TRANSPORTE DO RECÉM-NASCIDO PREMATURO DE MUITO BAIXO PESO E DE EXTREMO BAIXO PESO Profa. Dra. Regina Vieira Cavalcante da Silva Recém-nascidos (RN) de muito baixo peso (< 1500g) e de extremo baixo peso (< 1000g) freqüentemente necessitam de cuidados em centros terciários, que ofereçam recursos para o seu tratamento adequado e lhes proporcionem a sobrevivência com a melhor qualidade de vida possível e com o mínimo de seqüelas. Existe um consenso quanto às vantagens do transporte intra-uterino sempre que houver a previsão do nascimento de um prematuro de risco, sendo recomendada a transferência da gestante para um centro terciário, antes que ocorra o parto. Entretanto, muita vezes, não é possível prever o nascimento de um prematuro de risco, e, em algumas situações, apesar de previsto, não é possível o seu transporte intra-uterino. 1. Preparo para o transporte O “ABCDEF” do preparo para o transporte neonatal é importante para garantir o sucesso da transferência: • Via Aérea: Há material disponível adequado para intubação e ventilação do RN? • Respiração (Breathing): Os cilindros de oxigênio estão disponíveis e são suficientes? Para saber o número de cilindros necessários, calcule a necessidade de O2 para viagem e multiplique por 2. Há surfactante exógeno disponível? • Circulação: Há dispositivos adequados para obtenção de acessos vasculares? Há monitores de dados vitais suficientes e adequados? • Drogas: As drogas necessárias estão disponíveis? São necessárias: relaxantes musculares (pancurônio), opióides, sedativos, antibióticos, inotrópicos (dopamina, dobutamina, adrenalina), prostaglandina E2 (para cardiopatias dependentes de canal arterial) e anticonvulsivantes (fenobarbital, difenilhidantoína e midazolan) • Equipamentos: Os equipamentos necessários para manutenção de suporte de vida durante o transporte foram rigorosa e sistematicamente checados antes da partida? • Finalmente: A etapa do preparo é fundamental para o sucesso do transporte neonatal. 2.Checklist para estabilização antes do transporte • Via aérea: - a via aérea está patente? - o RN deve ser intubado? - se o RN estiver intubado, o tubo traqueal está em posição adequada e seguro? • Respiração: - o movimento do tórax e a entrada de ar estão adequados? - o respirador está funcionando adequadamente (se necessário)? - os drenos de tórax estão funcionantes? - pO2, pCO2, pH e Sat O2 estão satisfatórios? • Circulação / Parâmetros Clínicos: - perfusão e pressão arterial estão satisfatórios? - acessos arteriais e venosos são necessários? estão seguros e visíveis? - é necessário suporte inotrópico? - a temperatura está normal? - a glicemia está normal? - o RN foi tratado para infecção? • Drogas: - o RN está recebendo drogas apropriadas? 3. Via aérea e suporte ventilatório É considerado seguro transportar um RN sem necessidade de intubação traqueal se: •RN > 30 semanas de idade gestacional e •sinais vitais (pulso, pressão arterial, freqüência respiratória, temperatura) estáveis e •FiO2 < 50% com PaCO2 normal. Por outro lado, a intubação e o suporte ventilatório estão indicados, pelo menos enquanto durar o transporte, se: •RN < 30 semanas de idade gestacional ou •clinicamente instável ou •com necessidades crescente de O2, necessitando de FIO2 próxima de 50% ou •com PaCO2 em elevação ou •com apnéias recorrentes. 3.1 Assegurando a Via Aérea Se o RN já estiver intubado e com a via aérea segura, deve-se checar a posição da cânula preferencialmente através de exame radiológico, além de documentar sua posição, anotandose o comprimento medido na boca (intubação orotraqueal) ou narina (intubação nasotraqueal). A regra prática para se certificar de que o comprimento introduzido da cânula traqueal está correto consiste em somar ao peso do RN (em kg) o número 7 se ele estiver intubado nasotraquel, ou número 6, se estiver intubado orotraqueal, para encontrar o comprimento em centímetros que a cânula deve ser introduzida (Ex: RN com 1kg intubado orotraqueal, deve ter o número 7 (1+6) no bordo labial). RN intubados requerem sedação e analgesia com opióides (morfina 0,1 mg/kg) durante o transporte, para minimizar o estresse e o desconforto, e conseqüentemente a agitação e o risco de extubação acidental. 3.2 Surfactante Não há consenso sobre o uso de surfactante exógeno antes da transferência de RN prematuros com diagnóstico de síndrome de desconforto respiratório (membrana hialina). Contudo, a tendência atual consiste na administração precoce de surfactante, antes do transporte do RN, se o paciente tiver 28 semanas ou menos de idade gestacional e apresentarse com insuficiência respiratória. Os ajustes necessários no respirador, de acordo com as modificações observadas na complacência pulmonar devem ser realizados antes da transferência do paciente, afim dede estabilizar o RN antes do transporte. 4. Circulação Os RN prematuros extremos devem ser avaliados quanto a sua estabilidade hemodinâmica antes do transporte. A dosagem dos níveis de hemoglobina e hematócrito são úteis para identificar o RN anêmico (o hematócrito > 40% é ideal na 1ª semana de vida). A expansão de volume com soro fisiológico (10 a 20ml/kg em 15 a 30 minutos), a correção da anemia através da transfusão de concentrado de hemácias ou o início de suporte de inotrópico devem ser considerados. A infusão de volume em prematuros extremos deve ser criteriosa, devido ao risco de sobrecarga hídrica com descompensação cardíaca pela persistência do canal arterial, insuficiência respiratória secundária a edema pulmonar e aumento do risco de hemorragia peri-intraventricular. 4.1 Acessos arteriais e venosos Idealmente, o RN prematuro a ser transportado deve contar com pelo menos 2 acessos venosos. Estes acessos podem ser ambos periféricos, de bom calibre, ou 1 periférico e 1 central, e devem estar adequadamente identificados e visíveis durante o transporte. No RN instável hemodinamicamente, a veia umbilical é o acesso venoso de escolha. O cateterismo arterial está indicado no RN em ventilação, instável hemodinamicamente, podendo ser utilizadas as artérias umbilical, radial ou tibial posterior. Em situações de emergência é possível realizar um cateterismo umbilical venoso de urgência, introduzindo o cateter 3 a 5 cm, isto é, apenas o suficiente para refluir sangue, evitando a introdução do cateter até a região hepática. Os cateteres umbilicais devem estar identificados e bem fixados antes do transporte. Além disto, é preciso certificar-se mediante exame radiológico de que os mesmos estejam adequadamente posicionados. As complicações mais freqüentemente observadas com os cateteres umbilicais durante o transporte incluem perda sangüínea e embolismo gasoso, caso os cateteres ou suas conexões sejam acidentalmente desconectados. Outra complicação observada com cateteres arteriais consiste no vasopespasmo, caracterizado por cianose dos membros inferiores. O cateter venoso corretamente posicionado é útil para infusão de fluídos e drogas, admitindo a infusão de soluções hipertônicas. Já o cateter arterial deve ser utilizado para obtenção de amostras de sangue para exame ou monitorização da pressão arterial sistêmica. 5. Controle da temperatura RN prematuros são particularmente vulneráveis a alterações da temperatura ambiental e têm capacidade limitada de se adaptar a estas alterações. A resposta do RN ao frio resulta em aumento do consumo de oxigênio e glicose, na tentativa de manter a temperatura corpórea, aumentando o consumo de surfactante e o risco de hemorragia peri-intraventricular. Para o transporte do prematuro extremo é fundamental a disponibilidade de uma incubadora de transporte e é importante que esta esteja aquecida na temperatura adequada no momento da transferência do recém-nascido. Peso do RN (g) Temperatura da Incubadora (°C) < 1000 35 – 37 1000 – 1500 34 – 36 1500 – 2000 33 – 35 2000 – 2500 32 – 35 > 2500 31 – 33 A incubadora de transporte leva tempo para atingir a temperatura adequada, mas esfria rapidamente se as portinholas forem deixadas abertas. Por este motivo, a mesma deve ser mantida conectada à energia elétrica sempre que possível e as portinholas devem ser fechadas. Outras estratégias úteis para aquecer ou manter aquecido o RN prematuro são: •vestir gorro e meias no RN (o RN deve ser transportado despido para que possa ser monitorado adequadamente); •envolver o RN em filme plástico; •utilizar colchões térmicos quando disponíveis. 6. Avaliação metabólica A hipoglicemia no prematuro é definida por níveis séricos de glicose < 40mg/dl. Na maior parte dos casos, a hipoglicemia é assintomática, por isso é importante realizar uma triagem com determinação dos níveis de glicemia por tiras reagentes de glicose e/ou dosagem sérica antes da remoção do paciente. O tratamento da hipoglicemia assintomática consiste na infusão contínua de glicose a 8mg/kg/minuto, devendo-se estar atento para a concentração de glicose apropriada para o acesso vascular disponível. A hipoglicemia sintomática pode manifestar-se por hipoatividade, apnéia, tremores, cianose e convulsões. Para estes casos, deve ser administrado glicose a 10% (2ml glicose 50% + 8 ml de água destilada) em “bolus”, na dose de 2ml/kg, seguida da manutenção de uma taxa de infusão de glicose a 8mg/kg/minuto. A prevenção da hipoglicemia é fundamental no prematuro de muito baixo peso, visto que os estoques endógenos de glicose são muito limitados e a hipoglicemia sobrevem rapidamente na ausência de um aporte exógeno de glicose. Deste modo, durante o transporte do recém-nascido prematuro deve-se manter a infusão contínua de glicose a 5 mg/kg/minuto, por via parenteral, uma vez que existe a recomendação que o prematuro ao ser transportado permaneça sem receber alimentação por via enteral, com uma sonda gástrica aberta, que possibilite a aspiração de resíduo gástrico periodicamente.