SÃO PAULO EM PERSPECTIVA, 11(4) 1997 O EMPRESARIADO, A FILANTROPIA E A QUESTÃO SOCIAL ELIZABETH DE MELO RICO Professora e Pesquisadora do Instituto de Estudos Especiais da PUC/SP e Especialista em Gestão de Programas Sociais “ Q uando eu falava nas minhas palestras que o Brasil vai dar certo, mas não para todo mundo, e que nós, empresários, teríamos de ter uma consciência social maior, muitos empresários diziam que gostariam de ajudar, mas não sabiam a quem, nem como avaliar se as entidades eram idôneas” (Kanitz, 1997:9). Esta fala do consultor Stephen Kanitz refere-se ao prêmio “Bem Eficiente”, criado pela Kanitz e Associados, e concedido em 10/06/97 às 50 melhores entidades sem fins lucrativos. Não premia doadores de recursos, mas sim as instituições que os aplicam de maneira eficaz. O prêmio recebeu 1.200 indicações, com 600 entidades. Apesar das 50 premiações não se referirem a Fundações Empresariais, mas à eficiência na aplicação dos recursos das instituições sem fins lucrativos, foram desenvolvidos 42 critérios para avaliar a eficácia na Filantropia (o que é, sem dúvida, uma ênfase empresarial acerca do investimento no social). Em setembro de 1996, foi realizado o III Encontro Ibero-Americano do Terceiro Setor, no Rio de Janeiro, sob a coordenação do Gife (Grupo de Institutos, Fundações e Empresas Privadas que investem, sem fins lucrativos, em projetos sociais visando o desenvolvimento do país e estimulando a cidadania participativa, especialmente no meio empresarial). Em maio de 1995, foi eleita a primeira presidente do Gife, senhora Evelyn Iochpe, da Fundação Iochpe. Em 27/05/97 houve o lançamento do livro 3o setor: desenvolvimento social sustentado, que originou da realização do III Encontro Ibero-Americano do Terceiro Setor. Por sua vez, a Câmara Americana de Comércio, após observar o crescente aumento de investimentos privados no social, em especial a partir da década de 80, instituiu em 1982 um prêmio anual (ECO) para os melhores traba- lhos de filantropia empresarial (mais de 500 empresas competiram nos últimos anos). Estas referências vêm delineando um movimento crescente da sociedade civil que inclui setores empresariais preocupados com a ajuda mútua realizada por entidades sem fins lucrativos, capazes de estabelecer novas formas de complementaridade na troca, indução e geração de insumos, bens e serviços em diversos campos do desenvolvimento social, cultural, patrimônio histórico e natural e meio ambiente. Associativismo e mutualismo, solidariedade e eficácia de custos em relação a benefícios transferidos à comunidade. Está demonstrado que a filantropia empresarial é um setor em crescimento e que representa algo novo, não apenas no cenário organizacional, mas também no cenário da sociedade brasileira. O que este novo setor significa? Realizar filantropia aumenta o volume de negócios da empresa? Interfere na sua imagem diante do mercado? Aumenta a auto-estima, o sentimento de pertencimento dos empregados da organização? Interfere no marketing da empresa? Realizar “caridade” altera, pelo menos em parte, as relações entre capital e trabalho? Será possível, através de um programa social, modificar as formas de relacionamento entre responsáveis pela organização e seu corpo de trabalho? O investimento em filantropia altera a cultura do empregador e conseqüentemente da organização? A adoção de programas sociais pelos empresários sinaliza uma consciência crescente da responsabilidade social da empresa? Serão os empresários, ainda, os melhores gerentes de programas sociais e, portanto, os que atingem resultados mais expressivos? O que acontece é que as Fundações, Institutos e Empresas (em especial aquelas reunidas pelo Gife) vêm exigindo a previsão de retorno do investimento realizado em 60 O EMPRESARIADO, A FILANTROPIA E A QUESTÃO SOCIAL programas sociais, tanto em relação ao beneficiário como ao investidor. “É claro que este retorno não se traduz em moeda, mas sim em desenvolvimento. Filantropia, no entanto, não é igual a desenvolvimento social, que é uma ação tradicionalmente atribuída ao Primeiro Setor, o Governo. E nós falávamos do ponto de vista do Segundo Setor, o mercado, designando o conjunto de ações que acontece no interior do Terceiro Setor – aquele que é público, porém privado. Parece simples, mas não é. Sob o impacto de um estado que vem diminuindo sua ação social e de uma sociedade com necessidades cada vez maiores, cresce a consciência nas pessoas – tanto físicas quanto jurídicas – de que é necessário posicionar-se proativamente no espaço público, se o que se deseja é um desenvolvimento social sustentado” (Iochpe, apud Gife, 1997:I e II). A questão da filantropia empresarial coloca a pertinência da discussão sobre o que é o Terceiro Setor, bem como sobre sua área de abrangência: público, porém privado. Afinal, como reconhece Iochpe, estamos vivendo num Estado “enxuto”, que vem diminuindo sua ação social, no qual a sociedade possui necessidades cada vez mais mais amplas, sendo necessário que pessoas físicas e jurídicas posicionem-se proativamente nessa realidade. Portanto, é condição para compreensão do significado da filantropia empresarial a sua inserção no chamado Terceiro Setor e sua ação na área pública, com recursos privados. do governo e que, ao prestarem serviços coletivos, não passam pelo exercício de poder de Estado. Lester Salomon, um estudioso norte-americano sobre o Terceiro Setor, que vem coordenando uma pesquisa sobre esta temática, considera que o Terceiro Setor é composto de organizações estruturadas, localizadas fora do aparato formal do Estado, que não destinadas a distribuir lucros aferidos com suas atividades entre os seus diretores ou entre um conjunto de acionistas, autogovernadas e que envolvem indivíduos num significativo esforço voluntário (Fernandes, 1994:19). A expansão das atividades associativas civis, em especial a partir dos anos 70, é uma resposta contundente ao fato de que o mercado e governo não conseguem dar conta do enfrentamento de uma série de questões que vão desde problemas ecológicos até direitos de minorias étnicas e/ou raciais, desemprego, sem-terra, aposentados, violência contra mulheres, exploração da mão-de-obra infantil, etc. Carvalho entende que há uma novidade nas atuais associações civis: “a capacidade de incluir as demandas de novas maiorias, que de outra forma estariam excluídas dos canais abertos convencionados pelos sistemas de articulação entre estados-nacionais ou no interior dos aparatos governamentais domésticos” (Carvalho, 1995:3, grifo nosso). Esta novidade, a capacidade de incluir as demandas de novas maiorias, delineia (além de estar fundamentada em princípios e valores articulados de forma própria) uma nova forma de organização dessas associações, qual seja: - são internacionalizantes (atuam além das fronteiras nacionais); - possuem vínculos locais; - localizam-se fora do aparato formal do Estado (embora estejam condicionadas a ele, não se “encaixam” nele); - não se estruturam pelos grandes eixos da divisão do trabalho (multissegmentam-se pelo crescimento dos serviços e das comunicações); - não há uma “central” que integre suas atividades. Não há uma oligarquia burocrática. Não há formas massivas e politizadas de participação. Há múltiplos planos e alternativas de associação. A filantropia empresarial move-se nesse espaço associativista, no qual se pode observar novas formas de organização do setor, em especial no trato das questões sociais, sejam estas urbanas, rurais, derivadas do meio ambiente, de gênero, raça e até planetárias. Todavia, como mencionado anteriormente, esse espaço é público, porém privado. É o espaço em que coexistem o Estado, o mercado e o Terceiro Setor. A filantropia empresarial, ao investir na sociedade, não está prestando favores, ou doando benefícios. A nova ação social em- FILANTROPIA EMPRESARIAL E TERCEIRO SETOR Este artigo não tem a intenção de aprofundar as discussões sobre o Terceiro Setor, uma vez que sua conceituação vem gerando muitas polêmicas. Fernandes (1994:21) faz algumas considerações sobre o tema: “o conceito denota um conjunto de organizações e iniciativas privadas que visam à produção de bens e serviços públicos. (...) Bens e serviços públicos implicam uma dupla qualificação: não geram lucros e respondem a necessidades coletivas”. Fernandes menciona dois aspectos constituídos do Terceiro Setor que merecem uma atenção especial: OSFL (organizações sem fins lucrativos) e ONGs (organizações nãogovernamentais). As organizações sem fins lucrativos, na compreensão de Fernandes, são aquelas cujos investimentos são maiores que os eventuais retornos financeiros em ações dispendiosas para os mercados disponíveis. A princípio, as OSFLs sobrevivem à custa de financiamentos de agências internacionais de fomento (cada vez menos), empresas privadas, do Estado (nos âmbitos federal, estadual e municipal) e de ações voluntárias. As organizações não-governamentais são instituições que não fazem parte 61 SÃO PAULO EM PERSPECTIVA, 11(4) 1997 presarial está procurando algum retorno, colaborando com o desenvolvimento social do país e demonstrando que a iniciativa privada deve ser consciente, deve ter uma responsabilidade social em relação aos problemas que atingem a sociedade. A empresa-cidadã é aquela que, além de cumprir sua função econômica, trabalha para a melhoria da qualidade de vida de toda a sociedade. A ênfase aqui refere-se à atuação da empresa-cidadã nos espaços do mercado e do Estado, propondo-se a colaborar com este na implementação de políticas e programas sociais. Reconhece a incapacidade atual do Estado em enfrentar sozinho os problemas sociais, mas entende que a responsabilidade pela gestão de políticas e programas de erradicação da pobreza é, sem dúvida, sua competência (do Estado). Deve-se considerar que a dimensão dos espaços público e privado, na filantropia empresarial, está desenhada de acordo com um modelo sociopolítico e econômico. Ou, mais explicitamente: que tipo de Estado “absorve” a filantropia empresarial? Este contexto chamado de neoliberal explica-se pelo fato de ressuscitar o liberalismo econômico, em que o Estado tem um papel diminuto para enfrentar os dilemas das questões sociais e, portanto, necessita das parcerias com o mercado e com a sociedade civil para viabilizar programas de enfrentamento à exclusão social. Não se pode esquecer que são intrínsecos ao modelo o desemprego e o sucateamento da mão-de-obra. Aí reside uma grande contradição. O trabalho, diante do processo de globalização, adquire a possibilidade de se socializar independentemente da interferência do Estado, que coloca os fundos públicos (arrecadação) a serviço do desenvolvimento econômico, independentemente de favorecer esta ou aquela classe social. Ressalte-se que o “modelo” só pode funcionar se houver “colaboração” do Estado. O capitalismo não se consolida sem a ajuda dos recursos públicos, seja mediante o “fundo público” ou a “fundo perdido”. Segundo Oliveira (1988), o fundo público é representado por subsídios e auxílios públicos que são constitutivos do próprio capitalismo. O fundo público, por um lado, auxilia o funcionamento da acumulação do capital e, por outro, financia a reprodução da força de trabalho. O que é novo é que tais subsídios não ocorrem pós-necessidade de reprodução da força de trabalho mas sim caracterizamse como ex-ante das condições de reprodução de cada capital particular e das condições de vida. Existe “em abstrato” antes de existir de fato. Na verdade, “a formação da taxa de lucro passa pelo fundo público, que o torna um componente estrutural insubstituível” (Oliveira, 1988:9). O que vem ocorrendo é que as despesas públicas com saúde, educação e pensões vêm aumentando nos últimos 20 anos, em países do 1o ao 3o Mundo. Isto levou a transferência para o financiamento público de “despesas” relacionadas à reprodução da força de trabalho. Na verdade, essas despesas são socializadas, através do crescimento dos salários indiretos, que têm por objetivo liberar o salário direto para o consumo de massa. Emerge assim o Estado Providência (este termo, segundo Oliveira, é mais freqüentemente associado à produção de bens sociais públicos). Porém, o Estado-Providência já nasce limitado pelo processo de internacionalização produtiva e financeira do capital. Por quê? Porque “a circularidade anterior pressupunha ganhos fiscais que correspondiam ao investimento e à renda que o fundo público articulava e financiava; a crescente internacionalização retirou parte dos ganhos fiscais, mas deixou aos fundos públicos nacionais a tarefa de continuar articulando e financiando a reprodução do capital e da força de trabalho” (Oliveira, 1988:13). FILANTROPIA EMPRESARIAL: ENTRE O PÚBLICO E O PRIVADO O aumento dos investimentos privados na questão social está antes vinculado a um modo político e econômico de organização das forças produtivas do que simplesmente a aspectos de solidariedade e associativismo. O ressurgimento das novas formas de solidariedade e associativismo, em contraposição às formas clássicas de paternalismo como já foi mencionado por Carvalho (1995), traz em si uma novidade: uma sociedade que está disposta a mobilizar-se contra a exclusão e que, no limite, não delineia horizontes para as gerações futuras. Em outras palavras, é preciso compreender a solidariedade no processo atual de desenvolvimento das forças produtivas. No estágio da internacionalização do capital e do processo de globalização,1 tem havido uma mudança substantiva nas relações entre o Estado e mercado e entre estes e a sociedade civil. Faz parte do processo de globalização, por exemplo, a flexibilização das relações de produção e uma maior exigência pela participação do empregado no processo produtivo. Se, anteriormente com o fordismo, exigiam-se empregados especializados e “cumpridores de normas e procedimentos”, hoje há uma demanda por sujeitos pensantes, com escolaridade e criativos para enfrentar o inusitado, uma vez que cada vez mais não se pode controlar todas as variáveis do resultado do processo de produção. Trata-se da “destruição criadora”, que se é própria do atual desenvolvimento do capital, tem também como conseqüência revigorá-lo reiteradamente. 62 O EMPRESARIADO, A FILANTROPIA E A QUESTÃO SOCIAL Além disso, o capitalismo não funciona e nem poderia se consolidar sem os recursos públicos. Na sua etapa atual, não poderia prescindir dos grandes fundos destinados à pesquisa tecnológica, ou de recursos para socorrer o sistema financeiro (“a fundo perdido”). Conclui-se que a reprodução do capital e da força de trabalho continua a ser função dos Estados Nacionais, que, segundo Oliveira, contribuem para o fundo público “internacional” às custas de impedimento dos investimentos em recursos sociais locais e territoriais. Essa “dificuldade” de investimento em programas sociais que efetivamente enfrentem a miséria e a exclusão social “obriga” o Estado a estabelecer parcerias com a sociedade civil. A escassez de recursos faz parte de um cenário que praticamente coloca a responsabilidade civil do cidadão e do empresário como indispensáveis ao enfrentamento da questão social. contaminam o dia-a-dia das elites, obrigando-as a saírem de suas posições defensivas e a tomarem atitudes que modifiquem o cenário. O que ocorre é um chamamento ao cidadão, exigindo que, entre perdas e ganhos, ele dirija o seu olhar para o futuro. Portanto, o empresariado, historicamente avesso às questões sociais por entender que estas faziam parte da responsabilidade do Estado, passa a abandonar suas práticas caritativas e pontuais, desviando seu interesse para ações de investimento, visando o desenvolvimento social e o estímulo à cidadania participativa. Como já foi mencionado, a constituição do Gife, em 1995, demonstra um passo importante naquilo que Kisil conceitua como desenvolvimento sustentável (Kisil apud Gife, 1997).2 Embora o número de institutos, fundações e empresas filiados ao Gife seja ainda pouco significativo, a atuação deste grupo tem-se demonstrado expressiva no meio social, com a preocupação em investimentos de recursos que possam assegurar retornos e/ou resultados substantivos. No entender do Gife, recursos não englobam apenas fundos em dinheiro, mas também capacitação, apoio técnico e comunicação. Questões como auto-sustentabilidade financeira, política e administrativa, organização autônoma, maior eficácia nos projetos e desenvolvimento social fazem parte da agenda de discussões desses grupos empresariais. O que se quer destacar é que, independentemente do quadro econômico, social e político que vem incentivando não só as ações filantrópicas empresariais, mas um sem número de ações da sociedade civil (ONGs, por exemplo), o Gife desponta como um grupo que procura romper com as ações caritativas tradicionais, sugerindo o aparecimento de novos atores no processo de criação de espaços públicos, novos e múltiplos. “A criação de um grupo que reúne expressivas empresas em torno de interesses comuns, com mediações e comportamentos próprios, parece caminhar no sentido do alargamento do espaço social de provimento de bens e serviços públicos podendo vir a ter uma expressão política significativa neste cenário, com a introdução de novos conceitos e concepções de desenvolvimento social e cidadania participativa no meio empresarial” (Wilheim, 1995:15). Obviamente, como afirma Wilheim, o Gife poderá ter uma expressão política significativa no processo da construção da cidadania, mas, sem dúvida, seria muito precipitado prever os rumos do referido grupo empresarial. Esta novidade da cidadania empresarial participativa (o próprio Gife tem procurado dissociar sua imagem de políticas caritativas e, portanto, não gosta do uso do termo filantropia empresarial) procura abandonar as políticas pontuais em favor de obtenção de melhores resulta- A QUESTÃO SOCIAL Segundo Fernandes (1994:95), “a filantropia não é a parte da cultura empresarial latino-americana”. As nossas instituições de caridade vivem do trabalho voluntário e de doações privadas, na maior parte das vezes coordenadas por entidades religiosas. A classe empresarial brasileira, enquanto classe e indivíduos isolados, histórica e culturalmente, não se sentiu responsabilizada com as questões advindas do social. Em especial a partir dos anos 80, com a generalização do conceito de cidadania, que valoriza o indivíduo não apenas através de sua consciência moral, mas também de sua pessoa jurídica, a instituição particular ganhou uma outra dimensão como personagem do espaço comum. Como qualquer cidadão, os grupos particulares (lucrativos ou não) possuem seus direitos e deveres para com os demais. “A preocupação ecológica traduz, com facilidade, esta percepção em diretrizes práticas. A fábrica que despeja materiais poluentes sobre as águas pode ser acusada de ofender o direito alheio e como tal ser chamada criminosa” (Fernandes, 1994:97). A co-responsabilidade pelo ambiente natural e urbanístico, bem como a co-responsabilidade sociocultural, vai ultrapassando os muros das empresas. Os progressos tecnológicos vêm exigindo constantes investimentos na qualificação de pessoal e pressionando as empresas a se interessarem pela educação das novas gerações. Além disso, a qualidade do ambiente sociocultural tem uma interferência direta no mundo dos negócios – por exemplo, as notícias que são veiculadas no exterior sobre a violência nas cidades latino-americanas criam um clima negativo para os seus mercados internos. Da mesma forma, o aumento da pobreza e a proliferação da violência urbana 63 SÃO PAULO EM PERSPECTIVA, 11(4) 1997 e cidadania, cultura e saúde. Entende-se que a área da criança e do adolescente, que ocupa um grande interesse nos investimentos das fundações empresariais, embora não apareça explicitamente (a não ser como área de defesa de direitos), está contemplada na área de educação (que exatamente ocupa o primeiro lugar nas estatísticas); dos na aplicação de recursos em programas sociais. O empresariado investe usando os conhecimentos nos quais são efetivamente competentes: gestão, planejamento estratégico, planejamento financeiro, estratégias de marketing e capacitação de recursos. Preocupam-se com a profissionalização das entidades sociais, no intuito de maximizar resultados. Faz parte das suas diretrizes, por exemplo, a definição de critérios para seleção e avaliação de projetos sociais. Segundo Wilheim (1995), os critérios utilizados pelas fundações empresariais, na escolha de projetos a serem investidos ou patrocinados, são: - atuação junto a uma problemática social apontada pela comunidade. Na maioria dos casos, as fundações empresariais escolhem projetos que são definidos como prioritários para a instituição financiadora. Procuram priorizar a melhoria das políticas básicas como educação e saúde, dando, porém, destaque para projetos culturais e que procurem estimular a própria comunidade na solução de seus problemas. Interessam-se, muitas vezes, pelo impacto social do projeto. Pode-se observar, no Gráfico 1, as diversas áreas de atuação das fundações, destacando-se educação, promoção social/desenvolvimento comunitário - capacidade de multiplicação das ações do projeto e sua auto-sustentação financeira. Este critério traduz uma preocupação de que, no decorrer da implementação do projeto, o mesmo apresente um caráter inovador – capaz de multiplicar suas ações/atividades –, apresente objetivos e metas claramente definidos, além de uma metodologia que possa ser avaliada e que obtenha um grau de auto-sustentação financeira; - afinidade institucional. As fundações empresariais buscam compatibilizar seus objetivos e sua própria missão com a área de atuação do projeto e seus objetivos específicos. Por essa razão é que se encontram empresas cujo negócio envolve a extração de produtos da natureza. Ao constituírem suas fundações, as mesmas darão prioridades ao financiamento de projetos de conservação do meio ambiente. Apesar de a cidadania empresarial ser uma realidade crescente no Brasil, observa-se que, considerando-se a gravidade da questão social, os investimentos podem ser tidos como incipientes (Gráficos 2 e 3). Além disso, a atuação dessas fundações está presente, majoritariamente, no Estado que concentra a riqueza do país (49% em São Paulo), destacando-se a atuação no Rio de Janeiro (19%). Ao serem comparados os investimentos realizados nos EUA em 1996 para instituições sem fins lucrativos, que perfazem a quantia de 140 bilhões de dólares, com aqueles efetuados no Brasil, é possível afirmar que a questão social não consegue mobilizar investimentos significativos. Por que motivos, então, os investimentos empresariais no Brasil têm aumentado significativamente nos últimos anos, apesar de não possuirmos tradição filantrópica? Há, sem dúvida, a percepção crescente de que a questão social atingiu níveis tão alarmantes que provoca afirmações do tipo: “Eu não quero continuar correndo o risco de ser assaltado dentro de 10 anos” (Gomes, 1997:104). Nesse sentido, setores do empresariado entendem que, ao tentar resolver problemas de uma favela, resolve-se, muitas vezes, a questão da segurança do bairro onde se reside. Preservação de interesses? Pode ser que sim, mas de qualquer forma obriga uma classe social a se envolver diretamente com os problemas de seu país. Uma outra questão é que o investimento na solução de problemas sociais, realizado tanto por ONGs como por fundações empresariais, é um novo mercado de trabalho. GRÁFICO 1 Áreas de Atuação das Entidades Associadas ao Gife Brasil – 1997 (1) 80 Em% 60 40 20 0 1 2 3 4 5 6 7 8 9 10 11 1 – Educação 2 – Promoção Social/Desenvolvimento comunitário e cidadania 3 – Cultura 4 – Saúde 5 – Ecologia e conservação do meio ambiente 6 – Agricultura 7 – Políticas públicas 8 – Ciência e tecnologia 9 – Defesa dos direitos da criança e do adolescente 10 – Relações internacionais 11 – Esportes Fonte: http:/www.gife.org/qgife/estatisticas/area.ht1. (1) Posição em julho. Nota: A soma por área não atingirá 100% porque a maioria das entidades atua em mais de uma área. 64 O EMPRESARIADO, A FILANTROPIA E A QUESTÃO SOCIAL GRÁFICO 2 Nos Estados Unidos, o chamado Terceiro Setor emprega 9% da mão-de-obra e responde por quase 7% do PIB, algo em torno de 490 bilhões de dólares. Na França, as ONGs empregam 6% da mão-de-obra e, na Alemanha, 5%. Sem dúvida, a possibilidade de oferta de trabalho abre perspectivas de ocupação no sentido de diminuir as taxas de desemprego mundial (embora esta alternativa seja bastante questionável no âmbito do desemprego estrutural). A partir das transformações ocorridas nos últimos anos, em especial com o processo de globalização da economia, as empresas passaram a investir em tecnologia de ponta, preocupando-se com o aprimoramento da mão-de-obra, seja de funcionários da própria organização, seja da população da comunidade, de onde muitas vezes são recrutados seus quadros de empregados. Portanto, o investimento em projetos sociais pode estar ligado à eficácia da produção e à lucratividade da empresa. Tendo em vista que o investimento em programas sociais contribui para a melhoria da qualidade de vida da comunidade na qual a organização está inserida, é fato que poderá se obter mãode-obra qualificada de acordo com seus objetivos. Se, por um lado, destaca-se a preocupação com o negócio da empresa, por outro, nos últimos anos, tem havido maior pressão na sociedade civil no sentido de “cobrar” ações efetivas do empresariado para se envolver no processo de desenvolvimento social do país. O surgimento de movimentos, campanhas, organizações não-governamentais e sua crescente visibilidade vem atingindo cada vez mais a opinião pública. É notório observar que a preocupação com a imagem institucional da organização tem levado a classe empresarial a se envolver diretamente com projetos sociais que causam impacto na opinião pública. Esta é uma forma de o empresariado valorizar o negócio da sua empresa através do fortalecimento de sua imagem institucional. Afinal, empresas que implementam ações educativas e formativas, junto a crianças e adolescentes carentes, garantem maior legitimidade junto à sociedade, além de demonstrarem uma postura ética comprometida com os problemas sociais do país. Considerando que o Brasil encontra-se numa situação de estabilização democrática que tem favorecido o desenvolvimento de uma moderna economia de mercado, na qual setores significativos do empresariado têm ampliado os seus investimentos, é de se pressupor que as “empresas modernas” façam investimento social. Entende-se que a empresa-cidadã amplie sua atuação para além dos seus próprios muros e assuma compromissos mais efetivos na solução de problemas da sociedade onde está inserida. A cidadania empresarial pressupõe uma concepção de empresa que é co-responsável pelo bem-estar da comunidade. Todavia, sem desconsiderar a importância dessa nova ação empresarial, uma vez que se tem observado suas ex- Distribuição das Entidades Associadas ao Gife, segundo a Faixa de Orçamento Anual (receita direta) Brasil – 1997 (1) 7 15,50% 1 19,00% 6 5,50% 2 16,51% 5 15,90% 4 12,10% 1 2 3 4 5 6 7 3 15,505 – De 50.000,00 a 250.000,00 – De 251.000,00 a 500.000,00 – De 501.000,00 a 1.000.000,00 – De 1.000.001,00 a 2.500.000,00 – De 2.500.001,00 a 5.000.000,00 – Acima de 5.000.000,00 – Não disponível Fonte: http://www.gife.org.br/qgife/estatisticas/distribuição.ht1 (1) Posição em julho. GRÁFICO 3 Localização das Sedes das Entidades Associadas ao Gife Brasil – 1997 (1) Fonte: http://www.gife.org.br/qgife/estatisticas/localização.ht1 (1) Posição em julho. 65 SÃO PAULO EM PERSPECTIVA, 11(4) 1997 periências positivas,3 é possível questionar o fato de tais iniciativas não estarem vinculadas a um projeto econômico e político da classe empresarial brasileira, que historicamente ausentou-se de influenciar de forma mais direta os rumos da política econômica (o que sem dúvida poderia ter beneficiado amplamente os segmentos excluídos do processo de desenvolvimento). Finalmente, é preciso considerar que a ação filantrópica, solidária, participativa de grupos da sociedade civil (não necessariamente empresariais) do chamado Terceiro Setor tem assumido grandes proporções em vários países do mundo. A questão que está presente é sobre o papel que a filantropia empresarial desempenha, suas possibilidades e limites. Só é possível responder a essas questões tendo clareza que o Estado enxuto, que vem diminuindo suas atribuições na esfera das políticas públicas e sociais, necessita de parcerias com o mercado e com a sociedade civil para viabilizar programas de enfrentamento à questão social (embora o próprio Estado constitua seus fundos públicos que indiretamente contribuem para a implementação dos programas sociais). Se, por um lado, a cidadania empresarial reflete a inserção num modelo político-econômico, por outro, não há como negar que a participação do empresariado no enfrentamento à questão social e suas diferentes formas de exclusão é, em si, um fato novo, para o qual se necessita debruçar os olhares mais atentamente. são responsáveis e receptivas aos seus membros; 3) a variedade de interesses e necessidades de cada sociedade ou de cada comunidade exige uma variedade de organizações; 4) uma forma particular de colaboração entre essas organizações é necessária para o processo de desenvolvimento, e isto dependerá da experiência local específica, das tarefas a serem realizadas e do meio ambiente político-administrativo-econômico”. O que ocorre é que Kisil, ao pensar o desenvolvimento sustentável, apóia-se na representação neoliberal, ou seja, somente mediante parcerias entre o setor público, o setor privado (mercado) e o setor não-governamental, incluindo-se aqui a responsabilidade do cidadão como participante das decisões sobre o desenvolvimento, é que seja possível vislumbrar possibilidades de alterar o quadro das questões sociais que levam à exclusão de milhares de cidadãos. 3. Pode-se mencionar algumas experiências que obtiveram êxito, avaliadas pelas Câmaras Americanas do Comércio – São Paulo. Em 1995, foram premiadas: Iochpe Maxion S/A/Fundação Iochpe: Arte na Escola; Banco Itaú S/A.: Raízes e Asas; Unibanco: Salve o Dilúvio; IBM Brasil: Combate às Doenças Tropicais. Em 1994, foram premiadas: Ação da Cidadania Contra a Miséria e pela Vida: Prêmio horsconcours; Instituto Cultural Itaú: Banco de Dados Informatizado; Abrinq – Fundação Abrinq pelos Direitos da Criança: Nossas Crianças; RBS-TV Televisão Gaúcha S/A: Viva Melhor – Educação, Saúde e Qualidade de Vida. É preciso dizer que a premiação das experiências é realizada por um júri que utiliza critérios relacionados à efetividade dos projetos (objetivos, estratégias, implementação, resultados – quantitativos e qualitativos). REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS BORGES, C. “Balanço social deve ser divulgado pelas empresas”. Gazeta Mercantil. São Paulo, 06/06/97. CARVALHO, N.V. de. “Subsídios para o workshop do IEE/PUC-SP sobre o Terceiro Setor”. Texto de discussão interna. Instituto de Estudos Especiais (IEE/ PUC-SP). São Paulo, 09/04/95. CASTRO, A. B. de. “Rumo ao desajuste global”. Folha de S.Paulo. São Paulo, Caderno Mais, 08/06/97, Cad. 5, p.14. Dados obtidos do URL: http:/ www.gife.org.br, 19/04/97. FERNANDES, R.C. Privado porém público – o terceiro setor na América Latina. Rio de Janeiro, Relume Dumará, 1994. GIFE. Terceiro Setor – desenvolvimento social sustentado. Rio de Janeiro, Paz e Terra, 1997. GIANNOTTI, J.A. “O público e o privado”. Folha de S.Paulo. São Paulo, 02/04/ 95, p.5.6-5.7. NOTAS 1. Castro (1997), ao resumir o processo de globalização, coloca que: “A difusão mundial da cadeia produtiva capitalista – consolidada especialmente pelas multinacionais após a Segunda Guerra – e o acelerado ritmo de inovações derivadas da terceira revolução tecnológica, baseada na microeletrônica, nos novos materiais e na telemática tornaram expressivamente e, até certo ponto obsoleto, o arcabouço político e institucional ainda vigente, baseado no Estado nacional, partidos políticos etc... ”. Uma das conseqüências desse processo é uma alteração profunda nas relações de trabalho, portanto, cada vez mais o trabalho não se concretiza em mercadorias (se distancia do seu valor de uso). Sem dúvida, esta questão já é suficiente para entendermos como se torna difícil para o homem se apropriar do seu espaço. O homem se afasta da possibilidade de relações totalizantes no seu próprio território. A consciência depende cada vez mais de um sem número de informações que nos ultrapassam, ou não nos atingem, de modo que escapam às possibilidades tão numerosas e concretas de uso ou de ação. Hoje, cada vez sabemos menos da natureza que nos cerca. Nos últimos 40 anos temos sido rodeados por um número de objetos, serviços que superam toda a produção anterior da humanidade. 2. Segundo Kisil (apud Gife, 1997:131), “para que um processo de desenvolvimento sustentável se instale, se faz necessário: 1) a participação de cada cidadão é essencial; 2) esta participação exige a conformação de organizações sociais que GOMES, M.T. “Eles vão para o céu?” Revista Exame. São Paulo, Editora Abril, 18/06/1997, p.102-106. KANITZ, S. “Solidariedade competente”. Inovações empresariais. Grupo Ticket. 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