A CRIMINALIZAÇÃO DAS AÇÕES DOS MOVIMENTOS CAMPESINOS NO
BRASIL: UMA REFLEXÃO A PARTIR DA CRIMINOLOGIA CRÍTICA*
LA CRIMINALIZACIÓN DE LOS MOVIMIENTOS CAMPESINOS EN EL
BRASIL: ANALISIS DESDE LA CRIMINOLOGÍA CRÍTICA
Vanessa Chiari Gonçalves
RESUMO
A atuação cada vez mais contundente dos movimentos campesinos no Brasil,
especialmente do Movimento dos Trabalhadores Rurais Sem Terra, na reivindicação por
reforma agrária e por melhores condições de trabalho no campo, tem gerado discussões
acerca da sua legitimidade e dos limites e possibilidades da sua intervenção na política
agrária brasileira. Paralelamente a este debate, observa-se um crescente processo de
criminalização secundária das ações desses movimentos ou de judicialização desses
conflitos, especialmente quanto aos delitos de esbulho possessório, furtos e roubos e
formação de quadrilha. Desse modo, a criminologia crítica se constitui em um
referencial teórico interessante para análise dos discursos jurídicos muitas vezes
antagônicos no âmbito da doutrina e da jurisprudência dos tribunais superiores
brasileiros. O tema merece uma discussão séria pautada por valores e princípios
compartilhados em um Estado Democrático de Direito, especialmente pelo princípio da
dignidade da pessoa humana, que funda a ordem constitucional brasileira.
PALAVRAS-CHAVES: CRIMINALIZAÇÃO – MOVIMENTOS CAMPESINOS –
CRIMINOLOGIA CRÍTICA
RESUMEN
La actuación cada vez más fuerte de los movimientos campesinos en el Brasil,
especialmente de el “Movimento dos Sem Terra - MST”, en la reivindicación por la
reforma agraria y por mejores condiciones de trabajo en el campo, tiene creado
discusión acerca de la legitimidad y de los limites y posibilidades de suya capacidad de
intervenir en la política agraria brasileña. A la vez a esta discusión, se observa un
creciente proceso de criminalización secundaria de las acciones de estos movimientos o
de la judicialización de estos conflictos, en especial cuando a los delitos de usurpación,
hurtos y robos y formación de cuadrilla. De suerte que, la criminología critica se
constituye en una referencia teórica interesante para el análisis de los discursos jurídicos
muchas veces antagónicos en el ámbito de la doctrina y de la jurisprudencia de los
tribunales superiores brasileños. El asunto merece un debate dirigido por valores y
principios compartidos en un Estado Democrático de Derecho, especialmente del
principio de la dignidad de la persona humana, que establece la orden de la Constitución
brasileña.
*
Trabalho publicado nos Anais do XVIII Congresso Nacional do CONPEDI, realizado em São Paulo –
SP nos dias 04, 05, 06 e 07 de novembro de 2009.
1901
PALAVRAS-CLAVE: CRIMINALIZACIÓN – MOVIMIENTOS CAMPESINOS –
CRIMINOLOGÍA CRITICA
INTRODUÇÃO
As medidas visando à criminalização das ações dos movimentos sociais campesinos no
Brasil, seja quando reivindicam a reforma agrária e melhorias nas condições de
financiamento de crédito para o plantio ou assessoria técnica especializada, a fim de que
os assentados possam produzir de maneira sustentável, seja quando simplesmente
protestam contra políticas econômicas ou sociais, não são uma novidade, ao menos no
que se refere aos processos de criminalização primária (momento da elaboração das
normas penais incriminadoras). No entanto, nos últimos anos tem-se observado um
incremento significativo dos processos de criminalização secundária (judicialização dos
conflitos), com ativa participação do Ministério Público enquanto órgão acusador.
Desse modo, a partir dessas percepções que envolvem um aspecto importante da
política criminal contemporânea, este artigo tem o objetivo de fazer algumas reflexões
sobre esta realidade, tendo como referencial teórico os ensinamentos da criminologia
crítica ou marxista, mas sem deixar de mencionar as suas possíveis lacunas enquanto
modelo explicativo da ação criminalizadora.
Assim, no desenvolvimento do presente trabalho abordaremos inicialmente algumas
diretrizes próprias da chamada criminologia crítica, para depois analisarmos o discurso
de algumas decisões judiciais do Superior Tribunal de Justiça, envolvendo conflitos
agrários no campo, para finalmente compreendermos de que maneira se dá o processo
de criminalização secundária das ações dos movimentos campesinos no Brasil.
1.
Perspectivas da criminologia crítica enquanto modelo explicativo dos
processos de criminalização
Não se pode estudar a criminologia crítica dissociada do estudo do papel do direito
penal na contemporaneidade. O direito penal moderno não foi criado como um
mecanismo de proteção da sociedade contra o crime, mas sim como um instrumento de
proteção do indivíduo contra o Estado, detentor do monopólio da coação legítima. No
entanto, em que pese o direito penal seja por essência garantidor do cidadão frente ao
poder punitivo estatal, vive-se uma espécie de instrumentalização do direito penal com a
nítida finalidade de transformá-lo em objeto de uma batalha simbólica contra a
criminalidade. Diz-se simbólica porque quanto mais se amplia o seu âmbito de
incidência formal, por meio de uma inflação legislativa, mais simbólico e ineficiente o
direito penal se torna.
A criminologia crítica, de inspiração em parte marxista, entende que o direito penal na
verdade se presta a proteger uma elite econômica em detrimento da sociedade como um
todo, sendo submetido a manipulações ideológicas e políticas. Alessandro Baratta, um
1902
dos grandes expoentes da criminologia crítica, integrou o labeling approach, isto é, a
teoria sociológica do etiquetamento com o materialismo histórico contribuindo de
maneira significativa para que se operasse uma verdadeira mudança de paradigma na
criminologia. O paradigma etiológico (investigação das causas do comportamento
desviante), desenvolvido pelas escolas positivistas do século XIX, foi colocado em
xeque com o surgimento do paradigma da reação social ou do controle, que passou a
estudar os processos de criminalização de condutas. Nesse sentido, Alessandro Baratta
alerta que:
A função natural do sistema penal é conservar e reproduzir a realidade social existente.
Uma política de transformação desta realidade, uma estratégia alternativa baseada na
afirmação de valores e de garantias constitucionais, um projeto político alternativo e
autônomo dos setores populares, não pode, todavia, considerar o direito penal como
uma frente avançada, como um instrumento propulsor. Pelo contrário, o direito penal
fica, em um tríplice sentido, reduzido a uma atitude de defesa.[1]
Nesse novo contexto paradigmático, a criminalidade passa a não mais ser vista como
um comportamento pré-existente, mas sim como um bem social negativo atribuído pelo
poder para determinadas condutas. Assim, a criminologia passou a estudar os
mecanismos de distribuição da qualidade de criminoso na sociedade, deparando-se
inevitavelmente com o estudo do poder.[2]
Na organização estatal, o Poder Legislativo realiza uma proteção seletiva de bens
jurídicos, por meio da criminalização primária, enquanto os Poderes Executivo e
Judiciário se encarregam da repressão seletiva de comportamentos humanos. O Estado,
dessa forma, se apresenta como a instituição que exprime o poder de grupos dominantes
em detrimento da garantia do consenso na sociedade. No mesmo sentido entende
Zaffaroni ao afirmar que
o poder configurador ou positivo do sistema penal (o que cumpre a função de
disciplinarismo verticalizante) é exercido à margem da legalidade, de forma
arbitrariamente seletiva, porque a própria lei assim o planifica e porque o órgão
legislativo deixa de fora do discurso jurídico-penal amplíssimos âmbitos de controle
social punitivo.[3]
Do ponto de vista marxista, observa-se que o modo de produção da vida material
determina os processos de formação e organização da vida social e política em geral.
Desenvolve-se, assim, um discurso de produção de liberdade, próprio de um Estado
Democrático de Direito, mas acompanhado de uma prática de opressão ou de negação
da liberdade. Tudo isso porque o discurso tem um papel constitutivo da vida coletiva. A
influência da mídia na formação da opinião pública é um exemplo do poder do discurso
e a própria ideologia dominante se exprime, também, por meio desse poderoso
instrumento de realização do poder.
1903
No entanto, a criminologia crítica avança em relação ao materialismo histórico porque
pretende integrar os processos objetivos (relações sociais de produção) com os
subjetivos (construção social da realidade), enquanto o pensamento marxista exigia que
as mazelas de ordem pessoal fossem afastadas, desumanizando o estudo da sociedade. É
importante referir que não se pode separar as relações de produção das relações de
poder, que as configuram, e das relações jurídicas que as asseguram.[4]
O aspecto subjetivo da construção da realidade social encontra fundamento no teorema
de W. I. Thomas, teorema fundamental no âmbito do interacionismo simbólico, para o
qual “se algumas situações são definidas como reais, elas são reais nas suas
conseqüências”, isto é, produzem efeitos reais. Desse modo, o importante para a
manipulação do pensamento e para a consolidação do medo social não é o real, mas a
sua imagem[5].
Assim, a criminologia radical pretende compreender de que maneira as relações
de produção (processos materiais) na vida social condicionam os processos subjetivos
de construção da realidade e da criminalidade.
Essa reflexão mostra-se fundamental quando se trabalha com as questões
agrárias e, em especial, com os processos de criminalização das ações da via campesina.
Para alguns criminólogos, o Movimento dos Trabalhadores Rurais Sem Terra possui
consciência política superior a dos metalúrgicos do ABC paulista, mas são retratados
pela mídia como um “bando de criminosos”. Esse discurso ganha repercussão social,
uma vez que o único simbólico que representa a dignidade humana é o trabalho
assalariado, por isso para quem tem emprego formal, quem não trabalha nestas
condições não é digno, nem sujeito de direitos.
Os meios de comunicação reforçam as relações de poder e isso explica a hostilidade que
marca a atitude do trabalhador integrado ao mercado de trabalho em relação aos
movimentos sociais. Compreender o poder constitutivo do discurso na formação da
subjetividade permite fugir dos reducionismos para perceber que o que existe de mais
concreto nas classes ou estratos sociais são os indivíduos. Indivíduos inseridos em uma
determinada realidade social naturalmente.
É preciso ressaltar que o discurso jurídico se apresenta como a síntese dos
discursos da ciência, da economia, da política, sendo portador da ideologia das relações
de poder. E cada sistema de produção descobre a forma de punição mais adequada às
suas relações produtivas.
Para o pensamento marxista o crime pode ser definido como uma resposta individual e
irracional às privações, mas tal percepção é insuficiente, pois não se pode reduzir tudo
às questões objetivas nem às subjetivas. Ocorre que as questões estruturais que
contribuem para a criminalidade só podem ser solucionadas coletivamente, mas não
articulação política suficientemente ampla. Assim, o trabalhador seduzido pelo discurso
midiático projeta as suas frustrações no desocupado, no excluídos do mercado, e não
nos verdadeiros responsáveis pelas suas frustrações.
Não se pode perder de vista o sujeito como produto histórico de uma estrutura
econômico social que exclui e marginaliza a pessoa, gerando vulnerabilidade. Na visão
de Alessandro Baratta, na sociedade capitalista, “o princípio da distribuição deriva,
1904
imediatamente, da lei do valor que preside a troca entre força de trabalho e salário”, de
forma que a igualdade formal dos sujeitos de direito “se revela como veículo e
legitimação de desigualdade substancial”.[6]
2. Criminalidade versus coação legítima: a repressão contra o discurso
transformador
As decisões selecionadas para publicação no site do Superior Tribunal de Justiça
tratando especificamente de questões penais envolvendo membros do Movimento dos
Trabalhadores Rurais Sem Terra no Brasil são escassas, até mesmo porque não
alcançam com freqüência os tribunais superiores. No entanto, a fim de ilustrar a
polêmica que envolve a atuação desse movimento, do ponto de vista do discurso
jurídico, selecionou-se três acórdãos do STJ que abordam a questão de maneira
divergente.
No primeiro acórdão selecionado, o HC Nº 81.529 - SP (2007/0086098-5), que
teve como relator o Ministro Paulo Gallotti, observa-se que a ordem de liberdade do
integrante do MST foi denegada com o argumento da manutenção da ordem pública, em
que pese seja mencionada a necessidade de reforma agrária no país:
EMENTA: HABEAS CORPUS. ROUBO QUALIFICADO, ESBULHO
POSSESSÓRIO, DANO QUALIFICADO E FORMAÇÃO DE QUADRILHA.
PACIENTE INTEGRANTE DO MOVIMENTO SEM TERRA - MST. PRISÃO
PREVENTIVA. DECRETO FUNDAMENTADO. PRESERVAÇÃO DA ORDEM
PÚBLICA
E
CONVENIÊNCIA
DA
INSTRUÇÃO
CRIMINAL.
PERICULOSIDADE SOCIAL.
1. Mostra-se razoavelmente fundamentada a custódia cautelar determinada para
preservar a ordem púbica e por conveniência da instrução criminal, notadamente diante
das circunstâncias concretas que envolveram a prática do delito, reveladoras de
preocupante periculosidade, não obstante se reconheça o desajuste do quadro social
decorrente da miséria existente no nosso país, carecedor de profunda e séria reforma
agrária. 2. Não é possível, no entanto, placitar ações como as aqui descritas, todas
geradoras de um estado de intranqüilidade, impondo-se, às vezes, a adoção de medidas
extremas visando impedir a repetição de sua prática. 3. Ordem denegada.[7]
Entretanto no HC Nº 9896 - PR (99/0055128-1), tendo como relator o Ministro Vicente
Leal, houve a concessão do Habeas-Corpus com fundamento no princípio da presunção
de inocência, mas com argumentação tímida do ponto de vista dogmático, como se
observa a seguir:
1905
EMENTA: CONSTITUCIONAL. PROCESSUAL PENAL, PRISÃO EM
FLAGRANTE. LÍDERES DO MST. LIBERDADE PROVISÓRIA. A prisão
processual, medida extrema que implica sacrifício a liberdade individual, deve ser
concedida com cautela em face do princípio constitucional da presunção de inocência,
somente cabível quando presentes razões objetivas, indicativas de atos concretos,
suscetíveis de causas prejuízo à ordem pública, à instrução criminal e à aplicação da lei
penal (CPP, art. 315; CF art. 93, IX). A manutenção de líderes do Movimento dos
Trabalhadores Rurais Sem terra – MST – sob custódia processual, sob a acusação de
formação de quadrilha, desobediência e esbulho possessório afronta o preceito inscrito
no art. 5º, LXVI, da Constituição. Habeas-Corpus concedido. [8]
Uma avaliação de mérito mais profunda no sentido de se separar o mero ilícito penal da
pressão política, só foi encontrada no HC 4399-SP, mediante o voto vogal do Ministro
Luiz Vicente Cernicchiaro, que merece destaque por distinguir o ilícito penal de esbulho
possessório, enquanto uma ação dolosa contra a propriedade alheia com a finalidade de
usufruí-la ou enriquecer sem justa causa, da ação praticada com a finalidade de exercer
pressão social para a realização de um direito, de um plano constitucional, pois a ordem
pública precisa ser avaliada no seu contexto histórico assim como o modo de atuação
das pessoas. O mesmo Ministro assim prossegue:
É certo, evidente, que se a lei (formalmente) é igual para todos, nem todos são iguais
perante a lei. Sabe-se as chamadas instâncias formais de controle da criminalidade
atuam diferentemente consoante a posição política, econômica e social da pessoa. As
chamadas classes sociais menos favorecidas não tem acesso político ao governo, a fim
de conseguir preferência na implantação de Programa posto na Constituição da
República. Quadrilha ou bando, a teor do disposto no art. 288, do Código Penal, é delito
que visa a prática de crimes. Ordem pública, clamor público, precisam ser recebidos
com cautela. Podem ser gerados artificialmente, para dar idéia de inquietação na
sociedade. Clamor público, não se confunde com reações (as vezes organizadas) de
proprietários de áreas que possam vir a ser desapropriadas para a reforma agrária.[9]
Ao contexto das decisões judiciais, todas elas relacionadas a pedidos de HabeasCorpus em favor de membros do MST, presos provisoriamente, é importante
acrescentar o pensamento de Enrique Dussel quando distingue a coação legítima da
violência, afirmando que “a instituição vigente deve apoiar-se em numa certa coação
legítima, que permita canalizar os que não estiverem dispostos a cumprir os acordos
validamente aceitos”, uma vez que a factibilidade ética – “contra anarquistas” – deve ter
meios que dêem objetividade à instituição. Desse modo, violência seria apenas a coação
não legitimada, pois a coação legítima:
1906
É ética na medida em que se exerce cumprindo com as exigências dos princípios
material, formal, discursivo e de factibilidade ética: que se garanta a vida de todos os
afetados, que participem simetricamente nas decisões de mediações factíveis
eticamente. Se todos os membros de uma instituição forem perfeitos, eticamente, como
sonha o anarquista, nenhuma instituição seria necessária e por isso seriam perversas já
desde a sua origem.[10]
Enrique Dussel com isso reforça a importância da instituição legítima e admite a
necessidade de coação em situações plenamente justificadas, que tenham como
referência a preservação do princípio da vida e que protejam as vítimas da exclusão
operada pela exacerbação do capitalismo. Desse modo, as ações do MST constituem-se
em exemplos de coações legítimas, exercidas, entretanto, por indivíduos organizados
em grupo em torno de projetos coletivos e não por agentes estatais.
A atuação de movimentos sociais como o MST faz romper o ideário do homem
e da mulher do campo, puros e pacíficos, porque opera na lógica do confronto e por isso
se torna mais assustador do que os movimentos operários, cuja rebeldia se limita ao
exercício do direito de greve. Mas cabe indagar: será que há espaço democrático no
Brasil para o diálogo, que torne desnecessário o modo de intervenção radicalizado dos
movimentos campesinos?
CONSIDERAÇÕES FINAIS
O direito penal tendo uma função simbólica, não reproduz materialmente a
desigualdade, mas sim por meio de símbolos. De outro lado, não é possível viver em
uma sociedade sem direito penal, porque isso equivaleria viver em uma sociedade sem
Estado, sem formalização dos conflitos, sem censura.
A medida do tempo de liberdade suprimida está relacionada com o valor econômico do
tempo, que é mutável. A prisão, ao contrário do direito penal, é um espaço do ser e não
do dever ser, tem uma dimensão conflituosa permanente. Desse modo, pode-se concluir
que o direito penal só se justifica se for mínimo e destinado à proteção dos bens
jurídicos realmente importantes, pois ao se utilizar indevidamente da força do direito
penal para proteger bens jurídicos menores ou para reprimir as ações com finalidade de
exercer pressões sociais, enfraquece-se a democracia e se fragilizam os bens jurídicos
mais importantes. No final, ainda que reproduza simbolicamente as desigualdades
sociais e que a sua legitimidade esteja em crise, não se pode negar que o direito penal
teve no curso da história um papel redutor da violência.
No entanto, é preciso perceber que se vive o declínio das energias utópicas que
remetiam a movimentos coletivos amparados em ideologias. Nesse quadro os fluxos da
globalização contribuíram sobremaneira para a desconstrução de movimentos sociais e
para o predomínio de uma ética centrada no individualismo.
1907
A rebeldia que se cultiva na atualidade não possui uma causa justificada do
ponto de vista ético. Age-se da mesma forma como as massas agiram durante o
holocausto nazista, com indiferença diante da exclusão e do massacre das vítimas. O
problema é que essa produção do Outro como diferença, somada à ausência da
capacidade de exercitar a alteridade, por meio do reconhecimento e do diálogo, também
gera um ambiente propício para a disseminação de uma leitura do Outro como um
inimigo a ser combatido e um terreno fértil para o surgimento de novos totalitarismos.
Em um tempo de anomia quase não há espaço para o diálogo e para a coação
legítima, que tenha como objetivo proteger a vida enquanto um princípio que funda uma
ética da libertação. Resta o espaço político, do engajamento ideológico, como asilo. E a
violência repressora que se manifesta contra as ações de confronto, é apenas o sintoma
de uma sociedade que perdeu os seus valores éticos e que vive no vazio. É proibido
discordar, é proibido pressionar.
REFERÊNCIAS BIBLIOGRAFICAS
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Tradução de Juarez Cirino dos Santos. Rio de Janeiro: Revan, 2002.
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PAVARINI, Massimo e MELOSSI, Dario. Cárcere e Fábrica: as origens do sistema
penitenciário (séculos XVI – XIX). Tradução de Sérgio Lamarão. Rio de Janeiro:
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ZAFFARONI, Eugenio Raúl. Em busca das penas perdidas. Tradução de Vânia
Romano Pedrosa e outro. Rio de Janeiro: Revan, 2001.
1908
[1] BARATTA, Alessandro. Criminologia Crítica e Crítica do Direito Penal, p. 221.
[2] BARATTA, Alessandro. Criminologia Crítica e Crítica do Direito Penal, p. 161.
[3] ZAFFARONI, Eugenio Raul. Em busca das penas perdidas, p. 25.
[4] SANTOS. Juarez Cirino dos. Criminologia Radical, p. 51.
[5] BARATTA, Alessandro. Criminologia Crítica e Crítica do Direito Penal, p. 93.
[6] BARATTA, Alessandro. Criminologia Crítica e Crítica do Direito Penal, p. 163.
[7]
Disponível
em
:
http://www.stj.jus.br/SCON/jurisprudencia/doc.jsp?livre=movimento+sem+terra&&b=
ACOR&p=true&t=&l=10&i=2. Acesso em 08/09/2009.
[8] Disponível em:
http://www.stj.jus.br/SCON/jurisprudencia/doc.jsp?livre=movimento+sem+terra&&b=
ACOR&p=true&t=&l=10&i=18. Acesso em 08/09/2009.
Disponível
em:
[9]
www.stj.jus.br/SCON/jurisprudencia/doc.jsp?livre=movimento+sem+terra&&b=ACOR
&p=true&t=&l=10&i=23 .Acesso em 08/09/2009.
[10] DUSSEL, Enrique. Ética da Libertação, p. 545.
1909
Download

A criminalização das ações dos movimentos