CÂMARA DOS DEPUTADOS
DEPARTAMENTO DE TAQUIGRAFIA, REVISÃO E REDAÇÃO
NÚCLEO DE REDAÇÃO FINAL EM COMISSÕES
TEXTO COM REDAÇÃO FINAL
COMISSÃO ESPECIAL - PL nº 3.198/2000 - ESTATUTO DA IGUALDADE RACIAL
EVENTO: Audiência pública
N°: 1.175/01
DATA: 23/10/01
INÍCIO: 15h06
TÉRMINO: 17h33
DURAÇÃO: 2h27
TEMPO DE GRAVAÇÃO: 2h31
PÁGINAS: 54
QUARTOS: 31
REVISÃO: ANA MARIA, DANIEL, MARIA LUÍZA, YOKO
SEM SUPERVISÃO
CONCATENAÇÃO: MYRINHA
DEPOENTE/CONVIDADO - QUALIFICAÇÃO
GILBERTO ROQUE NUNES LEAL - Representante do Conselho Nacional de Entidades Negras
— CONEN
STÂNIO DE SOUZA VIEIRA - Representante do Movimento Negro Unificado
IVO FONSECA SILVA - Coordenador da Associação das Comunidades Negras Rurais
Quilombolas do Maranhão
SUMÁRIO: Discussão sobre o Projeto de Lei nº 3.198, de 2000, que institui o Estatuto da
Igualdade Racial.
OBSERVAÇÕES
Há intervenções inaudíveis.
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Data: 23/10/01
O SR. PRESIDENTE (Deputado Luiz Alberto) - Declaro aberta a 7ª reunião da
Comissão Especial destinada a apreciar e proferir parecer ao Projeto de Lei nº
3.198, de 2000, que "institui o Estatuto da Igualdade Racial, em defesa dos que
sofrem preconceito ou discriminação em função de sua etnia, raça e/ou cor, e dá
outras providências".
Encontram-se sobre a mesa as cópias da ata da 6ª reunião.
O SR. DEPUTADO PAULO PAIM - Sr. Presidente, como todos já tomaram
conhecimento da ata, peço dispensa da leitura da mesma.
O SR. PRESIDENTE (Deputado Luiz Alberto) - Dispensada a leitura da ata da
reunião.
Em discussão. (Pausa.)
Não havendo quem queira discuti-la, em votação.
Aqueles que a aprovam permaneçam como se encontram. (Pausa.)
Aprovada.
Ordem do Dia.
A reunião de hoje foi convocada para realização de audiência pública e
apreciação de requerimento.
Iniciamos a audiência pública convidando para fazerem parte da Mesa nossos
palestrantes, os Srs. Gilberto Roque Nunes Leal, representante do Conselho
Nacional de Entidades Negras — CONEN, Stânio de Souza Vieira, representante do
Movimento Negro Unificado, e Ivo Fonseca Silva, Coordenador da Associação das
Comunidades Negras Rurais Quilombolas do Maranhão e membro da Comissão
Nacional dos Quilombos.
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Informo que até o momento o Sr. Helcias Roberto Paulino Pereira,
Coordenador Nacional de Formação dos Agentes de Pastoral Negros, não chegou.
Antes de passar a palavra aos nossos palestrantes, comunico que o tempo
concedido a cada convidado será de vinte minutos, não podendo ser aparteado.
Considerando que hoje, excepcionalmente, teremos quatro palestrantes —
até o momento só três chegaram —, solicito aos senhores convidados que se
atenham ao tempo regimental de vinte minutos, de modo a que possamos cumprir a
pauta prevista.
Dando início às exposições, passo a palavra ao Sr. Gilberto Roque Nunes
Leal, representante do Conselho Nacional de Entidades Negras — CONEN.
O SR. GILBERTO ROQUE NUNES LEAL - Sr. Presidente, senhoras e
senhores presentes, companheiros da Mesa, boa tarde.
Agradeço o convite, em nome da Coordenação Nacional de Entidades
Negras, organização que congrega a maioria das entidades negras do País e que se
tem pautado pela discussão desse tema que hoje praticamente pontua no universo
das relações raciais no Brasil, qual seja, as questões relativas a reparações.
Inicialmente, devo dizer que ao tratarmos da questão nesta Comissão,
estamos tratando, pelo menos do ponto de vista dos negros e negras deste País, de
um tema que avalio de extrema prioridade em âmbito nacional e — por que não
dizer? —, em que pesem as estatísticas oficiais, que ainda precisamos aferir, que diz
respeito à metade dessa população. Conseqüentemente, trata-se de uma questão
da qual poderíamos até dizer, em momento de insatisfação, preocupante com
relação à segurança nacional.
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Elogio o Deputado Paulo Paim pela iniciativa desse projeto de lei, porque um
instrumento dessa natureza é considerado elemento propulsor de uma nova política.
no País
Lendo a parte inicial do Estatuto, cheguei à conclusão de que já deveria nele
constar, constituindo, talvez, um de seus primeiros artigos — e aí fica a critério da
Comissão —, uma redação que viesse a conduzi-lo como uma sustentação, mas
que já apontasse para a necessidade da responsabilidade de o Estado brasileiro e
suas unidades regionais estabelecerem uma política governamental de promoção da
igualdade, de forma a possibilitar a inclusão de todos os segmentos raciais étnicos
ou de cor nos benefícios sociais, considerando fatores de exeqüibilidade, tais como:
recursos, responsabilidades setoriais e tempo.
Faço esta observação porque, ao ler o primeiro artigo do Estatuto, verifiquei
que ele começa pela instituição desse documento de importância singular, mas deve
ele, em seu primeiro momento, remeter ao Estado brasileiro a responsabilidade, a
necessidade, ainda que baseado num documento que futuramente poderemos
aprovar como instrumento legal, sustentáculo, até, referencial para uma política, mas
que não deixará de ser um elemento, assim como o que se vem debatendo muito
hoje no Brasil — que é parte também desse Estatuto —: a famosa política de cotas
ou cotas, como queiram chamar.
Recentemente, tivemos reunião no Rio de Janeiro e discutimos esse aspecto.
Entendemos que a cota é elemento extremamente importante numa política, mas
não é o resumo, não é a redenção das dificuldades em que vivem os povos
marginalizados por sua condição de raça, etnia ou cor neste País.
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Entendendo assim, acho que ela deve ser acatada como uma das respostas
que precisam ser dadas por este País para essa convivência igualitária tão requerida
pelos movimentos negros e demais segmentos, como o indígena e outros setores
étnicos também marginalizados.
Esse documento, como um documento que deve apontar para um
instrumento legal amplo e democrático, tem de entender a pluralidade dos diversos
setores marginalizados, mas é preciso, inevitavelmente, estar entendido por nós
todos debatedores deste tema que numa população de mais de 160 milhões de
brasileiros, os negros e negras deste País representam mais de 70 milhões, algo
extremamente singular no mundo inteiro.
A bandeira das reparações precisa estar desfraldada no Brasil não apenas
por aqueles que reivindicam justiça social, mas, sim, pelo Estado brasileiro. Então,
entendo que ao sermos questionados, nós, defensores da justiça social, seja pelos
órgãos do Estado, seja pela imprensa brasileira, sobre a política de cotas, devemos
responder que ela é necessária, mas apenas como parte da necessidade que temos
e parte também do compromisso de dívida que o Estado brasileiro precisa
reconhecer como Estado explorador historicamente desses segmentos étnicos que
sofreram durante esse tempo.
Quero pontuar algumas questões já analisadas pelo CONEN e dizer, por
exemplo, dando um salto na proposta do Estatuto, que no seu art. 16, § 1º, quando
falamos de remanescente de quilombo, precisamos tomar cuidado para que
definição acatar.
O que temos discutido hoje e o que tem sido consagrado como uma definição
mais lógica para essa questão de remanescentes de quilombo é exatamente a
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definição proposta pela Associação Brasileira de Antropologia — ABA, que destaca,
dentre outros elementos, a importância da autodefinição. Já foi extremamente
discutido e acordado com essa Associação de significativo referencial para a
questão antropológica no Brasil, diferentemente de outras concepções que pairam
definindo a questão do que são os remanescentes de quilombos, que se nós não
atentarmos para uma definição que leve em conta isso, estaremos tentando
enquadrar o que seja ou não remanescente em uma definição mais clássica,
pautada em um referencial metodológico, que não se aplicaria ao caso.
Não vou entrar em maiores detalhes porque não se trata da minha área de
especialidade, mas recomendo que nos reportemos à definição consagrada e
acordada, inclusive, com a coordenação de remanescentes de quilombos em âmbito
nacional, bem como com as demais organizações que se envolveram nesse debate.
Um outro ponto é com relação ao art. 20 — sei que há uma polêmica que já
foi instalada na discussão do Estatuto —, sobre o percentual. Temos um referencial
já vivenciado hoje no Rio de Janeiro para as universidades estaduais de 40% de
cota. Se formos nos reportar à nossa presença — e aqui me desculpo com os
demais segmentos étnicos, porque estou fazendo referência ao segmento em cuja
luta estou inserido, ou seja, particularmente contra a discriminação da população
negra —, considerando essas estatísticas ainda um pouco conservadoras de 45%,
nossa relação entre negros e os demais segmentos é de 1.2 para 1. Esta é uma
proporção da qual deveríamos nos aproximar. Acho que o número instalado no Rio
de Janeiro para as universidades tende a se aproximar disso. A taxa de 20% é
modesta porque vai para uma relação de 4 não negros para um negro. Se formos
ver essa proposta de 20%, temos que reconhecer que é um percentual muito baixo
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de contemplação, significando que nossa presença na sociedade brasileira é de
apenas um terço. Estaríamos ainda sofrendo uma certa perversidade. Eu diria que
algo que se aproxime dos 40% seria plausível, tendo em vista que aí estaríamos não
apenas reivindicando isso. Aqui saio desta minha última fala um pouco corporativista
na questão das relações com o negro para dizer que ao reivindicar 40%, ou próximo
disso, estamos reivindicando que aí estejam contemplados os demais segmentos
étnicos, particularmente o nosso irmão natural, que é o povo indígena. Entendo que
esse percentual não seria exclusivamente dedicado a contemplar a comunidade
negra. Aí se justifica ainda mais o acréscimo desse percentual, entendendo que
vamos contemplar outros segmentos étnicos que se sintam e reivindiquem essa
condição de marginalizados no processo da participação social.
Não sei quanto tempo ainda tenho, mas quanto ao art. 21, eu diria que
também teria contribuições a serem submetidas, evidentemente, à apreciação da
Comissão. O artigo é muito próprio quando cita a necessidade de reserva e se
remete à Lei nº 9.504, de 1997, sobre reserva de cota para o preenchimento de
cargos nos órgãos públicos, através de concurso, nos níveis federal, estadual e
municipal. Eu diria que também o número é pequeno, modesto. Acho que temos
instrumentos e fundamentação legal para dizer que nessa política que aqui pontua o
Estatuto, muito propriamente quando fala dos cargos públicos, o percentual
aprovado tem de se estender aos órgãos e empresas da administração indireta,
considerando-se, inclusive, as empresas de economia mista, e às empresas
privadas com financiamento de bancos estatais. Então, se ela se beneficia, no
Estado brasileiro, do financiamento de um banco estatal, apesar de ser empresa
privada, podendo ditar como deve administrar e compor seu quadro de empregados,
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tudo bem, mas ela é beneficiária de financiamentos em bancos estatais; bancos
estes cujo acúmulo de capital é retirado de impostos da população. Os
marginalizados de outras etnias são proprietários desse financiamento também.
Deve-se estender também às empresas privadas beneficiárias de isenções de taxas
e impostos em outros Municípios. Dou o exemplo da Ford, na Bahia, que é
beneficiária de uma série de isenções. Se vamos aprovar um Estatuto, devemos
atingi-las, porque, mesmo não sendo, como disse anteriormente, uma empresa
pública ou de economia mista, beneficia-se, talvez, em alguns momentos, mais do
que uma empresa da administração direta ou indireta. Deve-se estender também a
empresas privadas com contratos públicos ou pretendentes, por meio de
concorrência, a contratos de serviços públicos
É essa a minha contribuição para o art. 21.
Devo dizer, também, para que não venhamos a cair em engodos, em
armadilhas legais, pois já tivemos uma série no passado — basta lembrar a Lei do
Ventre Livre, a do Sexagenário e até a que chamamos de falsa abolição, que,
infelizmente, ainda está consagrada na cabeça de alguns como a redenção do povo
negro, na verdade, um dos maiores golpes que a História do Brasil e o poder deste
País deu na comunidade negra —, que devemos considerar em tudo o que falei
sobre o art. 21 a presença da cota nos diversos níveis de estratificação ocupacional,
em todos os casos citados neste artigo. Se não, poderemos cair na seguinte
armadilha: "Tudo bem, vocês querem 20%, 40%, até 50%, contrato meia dúzia de
empregados no espaço que menos impacta minha empresa e os coloco num nível
de importância na estratificação de empregados que bem me convier". Acho que
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esse percentual deve se apresentar em todos os níveis de estratificação ocupacional
nessas empresas. Era a observação genérica que tinha a fazer.
Gostaria de encerrar minha contribuição falando dos conselhos e colocandome à disposição para outro debate. A política de conselhos no Brasil foi
extremamente inócua, principalmente os conselhos da comunidade negra, que
monitorei de perto — não ousaria falar dos demais. Todos os exemplos de
conselhos, entre os que já existiram e os que ainda existem, seja na Bahia, seja em
São Paulo, seja no Rio de Janeiro, não tiveram eficiência. Entendo que a proposta
traz como reforço o caráter deliberativo desse conselho. Entendo também que o
caráter paritário e deliberativo traz um reforço. Mas, numa política de Governo, até
que se instale um conselho... Aproveitando esse caráter deliberativo e paritário,
devemos apontar numa política de governo — não estou propondo que se trate da
matéria aqui, a importância ou não de se inseri-la é discutível — uma estrutura que
venha atender àquilo de que falei no começo: uma política de governo exeqüível
com relação ao tempo, aos recursos e que tenha poderes para executá-la, porque,
do contrário, cairemos no famoso projeto interministerial de resposta à comunidade
negra, que, como todos sabem, não deu praticamente nada. Não me estou referindo
às proposições, até porque todas, ou quase todas, foram extraídas da bandeira de
reivindicações que o movimento negro discutiu no seio da sociedade. Então, não
podemos negar aquilo que reivindicamos ao longo de todos esses anos.
É preciso que seja instalada uma agência ou uma secretaria especial que
tenha poderes de representação, inclusive ao lado do Executivo, para que se reflita
em toda a estrutura governamental e se execute com responsabilidade, no prazo,
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essa política de superação das desigualdades. O Estatuto deve servir como uma
sustentação legal necessária à instalação dessa política de igualdade racial.
Aqui ficam meus aplausos e louvores à proposta de Estatuto, em que pese ter
feito algumas ressalvas e contribuições. Entendo que estamos em um processo
extremamente positivo. A política de cotas seria minha última ressalva a esse
assunto que paira em todas as salas de discussão sobre ações afirmativas, sobre
reparações no País. Temos que tomar cuidado. Não sou o primeiro a falar nisso. A
política de cotas deve ser fundamentada. As fundamentações históricas existem.
Parece brincadeira, mas existiu política de cotas contra o negro e outras etnias neste
País, como o índio.
Todo o processo da exploração escravista, na verdade, foi de benefício de
reservas de participação na produção que os explorados acumularam, elevando,
inclusive, à acumulação de capital, para o País, ainda que perverso hoje, estar entre
as dez maiores potências mundiais. Essa reserva de cotas não nominada, não
titulada em documento — em alguns casos até titulada, se formos fazer uma análise
mais acurada — existiu para esses que praticamente detiveram e detêm até hoje
significativamente o poder neste País. A fundamentação para que tenhamos cotas
hoje existe. Não entendo que ela possa ser estabelecida como o supra-sumo, o
resultado e o carro-chefe das nossas reivindicações, resumindo-se aí todo o
equacionamento.
Se ela não for entendida assim — faço uma ressalva particular —, poderá até,
como diz o dito popular, o tiro sair pela culatra. Se não for entendida, inclusive pela
população beneficiária, poderemos estar construindo o estereótipo de uma
adjetivação discriminatória, podendo ser sinonimizada como cotista, como elemento
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para discriminar aquele que foi justamente beneficiado; se não beneficiado, reparado
— talvez o termo mais correto — por uma política dentro de um projeto maior de
cota.
A fundamentação existe, mas não pode ser jogada de forma irresponsável,
como foi jogada, inclusive por alguns setores do Governo, sem a fundamentação.
Parece que é uma dádiva, uma esmola, uma incapacidade de disputar, quando, na
verdade, é a derrubada de barreiras pelo impedimento que é posto na trajetória de
ascensão do povo negro e dos demais segmentos étnicos marginalizados, aos quais
são permitidas no máximo movimentações horizontais. À medida que se ousa
qualquer impulso na direção da movimentação e da mobilidade social vertical para
sair da sub-base de pirâmide sociológica, as barreiras são dramáticas e, às vezes,
assassinas.
Muito obrigado. (Palmas.)
O SR. PRESIDENTE (Deputado Luiz Alberto) - Agradeço a exposição ao Sr.
Gilberto Leal e passo a palavra ao Sr. Stânio de Souza Vieira. V.Sa. dispõe de vinte
minutos.
O SR. STÂNIO DE SOUZA VIEIRA - Sr. Presidente, Srs. Deputados,
senhores participantes, boa tarde.
É de extrema importância a discussão do projeto de lei de iniciativa do
Deputado Federal Paulo Paim, porque trata de uma questão que a sociedade
brasileira tentou camuflar ao longo desses 500 anos.
O projeto de lei trata de iniciativa que visa, de certa maneira, um olhar mais
crítico, mais real, para a desigualdade sociorracial existente neste País.
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Segundo dados da Organização das Nações Unidas — ONU, dividindo-se o
País do ponto de vista racial, o Brasil dos brancos ocupa 45ª posição, e o Brasil dos
negros ocupa 114ª posição. Essa é uma divisão do ponto de vista sociorracial, se
deixarmos de lado aquele olhar da divisão apenas socioeconômica. Aí dá para
percebermos a desigualdade ou fosso entre negros e brancos no País.
Quando discutimos as medidas que estão contempladas nesse projeto, não é
no sentido de penalização. Devemos olhá-lo no sentido de observar exatamente o
processo de dívida social que o Estado brasileiro tem para com a população negra.
Logicamente, merece ressalvas, que têm que ser feitas. Assim como o companheiro
Gilberto Leal fez algumas ressalvas pertinentes ao projeto de lei, apresentaremos
também algumas ressalvas como representante do Movimento Negro Unificado.
No art. 13 do Capítulo II, "Da Educação, Cultura, Esporte e Lazer", o ensino
de História Geral da África e do Negro no Brasil passa a ser obrigatório no sistema
educacional brasileiro. Primeiramente, é uma medida das mais salutares. Ter-se o
ensino da história da África nas escolas é fundamental para o processo de
conhecimento, evitando o desrespeito às diferenças. Se o Brasil se diz um país de
democracia racial, temos que começar pela inserção da história da África no ensino,
já que há aproximadamente 70 milhões de afro-descendentes neste País. A história
do negro vem conjuntamente. Ao estudar a história da África, engloba-se toda a
história do negro no Brasil. Só temos uma ressalva. Acho que esse processo deveria
ocorrer no ensino fundamental a partir da 4ª série, quando o aluno começa a ter
melhor compreensão do processo das relações sociais. Achamos, portanto, que o
ensino de História Geral da África deve entrar no ensino fundamental,
especificamente na 4ª série. Esse é um ponto importante.
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Além desse detalhe, seria importante que o Governo Federal também tivesse
a iniciativa de elaborar cartilhas, a fim de que viessem a desenvolver o melhor
processo de divulgação dessas temáticas, para que houvesse um melhor processo
de dinamicidade.
Com relação ao Capítulo III, "Do Direito à Indenização aos Descendentes
Afro-brasileiros", no seu art. 14 consta: "O resgate da cidadania dos descendentes
de africanos escravizados no Brasil...", e o inciso I diz: "A União pagará, a título de
reparação, a cada um dos descendentes de africanos escravizados no Brasil o valor
equivalente a R$ 102.000,00 (cento e dois mil reais)".
Achamos que a reparação tem que existir. Se esse projeto está em pauta é
porque realmente é preciso fazer essa reparação, essa compensação ou qualquer
outro termo de política de ação afirmativa que se queira colocar. Só que nós, no
Movimento Negro Unificado, achamos que, em vez da reparação individual,
poderíamos fazer uma contemplação, uma perspectiva de reparação do ponto de
vista coletivo, que seria uma reparação social, por meio, por exemplo, da reforma
agrária, do processo da titulação de terras dos remanescentes quilombos. Essa é
uma iniciativa mais válida e mais abrangente. Estaríamos, assim, contemplando um
processo de reparação de fato e de direito. Da forma como está aqui, é mais uma
reparação individual.
Quanto ao Capítulo IV, "Da Questão da Terra", o companheiro Gilberto Leal
fez uma ressalva interessante com relação a observarmos e termos o cuidado nesse
processo de reparação das terras remanescentes de quilombos. Achamos que o
processo de titulação dessas terras já deveria ter sido feito há muito tempo. Mas na
época em que o puseram na Constituição Federal de 1988, talvez pensassem que
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só existisse o Quilombo de Palmares. Quando se deram conta de que eram vários e
vários quilombos, de certa maneira, fizeram um processo de retroação.
O processo de titulação de terras de quilombos deve ser feito por qualquer
comunidade negra rural quilombola. Ela merece sua titulação de terras. É um ponto
que podemos observar com mais detalhes. Se não, podemos cair em fazer uma
análise do ponto de vista arqueológico, antropológico, histórico. Aí será necessário
biólogo, professor de Antropologia, de História, de Arqueologia e, quando se pensar
que não, em dez anos, será feita a titulação de, no máximo, uma comunidade .
O processo de titulação tem que ser feito, sim, porque entendemos que todas
as comunidades negras rurais quilombolas fazem parte desse processo,
independentemente se for de 1560, de 1650. Isso realmente vai requerer um
trabalho muito, muito minucioso e um certo apoio material, logístico, que o Estado,
de certa maneira, diz não ter condições para tal.
O Capítulo VI, "Do Sistema de Cotas". Esse é, sem dúvida alguma, um dos
pontos mais questionáveis em debate a respeito da questão da política de cotas. A
política de cotas traz um processo de redução ao discurso da dívida sociorracial do
País. O termo "reparação" amplia esse processo de discussão de cotas. Enfim,
reparação, compensação, política de ação afirmativa dá um processo de
dinamicidade e de compreensão maior do que é o sistema de cota. O sistema de
cota torna sua discussão muito pobre, muito reduzida.
O art. 23 fala de cotas para negros nas universidades públicas. Estão
estipulados pelo menos 20% de vagas para os descendentes afro-brasileiros.
Logicamente, qualquer pessoa que tem olhar de águia, quando entra em uma
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universidade pública de qualquer parte do País, vai observar que os negros são
minoria e, dependendo do curso, tornam-se mais minoria ainda.
Pois bem. Sempre dizemos que a iniciativa do ingresso de negro nas
universidades públicas é importante. Contudo, devemos fazer algumas ressalvas.
Quais seriam elas? Que negro queremos abordar do ponto de vista de renda? Por
quê? Porque o negro de classe média, embora seja pouco, ele existe e, de certa
maneira, está fora do processo de política de ação afirmativa para o ingresso na
universidade pública. Deveríamos, sim, olhar para o negro com renda de, no
máximo, cinco salários mínimos. A família negra de classe média que ganha de
quinze a vinte salários mínimos, com certeza, tem condições materiais de sustentar
seu filho em uma universidade durante sua vida acadêmica. Esse é o grande
problema. Então, o primeiro ponto: que o sistema se volte para negros que tenham
renda financeira de, no máximo, até cinco salários mínimos. Outro ponto de
questionamento: como esses negros vão permanecer durante a vida acadêmica?
Acreditamos que aí o Estado teria que incentivar bolsas de estudo, através de bolsa
de pesquisa e de trabalho, a fim de que ele tivesse uma renda mínima capaz de dar
a ele condições necessárias para passar sua vida acadêmica sem ter alguns
problemas, inclusive evasão. Se o negro ingressar na universidade, mas não tiver
condições de continuar o estudo, a tendência é a evasão. Ele não vai ter dinheiro
para comprar livro, para fazer fotocópia etc. E como fica? O Estado deveria ajudá-lo,
por meio de bolsa de estudo ou de bolsa de pesquisa com valor médio entre
trezentos e quatrocentos reais. Como acadêmico e universitário, temos todo esse
processo de conhecimento. Seria necessária uma bolsa no valor de trezentos a
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quatrocentos reais para que esse negro tivesse condições de fazer seu curso em, no
máximo, quatro ou cinco anos.
Depois de sua vida acadêmica, o Estado continua com essa política. Vamos
supor que esse rapaz ou moça negros se tenham inserido num curso como Ciências
Contáveis. É necessário que o Estado faça contrato com empresas, mesmo dandolhes benefícios sociais, para que imediatamente ao término do curso superior esses
alunos tenham acesso à empresa. Aí, sim, estaríamos fazendo uma política de ação
afirmativa, uma política de sustentação capaz de realizar um processo de mobilidade
social.
Um outro ponto interessante que temos que questionar está no Capítulo VII —
Dos Meios de Comunicação — o art. 24 é um dos mais interessantes.
Sem dúvida alguma, achamos necessário que negros e negras se vejam na
televisão, nos outdoors, nos cinemas. Às vezes penso que estou na Suécia, não no
Brasil. Tenho um amigo suíço que diz que vê mais negros na televisão suíça do que
na brasileira. É impressionante, mas é verdade. Se sairmos daqui e formos dar uma
olhada nos outdoors da W3 Sul, poderemos contar apenas com os dedos de uma
das mãos o número de negros e negras neles presentes.
De certa maneira, a inserção do negro nos meios de comunicação é
importante, porque, além de dar visibilidade e, conseqüentemente, melhorar a autoestima dos negros, dá a eles espaço no mercado de trabalho. Quantos negros e
negras são modelos e não têm acesso ao mercado de trabalho simplesmente
porque são podados na hora da seleção ou por causa do currículo com fotos? Para
que serve isso, senão para se fazer os cortes? Temos que ver esses aspectos.
Diz o art. 24, § 2º:
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Art. 24. .....................................................................
§ 2º Os filmes e programas veiculadas pelas
emissoras de televisão deverão apresentar imagens de
pessoas afro-descendentes na proporção não inferior a
vinte e cinco por cento do número total de atores e
figurantes.
Acho que poderíamos aumentar esse índice para algo em torno de 50%. Se
temos uma população negra de 70 milhões, e muitos deles capacitados para esse
tipo de trabalho, por que não aumentarmos essa taxa para 50%? Só a atriz Zezé
Motta, por exemplo, tem 300 atores negros e negras que não conseguem espaço, a
não ser para novelas de época.
Outro ponto a frisar diz respeito a como esses negros aparecerão nas
propagandas, porque se for para aparecerem como pedintes não adianta; se for
para aparecerem só como — com todo o respeito a essas profissões — jogador de
futebol, cantor de pagode, empregada doméstica, não queremos. Queremos, sim,
negros na publicidade, mas com papéis de destaque, não como aconteceu numa
propaganda de guaraná recentemente veiculada com seis jovens brancos e um
negro passando por trás, indo e vindo, parecendo um ioiô. Para que isso? Só para
dizer que está passando um negro no fundo? Esse é um pensamento de senzala:
fica lá no fundo, passa pelo fundo. É um pensamento de cozinha. Isso nós não
queremos. Temos que colocar esses pontos exatamente para fazer essas ressalvas.
Queremos, sim, negros na publicidade, mas em posições estratégicas que lhes
promovam a auto-estima e a qualificação social. Isso é o que importa.
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Para finalizar, sugerimos que se inserisse um capítulo de suma importância: o
dos intercâmbios internacionais com os países africanos. Esse capítulo deveria ser
inserido nesse projeto porque é necessário garantirmos intercâmbios com
empresários africanos. Temos grupos de empresários negros no Brasil. Por que não
fomentar o intercâmbio desse grupo com empresários negros africanos? Por
exemplo, podemos inserir um parte do Capítulo IX — Dos intercâmbios
internacionais. Essa é uma medida muito salutar e entraria nesse processo de
política de ação afirmativa.
Infelizmente, o tempo já se está acabando, mas quero dizer que embora
tenhamos essas ressalvas, consideramos que esse projeto de lei é de suma
importância para começarmos a fazer uma análise da dívida social histórica que o
Estado brasileiro tem com a população negra.
Não podemos olhar para isso com olhar de pedinte. Essa não é uma ação
destinada a um pedinte, é apenas o ajuste de uma dívida mais do que clara que o
Estado brasileiro tem com a população negra. Isso é importante. O projeto de lei
existe, estamos aqui para discuti-lo, analisá-lo e fazer dele realmente um estatuto de
igualdade racial e não de desigualdade racial.
Obrigado. (Palmas.)
O SR. PRESIDENTE (Deputado Luiz Alberto) - Agradeço ao Sr. Stânio de
Souza Vieira sua brilhante exposição.
Antes de passar a palavra ao Sr. Ivo Fonseca Silva, gostaria de registrar aqui
a presença da Dra. Maria Aparecida Gugel, Subprocuradora-Geral do Trabalho; do
Dr. Jorge Nascimento, do Conselho de Participação e Desenvolvimento da
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Comunidade Negra do Rio Grande do Sul; e do Sr. Alberto Sexta-Feira, Vice-Prefeito
de Maceió, que nos abrilhanta aqui com a sua presença.
Passo a palavra ao Sr. Ivo Fonseca Silva, Coordenador da Associação das
Comunidades Negras Rurais Quilombolas do Maranhão. S.Sa. dispõe de 20
minutos.
O SR. IVO FONSECA SILVA - Companheiras e companheiros, boa tarde.
Inicialmente, agradeço ao Deputado Paulo Paim a iniciativa, porque vínhamos
trabalhando há muitos dias, com objetividade, para chegar a um denominador
comum neste País sobre a desigualdade racial.
Não sou muito conhecedor da lei, sou mais um observador, mas percebemos
que, neste País — como já disse o companheiro que me antecedeu —, sempre
fomos proibidos de fazer tudo. As leis deste País foram sempre para nos proibir.
Quando tentaram fazer uma lei para que tivéssemos acesso às políticas públicas,
elas não tinham aplicabilidade. Tenho até medo — não sei o que acontecerá mais
tarde — das conseqüências que teremos daqui para frente se efetivarmos esse
Estatuto.
A Constituição de 1824 já dispunha que todos são iguais perante a lei. Mas
lembro que no ano de sua edição ainda existia escravidão no País. Vejam a
contradição da lei. O movimento negro não parou. A negrada não desistiu da luta.
Quando nos voltamos para a questão da terra, quando Zumbi começou a dizer que a
terra era importante para as comunidades negras, eles fizeram a lei da terra no País,
em 1858, para dar condições a quem tem direito à terra. Então, é preciso que
vejamos se as leis antigas não estão em vigor, apesar de arquivadas. Às vezes se
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muda uma vírgula na lei, mas o sentido é o mesmo. Precisamos começar a observar
essas questões.
Não escrevi muitas propostas, só observei algumas coisas. Haverá ainda
muitas discussões sobre esse estatuto. Eu me preocupo com o que diz o art. 3º,
sobre a constituição dos conselhos. O artigo não diz como o conselho será
constituído e como funcionará. Não há indicação sobre a fonte de onde sairão os
recursos para o funcionamento desse conselho. Costuma-se dizer que se conselho
fosse bom a gente não dava, vendia. E seria caro! Conselho já se deu no mundo,
acho que no Brasil todo, mas a gente vê deficiências. Como já disse um
companheiro aqui, o conselho tem deficiência na sua funcionalidade. Então, se
vamos constituir um conselho, se o estatuto diz que haverá um conselho para
gerenciar e deliberar essas políticas — e são as políticas que estamos colocando
nos últimos artigos, políticas de igualdade que estamos buscando por meio de cotas
—, é evidente que precisa de subsídios para dar respaldo às políticas que estamos
reivindicando. É preciso que o conselho tenha condições específicas para funcionar.
O companheiro disse que não queremos moeda, e sim igualdade; lembro que essa
igualdade tem de ter política, e política de igualdade requer recursos. Então, é
preciso dizer como o conselho vai conseguir dinheiro, quem vai deliberar, onde vai
ficar, para que possa haver funcionalidade. Acho que deve ser melhorada a redação
do ponto relativo ao conselho. Não existe ainda redação específica, por isso não sei
se estou correto na minha falação.
Vou me ater mais à questão da terra, que é a minha área de atuação. Apesar
de os companheiros dizerem que não estou mais na terra, porque já estou até de
paletó, eu ainda estou lá.
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O companheiro que me antecedeu disse também que precisamos ter cuidado
com o conceito de quilombolas. Eu até não atentei muito para o conceito, assim
corretamente, mas para a expressão "antigos refúgios". É uma expressão um pouco
complicada para nós, porque hoje existem comunidades das quais não se identifica
o refúgio dos remanescentes de quilombo. Haverá dificuldade de encontrar esses
refúgios. Então, esse conceito tem que ser melhorado.
Chamo a atenção também para o estudo da Associação Brasileira de
Antropologia, um estudo muito bom sobre os remanescentes de quilombos. Eu acho
que este conceito deve também ser um pouco melhorado.
Quanto aos arts. 2º, 3º e 4º, como eu disse anteriormente, há no País o
INCRA, que ainda hoje faz a titulação efetiva das terras. Se nós não colocarmos
neste Estatuto que o INCRA, junto com a Fundação Palmares, fará a devida
legalização das terras, teremos problemas, porque essas áreas remanescentes de
quilombos estão evidentemente nas mãos de latifundiários. Trata-se de pessoas que
chegam a um Município do seu Estado, vão ao cartório e registram as terras dizendo
que são suas. Assim, elas estão seguras pela lei da terra. A lei da terra dá
segurança a elas, e elas têm todos os seus aparatos. Então, é preciso retificarmos
esses artigos, a fim de que o INCRA, junto com a Fundação Palmares, faça a devida
titulação. E é preciso também destinar recursos para essas políticas.
Não é possível dizer que nós vamos titular a terra sem inserir no Orçamento
da União as rubricas para essa finalidade, porque assim vai haver problema de
novo. Vão dizer: "Está dizendo aqui, mas não diz de onde vem, não diz quem vai
fazer; não diz de onde vem o dinheiro". Então, vamos falar dessa situação. Não sei
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se essas questões também podem ser contempladas. Nós estamos trabalhando no
intuito de contemplá-las.
Afinal, nós temos enfrentado inúmeras dificuldades, desde que começamos a
discutir o problema, em 1995, com a Fundação Palmares, com o INCRA e com os
órgãos do Estado. Nós dizíamos que o art. 68 era aplicável. Todos diziam que ele
era aplicável, mas os órgãos do Governo diziam que não era aplicável e não diziam
quem ia titular nem de onde viria o dinheiro para indenizar. Era isso que se ouvia em
quase todas as reuniões. Não se dizia quem ia titular. Só se dizia que era o Estado.
E não era dito de onde viria o dinheiro nem como seria feita a titulação.
Então, como eu disse anteriormente, nós não podemos de novo fazer o
Estatuto sem ter esses cuidados, porque nós vamos ter problemas. Eu posso estar
na terceira idade e, assim, não ter mais condição de viajar para discutir o assunto de
novo, naquele mesmo ponto em que se diz que o artigo não tem aplicabilidade. É
preciso arrumarmos isso.
Já temos proposta escrita. Eu não a tenho aqui, mas os companheiros a têm.
Acho que ela deveria ser juntada ao projeto, para que seja feita sua implementação,
a fim de que possamos ter um bom resultado.
Com relação à cota, o que já foi abordado pelos companheiros, quero dizer
que estou fazendo um curso em São Luís e tive a maior dificuldade para explicar
isso aos companheiros, porque eles achavam que nós éramos racistas, pelo fato de
querermos a cota. Eles pensam que estamos dizendo que são inferiores. Tentei
explicar que eles só entenderão a cota se entenderem a história do País. Se não
entenderem a nossa história, não entenderão o porquê de estarmos querendo a
cota. Cheguei a dizer a eles que, no Maranhão, havia uma lei, cujo número não me
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lembro, que dizia que a partir das 9h nenhum negro poderia andar nas ruas. Vamos
supor que nessa época a escola funcionasse das 7h às 10h. Eles não poderiam
estudar à noite, porque a lei dizia que eles não poderiam andar pelas ruas. Para que
a comunidade brasileira entenda a cota, terá de entender o processo histórico do
País, um processo que proibiu nosso acesso a todos os setores sociais.
Havia também no Maranhão a lei das colônias. Essa lei dizia que, para que eu
pudesse visitar o meu irmão, teria de pedir licença ao senhor de escravos. Para
matar um boi ou um porco, tinha de pedir licença, para depois dividir a carne com os
meus parentes. Para receber uma visita, tinha de avisar o fato com antecedência,
dizendo quem era a pessoa que iria à minha casa. Não trouxe o livro, mas tenho
essa lei no Maranhão e imagino que ela também tenha existido em outro Estado,
porque no Brasil sempre copiam essas coisas.
Portanto, acho que a cota tem de ter fundamento, caso contrário seremos
criticados. É preciso que fundamentemos esse aspecto e apresentemos à
comunidade a razão de querermos a cota. Não somos racistas. Estamos querendo a
igualdade neste País, pois nós o construímos. Para que haja essa igualdade, é
necessário haver políticas nesse sentido e, ainda assim, seremos discriminados.
Citarei um exemplo: todas as vezes que viajo de avião — às vezes eu não
pago a passagem, alguém consegue para mim —, alguém me pergunta se sou
cantor. As pessoas não me vêm como alguém que luta por igualdade, por direitos,
por dignidade e pelo direito de ir e vir. Vêm-me como cantor. Hoje mesmo, eu estava
sentado lendo uma cópia do estatuto, cochilei e deixei a cópia onde eu estava. Uma
pessoa que se sentou ao meu lado me disse: "Esse trabalho de vocês é muito
importante. Basta o Governo dar ordem que acaba o racismo no País". Eu disse: é
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verdade. Quando nós nos despedimos, ele perguntou: "Você é cantor?" (Risos.) Eu
me virei para ele, comecei a rir e disse que não.
A cultura do racismo neste País é muito grande, é cruel. É preciso que todos
nós, negros e brancos, passemos para nossos filhos esse sentimento de igualdade,
esse direito de ir e vir, o direito de estar juntos. Dizem que a questão da pele influi,
mas não temos isso como racismo. Nós queremos a igualdade.
Então acredito que na questão da cota é preciso que tenhamos esse
fundamento. Num projeto de lei, não vamos dar conceitos, mas é possível
estabelecer uma campanha sobre o porquê da cota. As leis neste País estão
enterradas. As leis são apenas melhoradas. Tenho o levantamento das leis que
tentavam massacrar os negros. Quase todas têm o número oito e nenhuma delas
deu resultado. Então é preciso que arrumemos o projeto e tentemos fazer essa
campanha da cota. É necessário que os grandes latifundiários entendam as
questões das comunidades remanescentes de quilombos, para que possamos
chegar a uma igualdade neste País, para que o Brasil seja um país sem
discriminação de cor ou de raça, no qual todos sejamos irmãos.
Obrigado.
O SR. PRESIDENTE (Deputado Luiz Alberto) - Agradeço ao companheiro Ivo
Fonseca pela sua brilhante exposição, seu registro de vida.
Antes de passar a palavra aos nobres companheiros Reginaldo Germano,
Paulo Paim, Fernando Gabeira e Alceu Collares, queria passar a Presidência da
Mesa para nossa companheira Deputada Celcita Pinheiro. Agora vamos colocar uma
mulher para dirigir os trabalhos. Aqui não há discriminação.
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Peço licença, pois tenho que me ausentar, e passo a palavra ao nobre
Relator, Deputado Reginaldo Germano.
O SR. DEPUTADO REGINALDO GERMANO - Sra. Presidenta, senhores
componentes da Mesa, Srs. Deputados e amigos aqui presentes, não farei um longo
pronunciamento. Infelizmente, perdi a primeira palestra e não vou poder comentá-la.
Quanto à segunda palestra, feita pelo companheiro Stânio Vieira, anotei
alguns pontos que já são objeto da minha preocupação, como a titulação de terras
dos quilombos. Sabemos que hoje há 2 mil comunidades de quilombos e apenas 50
tituladas. Essa é uma preocupação nossa, para a qual, numa outra audiência
pública, quando esteve aqui o Dr. Hédio Silva, já deixamos um caminho apontado
que podemos tomar em relação a isso e que fará parte do relatório desta Comissão.
No tocante às cotas, sou amplamente favorável ao nosso amigo Ivo Fonseca.
Não podemos tratar os desiguais igualmente; temos que tratá-los com desigualdade.
Se fôssemos criar somente a cota como solução para o problema de educação, de
trabalho ou de ascensão do negro na sociedade, automaticamente ela não
conseguiria sobreviver. Mas como a cota é parte de um mecanismo que precisamos
montar, ela vai atrair políticas públicas para a educação.
Só para se ter idéia, o Ministro Raul Jungmann tomou uma atitude louvável no
seu Ministério em relação às cotas: as empresas particulares que prestam serviço
para o Ministério do Desenvolvimento Agrário deixarão uma cota para negros e afrodescendentes. Já começamos a notar a busca do equilíbrio na área pública e
estamos começando a perceber isso também na área privada, porque o Governo por
si só não é culpado pela escravidão, mas a sociedade de maneira geral, pois lucrou
e enriqueceu com os anos de escravidão. Só o fato de começarmos a discutir cotas
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já foi uma ação positiva. O Ministro Francisco Weffort, ouvindo-nos conversar a esse
respeito, tomou atitude semelhante.
Ao chegar à Bahia naquela semana, conversei com o Governador e expus a
situação. S.Exa. pediu para que eu me reunisse com o Secretário de Justiça da
Bahia para elaborarmos um projeto de lei determinando que as empresas privadas
que prestam serviços ao Governo do Estado também sigam a mesma orientação.
O sistema de cota é muito importante, embora não seja a salvação da pátria.
É o primeiro passo que estamos dando, é a primeira atitude de políticas afirmativas
que estamos tomando.
O Governo do Estado do Rio de Janeiro sugeriu, e a Assembléia Legislativa
aprovou, cota de 40% para estudantes negros nas universidades estaduais. São
ações que começam a alavancar uma atitude que deveríamos ter tomado há muito
tempo, exigindo que os desiguais fossem tratados como desigualdade. No momento
em que pegamos separamos na universidade ou em qualquer outro setor da
sociedade 30%, 40% ou 50% para determinada raça, isso é uma desigualdade. Mas
como disse o Ivo Fonseca, durante 500 anos fomos tratados com desigualdade. Se
agora formos agir com igualdade vamos esperar mais 500 anos para alcançar os
desiguais, aqueles que hoje estão excluídos do convívio da sociedade, da educação,
da qualificação da mão-de-obra, do trabalho e por aí afora.
Acho que as cotas devem existir, mas acompanhadas, como estamos
tentando fazer, por políticas públicas. Talvez mais tarde se aprove que 50% das
vagas sejam reservadas para alunos oriundos de escolas públicas. Quem sabe
possamos valorizar o ensino na escola pública. Tudo isso é resultado da discussão
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sobre cotas, que proporcionou o levantamento de discussões que hoje estamos
fazendo.
Como os índios já estavam aqui quando tudo começou, é natural que tenham
direito à terra. Mas se fizermos a proporção, veremos que eles têm muito mais terra
do que os negros, que representam mais de 50% da população brasileira. Temos de
fazer alguma coisa. O Estatuto do Índio está para ser aprovado, então devemos
esclarecer esses assuntos no Estatuto da Igualdade Racial.
Queria fazer apenas esses comentários. Vou deixar que os demais
Deputados presentes participem da discussão.
Agradeço a todos a presença. As idéias de V.Sas. ajudarão na elaboração do
Relatório desta Comissão.
Muito obrigado.
A SRA. PRESIDENTA (Deputada Celcita Pinheiro) - Como há dois
Parlamentares inscritos, faremos um bloco de perguntas e respostas.
Concedo a palavra ao Sr. Deputado Paulo Paim.
O SR. DEPUTADO PAULO PAIM - Sra. Presidenta, inicialmente cumprimento
os companheiros Ivo Fonseca da Silva, Gilberto Roque Nunes Leal e Stânio de
Souza Vieira.
Tenho esclarecido a todos os painelistas que aqui comparecem sobre o fato
de que apresentamos esse projeto para ele ser questionado, aperfeiçoado, ampliado
e até, se for o caso, derrubado, se entendermos que não havia necessidade de um
projeto como esse ser apresentado.
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Os capítulos que causam polêmica nos debates são dois: o da indenização e
o das cotas. Considero os dois mais importantes de todo o projeto e vou dizer o
porquê.
Quando falamos em indenização, queremos que o País reconheça que ele
tem uma dívida conosco. Repito sempre essa frase e vou fazê-lo mais uma vez: se
não são 120 mil reais, que sejam 122 mil dólares, porque não tem preço o que
fizeram conosco. Não quero repetir esse discurso, porque todos aqui estão
acostumados a me ouvir dizendo isso. Este País tem uma dívida conosco. Não é em
dinheiro? Então a dívida é em quê?
Para mim o projeto cumpre esta obrigação: tem que haver uma política de
indenização aos quase 500 anos de massacre à comunidade negra. Permitam-me
repetir uma outra frase de que gosto também: só quem é negro sabe o quanto o
racismo existiu ao longo desses séculos. Claro que temos companheiros que lutam
conosco, mas quem é negro sentiu na carne, o corte foi no nosso corpo e foi
profundo.
Em primeiro lugar, faço essa explicação quanto às reparações, que devem
ser feitas.
Quanto às cotas, estou satisfeito com a explicação dada por todos e com a
forma como foi feita a exposição, mas as cotas são importantes. Elas não são o
ponto principal, mas estabelecem um belo debate, e devemos ter a ousadia de
enfrentá-lo.
Parte do movimento negro assusta-se com o debate das cotas. Confesso que
aprendi com o movimento negro a importância dessa causa. No momento em que
me falaram sobre cotas fiquei hesitante, porque todo cidadão, quando se fala em
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cotas para a comunidade negra, sente-se inferiorizado. Temos que enfrentar o
debate e mostrar que neste País existe uma série de políticas de cotas. Por
exemplo, um painelista da semana passada nos mostrou que no Amazonas existe
cotas para índios nas universidades. Outro convidado — Hédio, se não me engano
— mostrou que existem cotas para as mulheres. Por isso as mulheres são
inferiores? Está provado que não. Há cotas de até 30% para as mulheres, no caso
dos partidos políticos. É símbolo de inferioridade? Não. Anos atrás existia a cota
para os filhos de fazendeiros, a tal Lei do Boi, como diziam. Era inferioridade? Os
filhos de fazendeiros chegavam às universidades com uma cota garantida. E por que
não para nós, sempre marginalizados, a quem não foi permitido acesso a
praticamente nada? Até lei proibindo o negro de comprar terra existiu. Havia um
decreto que dizia que o negro não podia comprar terra. Quando os imigrantes aqui
chegaram e ocuparam o País, a eles foram dadas terras e ferramentas; a nós, a
sarjeta. Então, tem que haver uma política de compensação.
O debate sobre as cotas por si só dá um belo debate, e temos que travá-lo
com a sociedade. Para minha felicidade, todos que aqui falaram no fundo
defenderam as quotas. Inclusive disseram que os percentuais são poucos — vinte é
pouco, tem de ser cinqüenta.
Então, quero dizer que o debate é interessante e mostra que nós — não com
a mesma firmeza e convicção — temos defendido uma posição clara em relação às
quotas. Mas ao mesmo tempo vi aqui alguns palestrantes — não estou criticando,
mas elogiando — contestarem, e aí concordo com eles, no sentido de que a quota
não é o debate principal e sim um acessório importante para fomentar, como disse o
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Reginaldo, o debate nacional sobre tudo aquilo que precisamos fazer pelo povo
negro no Brasil.
Vou fazer referência a algo que não foi dito pelos senhores. Uma das coisas
que colocamos nas quotas foi a participação do negro na vida política do País. Os
senhores não falaram sobre isso. Percebo que o negro, em todos os partidos, é
muito mais chamado para votar, para ser cabo eleitoral do que para ser candidato,
principalmente aos principais postos. No Congresso Nacional, por exemplo, há muito
mais mulheres ocupando o cargo de Deputadas Federais do que negros. Por que
não pode haver também uma quota maior que incentive o negro a participar
ativamente da vida política do País, de Vereador a Presidente da República?
Falo isso porque não houve, por parte dos palestrantes, nenhum comentário a
respeito do assunto — se são contra ou a favor do debate, de uma participação mais
ostensiva, mais incisiva, mais contundente e mais radical do negro na vida política
do País.
Quanto aos meios de comunicação, gostaria de dizer apenas que para mim é
fundamental a questão da visibilidade do negro na vida pública, seja na televisão,
seja em filmes, seja em teatros, seja em propagandas. Gostaria que a criança negra
assistisse televisão e visse um advogado, um médico, um professor, um grande
político — por que não? —, um grande executivo negro fazendo o papel principal
num filme, numa novela ou no teatro.
Eram essas as minhas considerações. Estou feliz com as observações dos
senhores. Vi que no fundo todos defenderam a idéia de que deve haver uma
reparação para a comunidade negra. Entendo que esta Comissão cumpre esse
papel fundamental, neste momento da história do nosso País.
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Era o que tinha a dizer. Parabéns aos senhores.
A SRA. PRESIDENTA (Deputada Celcita Pinheiro) - Com a palavra o
Deputado Fernando Gabeira.
O SR. DEPUTADO FERNANDO GABEIRA - Sra. Presidenta, vou falar
rapidamente, porque ouvi apenas duas intervenções: uma parte da de Stânio e a de
Ivo. Mas tenho acompanhado os trabalhos da Comissão e vou apresentar algumas
preocupações que tenho. Não sei se elas vão poder ajudar ou não.
Entrei na Comissão para discutir a questão racial, que nasceu na esteira
desse encontro que houve na África do Sul sobre o racismo, com reivindicações
muito precisas surgidas lá, como a da indenização — e agora a reivindicação da
quota. Percebo que quase todas as intervenções têm sido uma espécie de inventário
das reivindicações do Movimento Negro, extremamente justas — a questão das
quotas, da indenização, da maior participação do negro na sociedade. Mas tenho
uma visão um pouco mais problemática sobre o assunto. Na minha opinião, ter
quotas e entrar numa universidade é excelente, assim como ser galã de uma das
novelas da Rede Globo. Na verdade, não acredito muito em raça e em cultura. Acho
que se trata de invenção histórica, que apóio. Mas não sou puro, e creio que
ninguém é totalmente puro.
Penso que essa nossa invenção histórica é importante para obtermos certos
direitos fundamentais. No entanto, indago: será que esses direitos serão apenas
sindicais? Será que a nossa visão de igualdade racial vai se expressar apenas em
algumas reivindicações no sentido de entrar na televisão, de ter quota na
universidade?
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Temos de levar em consideração algumas reflexões. Uma delas é a seguinte:
até que ponto a cultura negra deve influenciar e definir os caminhos da formação da
cultura nacional? Quando tivermos um candidato à Presidência da República, uma
definição do nosso caminho e perguntarmos o que é o Brasil, quais os valores, as
qualidades que a cultura negra quer que a visão brasileira tenha? Temos de
desenvolver essa perspectiva — o que é muito importante —, porque na verdade os
negros, no seu movimento, criaram sua identidade. Essa identidade, que significa
dar sentido ao que você faz e ter uma perspectiva, é algo fundamental.
Então, vamos entrar também na TV Globo, mas ela é uma fábrica de
identidades, assim como Hollywood e a indústria.
É necessário que se tenha uma perspectiva identitária que não seja apenas
resistente, mas que apresente um projeto para a sociedade, abordando inclusive as
questões que os racistas valorizam e as que eles rejeitam. Quando começamos a
analisar isso, vemos que temos e devemos desenvolver a criatividade, a
espontaneidade, a sensualidade, valores que eles rejeitam. Um discurso racista
sempre bate nesses pontos.
Na minha opinião, a nossa reflexão deveria funcionar não como um sindicato,
somente com reivindicações precisas, mas também como uma perspectiva de
cultura. Penso também — é tema do meu estudo, do meu trabalho — que o Brasil
não é um país puro, não é um país preto e branco. Pelo contrário, é um país de
múltiplas cores, de mestiços. Eu sou um mestiço cultural, um mestiço racial.
É necessário que examinemos o que está havendo no País. Quando um
branco cruza com uma negra, ou vice-versa, a pessoa que nasce sempre passa a
ter a cor da raça considerada inferior. Temos de entender esse mecanismo existente
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nos Estados Unidos e também no Brasil. Precisamos saber como será o nosso
relacionamento com essa grande quantidade de mestiços existentes no Brasil, com
essas zonas indefinidas. Se examinarmos bem o Movimento Negro, veremos que
ele também é produto da globalização. Ele é a volta às raízes africanas, mas ao
mesmo tempo tem-se nutrido de uma série de elementos da globalização. É uma
relação com o mundo dos negros para melhorar a sua correlação de forças; os
índios e os brancos também têm isso.
Na década de 70, por exemplo, Bob Marley e a música jamaicana foram
incorporados e aceitos como elementos da cultura negra, e eles o são. Hoje estamos
nos referindo à questão da tática, que é emprestada do Movimento Negro
americano. Quer dizer, o Movimento Negro é transnacional. Ele tem uma perspectiva
transnacional no mundo em que as culturas estão se relacionando, misturando-se ou
se chocando.
Então, é necessário que exista algo no projeto ou na definição, ou que
discutamos isso com mais calma algum dia, para iluminar todas essas reivindicações
pontuais, que eu aprovo; estou com elas e não abro. Aprovo a questão das quotas e
o fato de irmos para a TV Globo. Só que não acredito muito nisso estrategicamente,
porque as mulheres fizeram isso, foram à luta, têm a sua quota , o seu lugar e tal,
mas o mundo se feminilizou muito pouco. Tanto que estamos em guerra,
bombardeando o Afeganistão e outras coisas.
Talvez valesse a pena discutir a posição do Movimento Negro e outras. Um
dia faremos um debate sobre a mestiçagem cultural no Brasil e como vamos
trabalhar em conjunto com o branco e o negro, mas também com uma série de
nuanças que devemos integrar ao nosso projeto. Para isso é necessário que a
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identidade e a cultura negras também proponham pelo menos uma visão de
conjunto.
Essa é a observação que faço, para examinarmos com tempo.
A SRA. PRESIDENTA (Deputada Celcita Pinheiro) - Vamos passar a palavra
aos expositores.
Com a palavra o Sr. Stânio de Souza Vieira.
O SR. STÂNIO DE SOUZA VIEIRA - Primeiramente, agradeço aos
Deputados Fernando Gabeira, Paulo Paim e Reginaldo Germano, Relator desta
Comissão, os questionamentos. Foram discussões profícuas e interessantes para o
processo de socialização do conhecimento.
Há muitas indagações importantes, mas vamos destacar algumas. Vou me
referir inicialmente à pergunta formulada pelo Deputado Fernando Gabeira. Discutir
a questão racial no Brasil é realmente um grande embate. Ao longo desses 500
anos, ou nos 112 anos após o período escravista, foi construído um processo de
discurso de democracia racial muito forte, no sentido de que o brasileiro é um povo
único, cordial, altamente festivo, enfim, que aqui não existem essas coisas, que isso
só acontece lá — e o "lá", geralmente, eram os Estados Unidos. Ouvimos esse
discurso sobretudo nas décadas de 30 e 40, principalmente o de Gilberto Freyre, em
"Casa Grande & Senzala" e "Sobrados e Mucambos", em que há exaltação da
mestiçagem brasileira. Ele, contudo, não olhava as conseqüências do processo
racial, ou seja, como foi feito o processo racial no País.
Sempre dizemos que a mestiçagem no Brasil foi feita através de uma
falocracia, que é nada mais nada menos do que um jogo de estupro. Isso mostra o
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processo de violência com que foi construída a mestiçagem no Brasil e não aquela
visão idílica de Gilberto Freyre e de muitos outros.
Sempre quando se trabalha o processo de políticas de ação afirmativa para a
população negra há vários argumentos. Pude perceber que um dos mais fortes diz
respeito à questão de quem é negro no Brasil. Sempre aparece esse discurso. O
interessante também é que a Justiça Penal sabe quem é negro; a polícia sabe quem
é negro; o diretor de telenovelas sabe quem é negro; os diretores de publicidade
sabem quem é negro. Quando se dá um sentido positivo à questão, sempre tentam
colocar certos argumentos de empecilho à luta negra. Há esse detalhe. De certa
maneira, não se trata de saber quem é negro. Logicamente, o Brasil é um país de
mestiços, mas na hora do conflito todos sabem quem é negro. Aqueles que se
aproximam mais dos traços negróides sabem realmente o que é isso, conforme
disse o Deputado Paulo Paim.
Um outro ponto diz respeito à inserção do Movimento Negro no processo de
globalização. O Movimento Negro faz parte de um movimento social. Quando
fazemos parte de um movimento social ou de qualquer orquestração da sociedade
civil, ainda mais de uma sociedade democrática, estamos inseridos no espaço de
questionamentos, de diálogos e de embates políticos. O que fomenta a luta do negro
neste País é exatamente a revolta em razão do esquecimento que este Estado nos
impôs. Essa é a nossa maior motivação, independentemente do processo de
globalização. Se fazemos parte deste movimento social, temos de estar inseridos
nesses
contextos,
logicamente
defendendo
as
nossas
idéias,
os
nossos
pensamentos ideológicos. O problema da política de ação afirmativa, a questão da
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quota, citada pelo Deputado Paulo Paim, sem dúvida alguma está ressuscitando
questionamentos diários.
Quando afirmamos que no Brasil não há racismo, levamos um susto ao
discutir essa questão, ainda mais quando se trata de medidas que visem tocar nas
feridas e seqüelas resultantes do racismo. Temos de lembrar que o Movimento
Negro, no Brasil, está saindo da fase do discurso para o da ação. Enquanto
estávamos discutindo, era tolerável. Agora estamos partindo para a ação contra o
racismo. A sociedade agüentava as nossas discussões. Agora surge o conflito, pois
saímos do nosso lugar.
A quota não é o fator mais importante, mas está inserida nessa política de
ação afirmativa, que visa retirar privilégios e proporcionar igualdade de
oportunidades. Como disse o Deputado Reginaldo Germano, não podemos tratar o
desigual, em uma estrutura social, de forma igual. É como se colocássemos dois
corredores: um corredor para os maratonistas profissionais e outro apenas para os
amadores. Quem vai ganhar? Quem tem melhores condições? Logicamente, o
corredor profissional. Quando a ONU afirma que o Brasil dos brancos ocupa a
quadragésima quarta colocação e o Brasil dos negros ocupa a centésima décima
quarta colocação, algo está por detrás disso. É por isso que medidas como essas
são importantes, e questionamentos também são interessantes para nos
organizarmos melhor.
O SR. DEPUTADO FERNANDO GABEIRA - Talvez eu não tenha me
expressado bem. Não estou questionando o espaço que o Movimento Negro está
ocupando concretamente no momento, mas o fato de não ocupar um espaço maior
ainda. Quando falei de miscigenação e de mestiçagem, evidentemente tinha
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consciência de como o processo histórico foi feito no Brasil, baseado na violência
dos senhores de escravos contra as mulheres, as escravas e as negras.
Hoje em dia o processo de miscigenação não passa mais necessariamente
por esses caminhos violentos do passado. Nos Estados Unidos, o número de
casamentos intra-raciais aumentou, de 70 para 91, de 310 mil para 994 mil. Para
pais brancos e negros, o nascimento aumentou de 8.700 para 45 mil. Entre os
adolescentes, 71% gostariam de ter uma raça diferente. Já existem jornais nos
Estados Unidos chamados de "a voz inter-racial". Há pessoas que são produto
dessa mistura, fruto do processo de escolha e não do processo violento que havia
no passado.
O processo de globalização, ao mesmo tempo em que fortalece a afirmação
de identidade, como a identidade negra, está provocando e produzindo inúmeras
novas mestiçagens e circunstâncias raciais que não se limitam ao preto e ao branco.
Esse processo está acontecendo também no Brasil e vamos ter de tomar
consciência dele. Não é igual ao anterior, dos senhores de escravos que
violentavam as negras ou as mantinham nessas circunstâncias. O processo atual é
bem diferente.
Falei da ocupação do espaço partindo de uma visão crítica. Não acredito que
o senhor ache realmente que, se o Movimento Negro for para a televisão ocupar o
espaço que ela precisa dar a ele, tudo estará resolvido. Como negro, ele continuará
a produzir uma série de identidades e de ilusões sobre a nossa realidade, que estão
presentes. Ele vai, como negro, entrar na máquina de produção de identidades, o
que acaba sendo prejudicial para nós também. Não quero dizer que o negro não
deverá trabalhar na televisão, mas deve fazê-lo com uma visão crítica. Essas etapas
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são uma visão crítica. O mesmo ocorre com a entrada na universidade sem uma
visão do que ela seja; não só de brancos, mas burguesa. Isso me preocupa.
O SR. STÂNIO DE SOUZA VIEIRA - Em relação a este assunto, concordo
com a questão das estratégias de luta. Ingressamos na universidade, na mídia, e
depois? Logicamente, nas relações sociais há o processo de questionamentos
futuros. O que vai acontecer depois? Isso é natural. Temos de questionar a condição
em que se encontra a população negra neste País. A política de ação afirmativa não
visa ao processo de universalização. A partir de agora está todo mundo tranqüilo...
Não é bem assim. As transformações se dão a médio e a longo prazo. É um
processo de mobilidade social. No bojo de tudo isso há as conseqüências, que têm
de ser apresentadas. E você ressalta a questão das estratégias de luta. Será que
não vai haver de certa maneira esfriamento nas tentativas dos movimentos sociais
negros de continuar lutando pelos seus direitos sociais, civis e políticos? Algo tem de
ser feito para diminuir essa disparidade sociorracial.
A miscigenação é universal. Não há qualquer ser puro no mundo. Nem os
nórdicos são puros. As teorias do genoma explicam que pode ser encontrado em um
nórdico o gene de um africano. A questão é de fenótipo. Nesses traços é que a
situação pesa. Volto a dizer: o assaltante, quando o rouba na rua, teoricamente não
quer saber se você é filho de um Senador ou de um sapateiro; ele quer assaltá-lo. O
mesmo não ocorre em relação ao racismo. A pessoa, quando olha a sua foto no
currículo, não vai querer saber se o seu pai ou a sua avó são brancos. Ele sabe
apenas que você é negro e o penaliza ali mesmo. Não quer saber dos seus
descendentes, mas das suas característica: o seu cabelo, a sua pele. Essa é a
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grande questão da miscegenação. Ela é, em si, algo bom e necessário até para o
processo de reposição humana.
A SRA. PRESIDENTA (Celcita Pinheiro) - Com palavra o Sr. Gilberto Roque
Nunes Leal para as suas ponderações.
O SR. GILBERTO ROQUE NUNES LEAL - Inicialmente, agradeço-lhes,
encerrando a minha participação. Pude ouvir e aprender — é um eterno e constante
aprendizado — um pouco sobre essa luta por uma sociedade mais justa.
Gostaria também de fazer alguns comentários a respeito do que disseram os
Deputados Paulo Paim e Fernando Gabeira.
Sei que todos nós, no fundo, estamos convencidos de que quotas são
importantes e de que devemos debater a questão das desigualdades no Brasil.
Entretanto, o que eu quis grifar, talvez de forma um pouco diferente, indo além da
afirmativa, é que, se me perguntam se sou a favor ou contra a quota — nesse
questionamento que tem sido feito particularmente a mim, pela imprensa —, eu
simplesmente não respondo à pergunta da maneira simplória como ela é feita.
Primeiro, digo que sou contra a forma como o Governo está estabelecendo quota.
Ela é uma fuga ao debate, Deputado Paulo Paim.
Parece-me que há consenso entre nós, que todos concordamos com quota e
consideramos esse ponto importante. O debate está instalado entre esses atores
reivindicatórios dessa sociedade, dessa justiça social. O Governo, ao se antecipar,
em alguns momentos, e responder pontualmente sobre o que seja uma política de
quota na universidade, na empresa, no INCRA etc., ou até mesmo no caso do Rio
de Janeiro, inibe o debate e foge da discussão de um projeto plural, complexo,
necessário à superação das desigualdades no País.
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O Deputado Reginaldo Germano diz que existem facilidades e até indicação,
ao se dirigir ao Governo da Bahia, e orientação para discutir a instalação de políticas
de quota. Esse mesmo interesse, certamente, não houve por parte do Governo
Federal e não haverá por parte daquele Governo Estadual que não tiver uma visão
do que seja a transformação desta realidade no País, e não estará disposto a
discutir.
Quero dar alguns exemplos, para não ficar apenas pontuando e reforçando
até o exercício da musculatura retórica, o que não é o meu interesse.
Na última Constituição foi colocado claramente — acho que esta Casa é
quem mais sabe sobre isso — que em dez anos o analfabetismo deveria ser
superado, e isso não ocorreu. Essa discussão tem de voltar à mesa. Isso não vai
ocorrer com oferta de política de quota, de um lado, e aplauso ou mera crítica, de
outro. Por isso fiz essa proposta — depois vou apresentá-la — no sentido de que
tem de haver nesse estatuto um artigo que diga que o Estado brasileiro tem de
estabelecer uma política de promoção. E aí vai, cada vez mais, o meu grifo a
respeito da diferença de apoiar quota, de como fazê-lo e de como entrar no seu
debate — talvez, em invés de apoiar, como entrar no debate de quota, estendendo-o
a coisas mais efetivas.
Se pudermos fazer uma correlação entre alguns instrumentos, que algum dos
senhores devem conhecer, de análise de projeto, de análise de resultado... Uma
política de superação de desigualdade tem de atender à efetividade, à eficiência e à
eficácia. O que quero dizer com isso? Efetividade tem de dar produto? Sim. Se
pontuarmos apenas um desses itens, não conseguiremos analisar o resultado,
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porque a efetividade diz apenas que produziu algo qualitativa ou quantitativamente
— isso não está em jogo .
Se você tem eficiência, produziu um efeito, e ele pode até ser positivo. Agora,
a eficácia, que é o mais nobre desses três elementos analíticos de resultado, tem de
produzir o efeito desejado. É diferente. É nesse debate que o Governo tem de
entrar, para instalação de uma política nacional. E o estatuto não tem a obrigação de
responder sobre isso. Está muito claro. Acho até que há avanço na concepção de
conselho, quando se diz que ele tem de ser paritário e deliberativo. E quem
implementa? Quem é o responsável pela implementação? Onde é que vão estar os
elementos analíticos que monitorem o resultado disso? Onde é que isso está
colocado no tempo?
Tivemos trezentos anos de políticas benéficas para a sociedade branca
dominante neste País. Isso tem de estar no tempo, não pode estar perdido. Tudo
bem, vamos instalar uma política de quotas. Para quê? Qual é a concepção sobre
essa política de quotas? Ela almeja um resultado? Ela almeja um produto final? Ela
tem os elementos de controle social para que a acompanhemos? Então, ela não
está dentro de um projeto de superação das desigualdades.
Acho que é fácil, até porque nessa história de globalização e seus elementos
ideológicos apresentados no mundo inteiro... Não estou falando da globalização a
que
se
reporta
o
Deputado
Fernando
Gabeira,
porque
aí
entendo
a
internacionalização das relações interpessoais, internacionais etc., mas dessa
política de globalização, que tem o neoliberalismo como o seu grande carro-chefe
ideológico. É muito fácil. Se chegamos hoje na mais extrema-direita deste País,
opressora, beneficiária dos produtos sociais do Brasil... Alguns sociólogos ainda
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dizem que este País tem, digamos assim, ilhas de pobreza. Acho, ao contrário, que
tem, na verdade, mares de miséria e ilhas de riqueza. Essa é a realidade fotográfica
do Brasil. Se formos dialogar com alguns desses neoliberais, que já incorporaram o
discurso mais avançado possível, porque sabem que esse é o caminho para agradar
à comunidade, certamente estará lá uma política de quotas, como outras políticas,
como outros benefícios sociais. Agora, instalar uma política de transformação real e
profunda na sociedade ninguém quer. O Sr. Fernando Henrique Cardoso não quer.
Quando estávamos em Durban, na Conferência da África do Sul, vimos nos
jornais, com surpresa, a notícia de que foi criado o tal conselho contra a
discriminação. Qual é o caráter desse conselho? Que verba existe para sua
instalação? Quem vai implementar uma política? Qual é o poder de deliberação?
Trata-se de conselho composto, paritário, mas todos têm o mesmo poder de voto e
de veto? Há uma série de elementos que precisariam ser discutidos.
Quero que o Governo me responda se está à disposição para enfrentar o
debate da superação racial no Brasil, dentro de um projeto que envolva os outros
elementos de saúde, educação, moradia, desemprego. Isso não está contido
meramente como superação para a quota. Pode até dar algumas respostas
imediatas.
Então, o meu desafio é esse; e nego, dentro dessa preposição. Isso não quer
dizer que eu rejeite o que está sendo apresentado, é claro. Se existem pessoas com
fome hoje, vamos esperar que haja o que comer daqui a dois meses. Agora, isso
não nos compra, não deve ganhar a nossa cabeça. E não se deve dizer: é ou não é
quota? O Ministro da Educação quer ou não quer. Não é isso. Coloco os Srs.
Ministros à disposição para analisar e apresentar um projeto.
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Participei da pré-conferência do Governo, no Estado do Rio de Janeiro.
Apenas houve a abertura da conferência, para que nós mesmos continuemos
discutindo o assunto entre nós. O Governo, representado por quem estava lá — o
Embaixador Gilberto Sabóia e outros — não apresentou nenhuma proposta de
confronto. O que havia era a nossa, que tenho aqui comigo. No encontro anterior,
entre organizações do Movimento Negro, nós discutimos sobre ela e a elaboramos.
O discurso do Governo brasileiro, feito pelo Ministro da Justiça, em Durban —
estávamos numa relação diplomática, trocando informações —, foi perfeito. Não me
nego a dialogar com nenhum Governo, a não ser que ele esteja com uma arma na
mão; aí vai ficar difícil. Acho que o diálogo é diplomático.
Do ponto de vista do diagnóstico, Fernando Henrique Cardoso é um primor!
Ele concorda que existe racismo no Brasil. Até diz que tem um pé na cozinha. Do
ponto de vista de efeito, é concordante no diagnóstico, mas, do ponto de vista da
causa e de encontrar a solução para tal, quero ver ele concordar. Então, nesse
mesmo documento, no discurso oficial, em Durban, fez um diagnóstico perfeito, e até
andou defendendo bandeiras. Mas, quando lemos, nesse mesmo documento, nas
entrelinhas, está dito que o Governo Fernando Henrique é diferente dos outros, que
conseguiu superar essa questão. Mas superar como? Do ponto de vista retórico?
Isso já se tornou escola no Brasil.
Respeito a participação do Deputado, que foi lá. Ele cumpre relativamente
bem o papel de ir até lá questionar o Governo, e encontra rapidamente essa
resposta. Mas vamos discutir o Estado da Bahia, a cidade de Salvador, onde 80%
dos empregados são negros. Há alguma política para essa operação? Não adianta
uma quota. Então, essa é a questão que eu gostaria de pontuar.
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Para não tomar mais o tempo dos senhores — sei que o companheiro ainda
vai fazer suas considerações finais —, dirijo-me ao Deputado Fernando Gabeira.
Creio que V.Exa. está me chamando para um debate mais complexo,
Deputado Fernando Gabeira, sobre essa questão de mestiçagem. Já que V.Exa.
tocou nesse ponto, vou fazer uma provocação. Creio que é um desafio, em um país
onde as relações têm-se aproximado de forma até mais maneira, em uma
temperatura mais branda. Primeiro, esse caminho não supera o racismo no Brasil.
Sei que V.Exa. não disse isso. Por isso estou dizendo que o tempo é curto para o
debate. Por outro lado, a mestiçagem que também gostaríamos de ver é a de
aproveitamento e de participação nos benefícios sociais; da justiça da distribuição de
renda; da questão da terra; da presença nas escolas; de uma educação que
realmente seja libertadora e não para produzir serviçais para a sociedade; da
questão cultural, como V.Exa. disse, pois queremos que a cultura seja mista,
mestiça — qualquer nome que se queira dar a ela —, mas não queremos a
intolerância.
Já discutimos bastante. Se considerarmos a postura democrática de não fugir
do debate, devemos discutir com o Deputado Reginaldo Germano, que pertence a
um segmento religioso; que, sabemos, tem problemas; que, sabemos, detém uma
concessão pública. O estatuto, inclusive, estabelece muito bem — precisamos até
examinar melhor, não tive oportunidade de analisar esse item —, que é necessário
democratizar esse instrumento. V.Exa. cita a Globo. Precisamos democratizar. Em
termos de direito de resposta, a Record vai me dar o mesmo tempo de que preciso
para responder? Já até fiz esse desafio, em algum momento, para me darem direito
de resposta aos ataques que são feitos, mas não aceitaram. Peguei, recentemente,
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o jornal, Deputado Reginaldo Germano, até posso lhe mostrar, está em casa —
sempre leio o jornal, porque tenho essa curiosidade de saber o que pensam todos,
inclusive aqueles que se opõem ao que penso —, e está lá o mesmo ataque.
Entendo a sua posição, talvez seja uma postura diferenciada, discordante,
divergente, dentro da igreja.
Mas, quanto à questão da mestiçagem — aí voltando ao Deputado Fernando
Gabeira — queremos em tudo. Se estamos aproximando-nos uns dos outros nas
relações interpessoais, vamos também aproximar-nos dos que se aproveitam dos
benefícios e daqueles que não os têm, dos que se consideram intolerantes com
relação a determinada prática religiosa e daqueles que são os não-tolerados. É esse
o desafio que teremos de enfrentar, Estou sempre disposto a esse debate e a essa
posição. Obrigado.
O SR. PRESIDENTE (Deputado Saulo Pedrosa) - Agradeço a V.Sa. a
participação.
O SR. DEPUTADO FERNANDO GABEIRA - Gostaria de fazer uma pequena
réplica. Concordo com toda a sua intervenção, mas, quanto à questão da televisão,
eu apenas quero ressaltar que, quando se diz democratizar, é necessário que não
pensemos só na entrada do negro em algum elenco. Há realmente que se
questionar o conteúdo que estão produzindo, porque, senão, vai-se incluir um negro
no elenco para continuar produzindo as bobagens brancas que estão saindo.
O SR. GILBERTO ROQUE NUNES LEAL - O movimento negro já saiu. É
propositivo. Por isso estou dizendo que o Governo brasileiro tem que enfrentar o
debate.
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O SR. PRESIDENTE (Deputado Saulo Pedrosa) - Agradeço a intervenção e,
interrompendo temporariamente as considerações finais dos senhores palestrantes,
passo a palavra ao Deputado Alceu Collares, que estava inscrito.
O SR. DEPUTADO ALCEU COLLARES - Eu estava na Comissão de
Constituição e Justiça e de Redação porque estavam discutindo o voto eletrônico,
que é matéria importante. Por isso, fui obrigado a me afastar desta Comissão.
Quero dizer que ouvi parte de cada participação. Primeiro, agradeço aos que
estão participando destas audiências públicas, porque estão trazendo a sua
contribuição de anos e anos de experiência acumulada. Esta é a primeira vez que
nós, Parlamentares negros, conseguimos — creio que até avançamos, porque antes
não nos permitiam —, uma comissão para estudar essa matéria.
Não estou dizendo que as pessoas estão aqui cheias de ideais, querendo
fazer uma revolução da manhã para noite, nem os companheiros fizeram isso,
porque se sabe que ou se faz a ascensão social da raça negra pacificamente ou,
então, temos que pegar em armas para tentar concretizar as nossas idéias. As duas
coisas são muito complicadas.
Vejo o idealismo, o sonho, a utopia que plantamos na nossa alma, na nossa
consciência, na nossa mente, na tentativa de, quem sabe, resolver a questão. O
companheiro das artes, queria 50%. Se tivermos 25%, vamos, depois, para 30%,
para 35%, para 40%. Nada vem de graça para ninguém, principalmente para o
negro. O sistema capitalista é darwiniano, e como nós, desde a origem, estamos
tendo sempre oportunidades negativas, temos dificuldade de chegar no processo
para o grande confronto da competitividade, da concorrência, em número capaz de
fazer a nossa presença.
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Então, quero dizer ao Deputado Paulo Paim, que está aqui nesta luta, que
avançamos muito. Há poucos dias, o Moura, hoje, Presidente da Fundação
Palmares, esteve aqui e disse: "Houve uma época aqui que só no PTB, quando o
Collares era Líder, eu tinha um gabinete para me dar papel, que me deixava
telefonar". Então, estamos tentando. Já são quase 20 anos, e hoje temos uma
Comissão que vai examinar a questão pela primeira vez no Parlamento brasileiro,
onde dizem que no Brasil há uma democracia racial; estamos tentando os passos
possíveis. Eu até diria ao Presidente Saulo Pedrosa que deveríamos formular os
convites, encaminhando a proposta do companheiro Paim, para que as pessoas
viessem aqui não nos dizer como temos que legislar, porque se supõe que essas
pessoas aqui tenham algum conhecimento em técnica legislativa, mas trazer os
fatos que vivenciam, a experiência que acumularam: ele, na terra, nos quilombos; o
amigo, no seu setor; o outro, no mundo dos artistas, esses talentos que estão
submetidos ao silêncio doloroso e desastrado, aspirando, mas não tendo condições
de ascensão.
Faço apenas esta intervenção, no sentido de que esta Comissão deu um
passo muito avançado, e ela é tão pouco que V.Sas. estão vendo a freqüência aqui.
Há meia dúzia de heróis, de renitentes, de combatentes, daqueles que alimentam
ainda a esperança de que um dia virá. Mas não vem de graça. Temos de conquistar.
Aqui está um vendedor de laranja, companheiro. Passei dissabores dos mais
violentos para chegar aonde cheguei. Esteve aqui também outro amigo, que disse:
"Olhe, chegou a Governador, uma das primeiras presenças no rádio e na televisão".
Eu disse: "Eu fui um negro eleito aqui". Nunca neguei. Eu podia, nesse negócio da
mestiçagem, dar uma disfarçada, porque alguns brancos dizem assim: "Collares, tu
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não és negro". E uns negros pretos dizem assim: "Tu não és negro também. Tu és
mulato". Temos problemas nossos. Na minha eleição para Governador, um negrão
disse assim: "Tu achas que vou votar em um negro desses?" Vejam que coisa! Mas
são realidades nossas. Se nós chegamos aqui é porque temos uma capacidade de
luta monumental. Se nós chegamos aqui, se tivemos um mínimo de ascensão social
— não somos a regra — nós, exceções, somos algumas raríssimas e às vezes até
dolorosas exceções. Quando chegamos, chegamos com as mãos sangrando para
subir o muro da existência.
Mas creio que o Deputado Paulo Paim e esta Comissão estamos
desenvolvendo aquilo que nos é possível, plantando, e os senhores, tenho dito, são,
daqui para frente, uma espécie de auditoria voluntária. O nosso Presidente está
incumbido de, daqui por diante, fazer chegar a cada um todas as audiências
públicas, todas as sugestões, para que, depois, por escrito, por e-mail ou aqui
comparecendo, os senhores possam dizer que consideram que o caminho que
estamos tomando não é o melhor. Não podemos desperdiçar, não nos podemos
silenciar sobre a experiência que cada um tem. Temos de nos solidarizar, nos
confraternizar, porque, também, entre nós, há os defeitos do branco, muito
individualista, muito imediatista, muito personalista, muito "euismo".
É muito bom estarmos discutindo nesta Comissão, Deputado Paulo Paim.
O SR. PRESIDENTE (Deputado Saulo Pedrosa) - O discurso patético,
emocionante, do Governador Alceu Collares não aconteceu com perguntas, mas
apenas com sugestões.
Retorno a palavra agora ao Sr. Ivo Fonseca Silva, para suas considerações
finais.
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O SR. DEPUTADO REGINALDO GERMANO - Sr. Presidente, peço a palavra
pela ordem.
O SR. PRESIDENTE (Deputado Saulo Pedrosa) - Posteriormente.
O SR. DEPUTADO REGINALDO GERMANO - O companheiro Gilberto se
referiu a mim, para não deixar passar.
O SR. PRESIDENTE (Deputado Saulo Pedrosa) - Posteriormente, nas
considerações finais, V.Exa. poderá fazer suas observações.
Com a palavra o Sr. Ivo Fonseca Silva.
O SR. IVO FONSECA SILVA - Obrigado pela iniciativa. Estamos começando
outra vez; cada dia há outras atividades. Quero dizer ao companheiro Paulo Paim
que fiquei muito emocionado quando ele disse que o racismo quem sentiu e sente
somos nós, negros. Isso é verdade. Sente-se isso todos os dias. Eu sempre digo
isso também.
Quando se fala sobre a questão das candidaturas aqui, da porcentagem, eu
fui candidato duas vezes a Vereador. Na primeira vez, os colegas perguntaram se eu
ia cortar o cabelo para ser candidato. Eu disse: "Não, o cabelo faz parte do meu
corpo. O partido, a comunidade estão decidindo que sou candidato, por isso sou
candidato. Meu cabelo não tem nada a ver com eu ser candidato ou não". Mas
perguntavam: "Você não acha que o juiz vai mandar você cortar o cabelo?"
Vejam só o que quero dizer com isso. O sistema brasileiro fez nós ficarmos
com vergonha de nós mesmos. Quando o companheiro fala da mestiçagem, é mais
fácil eu dizer que sou mestiço com mulato do que sou um negro, porque o sistema
fez eu ter vergonha de mim mesmo. Quando se diz: "eu vou votar num preto
desses?", isso, para nós, dá medo. Quando perguntam se vou ser candidato a
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Deputado Estadual, eu respondo que sim, mas, no fundo, estou com medo. Na cara
da pessoa, eu digo que vou ser candidato a Deputado estadual. Mas, no fundo,
estou com medo. Por quê? Porque o sistema fez isso, e faz. Diz que não somos
capazes, que não temos condições de ser candidatos, de estar nos poderes mundo
afora. Então, creio que esse ponto dá iniciativa para nós. Os partidos não discutem,
não querem discutir essa questão racial. Não sei qual vai ser o choque que vão
receber, quando for estipulado que terá de ter tantos negros candidatos. Não sei
como vai ser isso. Talvez, até, na próxima eleição ainda não esteja funcionando, não
sei como vai ser. Mas acho louvável.
Também quero dizer que sou favorável a todas as iniciativas aqui do Estatuto.
Apenas tenho medo, porque venho observando os operadores de direito, como
estão chamando agora — é que uma lei derruba outra. Por causa de uma vírgula,
aquela lei cai e é a outra que está em cima. Então, é esse o medo que tenho. Qual é
a garantia que tenho, futuramente, de que esse Estatuto que estamos fazendo nos
segura mesmo, dá respaldo para nós, nós temos mais voz ativa. Eu queria ter essa
segurança. Não é pelo que está aqui. É por essa marafunda de leis. Nós fazemos
uma lei aqui, mas a outra diz que não. Isso derruba, porque existe o que acusa e o
que defende. Se não existisse isso, seria bom. Então, ao fazermos esse estatuto,
tenho esta preocupação. Mas é louvável. Hoje eu já estou defendendo, discutindo,
nos grupos, nas escolas, nas comunidades. Nós temos que ser a favor da política
afirmativa das cotas, e digo o por quê. Como expliquei, nós somos a favor da cota
por causa disso, disso e disso — vou dando os detalhes.
Então, estou maravilhado pela iniciativa. Acho que vamos dar mais um passo.
Já tivemos "n" dificuldades, mas os senhores que já estão nesta Casa há uns dias
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estão deixando registros para nós. Anteriormente, não tínhamos isso, tínhamos
dificuldade de encontrar documentos que nossos próprios delegados estavam
escrevendo. Hoje, não temos mais toda essa dificuldade. Por exemplo, se eu chegar
nesta Casa hoje em dia, vou procurar os arquivos e poder dizer: eles foram as
pessoas que iniciaram. Os senhores iniciaram essa discussão, e eu vou ter subsídio
daquilo que os senhores escreveram. Então, para nós, isso é louvável. Acredito que
vamos ter um bom resultado e vamos ter um País diferente.
Espero que o Sr. Fernando Henrique Cardoso tire o pé da cozinha e bote na
sala mesmo, para que isso aconteça com a dignidade correta. Obrigado.
O SR. PRESIDENTE (Deputado Saulo Pedrosa) - Muito obrigado pela
participação.
Para concluir essa primeira parte, passo a palavra ao Deputado Reginaldo
Germano para fazer seus comentários finais.
O SR. DEPUTADO REGINALDO GERMANO - Sr. Presidente, Sras. e Srs.
Deputados, nós trabalhamos com equilíbrio para construir um estatuto que,
verdadeiramente, não venha a ser objeto de discórdia nem de discussão na
sociedade em relação aos nossos direitos. Não queremos entrar no direito de
ninguém, queremos apenas assegurar os nossos direitos.
Tive a felicidade de ser convidado pelo Consulado Americano para visitar, nos
Estados Unidos, principalmente as universidades em que atuam mais os negros. Fui
sedento por esclarecer uma situação: por que o negro americano é estrela no
cinema? Por que os filmes americanos, principalmente nos últimos tempos, traz o
negro como figura principal? Saí do Brasil pensando que lá havia uma cota para
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filme. Quando lá cheguei, meu queixo caiu. Não havia uma cota de 40%, 30%, 10%
ou 2% de filmes americanos reservada para atores negros.
Como seria feito então? Vi que Washington, Capital, e Atlanta, duas cidades
por onde andei, possuem uma representatividade da raça negra como a Bahia.
Como isso acontece então? Para que uma empresa cinematográfica ali se instale,
ela tem que garantir uma cota, não há uma lei a ser obedecida. Caso isso não
aconteça, como a representatividade da raça negra naquele Estado é muito grande,
ninguém usa o produto ou assiste ao filme. Assim que é feito. A Coca-Cola,
poderosa multinacional, para entrar em Atlanta, uma cidade com aproximadamente
70% de negros, teve que garantir empregos, igualdade de cargos, salário etc. Foi
assim que a Coca-Cola se instalou em Atlanta, e é assim que acontece com a
indústria cinematográfica.
A indústria cinematográfica americana que não garantir representatividade
igual para negro e branco não aparece. Hoje, as maiores estrelas de filme
americano, por quem o público americano lota os cinemas para assistir, são sempre
atores negros. Esses filmes, quando chegam aqui já renderam milhões e milhões de
dólares de receita nos Estados Unidos. O próprio negro é levado a consumir tudo
que lhe dá igualdade racial, então, essa indústria é bem utilizada.
No nosso caso, na televisão brasileira — eu não peguei muito bem a palavra
do Gabeira —, seria necessário fazer a mesma coisa. Se temos a TV Globo que
pinta de negro um ator branco para que este faça o papel de um negro, o que
deveria fazer a comunidade negra? Não assistir à novela. A comunidade negra, na
verdade, deveria ser conscientizada e não assistir a essa novela. Não assistindo a
essa novela, não tem anunciantes, porque eles vive do telespectador. Se a
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comunidade é de 50% e não assiste à novela, a venda de produtos dentro dela vai
cair 50%. E as indústrias que sustentam novelas, vão perder o poderio, então, vão
ter que voltar a pensar na questão racial. É o que temos de fazer.
Há, na Rede Globo, a Vera Fischer e a Zezé Mota. A Zezé Mota perde em
que, artisticamente, para a Vera Fischer? Está provado que não perde nada. Agora,
vamos ver o salário das duas? No entanto, se fizermos uma pesquisa, a raça negra
é que assiste a novelas; é a raça negra que dá o produto para a Rede Globo pôr a
novela no ar, que sustenta os atores brancos, que se diferenciam dos negros no
salário.
É necessário que haja uma conscientização da nossa parte. Aqueles que
militam dentro dos movimentos negros têm que levar essa conscientização, assim
como é feito nos Estados Unidos.
Quanto ao companheiro Gilberto, que falou sobre a religião, não fujo da
discussão. Sempre tenho opinião. Religião não se ensina na escola nem deve ser
tema de discussão política, porque a Constituição já até garante o contrário.
(Intervenção inaudível.)
O SR. DEPUTADO REGINALDO GERMANO - Certo. Não digo isso. Já ouvi,
dentro dessas conferências, que o Estado teria que garantir dinheiro para a compra
da concessão de um canal de televisão. É sobre esse ponto que falo. Quando se
toca em manifestação religiosa, sou totalmente a favor.
Sou totalmente contrário quando nos sentimos agredidos pela televisão. A TV
Globo, a TV Manchete entravam com câmeras escondidas em nossa igreja,
filmavam e montavam uma porção de coisas e colocavam no ar. O que tivemos que
fazer? Tivemos que comprar concessão de um canal de televisão para fazer igual.
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Passamos a mostrar o trabalho que fazemos. Por exemplo, a Globo mandou um
repórter a uma igreja nossa, em Minas Gerais, com dinheiro, para dar ao pastor no
momento em que estava fazendo o culto. Com a câmera, junto com ele, filmamos
tudo. Quando quiseram colocar no ar, pusemos na íntegra o que estava
acontecendo.
Se as casas de candomblé, se as casas espíritas fizerem uma campanha com
seus membros, comprem a concessão de um canal televisão e anunciem também.
Façam a mesma coisa.
(Intervenção inaudível.)
O SR. DEPUTADO REGINALDO GERMANO - Não sei. Temos que fazer. É
assim que fazemos. Começamos com um homem em cima de um caixote, numa
praça, no Méier, e hoje chegamos onde estamos. Cheguei à Igreja Universal do
Reino de Deus sem emprego, com quatro filhos para criar, completamente excluído
da sociedade, recebi uma oportunidade de vida e hoje estou aqui.
O SR. DEPUTADO ALCEU COLLARES - Acho que o problema dessa igreja
é a intolerância com os outros ramos religiosos, principalmente com os atos que
temos o direito de cultivar.
O SR. DEPUTADO REGINALDO GERMANO - Não somos contra essa coisa.
Todos têm direito de fazer o que bem entender.
Agora, o Estado não pode ser responsável por causa religiosa nenhuma,
principalmente quando se fala em relação à comunicação. Se ligarmos a televisão
aos domingos de manhã, há seis ou sete canais da Igreja Católica, pelo menos, que
transmitem a missa. Se eu for me levar pelo fato religioso, a transmissão de missa
católica agride minha fé.
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Se sou tolerante com a Igreja Católica ou com a maneira de o espírita ou do
"candomblecista" pregar sua fé, agride a minha fé. Se sou tolerante com eles, eles
têm que ser tolerante com a minha igreja também. Se o problema é televisão, que se
faça uma campanha, compre-se a concessão de um canal de televisão, ou de uma
emissora de rádio. Todos têm o mesmo direito. O espaço está aberto. Sou contra
entrar, quebrar. Jamais vou deixar de pregar...
O SR. DEPUTADO ALCEU COLLARES - E chutar a santa, também?
O SR. DEPUTADO REGINALDO GERMANO - Jamais vou deixar de pregar.
E a santa não foi chutada. Está aí. Foi uma armação da Rede Globo, temos essa fita
na íntegra. A santa não foi chutada. É tanto que o bispo não foi condenado.
São essas situações que temos de ver. O candomblé, a umbanda, o
espiritismo têm direito de expressar sua fé, publicamente. Agora, façam a mesma
coisa que fizemos. Adquiram uma emissora de rádio ou de televisão e preguem,
mostrem, lutem por aquilo em que acreditam, porque é assim que fizemos e é assim
que continuaremos a fazer.
O SR. PRESIDENTE (Deputado Saulo Pedrosa) - Agradecendo a intervenção
ao Deputado Reginaldo Germano, encerro a primeira parte desta audiência pública.
Agradecendo aos conferencistas a contribuição valiosa que prestaram à análise e à
discussão do projeto.
Solicito aos Srs. Parlamentares que permaneçam no plenário, porque,
havendo número legal, passaremos à votação dos requerimentos.
Requerimento nº 23/01, do Sr. Ivan Paixão, que "requer, nos termos
regimentais, a realização de audiência pública com os Srs. Norton Nascimento,
Gilberto Gil, Milton Nascimento, Tânia Alves, Zezé Mota, Chica Xavier e Rosa Maria,
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para que sejam ouvidos por esta Comissão sobre suas experiências com relação ao
comportamento dos meios de comunicação com os artistas da raça negra".
O autor não estando presente, passa-se à discussão.
Não havendo quem queira discutir, em votação.
Os Srs. Deputados que o aprovam permaneçam como se encontram.
Aprovado por unanimidade.
Requerimento nº 24/01, do Sr. João Almeida, que "requer, nos termos do art.
255, sejam convidados o Prof. Ubiratan Dias, da Universidade Federal da Bahia, e a
Profa. Fúlvia Rosemberg, da Pontifícia Universidade Católica de São Paulo, para
debaterem, em audiência pública, o Estatuto da Igualdade Racial".
Devo dizer que o Prof. Ubiratan foi citado praticamente em todas as
audiências públicas, razão da solicitação do Deputado João Almeida.
Como o autor do requerimento não se encontra presente, em discussão.
Não havendo quem queira discuti-lo, em votação.
Os Srs. Deputados que o aprovam permaneçam como se encontram.
Aprovado por unanimidade.
O SR. DEPUTADO PAULO PAIM - Sr. Presidente, peço a palavra pela
ordem.
O SR. PRESIDENTE (Deputado Saulo Pedrosa) - Tem V.Exa. a palavra.
O SR. DEPUTADO PAULO PAIM - Sr. Presidente, no Dia da Crianças, 12 de
outubro, tive a felicidade, diria, de procurar em diversas lojas de brinquedos uma
boneca negra para dar à filha. Não encontrei. Depois falei com outras pessoas, que
me disseram a mesma coisa: sabiam desse debate da igualdade racial e, por uma
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série de motivos, queriam também comprar um boneco ou uma boneca negra.
Também não encontraram.
Vou encaminhar à Mesa requerimento para convocação, ou convite, por
exemplo, de donos de grandes fábricas de brinquedos para que nos expliquem qual
o motivo de não se produzir no Brasil principalmente bonecas e bonecos negros. O
requerimento está vindo do meu gabinete e vou encaminhá-lo à Mesa. Se a Mesa
entender viável requerimento nesse sentido, eu gostaria de colocar em votação.
O SR. PRESIDENTE (Deputado Saulo Pedrosa) - O requerimento
extemporâneo tem que ter assinaturas de um terço da Comissão. Mas V.Exa. pode
apresentá-lo agora, se for o caso, para ser votado na próxima reunião.
O SR. DEPUTADO PAULO PAIM - Como o requerimento ainda não chegou,
e não existe aqui de fato um terço, apresento o requerimento hoje e o colocamos em
votação na próxima reunião. E que essa proposta tenha listadas, inclusive, as
fábricas de brinquedos que gostaria que fossem convocadas, para que dêem
depoimento. Acho que vai ser um debate interessante.
Por que no Brasil, onde 50% são negros, não existem bonecas nem bonecos
negros? Como não consegui encontrar, fui perguntar a outras pessoas que me
disseram que esta é uma realidade mesmo, dificilmente se encontra, e, quando se
encontra, são bem mais caros. É interessante também isso.
O SR. PRESIDENTE (Deputado Saulo Pedrosa) - Gostaria de dizer a V.Exa.
que encontrei, para minha netinha, bonecos negros em Johanesburgo, na África.
O SR. DEPUTADO PAULO PAIM - Gostei da resposta, Sr. Presidente. V.Exa.
foi muito feliz na resposta: em Johanesburgo, na África.
Então, entrego o requerimento à Mesa.
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O SR. PRESIDENTE (Deputado Saulo Pedrosa) - Nada mais havendo a
tratar, vou encerrar os trabalhos, antes, porém, convoco reunião ordinária a se
realizar no próximo dia 30, às 14h.
Está encerrada a reunião.
Muito obrigado.
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