Agosto 2002•
No.7
Uma série regular de notas ressaltando as lições recentes do programa operacional
e analítico do Banco Mundial na Região da América Latina e do Caribe.
LEVANDO OS SERVIÇOS DE MICROCRÉDITO ÀS PESSOAS DE
BAIXA RENDA: O CREDIAMIGO NO BRASIL
Susana M. Sánchez, Sophie Sirtaine, e Rita Valente
Entre os responsáveis pela formulação de políticas e os
economistas, há uma ampla percepção de que as
microempresas1 enfrentam uma séria escassez de
financiamento que limita suas oportunidades de
crescimento. Solucionar os problemas de acesso ao
financiamento e de alto custo do mesmo tornou-se o
objetivo principal de muitos programas do governo.
Com vistas a aumentar o acesso ao crédito para
microempresas da Região Nordeste do Brasil, o Banco
Mundial vem apoiando o programa de microcrédito do
Banco do Nordeste desde 1997. Este documento mostra
como o Banco do Nordeste iniciou o CrediAmigo como
parte de sua estratégia de reestruturação e como esse
programa se expandiu a ponto de tornar-se o maior provedor
de microcrédito do Brasil. Até esta data, surgiram muitas
lições, tanto do CrediAmigo como do Banco Mundial, que
apóiam o programa.
Demanda insatisfeita de serviços de
microcrédito
Os bancos privados brasileiros e as instituições nãobancárias oferecem diversos produtos de crédito orientados
para as micro e pequenas empresas. Tipicamente, tais
produtos acarretam altas taxas de juros e exigem garantia.
As redes bancárias também não atendem a muitas áreas,
especialmente as regiões pobres e remotas do Nordeste e do
Norte do Brasil. Cerca de 57% de todos os municípios
dessas regiões não têm acesso a uma agência bancária, em
comparação com a média nacional de aproximadamente
30%. Embora em muitos outros países latino-americanos as
instituições financeiras tenham conseguido preencher
parcialmente a lacuna deixada pelas instituições maiores, no
Brasil apenas uma pequena fração da procura potencial de
microcrédito parece ser atendida pela oferta atual.
Impulso para expandir os serviços de
microcrédito
Até 1997, o desenvolvimento dos serviços de microcrédito
no Brasil ficou consideravelmente atrás de outros países
latino-americanos. Isto se deveu, em parte, ao seguinte: (i)
longo período de alta inflação que prevaleceu antes que o
Plano Real fixasse o real ao dólar; (ii) restrições sobre a
capacidade das ONGs de atuar como intermediários
financeiros e agilizar financiamento externo; e (iii) uma
rígida lei de agiotagem que limita as taxas de juros
cobradas pelas ONGs a níveis insustentavelmente baixos.
Três acontecimentos importantes permitiram o surgimento
da iniciativa CrediAmigo. Primeiro, em novembro de 1996,
CrediAmigo: uma história de sucesso
Valcenira Araújo do Nascimento. Quando Nirinha (como é conhecida), proprietária de uma butique, pediu um empréstimo
ao CrediAmigo, pretendia parar de pagar as mercadorias a crédito e expandir seus negócios. Com vendas mensais que
giravam em torno de R$2.000 e um capital de giro de R$1.200 (sem contar R$3.800 a receber), ela sofria quando os clientes
não eram pontuais no pagamento. Com a ajuda do marido, dedicou-se à butique em tempo integral. O lucro líquido era de
aproximadamente R$620, a principal fonte de renda da família. Hoje, Nirinha está em seu empréstimo número 11, renovou a
butique e contratou um sobrinho para atender melhor à clientela crescente. Além disso, abriu uma loja de videogames,
proporcionando à família uma segunda fonte de renda. O capital de giro elevou-se a R$12.662 e a loja vende em média
R$3.200 por mês e R$8.000 nos meses de pico. O lucro líquido também aumentou para R$1.300. Com a ajuda do
CrediAmigo, Nirinha conseguiu assumir o risco necessário para alcançar o sucesso em seu negócio.
1
o Banco Mundial reuniu-se com a alta direção do Banco do
Nordeste para discutir o acesso ao financiamento no
Nordeste e examinar as experiências de microcrédito em
outros países. Após concordar em princípios operacionais,
o Banco apoiou os esforços do Banco do Nordeste no
sentido de iniciar um programa de microcrédito por meio
de um empréstimo existente para assistência técnica e
treinamento. Segundo, em 1997, a Comunidade Solidária,
entidade pública criada em 1995 para reforçar iniciativas da
sociedade civil no Brasil, organizou um grande debate
político sobre o papel potencial que o microcrédito poderia
desempenhar no Brasil. A reunião concluiu que o
microcrédito poderia desempenhar um papel estratégico em
termos de emprego e distribuição da renda, mas sua
expansão requeria uma abordagem diferente da
normalmente associada às operações de crédito. Terceiro, o
objetivo do Banco do Nordeste de cumprir seu mandato de
desenvolvimento incentivou o interesse em procurar meios
viáveis de atingir as microempresas sem depender de linhas
de crédito subsidiadas.
Um projeto para o desenvolvimento do
microcrédito no Nordeste
Em 1997, ao sair de um importante período de reforma,
liderado por um novo presidente com uma vasta experiência
no setor privado, procurava meios de cumprir de forma mais
eficiente seu mandato de desenvolvimento regional.
Seguindo o modelo da Unidade Desas do Bank Rakyat da
Indonéia (BRI), o CrediAmigo foi criado como unidade
autônoma dentro do Banco do Nordeste. O Banco do
Nordeste procurou orientação técnica da ACCION International, um grupo com sólida experiência em empréstimos a
grupos solidários. Com a ajuda da ACCION, o Banco do
Nordeste pesquisou microempresas e desenvolveu um
empréstimo piloto adaptado às suas necessidades. A
ACCION ajudou também a preparar material de treinamento
e critérios de seleção para futuros oficiais de empréstimos
de microcrédito (terceirizados) do Banco do Nordeste
Após um projeto-piloto de quatro meses, a gerência do
Banco do Nordeste apoiou um programa ampliado, que
cresceu rapidamente de 5 para 52 unidades de atendimento.
Embora essa experiência apressada tenha sido custosa para
o Banco do Nordeste, devido à deterioração da qualidade
da carteira, a gerência aprendeu a não subestimar a
complexidade das operações de microcrédito. Com um
compromisso renovado de focalizar a qualidade e
produtividade da carteira, em maio de 2000 o Banco
Mundial aprovou um empréstimo de US$50 milhões para
fortalecer a capacidade do CrediAmigo de crescer de forma
sustentável e para estender uma linha de crédito para
empréstimos a microempresas. O objetivo do projeto era
melhorar o acesso das microempresas em toda a região aos
serviços de financiamento sustentável e convencional.
2
Resultados concretos
Atualmente, o CrediAmigo distribui seu produto por meio
de 164 das 174 agências do Banco do Nordeste e por meio
de 56 postos únicos de atendimento. Oferece empréstimos
a microempresários já estabelecidos para o financiamento
de seu capital de giro e para ativos fixos necessários. Os
empréstimos são isentos de garantias, mas são concedidos
usando a técnica de grupo solidário a pequenos grupos de
três a cinco mutuários que garantem o empréstimo
mutuamente. Os empréstimos solidários têm, em média,
três meses de duração. Os primeiros empréstimos limitamse de R$300 a R$700 (cerca de US$130 a US$300), mas os
empréstimos repetidos podem atingir R$4.000 (US$1.700).
As taxas de juros são mais elevadas do que as cobradas pelo
Banco do Nordeste sobre empréstimos maiores, mas
substancialmente inferiores às cobradas por agiotas. O
programa começou com uma taxa mensal básica de 5%, que
porém diminuiu a 3,5%. O programa incentiva pagamento
pontual oferecendo 15% de desconto sobre o pagamento de
juros se todas as parcelas foram pagas em dia. Para atender à
demanda crescente de seus clientes, o CrediAmigo também
introduziu empréstimos individuais e de investimentos.
Em maio de 2002, com apenas quatro anos de operação, o
CrediAmigo já se classifica entre as principais instituições
de microcrédito da América Latina em termos de
penetração geográfica, número de clientes e extensão de
seu alcance. Conta com aproximadamente 100.000 clientes
ativos e uma carteira de empréstimos a receber de R$56
milhões (US$24,2 milhões), o que o torna a maior
instituição de microcrédito do Brasil, bem adiante da
CEAPE, segunda colocada criada em 1987 e que tinha
26.368 clientes ativos em junho de 2001 e uma carteira de
empréstimos a receber de US$7,4 milhões. O CrediAmigo
é ativo em 702 municípios do Nordeste, conferindo-lhe um
alcance geográfico que também contribui para reduzir o
custo das transações aos mutuários. O valor de seu
empréstimo médio é de apenas R$560 (US$240),
confirmando o enfoque da instituição nas pessoas
realmente de baixa renda. Quarenta e oito por cento
de seus clientes são mulheres.
Além da iniciativa do Banco do Nordeste, poucos
bancos públicos ou privados do Brasil têm sido ativos
em microcrédito. O banco estrangeiro ABN–AMRO
está desenvolvendo um pequeno projeto piloto, porém
a maioria dos outros bancos está completamente fora
de cena. Com exceção do CrediAmigo, o mercado
conta unicamente com instituições especializadas de
microcrédito. Hoje há cerca de 50 a 60 instituições
dessa natureza no Brasil, das quais mais de 80%
existem há menos de dois anos. A maioria dessas
instituições é de tamanho muito limitado. De fato,
menos de 10 atendem a mais de 2.000 clientes.
Em conseqüência do início tardio do microcrédito no Brasil
e do tamanho muito pequeno da maioria das instituições, a
rápida expansão do CrediAmigo possibilitou que dominasse
cada vez mais o mercado. No fim de 2001, atendia a
aproximadamente 60% dos microempresários com acesso a
serviços de microcrédito e mantinha 45% de seus
microempréstimos a receber (Figura 1).
Figura 1 - Tamanho Médio do Empréstimo
Para avaliar o impacto do CrediAmigo sobre a dinâmica da
microempresa e o bem-estar da família, o Banco do
Nordeste planeja fazer um estudo de impacto. Entretanto, a
evidência anedótica revelada pelos clientes indica que
tornar o crédito ao alcance das microempresas poderá ter
efeitos positivos no volume de vendas, emprego e
lucratividade.
Lições aprendidas
O sucesso do CrediAmigo permite aos praticantes do
microcrédito chegar a um número de conclusões
interessantes:
Primeiro, destaca várias condições-chave para o
sucesso do microcrédito, a necessidade de: i. manter
um compromisso de lucratividade e sustentabilidade;
ii. implementar um modelo de alta produtividade a
baixo custo; iii. desenvolver mecanismos rígidos de
controle e implementar sistemas de informação
administrativa para controlar perdas; iv. manter taxas
de juros suficientemente altas para custear a despesa
de administração de pequenos empréstimos e
respectivos riscos; v. começar em pequena escala e
aprender na prática; e vi. desenvolver incentivos para o
pessoal que motivem eficiência e alta recuperação de
empréstimos.
Segundo, demonstra que, ao serem cumpridas essas
condições, uma estratégia “descendente” (que consiste
em visar a pessoas de baixa renda ou empresas menores)
poderia ser uma linha bancária empresarial
comercialmente lucrativa.
Terceiro, o sucesso do CrediAmigo demonstra que uma
estratégia de atendimento a segmentos em sentido
descensional ajudaria a revitalizar bancos públicos com
lucratividade decrescente ou aumentar a de redes de
agências rurais não lucrativas, contanto que sejam
cumpridas as condições acima indicadas. Em muitos
países, os bancos públicos têm uma extensa rede de
agências cujas atividades atuais não são lucrativas,
colocando um sério dreno na banco matriz geralmente
fraco. O microcrédito requer aptidões específicas que esses
bancos nem sempre têm, mas pode, no entanto, ser uma
oportunidade de negócios interessante para eles, contanto
que se ofereça o treinamento adequado e se evite a
“autoconcorrência” proveniente das próprias linhas de
crédito subsidiadas. Uma estratégia de microcrédito pode
também ajudar a restaurar, ao menos parcialmente, a
lucratividade de bancos com resultados negativos. Dito
isto, um programa de microcrédito não pode ser
considerado uma panacéia para todas as dificuldades
financeiras, especialmente quando representa uma pequena
parcela dos ativos.
Quarto, confirma os benefícios potenciais decorrentes do
uso de uma vasta rede de agências já existente para
distribuir produtos e que isso permite o desenvolvimento
mais rápido de serviços do microcrédito. Isso sugere que
os bancos com redes semelhantes são potencialmente bons
candidatos para desenvolver serviços de microcrédito em
grande escala, contanto que também tenham os incentivos e
controles certos da gerência. Como alternativa, o
desenvolvimento de parcerias que permitam aos
especialistas em microcrédito distribuir seus produtos
através de redes bancárias pode também ser uma opção que
merece estudo.
Finalmente, o programa demonstra que o desenvolvimento
de um programa de microcrédito de categoria internacional
requer um compromisso contínuo por meio da concepção,
desenho, projetos piloto e expansão inicial, com um
enfoque contínuo na gestão de riscos. O financiamento
externo é necessário para desenvolver a infra-estrutura e
sistemas adequados se não estiverem prontos de antemão,
bem como para permitir a expansão do alcance. Entretanto,
é também evidente que o financiamento será mais bem
aproveitado onde houver sérios compromissos e onde,
durante a fase de preparação, tiver lançado fundamentos
sólidos para o programa.
Conclusões
O sucesso do CrediAmigo não se limita à sua expansão. A
qualidade de sua carteira e a produtividade de seu pessoal
estão também em níveis geralmente associados com as
melhores práticas internacionais. Somente 3,7% de seus
empréstimos estão em atraso, usando uma rígida medição
de risco de carteira de 30 dias. A taxa anual de perda de
empréstimo é também de 2,7%, até mesmo depois de dispor
plenamente provisões para todos os empréstimos com
3
pagamento em atraso de 90 dias ou mais. No tocante à
produtividade, os assessores de crédito com nove meses ou
mais de experiência estão administrando cada qual uma
média de 313 clientes.
Esses fatores apóiam a opinião de que o programa pode
conseguir sustentabilidade de longo prazo. Em futuro
próximo, o desafio para o CrediAmigo será obter
independência institucional do Banco do Nordeste.
A lucratividade também está progredindo bem, apesar de o
programa não se beneficiar de nenhum subsídio direto.2 As
despesas com salários como percentagem da carteira de
empréstimos diminuíram de 68% em dezembro de 1998
para 19% em maio de 2001. O lucro efetivo do
CrediAmigo sobre a carteira de empréstimos (renda de
juros com relação à média da carteira de empréstimos) caiu
de 78% em dezembro de 1998 para 63% em maio de 2001.
Cerca de 85% das 164 agências do CrediAmigo são
operacionalmente sustentáveis e o programa como um todo
deve atingir total sustentabilidade em 20023.
Neste sentido, o Banco do Nordeste criou estruturas
institucionais coerentes com o aumento da independência
gerencial, financeira e jurídica do CrediAmigo e está
examinando com o Banco Central alternativas viáveis.
De modo geral, os clientes parecem estar extremamente
satisfeitos com os serviços do CrediAmigo, apesar das altas
taxas de juros4 . O CrediAmigo apresenta uma alta taxa de
renovação de empréstimo (cerca de 85%) e há um número
crescente de novos clientes por assessor de crédito,
indicando que o acesso contínuo ao microcrédito é tanto
essencial como procurado. As decisões rápidas sobre
empréstimos e os respectivos baixos custos de transação
podem parcialmente explicar o alto grau de satisfação dos
clientes. Uma pesquisa sobre a satisfação dos clientes
indica que classificam os serviços do CrediAmigo como
muito bons: cerca de 93% estão satisfeitos com o
programa (Figura 2).
Figura 2 - Nível de Satisfação dos Clientes
7% - Outras Respostas
********
Notas
1
O Instituto Brasileiro de Geografia e História (IBGE)
define uma microempresa como uma indústria com um
máximo de 19 empregados ou atividades relacionadas com
serviços ou comércio com um máximo de 9 empregados;
uma pequena empresa é definida como uma atividade
comercial com um máximo de 99 empregados no setor de
fabricação e 49 empregados nos setores de serviços e
comércio.
2
O CrediAmigo somente se beneficia de subsídios “em
espécie” do Banco do Nordeste, provenientes de seu direito
de utilizar a rede do Banco do Nordeste. Esses subsídios
“em espécie” são registrados como custos no programa do
CrediAmigo.
3
A auto-suficiência operacional significa a capacidade da
instituição de custear, por meio das próprias rendas
operacionais, todas as suas despesas operacionais, exceto as
despesas financeiras. A sua auto-suficiência financeira
refere-se à sua capacidade de custear todas as despesas
operacionais, inclusive o custo de fundos.
4
De acordo com a pesquisa de 1999 do Escritório Técnico
de Estudos Econômicos do Nordeste (ETENE).
93% - Muito Satisfeito e Satisfeito
Fonte: IPESEP - ABRIL/2001
Informe-se melhor sobre o nosso trabalho
http://www.obancomundial.org/
http://www.bnb.gov.br/CrediAmigo/
4
Sobre as autoras
Susana M. Sánchez e Sophie Sirtaine são especialistas em
finanças de Departamento Financeiro do Banco Mundial
para a Região da América Latina e do Caribe. Rita Valente é
Chefe do Gabinete da Presidencia ao Banco do Nordeste,
Brasil.
Sobre “em breve”
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