Introdução: Como o atomismo foi retomado? A força crescente do Cristianismo nos primeiro séculos da era cristã foi um duro golpe no atomismo. O atomismo era essencialmente uma filosofia materialista e que negava o argumento teleológico, isto é, afirmava que todos os fenômenos têm uma causa natural independente da existência de Deus. Apesar do movimento dos átomos ser aleatório (incluindo o clinamen de Epicuro), isto não implicava em um acaso absoluto, mas resultava em leis naturais inalteráveis. Como foi visto anteriormente, a filosofia de Aristóteles também contribuiu para o enfraquecimento do atomismo. A influência dos Epicuristas praticamente desapareceu na era Cristã, enquanto o próprio Aristóteles foi inspiração para membros da igreja, como Santo Agostinho (354 - 430) e São Tomás de Aquino (1225 - 1274). Excetuando-se uns poucos pensadores da Idade Média, não encontramos representantes do atomismo até que o filósofo francês Pierre Gassendi (1592-1655) tentou harmonizar o atomismo com o Cristianismo, postulando a existência de átomos em um número finito, ainda que inumerável, e criados por Deus. Escreveu uma obra sobre Epicuro – Vie et moeurs d’Épicure – e, como os Epicuristas, acreditava que todo conhecimento advinha da experiência sensível. Isto significava que não bastava somente a reflexão para atingir o conhecimento, mas também realizar experimentos e confiar nos sentidos. Gassendi viveu em uma época de grande renovação do pensamento e da ciência. Foi contemporâneo de Evangelist Torricelli (1608-1647), Francis Bacon (1561 - 1626), Galileu Galilei (1608-1647) e René Descartes (1596-1650), entre outros. E foi com Descartes que travou uma longa polêmica sobre a ciência. Na sua obra Syntagma Philosophicum (Tratado Filosófico), Gassendi enfatiza o método indutivo da ciência e refuta os excessos do processo dedutivo sugerido por Descartes. Curiosamente, para Descartes, o universo era um plenum, sendo completamente preenchido por uma matéria sutil, o "éter" onipresente, e, portanto, não admitia espaço vazio. O éter era o suporte da propagação da luz no espaço e transmitia o movimento da revolução do sol aos planetas. Ambos, porém, compartilhavam uma visão mecânica de natureza. A polêmica atravessou quase vinte séculos e continuava viva: Era o universo um plenum, um contínuum de matéria ou apenas átomos e vazio? E os nossos sentidos eram confiáveis para examinar esse universo ou apenas interferiam naquilo que somente a razão podia deduzir? Aula 3 - O mecanicismo 3.1 O que era o Universo-Máquina? O século XVII é considerado como um marco importante para o pensamento científico ocidental. Afinal, foi nesse período que viveu o físico italiano Galileu Galilei (1564-1642); os astrônomos Johannes Kepler (1571-1630) e Tycho Brahe (1546– 1601); o filósofo francês Renné Descartes (1596-1650); o físico francês Edme Mariotte Comentário: De acordo com Maritain "Na filosofia de Aristóteles e Tomás de Aquino, toda substância corpórea é um composto de duas partes substanciais complementares, uma passiva e em si mesma absolutamente indeterminada (a matéria), outra ativa e determinante (a forma)". (1620–1684); o químico inglês Robert Boyle (1627-1691); o físico inglês Isaac Newton (1642-1727); o microscopista holandês van Leeuwenhoek (1632–1723); entre outros. Estamos no segundo século do Renascimento na Europa. O período é conhecido, entre outras coisas, pelo novo olhar que é dado para os textos gregos clássicos, recuperados dos mosteiros e de traduções árabes, lidos em latim ou no grego original. Muitos cientistas da época, entre eles Isaac Newton, compartilhavam um profundo respeito por esse conhecimento quase esquecido. Entretanto, se havia um olhar para o passado, também existiam novidades na forma de pensar e de fazer a ciência e a técnica. A partir do século XII as máquinas começaram a ser utilizadas na Europa. Máquinas como moinhos de vento, relógios e outras funcionavam boa parte do tempo sem a intervenção do homem. Esse fato colocou Deus como o engenheiro que criou o universo-máquina e o pôs em funcionamento não necessitando mais atuar a cada acontecimento. Até mesmo o corpo humano era comparado a uma máquina. Um aspecto interessante é que os filósofos naturais desse século fizeram uma distinção entre as qualidades primárias e as qualidades secundárias. 3.2 O que são qualidades primárias e qualidades secundárias? Qualidades primárias são qualidades objetivas no sentido de sua realidade, não dependem da existência de seres para percebê-las. Qualidades secundárias são subjetivas, na medida que só se manifestam na sensação, isto é, são efeitos da ação das qualidades primárias das coisas sobre os nossos sentidos. São qualidades secundárias os odores, os sabores, as cores etc. Cada filósofo natural elegeu uma lista de qualidades primárias ao longo do século XVII. Para Decartes, por exemplo, havia uma única qualidade primária: a extensão. Para Galileu seriam a grandeza (o número), a figura (ou forma geométrica) e o movimento. Para Boyle, seriam a extensão, a forma e a impenetrabilidade. Newton incluiu na sua lista a extensão, a dureza, a impenetrabilidade, a inércia e a mobilidade. O que essas listas têm em comum é a restrição do que é objetivo às qualidades mecânicas e do que é passível de ser quantificado. Assim, com essa separação, o programa de “matematização” do conhecimento do mundo físico foi se estabelecendo. Imagens do séc XVI: roda d’água, o microscópio, a luneta de Galileu As novas técnicas, os instrumentos científicos desenvolvidos e os experimentos imaginados por alguns desses pensadores, levaram o conhecimento muito além da filosofia grega original. Era a filosofia mecanicista de Galileu, Descartes e Newton, que tentava explicar a natureza como se fosse uma máquina e quantificar ou geometrizar todos os fenômenos naturais como resultado de uma estrutura de leis universais de causalidade mecânica. No mecanicismo tudo era reduzido a leis mínimas e universais. Uma conseqüência importante desse pensamento foi o fim da divisão do mundo em uma parte celeste, imutável e perfeita; e uma parte terrestre e corruptível, como na filosofia aristotélica. O contraste entre os movimentos circulares dos planetas e os movimentos retilíneos dos corpos em queda livre traduzia a separação entre o mundo supralunar (céu) e o mundo sublunar (Terra). 3.3 Como o mecanicismo uniu o céu e a Terra? Ao contrário de Descartes, Newton atribuía à matéria uma atividade, a propriedade de atração por meio da força gravitacional. Sobre ombros de gigantes ,Newton uniu o céu e a terra, pois a mesma lei que explicava a queda de uma maçã no solo, explicava a “queda” (atração) da Lua em direção à Terra, ou dos planetas, ao Sol. A queda dos corpos não se justificava mais pelo retorno ao seu “lugar natural”, o centro da terra e sim pela força de atração. O movimento da lua em torno da Terra também não era mais explicado porque era da natureza da lua girar dessa maneira, mas por que a Terra exercia uma força de atração que não lhe permitia escapar pela tangente e obrigava-a a manter sua trajetória fechada. Outra conseqüência da filosofia mecanicista era a separação entre a lei e a causa do fenômeno estudado: uma vez que lei da gravitação universal era útil na previsão do movimento de queda, podia ser usada, independente de qual fosse a causa da atração dos corpos ou de como essa atração funcionava à distância. Newton mesmo não explicou nem a causa da gravidade, nem como essa atração se transmitia entre os corpos (ação à distância). Os sucessos da mecânica newtoniana influenciaram a própria concepção de ciência. Antes, a ciência parecia ter o papel de explicar os fenômenos e revelar as causas deles. Com as leis de Newton era possível fazer previsões com grande precisão e qualquer diferença nos resultados experimentais significava um problema a resolver. 3.4 Como a filosofia mecanicista influenciou a química? A visão de natureza como máquina que se expandiu durante o século XVII,de certa forma impulsionava uma teoria corpuscular da matéria como era a de Descartes e a de Gassendi, que como já foi dito são extremamente diferentes. O inglês Robert Boyle é um legítimo representante dessa época: seus experimentos em química e física lhe permitiram elaborar leis sobre o comportamento da matéria e concluir que os três princípios básicos de Paracelso: enxofre, mercúrio e sal - a tria prima, a partir dos quais toda matéria seria formada, não respondiam pelos diversos materiais existentes. Seu princípio unificador em todos os experimentos variados foi a tentativa de usar a idéia de matéria e movimento para explicar mecanicamente todas as reações químicas e todas as propriedades físicas, bem como para descartar todas as propriedades ocultas. Seu primeiro trabalho científico foi sobre as propriedades do ar. Ele, juntamente com seu auxiliar construiu uma bomba de ar semelhante à recentemente inventada por Otto Von Guerricke para provar a existência do vácuo e estudou o comportamento físico do ar. A bomba de vácuo de Boyle possibilitou aos filósofos naturais o estudo do som, da respiração, da combustão e da relação do ar com esses fenômenos. Esse trabalho provocou grande celeuma na época e teve como resposta a publicação de dois livros com violentos ataques tanto às experiências como às interpretações de Boyle. Um deles era da autoria de Thomas Hobbes, defensor da não existência do vácuo e da teoria do “éter” que preencheria todo o universo. O outro foi escrito pelo jesuíta Franciscus Linus que fazia objeções a todo o esquema conceitual sobre o peso do ar e o vácuo, desenvolvido por Pascal a partir do barômetro de Torricelli. Comentário: Galileu enfatizava que as leis físicas valiam tanto na Terra quanto no céu. Kepler era astrônomo e aluno de Tycho Brahe que fez observações astronômicas muito importantes e atribuiu a Kepler a tarefa de encontrar uma descrição matemática do movimento do planeta marte. Kepler tentou construções por círculos e não conseguindo resolveu experimentar outras abordagens, se afastando portanto do quadro platônico (círculos=perfeição). Descreveu, então, todo o sistema solar com órbitas elípticas. Comentário: O famoso experimento com os “hemisférios de Magdenburg”, de 1654, demonstrando a pressão atmosférica. Duas parelhas de cavalos não puderam separar os dois hemisférios que formavam uma esfera sem ar no seu interior. Os hemisférios eram mantidos juntos por serem “empurrados” pela pressão do ar no exterior. Comentário: Para saber mais: “A natureza tem horror ao vácuo”. Essa sentença da escolástica da Idade média teve como inspirador Aristóteles. A não existência do vácuo era defendida pelos gregos –através do argumento de que a água subia em uma coluna da qual o ar havia sido retirado, para preencher o espaço vazio. Posteriormente Galileu afirmara que a subida do líquido não era ilimitada como se supunha e sempre atingia um determinado nível. Com a construção do barômetro por Torricelli, a teoria de Galileu foi confirmada, porém uma nova questão surgiu: aquele espaço era realmente vazio ou ali existiria ar? Torricelli substituiu a água por um líquido mais denso, o mercúrio, pois com esse a elevação deveria ser menor, o que foi confirmado. Pascal repetiu o experimento no alto de uma montanha, encontrando a diferença esperada em relação ao experimento realizado no nível do mar e justificou esse fato pela diferença de pressão atmosférica entre os dois locais. Portanto, o que faz com que um líquido suba em uma coluna é em última análise o peso do ar e não o horror ao vácuo. Pesquisando a elasticidade do ar, Boyle obteve a lei que ficou conhecida como a Lei de Boyle-Mariotte (ambos formularam a mesma lei em trabalhos individuais quase simultaneamente). Em 1661, Boyle publicou seu famoso livro O Químico Cético, onde na forma de diálogo, Boyle esclarece velhas idéias e destrói teorias antigas como, por exemplo, a dos quatro elementos aristotélicos (Ar, Água, Terra e Fogo) e a dos princípios de Paracelso (Enxofre, Mercúrio e Sal). Seu livro foi extremamente influente em estabelecer um novo olhar entre os químicos do século XVII, que já suspeitavam que os quatro elementos aristotélicos fossem misturas, em vez de substâncias puras. Comentário: Sob temperatura constante (condições isotermas), o produto da pressão e do volume de uma massa gasosa é constante, sendo, portanto, inversamente proporcionais. Qualquer aumento de pressão produz uma diminuição de volume e qualquer aumento de volume produz uma diminuição de pressão." A mesma lei foi formulada por Edmé Mariotte em 1676, na França. 3.5 Boyle era atomista? Boyle não aceitou totalmente nem a teoria de Descartes, nem a teoria de Gassendi, formulando uma hipótese baseada na concepção atômica da matéria. O termo corpuscularismo foi formulado pela primeira vez por Boyle, na obra intitulada Origem das Formas e Qualidades (1666). Nesse obra, ele apresenta seu “atomismo”, na tradição dos minima naturalia ou prima naturalia, partícula que ao mover-se no vácuo, criaria aglomerados de matéria, os corpúsculos secundários, responsáveis pelas características imutáveis das substâncias. Esses corpúsculos poderiam se agregar diferentemente para formar toda matéria existente. Se Boyle tivesse traduzido o conceito de elemento para sua linguagem, os corpúsculos secundários seriam para ele os elementos. Tudo indica que Boyle pensava a matéria em três níveis distintos: o das partículas mais simples criadas por Deus, o dos agregados ou corpúsculos secundários e o dos corpos do mundo sensível. Essas pequenas partículas - minima naturalia são equivalentes aos átomos dos antigos no sentido que são os menores blocos constituintes da matéria, entretanto essas partículas são divisíveis no pensamento ou por Deus, embora por processos naturais físicos ou químicos não o sejam. As duas tradições diferem, entretanto, no que diz respeito ao fato de quem os átomos mecânicos são imutáveis e possuem um mínimo de propriedades (qualidades primárias) enquanto que a minima naturalia possuía as propriedades das substâncias das quais elas eram o mínimo. Elas não eram imutáveis porque elas eram transformadas em mínimas mais complexas devido às combinações químicas. 3.6 O conceito de elemento na Teoria de Boyle corresponde ao conceito adquirido pelo termo posteriormente? Segundo LEICESTER (1956), Boyle não conceituava elemento de acordo com o sentido adquirido por esse termo a partir do século XVIII. Para ele, os agregados das partículas últimas constituíam a maioria das substâncias conhecidas que, entretanto, poderiam ser transmutadas em quase qualquer outra substância por um rearranjo das partículas mínimas. De fato, Boyle ainda acreditava na possibilidade de transmutação. Com efeito, Boyle e Descartes são sem dúvida corpuscularistas, porém, como já foi dito, Descartes recusa a noção de vazio e não recorre aos átomos para explicar a sua teoria da matéria. Boyle, por sua vez constrói uma hipótese que une elementos do atomismo antigo, em especial as propriedades primárias da matéria: extensão, forma, impenetrabilidade e movimento, e elementos dos minima naturalia, sobretudo a ênfase nos aspectos qualitativos dos corpúsculos como a textura que ele também elegeu com propriedade dos agregados. Tudo indica que Boyle focou sua atenção nas propriedades e qualidades dos corpúsculos e não das partículas mínimas que Comentário: A idéia de mínima naturalia procede diretamente dos escritos de Aristóteles e corresponde a existência de um mínimo que possuía as propriedades características da substância da qual elas eram o mínimo. Essa idéia foi identificada com uma entidade física por Averróis e seus seguidores. Foi uma teoria desenvolvida numa tentativa de explicar as mudanças químicas e não como uma teoria de todas as coisas como o atomismo. formavam os corpúsculos. Disso resulta sua aproximação com a Química. Aula 4 - As bolas de bilhar de Dalton. 4.1 Por que a massa se conserva em uma transformação química? E por que não se podem obter quantidades arbitrárias de um produto a partir de uma determinada quantidade de reagente ou ainda por que as transformações químicas ocorrem mantendo relações proporcionais em massa? O trabalho de John Dalton (1766-1844) pode dar uma resposta a essas questões. Dalton adotou as idéias do físico e matemático Isaac Newton (1642-1727). Diferentemente de “atomismos” anteriores, Dalton parte de uma visão descontínua da matéria agora fundamentada pelas novas práticas quantitativas da Química. Seus átomos estão apoiados nas leis quantitativas derivadas do estudo das proporções em massa nas transformações químicas, como a tabela de equivalentes de Richter (1792), a Lei da conservação da massa – de Lavoisier (1789), das proporções fixas e definidas de Proust (1802), e a Lei das proporções múltiplas do próprio Dalton. Comentário: Newton admitia que o ar era constituído por pequenas partículas ou átomos de matéria, que se repeliam mutuamente com uma força que aumentava à medida que diminuía a distância entre elas. From Shuster & Shipley, facing p. 16. In turn from a painting by R. R. Faulkner in the posession, in 1917, of the Royal Society. Richter havia mostrado, em 1792, que, na formação dos sais, uma determinada quantidade de ácido se une sempre a uma determinada quantidade de base. A partir daí ele construiu uma tabela de equivalentes (massas que se equivalem). A idéia de proporções fixas foi estendida a todas as combinações químicas por Joseph Proust e reforçada pela noção de proporções múltiplas de Dalton: se dois elementos se combinam para formar dois ou mais compostos, as proporções de cada elemento são sempre múltiplas inteiras de uma quantidade inicial. É importante ressaltar que as leis ponderais poderiam ser explicadas de outra maneira que não envolvesse uma teoria atômica e nem todos os supostos compostos da época obedeciam à lei de Proust. Essa questão gerou opositores a teoria atômica de Dalton. O próprio Berthollet se dedicou a uma outra linha teórica que buscava explicar os fenômenos através do conceito de atividade química. Existiam aqueles que empregavam uma metodologia fenomenalista em oposição aos átomos de Dalton e seus pesos atômicos. O argumento era que a escolha dos pesos atômicos era arbitrária e que os pesos equivalentes eram reais, uma vez que eram unidades observáveis nas reações químicas. Essa visão foi fortalecida com a descoberta de Comentário: Desde 1792, Richter trabalhava com uma tabela de pesos equivalentes tomando com referência o Oxigênio (como 100). Esse método foi elogiado por Davy e continuado no trabalho de Wollaston na Inglaterra e Gay Lussac na França. Uma vez equivalentes podiam ser escritos em termos de volumes de gases sob determinadas condições de temperatura e pressão, equivalentes e volumes tornaram-se termos intercambiáveis. Faraday dos equivalentes eletroquímicos. Seguiam essa linha Richter, Humphry Davy, Wollaston e Gay Lussac entre outros. 4.2 Você sabe qual é a idéia mais importante da teoria de Dalton? O conceito novo e central introduzido por Dalton, é o peso atômico. Cada elemento químico correspondia a um tipo de átomo que seria identificado pelo seu peso atômico, porém, essa era sua maior dificuldade: como obtê-los? As idéias de Dalton foram contestadas devido a uma dificuldade central: Existiam três parâmetros: a composição de uma substância expressa em percentagem por elemento, os pesos atômicos dos seus componentes expressos em valor relativo e a fórmula química de certa substância. Só que esses parâmetros possuem uma relação de interdependência, isto é, para calcular um dos parâmetros é necessário conhecer os outros dois e só o primeiro pode ser obtido diretamente da experiência. Para determinar os pesos atômicos, Dalton era obrigado a recorrer a hipóteses sobre as fórmulas das substâncias compostas, hipóteses que hoje são conhecidas como “Regras de Simplicidade”. Essas “regras” criavam um enorme obstáculo por ocasião da determinação dos pesos atômicos, o peso atômico de um elemento podia variar até de o dobro. Nelas residia o ponto fraco da sua teoria e eram consideradas como “suspeitas” no contexto científico do século XIX. Pode-se citar como exemplo dessas regras as duas primeiras que fazem parte de um conjunto de sete na teoria de Dalton: Quando uma só combinação de dois corpos pode ser obtida, nós devemos presumir que ela é binária, a menos que uma certa causa indique o contrário.[...] Quando duas combinações são observadas, deve-se presumir que elas são uma binária e a outra ternária. (DALTON, 1808 apud BENSAUDE-VICENT, 1991, p.83). Tendo sempre como referência a hipótese mais simples, Dalton admitia que as combinações químicas ocorrem por unidades discretas, isto é, por átomos e que os átomos de cada elemento químico são idênticos em massa. Dalton criou símbolos químicos para representar os elementos químicos. Na sua representação, o símbolo indicava não só o elemento, mas também um átomo desse elemento com uma massa característica. Assim, o hidrogênio era representado por ~ e o oxigênio por { de modo que a água era escrita desta forma: ~{ (HO), devido a sua concepção de simplicidade. Comentário: Os símbolos atuais foram propostos por Berzelius em 1813. 4.3 Então, a partir de Dalton todos os químicos são atomistas? Muitos químicos se recusavam a usar os pesos atômicos calculados a partir desse pressuposto formulado por Dalton. Para as necessidades cotidianas, eles escolhiam, sem esforço, os pesos equivalentes propostos por Wollaston em 1814, porque eles eram inferidos diretamente da experiência. Químicos famosos como Berthelot não aceitaram a realidade atômica e continuaram a usar a tabela equivalentista. A notação atomista foi banida do ensino francês até a morte de Berthelot em 1907, conforme cita BENSAUDE-VICENT (1991, p. 81). Curiosamente, a Teoria de Dalton seria reforçada pela Lei de volumes de Gay Lussac (1809) e pela Hipótese de Avogadro (1811) se Dalton houvesse concordado com elas. Na verdade, ele rejeitou tanto a Lei de Volumes quanto a Hipótese de Avogadro. Dalton sabia que a densidade do vapor d’água era menor que a do Comentário: O nosso famoso eqg (equivalente-grama) que já foi abolido do ensino da Química, de acordo com a IUPAC. oxigênio, a da amônia menor que a do nitrogênio, e a densidade do óxido de carbono1 menor que a do oxigênio. Se volumes iguais de gases diferentes continham o mesmo número de partículas, o óxido de carbono (gás cujas partículas eram formadas por átomos de carbono e átomos de oxigênio), por exemplo, deveria ser mais denso que o oxigênio (gás cujas partículas eram formadas somente por átomos de oxigênio). Como esse não era o caso, ele concluiu que a lei de Gay Lussac era inválida. Ele acreditava que as partículas de um gás composto tinham tamanho maior que as partículas de um gás elementar. De acordo com o que se supunha na época, o vapor d’água deveria ser mais denso que o gás oxigênio. Se o contrário era observado experimentalmente, então volumes iguais de vapor d’água e oxigênio continham números de partículas diferentes. Dalton concluiu que deveria haver menos partículas de vapor d’água que partículas de oxigênio em volumes iguais. No sistema de Dalton, cada átomo estava rodeado por uma esfera de calor, que se pensava ser do material fluido denominado calórico. Dalton sugeriu que todas as partículas de um gás possuem o mesmo tamanho, mas diferem em tamanho das partículas de um outro gás. Como as esferas de calórico se tocam e as partículas possuem tamanhos diferentes para cada gás, o número de partículas por volume é diferente para cada gás. Sua conclusão é, portanto frontalmente oposta à hipótese de Avogadro. A composição dos corpos era então expressa em termos de átomos constituintes. Partindo de proporções de combinação e de leis quantitativas, os químicos procuravam obter dois resultados conexos: tabelas de pesos atômicos para todos os elementos identificados e representar cada substância por uma fórmula química que permitisse analisar e classificar. Para saber mais: Acesse o artigo “200 anos da teoria atômica de Dalton” de Carlos A. L. Filgueiras publicado pela revista Química Nova na Escola, número 20 em novembro de 2004 no endereço sbqensino.foco.fae.ufmg.br. Atividade 3: Questões a se pensar... Use as idéias de Dalton para explicar a Lei da Conservação da Massa e a Lei das Proporções Fixas. 1 É com esse nome que Avogadro se refere em seu texto de 1811 a substância que hoje conhecemos por monóxido de carbono (CO). Comentário: Na primeira metade do século XIX, o vocabulário compreendia uma constelação de nomes. Dalton falava de átomos simples e átomos compostos, por exemplo, a substância oxigênio era constituída de átomos simples de oxigênio e a substância água de átomos compostos formados por átomos de hidrogênio e átomos de oxigênio. Avogadro falava em moléculas. Além de outras palavras que traduziam conceitos forjados em bases diferentes como peso equivalente e peso atômico. Comentário: Para refletir: As atividades dos químicos do começo do século XIX – analisar e classificar – poderiam ser feitas independentemente de suas convicções sobre a realidade dos átomos. Os átomos servem menos para pensar a estrutura da matéria que para resolver questões de linguagem, notação, fórmulas e classificação. Mesmo assim, a utilização desta linguagem, de fórmulas expressando a proporção em termos de átomos constituintes, contém no seu significado alguns elementos da teoria. Trata-se aqui da implicação da teoria na descrição. A própria simbologia química escolhida para os elementos por Dalton já implica em reconhecer a teoria através da descrição. Teoria da Combustão x Teoria do Flogisto George Stahl, médico e químico alemão adotou como os três princípios elementares a água, a terra e o ar. Para a inflamabilidade, Stahl adaptou o termo grego phlogistos, usado por Becker, para flogisto. O fogo na teoria de Stahl não constituía um elemento com na teoria aristotélica, mas uma ferramenta mecânica que ajudava a criar a mescla. Stahl fazia uma distinção bem clara entre misturas, que chamava de agregados e compostos químicos, que ele chamava de mesclas e que requeria uma reação química para ser produzido. De acordo com Stahl, o fogo agiria sobre o flogisto, tanto na teoria da corrosão, como na teoria da combustão e na da calcificação. De acordo com Stahl, quando qualquer substância combustível queimava, perdia uma porção de flogisto que fazia parte de sua constituição. A corrosão era vista por ele de modo semelhante, porém de forma mais lenta. A calcinação era um processo no qual o aquecimento de certos metais gerava o que era chamado na época de cal e que hoje denominamos óxidos. A cal era identificada com o minério e a técnica de fundir o minério com carvão envolvia a transferência do flogisto do carvão para o minério. O minério com flogisto passava a ser então o metal. O flogisto teórico era o princípio da combustibilidade e os materiais combustíveis, como o carvão, eram ricos em flogisto. A chama se extinguia quando o material havia libertado todo o flogisto que possuía. Você pode achar essa teoria meio absurda, uma vez que você já conhece a explicação da combustão como uma reação onde o oxigênio é incorporado, porém não existe apenas uma maneira para se explicar um fenômeno, muitas vezes há mais de uma explicação possível, resta saber qual é a que melhor descreve a realidade. A teoria do flogisto estava errada, porém funcionava e representava o que havia de mais moderno na década de 1760. Stahl raciocinou que o flogisto libertado nas queimas era absorvido pelas plantas e árvores e por isso a madeira era tão combustível. O importante é que a teoria do flogisto foi edificada a partir de um raciocínio lógico e que explicava logicamente uma série de observações empíricas. Esse fato fez com que vários químicos do século XVIII a adotassem e a defendessem. A teoria do flogisto era puramente qualitativa e não quantitativa e foi com relação a esse aspecto que Lavoisier questionou o ponto fraco da teoria: se na calcinação ocorre perda de flogisto, como explicar então, que o produto formado pese mais que o reagente? Na época, se supunha que o flogisto tivesse um peso, porém ninguém havia conseguido pesá-lo e o aumento de peso de uma substância que havia perdido flogisto não estava de acordo com o princípio da conservação da matéria. Foi nessa linha que a pesquisa de Lavoisier se estabeleceu. Em 1º de novembro de 1772, ele entregou suas anotações com o seguinte título: “Sobre a causa do peso ganho por metais e diversas outras substâncias quando calcinadas” ao secretário da Academia de Ciências, onde explicava o aumento de peso pela fixação do ar durante a combustão. Sua teoria só foi apresentada a Academia em 21 de abril de 1773, mas as anotações entregues anteriormente lhe preservavam a precedência. Lavoisier continuou realizando experimentos de calcinação até outubro de 1773, quando chegou a conclusão que alguma espécie de fluido elástico contido no ar era a substância fixada nos corpos e responsável pelo aumento de peso. Comentário: Houve algumas tentativas para exolicar o aumento do peso com a saída do flogisto. Guyton de Morveau, por exemplo, explicou o aumento de peso dos óxidos metálicos, como chamamos hoje, afirmando que o flogisto era mais leve que o ar. Outros atribuíam ao flogisto peso negativo. Existe na atmosfera um fluido elástico específico que se encontra misturado ao ar, e é no momento que a quantidade desse fluido contido sob a campânula se esgota que a calcinação não consegue mais ocorrer. Esse fluido elástico só veio a ser identificado e diferenciado do ar fixo (gás carbônico) com as experiências com mercurius calcinatus na presença de carvão e na ausência de carvão. Na presença de carvão forma-se o ar fixo que já havia sido descrito por Black, Priestley e outros como o gás que extingue a chama das velas e sufoca os animais. Na ausência de carvão forma-se o fluido elástico, o ar eminentemente respirável que Lavoisier denominou posteriormente de oxigênio e que já havia sido anunciado pelo britânico Priestley como ar desflogisticado e pelo sueco Scheele como ar do fogo. Em 26 de abril de 1775, Lavoisier anunciou a academia que o princípio que se unia aos metais durante a calcinação era o próprio ar, entretanto Lavoisier também mencionou que o novo gás era mais puro e respirável que o ar da atmosfera. Sua palestra foi publicada no mês seguinte com o título: “Sobre a natureza do princípio que se combina com metais durante calcinações e aumenta seu peso”. Resumidamente temos: Stahl: metal Æ cal + flogisto (metal = composto) Lavoisier: metal + oxigênio Æ cal (metal = elemento) Comentário: Lavoisier tinha conhecimento dos experimentos de Priestley e de C. W. Scheele. Scheele havia isolado e descrito as propriedades do oxigênio, seu ar de fogo em 1771, porém só publicou seu Tratado sobre o fogo e o ar em 1777. Ele não reivindicou a precedência a que fazia jus sobre a descoberta do oxigênio. Priestley reagiu a publicação de Lavoisier, reividicando para si a descoberta do oxigênio, mas continuou fiel a Teoria do flogisto até a sua morte em1804. Observa-se que na Teoria do flogisto o metal é o composto que se decompõe em flogisto e cal e na Teoria da combustão proposta por Lavoisier, o metal é o elemento que se combina para formar o composto cal ou óxido. Em um outro exemplo podemos observar a aplicação da teoria do flogisto à formação da água a partir do gás hidrogênio, denominado por Stahl de ar inflamável: Stahl : ar inflamável Æ água + flogisto (água = elemento) Lavoisier: Hidrogênio + oxigênio Æ água (água = composto) Na concepção de Priestley, o ar não era um elemento indestrutível e inalterável, mas uma composição. Foi provavelmente ao tomar conhecimento das experiências de Priestley que Lavoisier entre 1776 e 1777 descobriu a verdadeira composição da atmosfera. Ele chamava o oxigênio de ar desflogisticado de M. Priestley, porém foi na memória de 5 de setembro de 1777 que ele designou o ar eminentemente respirável no estado de fixidez ou combinação de princípio acidificante ou ainda, o mesmo significado com um nome grego - princípio oxygine. Na memória de 25 de novembro de 1780, Lavoisier empregou a expressão ar vital para o ar desflogisticado de Priestley. Para Lavoisier, o oxigênio seria a combinação do princípio oxigênio e a hipotética matéria do fogo e do calor denominada calórico. Na calcinação, o calórico se perde e o princípio oxigênio é incorporado pelo metal, formando a cal. Várias dessas cais eram ácidas e decorre dessa observação a idéia de Lavoisier que todos os ácidos seriam substâncias oxigenadas. As idéias de Lavoisier se baseavam sempre em medidas ponderais e volumétricas muito precisas, as mais precisas que os melhores aparelhos da época Comentário: Pode-se perceber que há uma grande diferença conceitual entre as duas teorias e uma mudança conceitual na linguagem Kuhniana é denominada mudança de paradigma. permitiam. Seu método consistia em fazer experiências e estabelecer experimentalmente a prova contrária. Por exemplo, Lavoisier realizou experiências de síntese e de decomposição da água. Em 24 de junho de 1783, através da síntese, provou que a água não era elementar e sim constituída de dois princípios, sendo um deles o princípio oxigênio. No dia seguinte Lavoisier e Laplace comunicaram a academia: “A água não é uma substância simples, ela está composta peso por peso, de ar inflamável e de ar vital”. É interessante observar que outros cientistas da época já haviam sintetizado a água, porém explicaram a síntese em termos da Teoria do flogisto como foi o caso de Henry Cavendish. Em 1784, Lavoisier e Meusnier foram indicados pela academia para aperfeiçoar os aeróstatos (balões de ar quente ou de hidrogênio). Eles fizeram pesquisas sobre métodos de produção de hidrogênio em grandes quantidades e tentaram obtê-lo pela decomposição da água. Utilizaram para esse fim um cano de fuzil de ferro levado a incandescência. A água escorria gota a gota pelo cano se decompondo em hidrogênio e oxigênio. O hidrogênio era recolhido enquanto o oxigênio reagia com o ferro, oxidando-o. Ascensão de Pilâtre de Rozier e do Marquês d’Arlandes num balão de ar quente em 21 de novembro de 1783 Durante o período de 27 de fevereiro a 12 de março de 1785, Lavoisier, juntamente com Meusnier, realizou a decomposição e a síntese da água. Os volumes dos gases empregados foram medidos com muita precisão na presença de um grande número de convidados. Combatendo a teoria do flogisto, Lavoisier também demonstrou que aquilo que se pensava ser elemento (ar e água), desde Aristóteles, era de fato composto. Prancha IV do Tratado Elementar de Química de Lavoisier. Os desenhos foram feitos pela Senhora Lavoisier. A figura 5 corresponde a aparelhagem utilizada para sintetizar a água e a figura 2 ao aparelho utilizado por Lavoisier para o estudo do oxigênio. Para saber mais: Acesse o artigo A revolução Química de Lavoisier: uma verdadeira revolução? Publicado na revista Química Nova 18(2), 1995 do professor Filgueiras no endereço http://quimicanova.sbq.org.br/qn/qnol/1995/vol18n2/v18_n2_14.pdf. Outro artigo muito interessante e detalhado sobre a obra de Lavoisier se encontra no famoso artigo Lavoisier: Uma revolução na química de Lúcia Tosi publicado na revista Química Nova 12(1), 1989 que pode ser encontrado no seguinte endereço http://quimicanova.sbq.org.br/qn/qnol/1989/vol12n1/v12_n1_%20(8).pdf Um livro muito interessante para o trabalho com o ensino médio, inclusive por permitir uma Interseção com a disciplinas de História é o para- didático Lavoisier e a Ciência no Iluminismo do grupo Teknê, editora Atual. As Leis Ponderais de Lavoisier e Proust. As leis ponderais refletiam o desejo de construir uma base teórica para a Química que apagasse seus fundamentos metafísicos, afastando de uma vez por todas qualquer influencia do seu passado alquímico. Esse desejo foi uma característica do movimento iluminista no século XVIII. Vários cientistas procuraram eliminar qualquer referência metafísica na ciência. Lavoisier viveu nessa época e seu país, a França, foi um dos países onde o iluminismo teve a sua maior expressão. Pesar substâncias e investigar elementos com muito rigor eram práticas recorrentes no seu cotidiano. Lavoisier procurou estabelecer suas explicações apoiadas em fatos quantitativos, de modo que a lei obtida pudesse ser expressa em linguagem matemática. Como os nomes das substâncias ainda evocavam as referências alquímicas, Lavoisier concluiu que era necessário criar uma nova nomenclatura que banisse da Química as referências religiosas e místicas do seu passado. Por exemplo, o gás obtido da combinação do nitrogênio com o hidrogênio podia ser chamado indiferentemente de amônia, amoníaco, ou álcali volátil urinoso. Nomes como manteiga de estanho, fígado de enxofre, régulo de antimônio ou cáustico lunar eram antigas heranças da alquimia. Isso causava muita confusão e do ponto de vista didático a situação era bastante insatisfatória. Em 1787, Lavoisier publicou juntamente com Guyton de Mourveau, Berthollet e Antoine Fourcroy o Método de Nomenclatura Química. Nessa obra propôs novos termos para designar os elementos químicos: nomes simples deveriam estar associados a substâncias simples, nomes compostos a substâncias compostas e nomes arbitrários a substâncias desconhecidas. Logo no início Lavoisier escreveu: “...É tempo de desembaraçar a Química dos obstáculos de toda espécie que retardam seu progresso; de introduzir nela um verdadeiro espírito de análise, e nós estabelecemos suficientemente que era pelo aperfeiçoamento da linguagem que esta reforma deveria operar-se”. Dos seus estudos sobre a acidez, Lavoisier concluíra que o ar eminentemente respirável, participante dos processos de combustão e de calcinação, era também o formador de ácidos e, portanto, o nome adequado para esse gás deveria ser oxigênio, pois em grego oxus quer dizer ácido. Outros nomes como hidrogênio, azoto (atual nitrogênio), também foram criados por Lavoisier. A nomenclatura tinha um conteúdo ideológico muito importante, pois estava intimamente relacionada com a teoria desenvolvida por Lavoisier sobre a combustão, a composição da água, do ar, dos ácidos etc. O Tratado Elementar de Química surgiu em 1789 e é uma obra a abrangente pois une teoria à prática. Em dois volumes, no primeiro Lavoisier se ocupa da formação dos gases e de suas reações químicas, da combustão das substâncias simples e da formação dos óxidos. Trata também das reações dos ácidos com as bases e da formação dos sais. O segundo volume é um manual prático de laboratório no qual descreve os aparelhos e técnicas usuais no trabalho experimental. As ilustrações são de Madame Lavoisier. O princípio da Conservação da Matéria já existia, desde a Grécia antiga na forma de um enunciado mais geral: “do nada, nada sai; e nada se torna nada”. Difundido como: “Na natureza nada se cria e nada se perde, tudo se transforma”, não Comentário: Na Europa, a alquimia foi difundida principalmente pelos árabes, durante a dominação da península Ibérica, entre os séculos VIII e XV. Os alquimistas árabes se apropriaram das idéias da filosofia grega a partir dos escritos de Aristóteles, como, por exemplo, a teoria dos quatro elementos (ar, água terra e fogo) e essas idéias passaram para os alquimistas europeus medievais. Comentário: O iluminismo foi um movimento filosófico que se desenvolveu particularmente na França, Alemanha e Inglaterra no séc.XVIII. Defendia a supremacia da razão diante dos dogmas e superstições. Pretendia fundar uma nova razão diferente da razão teológica e difundi-la, o que acarretaria a construção de uma nova cultura. Comentário: Correspondem a cloreto estânico hidratado, mistura de sulfatos e polissulfetos de potássio, antimônio elementar e nitrato de prata. Comentário: Humphry Davy quando estabeleceu que o cloro era uma substância elementar e não um óxido com se pensava devido as propriedades do ácido oximuriático (na verdade ácido muriático) colocou em dúvida a definição de gerador de ácidos de Lavoisier atribuída ao oxigênio e provou que o oxigênio não era o único comburente, uma vez que o cloro mantinha a combustão. Comentário: A utilização desta linguagem contém no seu significado elementos da teoria. Trata-se aqui da implicação da teoria na descrição. A própria nomenclatura química escolhida para os elementos por Lavoisier já implica em reconhecer a teoria através da descrição. Comentário: Muito tempo depois Einstein vai propor que a massa não se conserva podendo se converter em 2 energia. E = m . c foi enunciado dessa forma por Lavoisier. No seu livro Tratado ELementar de Química (1789), ele assim se expressou: “Podemos estabelecer como um axioma incontestável, que em todas as operações da arte e da natureza nada é criado: existe uma quantidade igual de matéria antes e depois do experimento; a qualidade a quantidade dos elementos permanecem precisamente as mesmas e nada acontece além de variações e modificações nas combinações desses elementos. Deste princípio depende toda a arte de executar experimentos químicos: devemos sempre supor uma igualdade exata entre os elementos do corpo examinado e aqueles dos produtos de sua análise”. Para saber mais: O Tratado de Lavoisier teve 23 edições integrais entre 1789 e 1805 em sete países, das quais 7 foram na França. Houve também mais três edições parciais, uma delas no México em 1897. A tabela dos elementos de Lavoisier foi denominada Tabela das substâncias simples e contém 33 elementos divididos em quatro classes. A primeira classe é constituída de por 5 substâncias das quais as duas primeiras são imponderáveis: luz, calórico, oxigênio, azoto e hidrogênio que são substâncias que pertencem aos três reinos. A segunda classe é formada por seis “substâncias oxidáveis e acidificáveis”: enxofre, fósforo, carbono,radical fluórico, radical borácico, radical muriático. A terceira classe é formada por dezessete “substâncias metálicas, oxidáveis e acidificáveis”: antimônio, prata, arsênico, bismuto, cobalto, cobre, estanho, ferro, manganês, mercúrio, molibdênio,níquel, ouro, platina, chumbo, tungstênio, zinco. A quarta classe é a das cinco “substâncias salificáveis terrosas”: cal, magnésia, barita, alumina, e sílica. Frontispício da primeira edição do Tratado Elementar de Química de Lavoisier /Tabela das 33 substâncias simples ou elementos com o novo nome e o nome antigo, entre os quais Lavoisier incluiu a luz e o calórico. Em 1799, Proust demonstrou que o carbonato de cobre preparado artificialmente era idêntico em composição aquele descoberto na natureza. Proust sugeriu que a composição constante poderia ser um critério para os compostos químicos diferenciando-os de misturas e soluções. Proust formulou sua lei com se segue: “Nós devemos reconhecer uma mão invisível que mantém a proporção na formação dos compostos. Um composto é uma substância para o qual a natureza estabelece uma razão fixa, isto é, um ser que a natureza nunca cria outro, a não ser na mesma proporção, peso e medida”. Embora atualmente essa lei pareça evidente, no início do século XIX ela não era aceita por todos. Proust se envolveu em uma famosa controvérsia com Berthollet que defendia a idéia de que a composição era variável. Berthollet tinha a seu favor, entre outros, a existência de vários óxidos de ferro diferentes, o que levava à suposição de que uma quantidade de ferro fosse capaz de se combinar com qualquer quantidade arbitrária de oxigênio e que a mudança na composição fosse contínua. A lista de Berthollet sobre compostos de composição variável incluía ainda soluções, ligas, vidros e óxidos de outros metais como os de estanho, chumbo etc. Era muito comum nessa época que compostos e misturas ainda fossem confundidos. Berthollet acreditava que a afinidade química era uma força semelhante à gravidade e achava que qualquer tipo de combinação entre substâncias era uma expressão dessa mesma força. Não havia nenhuma diferença fundamental entre solução e combinação química e desse modo a Lei das Proporções Constantes era apenas um caso especial da lei geral da afinidade. Durante os próximos nove anos Proust se dedicou a purificar e a analisar compostos para dar suporte a Lei das Proporções Constantes e para demolir os argumentos de Berthollet que era, então, um químico bastante influente. Proust demonstrou isolando os diferentes componentes, que quando uma análise indicava uma porcentagem de oxigênio intermediária, isso era devido à presença de misturas. Posteriormente, foram identificados compostos que não seguem a lei de Proust como, por exemplo, o pigmento branco rutilo de fórmula variando entre TiO2, e TiO1,8 . Esses compostos foram chamados de bertolídeos em oposição àqueles que seguem a lei de Proust denominados daltonídeos. Eis um caso interessante, havia uma falha geral para reconhecer e estudar compostos nos quais íons de tamanho e carga semelhantes pudessem se permutar em um cristal e produzir uma variação na composição. Talvez, o desconhecimento de tais compostos nesse tempo tenha favorecido o desenvolvimento da Teoria Atômica, uma vez que a Lei das Proporções Constantes era um dos pilares da Teoria atômica de Dalton. Aula 5: A Hipótese de Avogadro ou caminhando contra o vento. Busto de Amedeo Avogadro Gay Lussac 5.1 Do que trata a hipótese de 1811? Avogadro publicou sua hipótese no artigo Essai d’une manière de déterminer les masses relatives des molécules élementaires des corps et les proportions selon lesquelles elles entrent dans ces combinaisons, no Journal de Physique, de Chimie, d’Histoire Naturelle et des Arts, de Delamethérie em Paris. Ele formulou a hipótese de que um determinado volume de um gás qualquer contém sempre o mesmo número de “moléculas integrantes” em 1811. Ele apresentou seu trabalho como uma extensão da lei de Gay Lussac sobre a combinação de volumes de 1809. Avogadro empregava os termos molécula, molécula integrante, molécula constituinte e molécula elementar, e nunca o termo átomo. Freqüentemente, os historiadores se referem à falta de clareza no uso dos termos. A correspondência conceitual estabelecida pelos historiadores entre os termos de Avogadro e os termos atuais é de molécula integrante com substância composta, molécula constituinte com substância simples e molécula elementar com átomo. O uso indistinto do termo molécula também é muito comum em seus textos. 5.2 Avogadro era um atomista? Freqüentemente a hipótese de Avogadro é associada à pesquisa dos pesos atômicos e à teoria atômica, porém Avogadro nunca mencionou o termo átomo em seus trabalhos ou se referiu a suas moléculas como diatômicas ou poliatômicas. O próprio Dalton rejeitou explicitamente a hipótese em favor da sua teoria que pressupunha o contrário, isto é, que o número de partículas por volume era diferente para gases diferentes. Avogadro se insere na tradição de pesquisa de Berthollet e seu principal interesse era o de determinar os pesos moleculares e não os pesos atômicos, para então obter a afinidade pelo calórico de uma substância. Em decorrência da hipótese de Avogadro (volumes iguais contêm o mesmo número de méculas), os pesos moleculares de dois gases estão na mesma razão que as densidades desses gases. Comentário: A lei vlumétrica de Gay Lussac estabelece que nas mesmas condições de temperatura e pressão, os volumes dos gases participantes de uma reação têm entre si uma relação de números inteiros e pequenos. Comentário: Mémoires de la Société d’Arcueil, volume II. Comentário: Os termos parte integrante, molécula primitiva integrante, e parte constituinte não são originais e já constavam do Dicionário de Química de Macquer de 1766. Os termos molécula integrante, molécula constituinte e molécula elementar são citados no livro Systèmes de Connaissances Chimiques de Fourcroy de 1800 (CROSLAND, 1980). Fourcroy indicava que os corpos eram formados pela reunião de um grande número de moléculas integrantes através da força de agregação. Cada uma dessas moléculas podia por sua vez ser formada pela reunião de várias moléculas constituintes que correspondiam aos “princípios” ou elementos que formam os compostos. Os pesos moleculares assim obtidos são determinados em relação ao peso da molécula de hidrogênio e não em relação ao átomo de hidrogênio. 5.3 Se volumes iguais de quaisquer gases possuem o mesmo número de partículas (submetidos à mesma pressão e temperatura) como explicar que n partículas de oxigênio que ocupam o volume V ao se combinarem com n partículas de nitrogênio que ocupam o volume V formando n partículas de NO resultava em um volume de NO correspondente a 2 V e não esperado, uma vez que o número de partículas era o mesmo: n ? A hipótese de Avogadro foi refutada na época, por dois conjuntos de dados experimentais: reações cujos volumes gasosos obedeciam a proporção 1:1:2 como na síntese do óxido nítrico e a densidade incomum de alguns gases como o oxigênio. Para explicar reações do tipo da síntese do óxido nítrico, Avogadro introduziu uma hipótese ad hoc de que as moléculas integrantes se dividiam durante a reação em tantas partes quanto o “que é necessário para satisfazer o volume de gás resultante” (AVOGADRO, 1811). Deste modo, a molécula integrante que se forma “se divide em duas ou mais partes ou moléculas integrantes constituídas pela metade, quarta parte, etc. do número de moléculas elementares de que era formada a molécula constituinte da primeira substância, combinada com a metade, a quarta parte, etc. do número de moléculas constituintes da outra substância que deveria se combinar com a molécula total, ou, o que é a mesma coisa, com um número igual ao número de meias-moléculas, de quartos de molécula, etc., desta segunda substância, de modo que o número de moléculas integrantes do composto se tornam o dobro, quádruplo, etc. do que ele deveria ser sem essa divisão” (AVOGADRO, 1811). 1 VOLUME DE NITROGÊNIO + 1 VOLUME DE OXIGÊNIO Æ 2 VOLUMES DE ÓXIDO NÍTRICO Æ 5.4 Você percebe que Avogadro propôs um mecanismo de reação ao supor que moléculas se dividem? Que obstáculos essa idéia posterior teve que enfrentar? A suposição de moléculas constituídas por unidades elementares iguais que podiam se dividir conflitava com a teoria dualística de Berzelius. Partículas idênticas deveriam se repelir de acordo com os antigos fundamentos newtonianos ou de acordo com fundamentos mais recentes sobre a natureza elétrica dos elementos químicos revelada nos experimentos de eletrólise. O próprio Berzelius tinha uma hipótese mais simples que a de Avogadro: volumes iguais de gases elementares contêm o mesmo número de átomos. Comentário: A densidade de vapor de uma substância é a relação entre o peso de determinado volume de vapor, sob determinadas condições, e o peso do mesmo volume de hidrogênio nas mesmas condições. Pela Hipótese de Avogadro, ambos os volumes contêm o mesmo número de moléculas (n). A densidade de vapor da substância será dada por: Peso de n moléculas da substância/peso de n moléculas de hidrogênio ou ainda Peso de 1 molécula da substância/peso de 1 molécula de hidrogênio e portanto o peso molecular será dado por Densidade de vapor da substância x peso molecular do hidrogênio. Berzelius foi um cientista extremamente conceituado e lido pelos cientistas da época e era muito difícil gerar um conhecimento que se opusesse às suas idéias. Mesmo como método para obter pesos moleculares, a hipótese era de limitada aplicação, pois embora permitisse obter pesos moleculares diretamente das densidades, o método se restringia a gases e vapores. 5.5 Que anomalias foram apontadas em relação à Hipótese? Em 1826, Dumas desenvolveu um novo método para medir diretamente a densidade de vapor e determinar indiretamente o peso molecular relativo de diferentes substâncias no estado gasoso. Seu método é ainda utilizado em análises químicas. Entretanto, Dumas não havia feito uma clara distinção entre moléculas e átomos e os resultados foram decepcionantes. Dumas empregou seu método para determinar as densidades do fósforo, arsênio, mercúrio e enxofre. Os pesos atômicos calculados a partir das densidades de vapor determinadas variaram da metade do peso atômico aceito para o mercúrio até o quádruplo do peso atômico aceito para o fósforo e com resultados variáveis para o enxofre. Gaudin forneceu uma explicação para esses resultados que consistia em considerar o fósforo tetratômico, o vapor de mercúrio monoatômico e o enxofre hexatômico. Essa explicação, porém, deve ter sido considerada ad hoc pelos químicos. A hipótese inicial de que a densidade de vapor de um gás poderia fornecer uma medida direta de seu peso atômico relativo foi reprovada. Em 1836, Dumas abandonou a hipótese de Avogadro como um meio de determinar os pesos atômicos e concluiu que diferentemente dos pesos equivalentes, pesos atômicos não podiam ser simplesmente e precisamente determinados. Outras tentativas para determinar o peso atômico ou o peso molecular também se mostraram anômalas devido a, então, desconhecida dissociação no estado de vapor de algumas substâncias, como o cloreto de amônio. Até 1850, não havia um modelo teórico consistente para explicar esse fenômeno. As anomalias eram facilmente interpretadas como uma refutação da hipótese. 5.6 Será que todos eram contra ou indiferentes a Hipótese? Quem adotou a Hipótese de Avogadro? Pode-se afirmar, entretanto, que a hipótese não permaneceu desconhecida. Muitos químicos a conheciam seja como hipótese de Avogadro, ou como hipótese de Ampère. A hipótese foi discutida por Laurent, Berzelius, Gaudin, Baudrimont e outros nos anos vinte, trinta e quarenta do século XIX. Nos anos cinqüenta, ela foi discutida por Wurtz, Williamson, Odling, Brodie e Kekulé, o que não significa dizer que ela tenha sido aceita. A hipótese de Avogadro foi restrita quase inteiramente a artigos teóricos, sendo raramente mencionada em livros textos e apenas citada em publicações semelhantes por Dumas em Traité de chimie appliquée aux arts (1828), Daubeny em An introduction to the atomic theory (1831) e Baudrimont em Traité de chimie générale et expérimentale (1844). De acordo com FISHER (1982), a hipótese foi simplesmente mencionada e não utilizada para organizar o caos dos pesos atômicos ou com propósito instrutivo, o que contribui para a sua interpretação de que a hipótese foi considerada suspeita. Baudrimont e Laurent foram os primeiros a estender o campo explicativo da hipótese de Avogadro quando justificaram em termos de átomos livres a alta reatividade dos elementos no estado nascente diante da reatividade menor das moléculas, na substituição do hidrogênio pelo cloro em hidrocarbonetos (1844/1846). A hipótese de moléculas que se dividiam propõe um mecanismo de reação que justifica a presença de átomos livres. Até esse momento, a distinção entre átomos e moléculas dos elementos, feita primeiramente por Gaudin, tinha sido um assunto de Comentário: As referências para os pesos atômicos eram obtidas através da lei dos calores específicos de Dulong e Petit e da lei do isomorfismo de Mitscherlich e por analogias como, por exemplo, entre o amoníaco e a fosfina. Comentário: Wollaston em 1814 sugeriu o termo peso equivalente para expressar a razão com que os elementos se combinam e o seu uso, no que foi seguido em 1838 por químicos muito influentes como Liebig, Wöhler e Gmelin. O sistema de equivalentes de Leopold Gmelin, muito difundido na Europa, foi construído exclusivamente a partir de relações ponderais, sem qualquer referência às relações volumétricas. Comentário: Ampère formulou a mesma hipótese em 1814. Dumas e Prout também formularam a hipótese em 1827 e 1834 respectivamente. Comentário: Em Recherche sur la Structure Intime des Corps Inorganiques Définis, Marc A. Augustin Gaudin propõe: “Nós estabeleceremos, portanto uma distinção bem marcada entre os termos átomo e molécula, e isto com muito mais certeza, pois se até hoje não se chegou às mesmas conclusões que eu, foi unicamente por não terem estabelecido essa distinção. Um átomo será para nós um pequeno corpo esferóide homogêneo, ou ponto material essencialmente indivisível, enquanto uma molécula será um grupo isolado de átomos, em qualquer número e de qualquer natureza. A fim de evitar as repetições e em vez de dizer: uma molécula composta de 1, de 2, de 3, de 4, de 5, de muitos átomos, etc, faremos o adjetivo monoatômico, diatômico, triatômico, tetratômico, pentatômico, poliatômico, etc. acompanhar o substantivo molécula”. Ainda em outra passagem do mesmo artigo: “Consideremos as combinações de gases. Desde que as partículas estejam mantidas a uma mesma distância, por uma mesma pressão e temperatura, diremos 1, 2, 3 partículas, em vez de 1, 2, 3 volumes e substituiremos mesmo o termo partícula pelo termo molécula, uma vez que agora, o termo partícula é considerado como contendo vários átomos”. simples definição, subordinada inteiramente à hipótese de Avogadro, e não teve uso posterior. Na explicação de Baudrimont e Laurent, as considerações de Avogadro da reação entre hidrogênio e cloro como HH + ClCl = 2HCl, teve pela primeira vez uma distinta vantagem explicativa sobre as considerações de Berzelius H + Cl = HCl. Influenciados pelos conhecimentos já adquiridos na cristalografia, alguns químicos tentaram explicar os fenômenos químicos através do arranjo espacial dos átomos na molécula. Marc Antoine Gaudin já havia sugerido a idéia de uma “arquitetura do mundo dos átomos” (1833), e Alexandre Édouard Baudrimont tentou uma interpretação das combinações químicas em termos de rearranjos de átomos (1833). Laurent, ao tratar hidrocarbonetos com cloro, concluiu que o cloro substituía o hidrogênio nesses compostos, isto é, ele ocupava o lugar do hidrogênio. Esse fato já havia sido observado por Dumas, que em 1834 havia enunciado uma lei empírica de substituição que pode ser resumida da seguinte forma: quando uma substância contendo hidrogênio é submetida a desidrogenação pela ação de cloro, bromo ou iodo, para cada volume de hidrogênio que ela perde, ela ganha um volume igual de cloro, bromo ou iodo e quando a substância contém água, ela perde o hidrogênio correspondente a essa água sem substituição (DUMAS, 1834 apud IHDE, 1970). Posteriormente, em um artigo publicado em 1846, Recherches sur les combinaisons azotées nos Annales de Chimie, Laurent se refere às moléculas de corpos simples como, por exemplo, hidrogênio, cloro, bromo como sendo diatômicas e propondo um mecanismo de substituição para explicar a reação entre hidrogênio e cloro, como se segue: A molécula de hidrogênio, cloro (...) é formada de dois átomos que constituem uma combinação homogênea (HH), (ClCl), (MM), etc. Essas combinações homogêneas colocadas em presença umas das outras podem dar lugar a uma dupla decomposição ou a uma substituição e formar desse modo uma combinação heterogênea: (HH) + (ClCl) = (HCl) + (ClH) Admitiremos que cada molécula de corpo simples é ao menos divisível em duas partes que poderemos chamar átomo; essas moléculas só podem se dividir no caso de combinação. Então, cada letra O, H, Cl representa um meio-volume ou meiamolécula ou um átomo. O átomo de M. Gerhardt representa a menor quantidade de um corpo simples que possa existir em uma combinação. Minha molécula representaria a menor quantidade de um corpo simples que é necessário empregar para operar uma combinação, quantidade que é divisível em dois pelo próprio ato da combinação. Desse modo Cl pode entrar numa combinação, mas para isso é necessário empregar Cl2 (...). (LAURENT, 1846, p.295-296). 5.7 Como a hipótese de Avogadro foi finalmente aceita quase cinqüenta anos após sua publicação? Em 1857, Clausius, professor de física do Instituto Politécnico de Zurique publicou um artigo denominado Über die Art der Bewegung, welche wir Wärme nennen (Sobre o tipo de movimento que nós denominamos calor). Clausius parece ter pensado no movimento de moléculas diatômicas e poliatômicas indiferentemente do que ocorria na época. Parece, portanto, desconhecer o longo debate entre os químicos e a hipótese de Avogadro ou de Ampère, como foi muitas vezes citada, e a hipótese ad hoc de Avogadro da existência de “moléculas constituintes” e “moléculas integrantes”. Da teoria de Clausius foi possível obter a lei de Gay Lussac da combinação de volumes e posteriormente, em 1860, Maxwell derivou a hipótese de Avogadro a partir de uma teoria física independente em Illustrations of Dynamical Theory of Gases. Em 1860, Cannnizzaro distribuiu por meio de Angelo Pavesi sua monografia denominada Sunto di un corso di filosofia chimica (1858) no Congresso de Karlsruhe. Nela, Cannizzarro oferecia uma definição pragmática e ao mesmo tempo oportuna de átomo químico a partir do conhecimento adquirido nos últimos cinqüenta anos: “As diferentes quantidades de um mesmo elemento contidas em diferentes moléculas são todas múltiplos inteiros de uma e mesma quantidade, que sendo sempre inteira, tem o direito de ser chamada átomo” (CANNIZZARO, 1858 apud BROOKE, 1995, p. 241). Cannizzaro propôs uma reforma do ensino de Química através da adoção dos pesos atômicos corrigidos por Laurent-Gerhardt e da hipótese de Avogadro. A monografia de Cannizzaro impressionou fortemente Lothar Meyer, químico alemão que havia estudado com Bunsen e Kirchhoff, de tal forma que em 1864 ele publicou o primeiro livro de Química organizado dedutivamente: Die Modernen Theorien der Chemie no qual desenvolveu a teoria química a partir da Hipótese de Avogadro. Figura 2 – Fotografias de Stanislao Cannizzaro (esquerda) e Lothar Meyer Em 1872, Cannizzaro foi convidado pela Chemical Society para fazer uma conferência. O tema escolhido foi “Considerações sobre alguns pontos do ensino teórico de Química” e a reforma proposta, que incluía a hipótese de Avogadro, era uma reforma dos professores. Cannizzaro questionou se seria melhor manter a tradição empirista do ensino de química da primeira metade do século, evitando assim discutir nas aulas a Teoria atômica e molecular como perigosa e especulativa e manter a atenção confinada às leis empíricas da Química. Obviamente, ele enfaticamente concluiu que isso não seria do maior interesse dos estudantes (FISHER, 1982). Nessa época, a aversão ao método dedutivo na Química e as questões metafísicas sobre a hipótese atômica estavam sendo superadas. O tempo estava propício, então, para que a interpretação dada por Avogadro aos fatos estabelecidos por Gay Lussac pudesse ser apreendida. Comentário: Gaudin nos anos trinta já havia insistido que até que se pudesse provar que meias moléculas de hidrogênio e cloro pudessem ser divididas, elas deveriam ser tomadas por átomos, e como Cannizzarro também sugeriu em 1860, Gaudin havia usado o calor específico e o isomorfismo como princípios complementares à determinação dos pesos atômicos empregando a hipótese de Avogadro (COLE, 1975 apud BROOKE 1995), uma vez que todos os métodos de determinação de pesos atômicos tinham suas exceções (FRICKÉ, 1976). Comentário: De acordo com FISHER (1982), a aparente facilidade com que Meyer removeu as dúvidas e incertezas no seu livro, foi de crucial importância para a eventual aceitação da hipótese pelos professores de química. Esse livro foi traduzido para o inglês e para o francês e teve várias edições, pelo menos cinco. A partir da segunda edição, Meyer incorporou seu sistema de classificação periódica dos elementos. Comentário: Journal of the Chemical Society, xxv, 1872, reimpresso em Chemical Society, Faraday Lectures, Londres, 1928. Citado por FISHER, 1982. Atividade 4 4.1 - A fórmula da água para Dalton era HO e para Avogadro era H2O (não com essas representações), explique a partir de reações entre o Hidrogênio e o Oxigênio, as duas fórmulas obtidas. 4.2 - Qual a novidade introduzida por Avogadro para explicar a constituição das substâncias simples? Conclusão A física no século XVIII sofreu uma grande transformação. Não era suficiente considerar na matéria as divisões, figuras e movimentos e, entre as diversas partículas dos corpos, supôs-se a ação de atração ou repulsão. Segundo Descartes, a única qualidade sensível da matéria era a extensão, conseqüentemente, ele negava a possibilidade de vazio e para ele o espaço era plenamente preenchido. O plenum e a divisibilidade infinita da matéria justificavam, portanto, a rejeição ao atomismo. Descartes não acreditava na existência de forças a distância e segundo ele, o movimento era comunicado de uma parte da matéria a outra por contato direto. Como a matéria era identificada com extensão, onde há extensão há substância e como o espaço era infinitamente divisível, o mesmo podia ser dito em relação à matéria. Para o mecanicismo, a natureza deve ser redutível em último à matéria e movimento e a explicação deve se restringir às causas mecânicas. Isso permitiu que o atomismo grego fosse revivido através de teorias mecanicistas que incluíam o vazio. Vimos neste módulo que a teoria atômica de Dalton era compatível com o conceito de elemento químico de Lavoisier e estava baseada nas leis das combinações químicas e na identificação dos átomos químicos de acordo com o seu peso relativo. As regras de simplicidade eram frequentemente criticadas como o ponto fraco da teoria e Dalton acreditava que átomos do mesmo tipo se rejeitavam. O congresso de Karlsruhe em 1860 trouxe o reconhecimento gradual da Hipótese de Avogadro de 1811 e do seu método de determinação de pesos atômicos por intermédio de Cannizzaro, o que reforçou o status conceitual da teoria atômica química. O atomismo químico era, entretanto, diferente das partículas dos físicos, que significavam simplesmente partículas indivisíveis. Para Dalton os fenômenos químicos se explicavam pela existência de diferentes elementos. Isto o levou a admitir dezenas de átomos irredutíveis: o átomo de nitrogênio é diferente do átomo de oxigênio que por sua vez é diferente do átomo de hidrogênio, e nada havia que fosse comum a estes diversos componentes da matéria. Este ponto foi vivamente discutido, pois segundo muitos químicos, por trás da aparente multiplicidade de elementos, de tal diversidade, devia haver alguma coisa mais simples e mais fundamental que unificasse os diferentes constituintes materiais. Esta concepção ficou conhecida como “unidade da matéria” e seus partidários se opuseram ao sistema de Dalton. Prout, por exemplo, sugeriu a hipótese de que todos os pesos atômicos eram múltiplos do peso atômico do hidrogênio: o hidrogênio era a “matéria primeira” da qual os outros elementos eram constituídos. O inconveniente era que, para obter esses múltiplos, Prout deveria dar uma “ajuda” aos números geralmente aceitos. À mesma corrente “unitária” ligavam-se nomes como Humphry Davy e Thomas Graham. Davy, diferentemente de Lavoisier supunha que as propriedades não eram decorrentes simplesmente dos componentes da substância, mas também de seu arranjo relativo. Desse modo, para Davy um elemento químico não se comportava como um princípio. Thomas Graham só admitia para a matéria um único constituinte e todas as diferenças observadas entre os elementos decorriam de diferenças nas condições de movimento dessa partícula última. Faraday também ressaltou o caráter hipotético dos pretendidos átomos. Para ele, mas valia ver neles uma “ilusão materialista”. De acordo com Faraday, a matéria, de fato, não é senão “a força submetida a certas determinações”. Influenciado pela corrente alemã da Naturphilosohie, Faraday era francamente favorável ao modelo proposto no século XVIII dos átomos pontuais de Boskovich - centros imateriais de força, podendo a força ser de atração ou repulsão. Essa forma de explicar a natureza, na qual as unidades da matéria são meros centros de força, reais, homogêneos e indivisíveis, ficou conhecida na filosofia como dinamista. O dinamismo é “a visão de que todos os fenômenos da natureza, inclusive a matéria, são manifestações de forças” (CAPEK, 1967 apud ABRANTES, 1998, p.73). Essa visão de natureza será explorada no próximo módulo. Bibliografia AVOGADRO, Amadeo. 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