilidade entre sócios e perante terceiros do tipo societário eleito no ato da sua constituição. O grande diferencial é que, para o investidor, comprador e instituição financeira, no modelo da SPE, existe uma diminuição de riscos para todas as partes envolvidas, na medida em que é possível isolar o empreendimento específico de outros empreendimentos ou de outras atividades comerciais dos seus controladores (blindagem patrimonial), de forma a permitir uma ingerência mais fácil sobre os ativos e recebíveis do empreendimento pelos agentes financiadores, em caso de incumprimento. A SCP, à semelhança do contrato de associação em participação do direito português, por seu turno, não deve ser tratada propriamente como uma sociedade, pelo facto de não ser dotada de personalidade jurídica. Caracteriza-se, na realidade, como um contrato especial de ANÁLISE JURÍDICA DIREITO IMOBILIÁRIO investimento em que, nos termos do artigo 991 do Código Civil brasileiro (Lei nº 10.406/2002), a atividade para a execução do objeto contratual deverá ser desenvolvida “unicamente pelo sócio ostensivo, em seu nome individual e sob sua própria e exclusiva responsabilidade”, enquanto os demais sócios participarão apenas dos resultados correspondentes. Em verdade, é um contrato entre duas pessoas, no qual o sócio ostensivo (também dito operacional) é responsável pela execução integral das atividades relacionadas ao objeto social, que no caso de uma parceria internacional seria o parceiro brasileiro; e o sócio participante (também dito investidor ou oculto), responsável unicamente pelo aporte de recursos necessários para empreender as atividades relacionadas ao objeto social, que na hipótese da parceria internacional seria o investidor internacional. Todavia, tratando-se de investidor estrangeiro que tencione a posterior remessa dos lucros para o país de origem, por ocasião da constituição de uma SCP, deverão ser adotados mecanismos jurídicos que permitam o repatriamento do capital estrangeiro investido2, tendo em vista a vedação legal de registo, no Banco Central do Brasil, do investimento direto de capital estrangeiro em SCP(s). Finalmente, tem-se a forma consorciada de empresas (consórcio), expressa por meio de um Termo de Consórcio, que é um contrato de associação pelo qual duas ou mais empresas se propõem a executar, em conjunto, determinado empreendimento. Também regulado no direito português. Da mesma forma que a SCP, o Consórcio não possui personalidade jurídica, mantendo-se a estrutura jurídico-tributária de cada uma das empresas con- Outubro 2012 sorciadas, em que a carga fiscal incidirá unicamente no ingresso de receita nas pessoas consorciadas. Incentivo Fiscal De forma a incentivar a participação de incorporadoras e construtoras no PMCMV, a legislação brasileira confere tratamento diferenciado quanto ao recolhimento de determinados tributos, ou seja, um incentivo fiscal por meio da instituição de base de cálculo e de taxa tributária diferenciadas, a fim de estimular a participação de agentes do setor privado em projetos promovidos pelo governo. Desta feita, há a previsão de que até 31 de dezembro de 2014 seja concedido benefício fiscal aos projetos de incorporação que tiverem como objeto a construção de imóveis residenciais de interesse social, desde que cada unidade residencial tenha um valor comercial de até R$ 85.000,00 (oitenta e cinco mil reais). Às empresas envolvidas faculta-se o recolhimento, de forma unificada, das Contribuições para o Programa de Integração Social e para o Programa de Formação do Servidor Público (PIS/PASEP), da Contribuição para o Financiamento da Seguridade Social (COFINS), do Imposto de Renda Pessoa Jurídica (IRPJ) 3 e da Contribuição Social sobre o Lucro Líquido (CSLL), no percentual de 1% (um por cento) sobre a receita mensal recebida, relativa àquela construção fomentada, com a seguinte repartição: 0,09% - PIS/ PASEP; 0,44% - COFINS; 0,31 % - IRPJ; e 0,16% - CSLL. 4 Deve-se deixar claro que a receita mensal auferida refere-se ao valor recebido pelo contrato feito com os entes estatais 39 para a construção de habitações que fazem parte do Programa examinado, e não ao faturamento total da incorporadora ou construtora, de modo que estas devem manter a escrituração contábil segregada para cada incorporação submetida ao regime de tributação diferenciado. Considerações Finais Verifica-se que o investimento imobiliário no Brasil, pelo PMCMV, é uma opção de análise atrativa para os investidores do setor, tendo em conta não só a variedade de mecanismos jurídicos adequados à estrutura de investimento que corresponda ao perfil do seu titular, mas também os benefícios fiscais no âmbito do Programa, tudo com olhos postos à redução de riscos e maximização dos lucros do capital investido. NOTAS 1 A incorporadora é a empresa responsável por administrar todo o processo de compra, construção e venda de imóveis, além de contratar e supervisionar a execução da obra, feita pela construtora. Por sua vez, a construtora tem o único papel de fazer a construção do imóvel, de acordo com o que foi definido pela incorporadora. 2 Conforme questão nº 9 do Frequently Asked Questions (FAQ) do Banco Central do Brasil (BACEN). Disponível em: <http://www.bcb.gov.br/?investemprestfaq>. 3 Equivalente ao Imposto sobre o Rendimento das Pessoas Coletivas (IRC). 4 Regra geral, a carga tributária da atividade de incorporação imobiliária no Brasil relativa aos tributos federais, adotando-se o regime tributário com base no lucro presumido, será de 6,99% da receita bruta auferida pela pessoa coletiva, com a seguinte distribuição: PIS - 0,65%; COFINS - 3,00 %; IRPJ - 2,26% (1,2% + 1,06% - adicional de 10%); CSLL - 1,08% (9% x 12% da receita bruta/100). Caso não haja o adicional do IRPJ, o total da carga tributária relativa aos tributos federais reduz-se para 5,93%.