Como o consumo de notícias nos torna
infelizes
Por Rolf Dobelli em 23/04/2013 na edição 743
Tradução: Jô Amado, edição de Leticia Nunes. Informações de Rolf Dobelli [“News is
bad for you – and giving up reading it will make you happier”, The Guardian, 12/4/13]
Nas últimas décadas, aqueles mais felizes dentre nós reconheceram os perigos de uma
vida com superabundância de comida (obesidade, diabetes) e começaram a mudar as
dietas. Mas a maioria, entre nós, não compreende que a notícia é para a mente o que o
açúcar é para o corpo. A notícia é fácil de digerir. A mídia nos alimenta com pedacinhos
de assuntos triviais, guloseimas que não dizem respeito às nossas vidas e não exigem
muito raciocínio. É por isso que quase não sentimos uma saturação. Ao contrário de ler
livros e artigos extensos em revistas (o que exige raciocínio), engolimos quantidades
ilimitadas de flashes das notícias que são caramelos coloridos para a mente. Hoje,
chegamos ao mesmo ponto em relação à informação do que havíamos chegado há 20
anos em relação à comida. Estamos começando a reconhecer como as notícias podem
ser tóxicas.
As notícias enganam – Vejam o seguinte exemplo (tomado emprestado do ensaísta e
professor libanês-americano Nassim Taleb): um carro trafega sobre uma ponte e a ponte
cai. Qual será o foco da mídia jornalística? O carro. A pessoa no carro. De onde ela
vinha. Onde pretendia ir. Como sentiu o acidente (caso tenha sobrevivido). Mas tudo
isso é irrelevante. E o que é relevante? A estabilidade estrutural da ponte. Esse é o risco
subjacente que tem ficado escondido e pode estar escondido em outras pontes. Mas o
carro é chamativo, é dramático, é uma pessoa (não-abstrata) e é uma notícia barata para
produzir. As notícias nos levam a andar às voltas com o mapa de riscos completamente
errado em nossas cabeças. Por isso, o terrorismo é supervalorizado. O estresse crônico é
subvalorizado. O colapso da [empresa de serviços financeiros] Lehman Brothers é
supervalorizado. A irresponsabilidade fiscal é subvalorizada. Os astronautas são
supervalorizados. As enfermeiras são subvalorizadas.
Não somos suficientemente racionais para sermos expostos à imprensa. Ver um acidente
com um avião na televisão irá mudar sua atitude para com o risco, sem levar em conta
sua probabilidade concreta. Se você acha que pode compensar pela força de sua
contemplação interior, você está enganado. Banqueiros e economistas – que dispõem de
poderosos incentivos para compensar perigos originários da mídia – mostraram que não
podem. A única solução: isole-se por completo do consumo da mídia.
A notícia é irrelevante – Dentre as aproximadamente 10 mil matérias que você leu nos
últimos 12 meses, cite uma – porque você a consumiu – que lhe permitiu tomar uma
decisão melhor sobre um assunto sério que estava mexendo com sua vida, sua carreira
ou seus negócios. O caso é o seguinte: o consumo da informação é irrelevante para
você. Mas as pessoas acham muito difícil reconhecer o que é relevante. É muito mais
fácil reconhecer o que é novo. O relevante versus o novo é a batalha fundamental da era
atual. As organizações de mídia querem que você acredite que as notícias oferecem algo
como uma vantagem competitiva. Muita gente acredita nisso. Ficamos ansiosos quando
ficamos isolados do fluxo das notícias. Na realidade, o consumo de notícias é uma
desvantagem competitiva. Quanto menos notícias consumir, maior será a sua vantagem.
A notícia não tem poder de explicação – Os assuntos das notícias são bolhinhas que
pipocam à superfície de um mundo mais profundo. Será que acumular fatos o ajuda a
compreender o mundo? Infelizmente, não. A relação é invertida. As matérias
importantes são as não-matérias: movimentos lentos e poderosos que se desenvolvem
abaixo do radar dos jornalistas, mas têm um efeito transformador. Quanto mais você
digerir “novos factoides”, menos você compreenderá o quadro ampliado. Se mais
informação conduz a maiores êxitos econômicos, esperaríamos que os jornalistas
estivessem no topo da pirâmide. Mas não é esse o caso.
A notícia é tóxica para o seu corpo – Ela dispara constantemente o sistema marginal.
Histórias de pânico estimulam a liberação de grandes porções de glucocorticoides
(cortisol). Isso desregula seu sistema de imunidade e inibe a liberação de hormônios de
crescimento. Em outras palavras, seu corpo fica num estado de estresse crônico. Altos
níveis de glucocorticoides afetam a digestão, o crescimento (células, cabelo, ossos) o
sistema nervoso e a suscetibilidade a infecções. Outros efeitos colaterais em potencial
incluem medo, agressividade, perda da visão periférica e insensibilidade.
A notícia aumenta os erros cognitivos – A notícia alimenta a mãe de todos os erros
cognitivos: a parcialidade da confirmação. Nas palavras de Warren Buffett, “o que o ser
humano faz melhor é interpretar qualquer nova informação de forma a que conclusões
anteriores continuem intactas”. A notícia agrava esta falha. Tornamo-nos propensos à
superconfiança, corremos riscos idiotas e perdemos oportunidades. Também agrava
outro erro cognitivo: a parcialidade da matéria. Nossos cérebros pedem matérias que
“façam sentido” – mesmo que não correspondam à realidade. Qualquer jornalista que
escreva “o mercado foi afetado por causa de X” ou “a empresa faliu por causa de Y” é
um idiota. Estou farto desse jeito barato de “explicar” o mundo.
A notícia inibe o raciocínio – Raciocinar exige concentração. Concentração exige
tempo sem interrupções. Os textos noticiosos são especificamente preparados para
interromper. São como vírus que chamam a atenção para seus próprios objetivos. A
notícia transforma-nos em pensadores superficiais. Mas é ainda pior. A notícia afeta
gravemente a memória. Há dois tipos de memória. A capacidade da memória de longo
alcance é quase infinita, mas a memória com que trabalhamos é limitada a um
determinado número de informações escorregadias. O caminho da memória de curto
prazo para a de longo prazo é um gargalo no cérebro e qualquer coisa que você queira
compreender deve passar por ele. Se essa passagem estiver interrompida, nada irá passar
por ele. Por interromper a concentração, a notícia enfraquece a compreensão. O impacto
da notícia online é ainda maior. Num estudo que fizeram no Canadá, em 2001, dois
professores mostraram que essa compreensão diminui à medida que aumenta o número
de hiperlinks num documento. Por quê? Porque sempre que um link aparece, seu
cérebro tem que fazer pelo menos a opção por não clicar, o que por si só já distrai. A
notícia é um sistema de interrupção intencional.
A notícia funciona como uma droga – À medida que as matérias se desenvolvem,
queremos saber como irão continuar. Com centenas de roteiros arbitrários de matérias
em nossas cabeças, essa ansiedade torna-se cada vez mais irresistível e difícil de
ignorar. Antigamente, os cientistas pensavam que as densas conexões formadas entre os
100 bilhões de neurônios dentro de nosso crânio já estavam, em grande parte, fixas
quando chegávamos à idade adulta. Hoje, sabemos que não é esse o caso. É comum que
as células nervosas rompam antigas conexões e formem outras, novas. Quanto mais
notícias consumimos, mais exercitamos os circuitos nervosos que se dedicam à remoção
e às multitarefas, ignorando aqueles usados para leituras profundas ou raciocínios com
focos profundos. A maioria dos consumidores de notícias – mesmo se eles já foram
ávidos leitores de livros – perdeu a capacidade de absorver artigos extensos ou livros.
Depois de quatro ou cinco páginas, cansam-se, a concentração desaparece, tornam-se
inquietos. Não é por se tornarem mais velhos ou porque seus horários ficaram mais
pesados. É porque a estrutura física de seus cérebros mudou.
A notícia desperdiça tempo – Se você ler o jornal toda manhã por 15 minutos, depois
checar as notícias à hora do almoço por 15 minutos e antes de se deitar, por mais 15
minutos, e acrescentar cinco minutos aqui e ali, quando está no emprego, e depois
descontar o tempo de distração e de refocar no tema de seu interesse, você desperdiçará
pelo menos meio dia toda a semana. A informação já não é uma commodity escassa.
Mas a atenção é. Você não é assim tão irresponsável com seu dinheiro, com sua
reputação ou com sua saúde. Por que dar sua mente de graça?
A notícia nos torna passivos – Em sua grande maioria, as histórias das matérias são
sobre coisas que você não pode influenciar. A repetição diária de notícias e coisas sobre
as quais não podemos agir nos torna passivos. É uma coisa que nos mói até adotarmos
uma visão do mundo pessimista, insensível, sarcástica e fatalista. O termo científico é
“impotência aprendida”. Pode ser chute, mas não me surpreenderia se o consumo de
notícias, pelo menos parcialmente, contribuísse para a amplamente disseminada doença
da depressão.
A notícia mata a criatividade – Finalmente, coisas que já sabemos limitam nossa
criatividade. Este é um dos motivos que levam matemáticos, romancistas, compositores
e empresários a produzir seus trabalhos mais criativos quando ainda são jovens. Seus
cérebros gozam de um espaço amplo, desabitado, que os incentiva a propor novas ideias
e ir atrás delas. Não conheço uma única mente verdadeiramente criativa que seja viciada
em notícias – nenhum escritor, compositor, matemático, médico, cientista, músico,
arquiteto ou pintor. Por outro lado, conheço uma porção de mentes cruelmente não
criativas que consomem notícias como drogas. Se você está em busca de velhas
soluções, leia as notícias. Se você está em busca de novas soluções, não o faça.
Os efeitos da liberdade
A sociedade precisa do jornalismo – mas de uma maneira diferente. O jornalismo
investigativo sempre é relevante. Precisamos de reportagens que fiscalizem nossas
instituições e descubram a verdade. Extensos artigos jornalísticos e livros também são
bons.
Há quatro anos que não leio notícias e, portanto, posso ver, sentir e relatar os efeitos
desta liberdade em primeira mão: menos transtornos, menos ansiedade, raciocínios mais
profundos, mais tempo, mais intuição. Não é fácil, mas vale a pena.
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