A EDUCAÇÃO FÍSICA EM NOVA FRIBURGO - VISÃO DO
CORPO DISCENTE
Maximiliano Neves
Vitor Burns
Resumo: O presente trabalho tem como objetivo refletir sobre o ensino da educação física
nas escolas públicas de Nova Friburgo, a partir da avaliação dos alunos inseridos neste contexto.
Foram realizadas entrevistas com 30 alunos do Ensino Fundamental. A partir da análise dos dados
obtidos destacamos para reflexão as categorias que se seguem: o gosto pela escola e pela
disciplina, a valorização social da educação física, os conteúdos e procedimentos, as condições
de infra-estrutura e a relação professor-aluno.
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Introdução
Com a preocupação voltada para a questão da qualidade de ensino nas escolas públicas, foi
estruturado um projeto de iniciação científica, com o objetivo de analisar o ensino da educação
física, no contexto das escolas de Nova Friburgo. Pretendemos responder a seguinte pergunta:
Como esta disciplina vem sendo trabalhada pedagogicamente no interior das escolas públicas,
diante dos inúmeros fatores que podem no cotidiano limitar a concretização dos objetivos
educacionais?
Afirmamos de início a nossa compreensão em torno da questão da qualidade de ensino, que
não pode ser concebida apenas no como obtenção de resultados quantitativos. Gentile (1995)
trata deste assunto e nos alerta para o fato de que este termo vem sendo entendido no discurso
neoliberal e conservador como propriedade, e analisa o discurso da qualidade como uma nova
retórica conservadora no campo educacional.
Rodrigues (2003), chama atenção para a visão reducionista das políticas públicas de
qualidade da educação. Apresenta as fraquezas teóricas e metodológicas no entendimento desta
temática. Segundo ele, há uma falta de precisão conceitual no que deve ser qualidade da
educação, tendo em vista que não pode se restringir ao saber ler, escrever e realizar as quatro
operações. Há, ainda, uma fraqueza na abordagem quantitativa e no economicismo para entender
a educação, que vem se dando pelo maior número possível de alunos por unidade de capital
investido.
Nos interessa neste momento refletir sobre a realidade da educação física sem perder de
vista esse contexto mais amplo. A educação física como disciplina que faz parte do currículo
escolar, vivenciou diferentes tendências ao longo de sua história na sociedade brasileira e
diferentes objetivos lhes foram impostos. Mas se considerarmos as ações de infra-estrutura, no
período de implantação destas propostas no âmbito escolar, apenas um pequeno esforço foi feito
para que se tornassem realidade. As ações de ordem ideológicas foram mais marcantes e apenas
algumas unidades de ensino receberam recursos materiais necessários para a efetivação dos
projetos de educação física. Nos projetos arquitetônicos das nove escolas públicas "modelos"
analisados por Rodrigues (2003), ao longo de 6 décadas, apenas 3 apresentavam espaços e
instalações para o ensino da educação física. Esta observação vem reforçar a idéia apresentada
acima. As mudanças se processam mais no nível das normas, contudo no dia-a-dia a implantação
das propostas educacionais é limitada por diferentes fatores.
Considerando as dificuldades encontradas para o ensino da educação física, seja de ordem
material ou organizacional, decidimos por ouvir o corpo discente como parte dos atores sociais
envolvidos no processo de ensino-aprendizagem.
O objetivo desta investigação foi avaliar o ensino da educação física nas escolas públicas
localizadas no município de Nova Friburgo, considerando as seguintes questões: o gosto pela
escola e pela educação física, a valorização social em torno desta disciplina, conteúdos e
procedimentos, e condições matérias e organizacionais para o seu ensino.
Foram escolhidas 5 escolas que oferecem o segundo segmento do Ensino Fundamental, na
zona urbana do Município de Nova Friburgo, pertencentes à rede pública. Foram entrevistados 30
alunos, de ambos os sexos, entre 10 e 18 anos, pertencente em sua grande maioria às classes
populares e trabalhadoras do município.
Sobre o interesse dos alunos em torno da escola, a grande maioria falou dos
relacionamentos afetivos com colegas e professores, como aspectos que mais lhes motiva a
frequentar a escola. Outros trabalhos em realidades distintas também verificaram esta motivação.
(Damazio, 2003; Beti, 1995). A escola é o espaço de encontro social para estes adolescentes e
mesmo no contexto rural como no contexto urbano, os adolescentes permanecem boa parte de
seu dia diante da televisão, ou afastados das ruas, por diferentes motivos: segurança, falta de
espaço de lazer ou grupo de referência, etc. As brincadeiras coletivas realizadas nas ruas e nas
praças, não são tão frequentes na realidade das nossas cidades e até de algumas comunidades
rurais. Talvez estes fatos possam explicar a grande valorização da escola como espaço de
construção de relacionamentos. Ainda, as respostas por parte dos alunos poderiam nos alertar
para que a questão da afetividade também faça parte das preocupações dos educadores.
Os alunos repudiam no espaço escolar a desorganização, a sujeira, as cadeiras e as mesas
quebradas. A questão organizacional e estrutural da escola é percebida pelos alunos como
descaso: “eu não gosto da sujeira dos banheiros e por toda escola”. Este fato pode influenciar no
processo de educação, pois como educar para a cidadania, quando o aluno percebe que a escola,
lugar de referência, não apresenta organização, não é bem cuidado, não apresenta estética
agradável? Um grupo de alunos demonstrou o desagrado com o desperdício da merenda escolar :
" Não gosto de ver a comida sendo jogada fora.". Este fato que nos chamou atenção e
questionamos: como a escola tem tratado deste problema no cotidiano?
Segundo Lovisolo (1997), a educação física, mesmo não sendo a disciplina de maior
valorização no interior das escolas, é que mais motiva os alunos. Encontramos esta mesma
resposta nas escolas em Nova Friburgo. Se os alunos se interessam tanto pela educação física
como verificamos nesta investigação, por que motivo a participação efetiva nas aulas não nem
sempre é tão comum? Há necessidade de identificar os fatores que estão atrelados a este
problema.
Os alunos, em sua maioria, demonstraram estar satisfeito com as aulas de educação física, e
apontaram a presença dos esportes e dos jogos como ponto de interesse. Porém, em torno de 30
% dos entrevistados consideram as aulas ruins e sem motivação, justificando suas respostas pela
falta de espaço, de material, de disciplina, de orientação para o ensino e principalmente pela
atitude do professor. Observamos muitas críticas a respeito da relação professor-aluno. O jeito de
conversar do professor, sua impaciência/paciência e seu modo de ensinar, não passam
desapercebidos pelos alunos. O professor tem papel fundamental para gerar o gosto pela
disciplina, pelo conteúdo e pelo aprendizado.
O que mais gostam nas aulas são os esportes. Este conteúdo, supomos, eleito pelos
próprios professores, se destaca na avaliação dos alunos. Mas avaliaram de forma negativa as
aulas teóricas, a carência de materiais e espaços, o pouco tempo de aula, o aquecimento, as
atitudes de violência entre colegas e o desrespeito observado nas suas experiências com a
educação física. À escola cabe utilizar estes dados para avaliar suas práticas educacionais, seus
projetos e organização do cotidiano escolar.
Soares (1992) ao falar da educação física na perspectiva de cultura corporal, aponta para
uma prática de educação física, que selecione conteúdos de relevância para os alunos, e defende
a inserção dos diversos elementos da cultura corporal no cotidiano escolar. Mas o esporte ainda é
o conteúdo mais valorizado e utilizado nas escolas brasileiras. Nas repostas obtidas entre os
entrevistados, os esportes, suas regras e técnicas, aparecem como temas privilegiados nos
programas da disciplina, indicando ser o conteúdo mais ensinado nas escolas públicas.
Os alunos reclamam da pouca diversificação em torno das práticas corporais oferecidas nas
aulas de educação física. Eles reclamam da repetição de atividades atribuindo aos professores a
responsabilidade por esta rotina. Por outro lado, os próprios alunos apontam a carência de infraestrutura como fator que interfere na qualidade da aula de educação física. Os professores podem
se acomodar diante da falta de condições para trabalhar com conteúdos diversificados, mas
aqueles que se esforçam para realizar mudanças, encontram limitações que determinam a
qualidade do seu trabalho. Vários alunos reclamaram de aulas teóricas, mas encontramos no
discurso dos entrevistados uma fala que pode levar a compreender os momentos de aulas em
sala: “As aulas são legais, tem jogos, esportes e nos dias de chuva a gente fica na sala passando
tempo”. Acreditamos que a educação física também deve trabalhar com conteúdos que merecem
momentos de reflexão no espaço da sala de aula, mas na realidade que encontramos, a decisão
pelo uso da sala de aula, aparece como alternativa diante da ausência de espaços adequados
para práticas corporais.
A baixa qualidade em termos de infra-estrutura (espaço e material para ensino) foi observada
com freqüência nas entrevistas. Shigunov (1997), Betti (1995), Damazio (2003) entre outros, em
realidades diferentes, relataram este quadro desalentador em que se encontram as escolas
públicas no Brasil. Esta observação nos remete a diferentes abordagens para reflexão. Freire
(1989), fala da economia de espaços que estaria associada à preocupação com a disciplina tanto
do tempo como do próprio corpo dos alunos. Frago (2001) lembra que o espaço também educa, e
afirma que as experiências espaciais desempenham importante função na construção das
estruturas sensoriais, intelectuais e motoras das crianças. Parece óbvio que os alunos reclamem
dessa condição para o ensino. Porém, precisamos estar atentos e não considerar normal esta
realidade. Esta questão merece mais atenção dos educadores e daqueles que definem políticas
públicas no âmbito da educação como também do planejamento urbano.
Este trabalho de investigação vem contribuir para conhecermos a realidade do ensino da
educação física nas escolas públicas e pode contribuir pra uma reflexão em torno do papel desta
disciplina no currículo escolar. A educação física parece ser a disciplina que mais trás inquietação
no interior das escolas, por demandar condições específicas para desenvolver o seu objetivo. Mas
esta inquietação não tem incomodado aqueles que indiretamente decidem os rumos da educação
na sociedade brasileira. Estes elementos não parecem ser compreendidos como fatores que
interferem diretamente na qualidade de ensino.
Os autores , Maximiliano Neves e Vitor Burns sâo alunos e foram orientados pela
professora Ms. Marcia Damazio, trabalho desenvolvido na UNESA - Nova Friburgo.
Bibliografia
BETTI, Irene C.R. Educação Física escolar: a percepção discente. Revista do Colégio Brasileiro
de Ciências do Esporte. Santa Maria, v. 13, n.3, p.158-167, maio, 1995.
DAMAZIO, Márcia S. Qualidade de educação e educação física na visão do corpo discente.
Niterói, Anais do VII Enfef, 2003. pg.238- 240.
FRAGO, Antônio V.; ESCOLANO, Agustín.Currículo, espaço e subjetividade: a arquitetura como
programa. Rio de Janeiro, DP&A, 2001.
FREIRE, João B. Educação Física de corpo inteiro.Teoria e prática da educação física escolar. Rio
de Janeiro, Editora Scipione, 1989.
GENTILI,Plabo.(org) .Pedagogia da exclusão. Petrópolis, Vozes, 1995.
LOVISOLO, Hugo. Estética, esporte e educação física. Rio de Janeiro, Sprint, 1997.
RODRIGUES, Sul Brasil Pinto. Cidadania Excluída. Rio de Janeiro, Editora Revan, 2003.
SHIGUNOV,Viktor. A influência dos espaços físicos e materiais esportivos das escolas públicas no
desempenho do professor de educação física. In: Anais do X COMBRACE, Goiânia,1997.
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