ID: 47500035
04-05-2013
Tiragem: 41267
Pág: 14
País: Portugal
Cores: Cor
Period.: Diária
Área: 27,64 x 30,68 cm²
Âmbito: Informação Geral
Corte: 1 de 3
“Na Grécia as farmácias estão vazias.
Arriscamo-nos a ficar nessa situação”
Paulo Duarte O homem que vai substituir João Cordeiro na
Associação Nacional de Farmácias defende que esta não é a
hora para fazer política, mas para evitar que sejamos arrastados
para uma situação semelhante à da Grécia
Entrevista
Alexandra Campos Texto
Daniel Rocha Fotografia
Paulo Duarte, 40 anos, é o único
candidato à presidência da
Associação Nacional das Farmácias
(ANF) nas eleições que hoje
terminam. Diz que quase 300
farmácias já não estão a cumprir a
sua função, porque quase não têm
medicamentos, e calcula que até
ao final do ano outras tantas vão
ficar na mesma situação.
Há anos que a ANF pinta um
cenário negro da situação
das farmácias, mas poucas
encerraram, entretanto...
Os dados mais recentes são de
Março: nessa altura, havia 279
farmácias em situação de penhora,
de insolvência, ou com planos
especiais de recuperação. São
farmácias que estão abertas mas
não têm medicamentos. Num total
de cerca de 2900 farmácias no
país, representam perto de 10%.
Como é que podem
estar abertas se não têm
medicamentos?
Não têm quase nada. Mantêmse abertas numa lógica de
sobrevivência até chegarem a um
ponto em que fecham.
Mas quantas fecharam,
afinal? Os números da ANF e
do Ministério da Saúde (MS)
não coincidem. Há algumas
semanas, falava em meia
centena de estabelecimentos,
enquanto o ministro da Saúde
disse que fecharam 12 no ano
passado e uma, este ano.
O mais importante é que hoje não
há um português que vá a uma
farmácia que não perceba que as
coisas mudaram. Antigamente,
[o cidadão] podia contar que a
farmácia estaria lá para o ajudar e
neste momento não pode. Porque
não encontra o medicamento,
porque vai várias vezes à farmácia,
porque a pessoa com que costuma
falar já não está.
Mas quantas fecharam, de
facto? Disse que iriam encerrar
600 este ano.
Fecharam as que eu disse,
mas há situações em que os
administradores de insolvência
as reabriram. Na prática, neste
momento temos quase 300 que
não existem [porque não têm
medicamentos], portanto já
estamos em 50% e até ao final do
ano deve acontecer o mesmo a
outras três centenas.
O ministro da Saúde
desvaloriza. Alega que tem
463 pedidos para abrir novos
estabelecimentos.
É ano de eleições autárquicas, é
natural. Além das que fecharam
e das que estão em situação de
insolvência, há mais de 1600
farmácias que têm fornecimentos
suspensos nos grossistas, o que
significa que já têm dificuldades
em abastecer-se. No âmbito deste
processo eleitoral, visitamos
cerca de 300 farmácias em todo o
país. Vimos dezenas, centenas de
colegas com receitas cujo valor era
de dez, 30 cêntimos. As próprias
pessoas já perceberam que isto não
é possível. Com estes montantes
não dá para manter stocks.
O problema da ruptura
de stocks tem que ver com
a exportação ilegal de
medicamentos?
Não é por causa da exportação
que há falta de medicamentos.
É essencialmente por causa das
dificuldades das farmácias. Os
medicamentos alvo de exportação
são em número reduzidíssimo.
Representam 5% do mercado e
estamos todos obcecados com isso.
“Qualquer dia
parecemos aquele
ministro do Iraque
que, quando as
tropas do Exército
estavam quase a
prender o outro
senhor, garantia
que estava a
controlar a
guerra”
Mas foi o próprio presidente do
Infarmed (Autoridade Nacional
do Medicamento) que anunciou
há dias que tinham identificado
este problema...
O problema da acessibilidade é o
da sustentabilidade das farmácias.
O resto são pequenas cortinas de
fumo que querem criar porque não
há a vontade ou ainda não houve
uma decisão final de sobre o que se
quer para a rede de farmácias.
Este problema (insolvências,
penhoras) é mais patente
aonde?
É global. Há distritos como
Faro, Viseu, Portalegre, Aveiro
que têm um bocadinho mais
de dificuldades. Em Faro, por
exemplo, cerca de 17% a 18%
das farmácias já estão nestas
circunstâncias. No distrito de
Lisboa são 83 (10%). Precisamos
que Ministério da Saúde defina
que modelo de farmácia quer
para o país. O país mudou e a
economia da farmácia também.
Veja-se o que aconteceu na Grécia:
as farmácias estão todas vazias
[sem medicamentos], já não têm
dinheiro para investir em stocks,
as pessoas vão para lá cedo,
pagam à cabeça e vão buscar o
medicamento dois ou três dias
depois.
Acredita que corremos o risco
de ficar nessa situação?
Claro que corremos esse risco.
Não acha que está a pintar
um cenário demasiado
catastrofista?
Eu também achava que era, mas
o que aconteceu nos últimos três
anos excedeu todas as previsões.
No nosso sector, a população
de Bragança, de Vila Pouca de
Aguiar, de todo o país, tinha acesso
exactamente ao mesmo nível de
serviço que a população de Lisboa.
Os sinais de interioridade não
se sentiam na acessibilidade ao
medicamento. E é esta rede que
está a ser destruída. Em três anos e
no primeiro trimestre deste ano, o
sector das farmácias já perdeu 390
milhões de euros.
Mas esta situação decorre da
descida acentuada do preço dos
medicamentos e isso tem sido
Proprietário de duas farmácias em Lisboa
Gestor com trabalho na luta contra a sida
F
ormou-se em Ciências
Farmacêuticas em 1997,
fez um MBA em Gestão de
Informação pela Faculdade
de Ciências Económicas e
Empresariais da Universidade
Católica Portuguesa em
2004 e agora, aos 40 anos,
Paulo Duarte prepara-se para
substituir João Cordeiro (que
estava à frente da Associação
Nacional de Farmácias desde a
fundação, em 1975).
Paulo Duarte conhece bem
a casa, onde desempenhou
a função de secretário-geral,
a partir de 2002. Era vicepresidente da Direcção da
ANF desde o ano passado e já
estava a substituir na prática
João Cordeiro — que saiu
para se candidatar à Câmara
de Cascais, pelo Partido
Socialista.
Co-proprietário de duas
farmácias em Lisboa (a
farmácia Estácio e a farmácia
Estácio-Xabregas), Paulo
Duarte é ainda, desde 2002,
secretário-geral da Associação
dos Farmacêuticos dos Países
de Língua Portuguesa. Antes
da ANF, passou pela Ordem
dos Farmacêuticos (secretáriogeral entre 1999 e 2002) e
pela Comissão Nacional de
Luta Contra a sida (secretáriotécnico entre 1997 e 1999).
Casado e pai de dois filhos,
começou a trabalhar em 1996
na indústria farmacêutica,
na Johnson & Johnson,
Produtos Profissionais (área
regulamentar).
ID: 47500035
04-05-2013
Tiragem: 41267
Pág: 15
País: Portugal
Cores: Cor
Period.: Diária
Área: 16,51 x 30,41 cm²
Âmbito: Informação Geral
Corte: 2 de 3
Paulo Duarte
é eleito
hoje novo
presidente da
Associação
Nacional de
Farmácias
Estilo
diferente de
João Cordeiro
bom para as pessoas, porque
estão a pagar cada vez menos
pelos medicamentos.
É bom enquanto os bens
estão acessíveis. A questão
de fundo, aqui, é que nós não
intervimos qualitativamente no
medicamento. Continuamos a
tratar por igual o que é diferente.
Não posso reduzir em 6% um
medicamento que custa dois
euros e outro que custa 100 euros
e um em que deve ser incentivada
a sua utilização e outro em que
deve ser controlada.
Acha que ainda é possível
poupar mais nesta área?
É possível racionalizar,
aumentar a qualidade sem
restringir o acesso. Um exemplo:
na área dos antidiabéticos orais
e anti-hipertensores temos uma
sobreutilização. A questão que se
coloca é: estão a ser bem usados?
No Reino Unido e na Dinamarca,
estes medicamentos representam
cerca de 12% da prescrição global,
em Portugal correspondem a 25%.
Estamos tão preocupados em
reduzir preços que não olhamos
para estas questões. E estas é
que são importantes. O mercado
de genéricos também pode
continuar a crescer. Há muito
trabalho para fazer.
O sistema de monitorização
das faltas de medicamentos nas
farmácias desenvolvido pelo
Infarmed está a funcionar?
Não vou comentar. Basta olhar
para os resultados: 99,9% das
farmácias estão bem. Mas os
doentes todos os dias têm
problemas. Dou-lhe o meu
exemplo. A minha farmácia,
que mudou de sítio há um ano e
meio, continua no mesmo local
nesse sistema. O que acho é que
não se deve fazer política, mas
sim identificar os problemas e
não tentar demonstrar que não
existem. Até porque qualquer dia
parecemos aquele ministro do
Interior do Iraque que, quando
as tropas do Exército estavam
quase a prender o outro senhor,
garantia que estava a controlar a
guerra.
Nos blogues, há farmacêuticos
dispostos a pagar 250 mil
euros pelo trespasse de uma
farmácia, mas não há ofertas.
Disseram que havia farmácias à
venda por um euro.
Sim, só que com o passivo
incluído. Era, por exemplo, o
caso da farmácia de Monsanto,
no Alentejo, que entretanto foi
para insolvência e fechou e agora
pode ser reaberta. Não sei se
leu o que o professor Pedro Pita
Barros [especialista em economia
da saúde] escreveu — afirmou
que, em termos médios, nem os
10% de farmácias mais eficientes
aguentavam a redução de preços
verificada. Ele tem dúvidas de
que alguém esteja assim hoje
disponível para investir nesta
actividade. Nós estamos a tentar
sobreviver e à espera que haja
uma reversão. E o problema são
os casos de colegas que trabalham
há 40 anos e que já esgotaram
as reservas de uma vida.
Trabalharam a vida toda, não
fizeram má gestão e agora estão a
financiar as suas farmácias.
As farmácias passaram de
sector rico para sector pobre
muito depressa?
Não, era um sector que vivia bem,
não digo que não, mas não era
rico, vivia melhor que a média
dos portugueses. Mas a situação
alterou-se radicalmente desde
2005 [altura em que a Autoridade
da Concorrência fez um estudo
que concluiu que era um sector
privilegiado].
O seu estilo é completamente
diferente do de João Cordeiro...
É verdade. Eu sou muito diferente.
É uma questão de personalidade,
não de calculismo.
Não quer cometer os erros que
ele cometeu?
Não é isso. Cometer erros faz
parte da vida. Temos é formas
de estar diferentes. Tive a sorte
de trabalhar com ele, com a
professora Odete Ferreira [na
Comissão de Luta contra a sida],
com o doutor João Silveira [na
Ordem os Farmacêuticos], aprendi
muitas coisas com eles.
ID: 47500035
04-05-2013
Farmácias em risco
de ficarem como
as da Grécia: vazias
Candidato à presidência da
ANF diz que 300 farmácias
estão já quase vazias p14/15
Tiragem: 41267
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País: Portugal
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Âmbito: Informação Geral
Corte: 3 de 3
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“Na Grécia as farmácias estão vazias. Arriscamo