Recurso Extraordinário 718.874 – RS
Relator:
Ministro Edson Fachin
Recorrente:
União
Recorrido:
José Carlos Staniszewski
Amici Curiae:
Associação Industrial do Piauí e outros
RECURSO EXTRAORDINÁRIO. REPERCUSSÃO GERAL.
FUNRURAL. ART. 25, CAPUT, DA LEI 8.212/91. NOVA
REDAÇÃO. LEI 10.256/2001. INCONSTITUCIONALIDADE.
OFENSA. 195, § 4º, DA CONSTITUIÇÃO FEDERAL.
INSTITUIÇÃO. NOVA BASE ECONÔMICA.
1 – A escolha de nova base econômica sobre a qual incidirá
contribuição para o custeio da seguridade social demanda a
veiculação da norma por meio de lei complementar a teor
do art. 195, § 4º, da Constituição Federal.
2 – Os incisos do art. 25 da Lei 8.212/91, porque veiculam
as alíquotas e as bases de cálculo da exação e já tiveram sobre si juízo positivo de inconstitucionalidade, acabam por
evidenciar a mesma nulidade no próprio caput, tendo em
conta a sua função na determinação da sujeição passiva do
tributo.
3 – A Emenda Constitucional 20/98, por alterar o art. 195,
I, da Constituição Federal e acrescentar a receita como base
imponível para contribuições sociais, não dá causa à recepção dos incisos do art. 25, com redação dada pela Lei
9.528/97, ante a inaplicabilidade da teoria da constitucionalidade superveniente na presente ordem constitucional consoante a jurisprudência do Supremo Tribunal Federal
aplicável à seara tributária.
4 – Parecer pelo desprovimento do recurso extraordinário.
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Nº 135904/2015 – ASJCIV/SAJ/PGR
Cuida-se de recurso extraordinário interposto pela União em
face do acórdão proferido pelo Tribunal Regional Federal da 4ª
Região, nos autos da Apelação Cível 5001041-56.2010.404.7003,
acerca da contribuição para o Fundo de Assistência ao Trabalhador
Rural (Funrural) sobre a receita bruta proveniente da comercialização da produção rural de empregadores pessoas naturais.
A petição inicial afirma que o autor é empregador rural pessoa natural e exerce seu labor no plantio de grãos e na criação de
bovinos em suas propriedades localizadas no Paraná, Mato Grosso
do Sul e Mato Grosso, cuja safra é vendida a empreendimentos especializados no beneficiamento de cada um desses produtos e na
posterior revenda.
Segundo descrito, a transação envolve o recolhimento, pelo
adquirente da safra, de 2,3% calculados sobre o preço alcançado
com a venda em favor da União, mediante guia própria junto a estabelecimento comercial, valor que se decompõe nas seguintes
proporções: 0,2% a ser recolhido a título de contribuição destinada
ao Serviço Nacional de Aprendizagem Rural (Senar) e 2,1% referente à contribuição social angariada ao Instituto Nacional do Seguro Social (INSS).
A teor da sua defesa, essa mecânica impositiva resulta da incidência ao caso do art. 25, I e II, da Lei 8.212/91, com redação
dada pela Lei 9.528/97.
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Acrescenta o fato de que o plenário do Supremo Tribunal
Federal, nos autos do Recurso Extraordinário 363.852, decidiu
pela inconstitucionalidade do art. 1º da Lei 8.540/92, que deu
nova redação aos artigos 12, V e VII, 25, I e II, e 30, IV, todos da
Lei 8.212/91.
Pede, enfim, (i) a declaração incidental da inconstitucionalidade da contribuição social denominada Novo Funrural, instituída
pelo art. 1º da Lei 8.540/92; (ii) o reconhecimento do direito de o
autor “não sofrer a retenção e desconto do percentual de 2,1% de
que trata o art. 25 da Lei 8.212/91, sobre o preço alcançado com a
comercialização da sua produção agropecuária [...]”; (iii) a condenação da União ao reembolso daquilo que foi recolhido indevidamente, tudo a ser apurado em liquidação de sentença e (iv) a
condenação da União em honorários de sucumbência.
Em primeira instância, o julgamento foi pela improcedência
do pedido. Seguiu-se recurso de apelação, cujo acórdão concedeu
parcial provimento ao pedido de reforma e considerou indevido o
recolhimento da exação e permitiu a repetição das parcelas recolhidas a partir dos cinco anos anteriores ao ajuizamento da ação.
Foi interposto recurso extraordinário pela União, devidamente admitido pelo tribunal de origem.
Com a subida dos autos ao STF, o plenário virtual reputou
constitucional a questão versada nos autos e reconheceu a existên-
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cia da repercussão geral suscitada, a qual foi ementada nos seguintes termos:
CONSTITUCIONAL. TRIBUTÁRIO.
CONTRIBUIÇÃO
SOCIAL.
EMPREGADOR RURAL PESSOA FÍSICA. RECEITA BRUTA.
COMERCIALIZAÇÃO DA PRODUÇÃO. ART. 25 DA LEI 8.212/1991,
NA
REDAÇÃO
DADA
PELA
LEI
10.256/2001.
CONSTITUCIONALIDADE.
I - A discussão sobre a constitucionalidade da contribuição a
ser recolhida pelo empregador rural pessoa física, prevista no
art. 25 da Lei 8.212/1991, com a redação dada pela Lei
10.256/2001, ultrapassa os interesses subjetivos da causa.
II - Repercussão geral reconhecida.
Manifestaram-se como amici curiae a Associação Industrial do
Piauí (AIP), a Associação dos Produtores e Comerciantes de Sementes e Mudas do Rio Grande do Sul (Apassul), a Associação
Nacional de Defesa dos Agricultores Pecuaristas e Produtores da
Terra (Andaterra) e a Associação Brasileira das Indústrias Exportadoras de Carnes (ABIEC).
Após a análise e o deferimento do ingresso das associações, o
Ministro-Relator deu vista dos autos à Procuradoria-Geral da República para confecção de parecer.
A decisão recorrida foi assim ementada:
TRIBUTÁRIO.
CONTRIBUIÇÃO
COMERCIALIZAÇÃO
PESSOA
FÍSICA
DA
PRODUÇÃO
EMPREGADOR.
PRESCRIÇÃO. LC Nº 118/05.
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INCIDENTE
RURAL.
SOBRE
PRODUTOR
A
RURAL
INCONSTITUCIONALIDADE.
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1 - Comprovada a condição da parte autora de produtor rural pessoa física empregador e do recolhimento do tributo.
2- O STF, ao julgar o RE nº 363.852, declarou inconstitucional as alterações trazidas pelo art. 1º da Lei nº 8.540/92,
que deu nova redação aos artigos 12, incisos V e VII, 25, incisos I e II, e 30, inciso IV, da Lei nº 8.212/91. 3 - A Corte
Especial deste Tribunal, ao julgar a Arguição de Inconstitucionalidade na AC nº 2008.70.16.000444-6/PR, declarou, por
maioria, a inconstitucionalidade do artigo 1º da Lei nº
10.256/2001. 4 - Indevido o recolhimento de contribuição
para o Fundo de Assistência ao Trabalhador Rural (Funrural)
sobre a receita bruta proveniente da comercialização da produção rural de empregadores, pessoas naturais. 5 - Para as
ações ajuizadas a partir de 09/06/2005, o prazo
decadencial/prescricional de cinco anos para a restituição de
tributo sujeito ao lançamento por homologação conta-se da
data do pagamento antecipado do tributo.
O recurso extraordinário, interposto pela União com fundamento no art. 102, III, b, da Constituição Federal 1, decompõe-se
nas seguintes teses: (i) a repercussão geral da matéria restou reconhecida no RE 596.1772, sem que esta análise fosse feita pelo
1 Art. 102. Compete ao Supremo Tribunal Federal, precipuamente, a guarda
da Constituição, cabendo-lhe: […] III - julgar, mediante recurso extraordinário, as causas decididas em única ou última instância, quando a decisão
recorrida: […] b) declarar a inconstitucionalidade de tratado ou lei federal
[...]
2 Cujo julgamento foi assim ementado: CONSTITUCIONAL. TRIBUTÁRIO.
CONTRIBUIÇÃO SOCIAL PREVIDENCIÁRIA. EMPREGADOR RURAL PESSOA FÍSICA.
INCIDÊNCIA SOBRE A COMERCIALIZAÇÃO DA PRODUÇÃO. ART. 25 DA LEI
8.212/1991, NA REDAÇÃO DADA PELO ART. 1º DA LEI 8.540/1992.
INCONSTITUCIONALIDADE. I – Ofensa ao art. 150, II, da CF em virtude da
exigência de dupla contribuição caso o produtor rural seja empregador. II
– Necessidade de lei complementar para a instituição de nova fonte de
custeio para a seguridade social. III – RE conhecido e provido para reconhecer a inconstitucionalidade do art. 1º da Lei 8.540/1992, aplicando-se
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prisma da Lei 10.256/2001; (ii) a inaplicabilidade do RE 363.852,
uma vez que oriundo de mandado de segurança distribuído em 27
de agosto de 1998, momento anterior à promulgação da Lei
10.256/2001, “a qual veio, justamente, estender ao produtor rural
pessoa física empregador validamente a contribuição prevista no
art. 25 da Lei nº 8.212/91 (que regia originariamente apenas o segurado especial)”; (iii) a Lei 10.256/2001 adequou-se à parte dispositiva do aludido RE 363.852 no ponto em que “expressamente
estatuiu que a referida contribuição viria em substituição àquela
prevista no art. 22 da Lei 8.212/91 (sobre a folha de salários)”; (iv)
dada a circunstância de que os incisos I e II do art. 25 ainda perduraram na regulamentação do segurado especial, a declaração da
Corte Suprema restringiu-se à inconstitucionalidade parcial sem
redução de texto para restringir os efeitos da norma apenas ao
produtor rural com empregados; (v) a inconstitucionalidade foi superada pela nova redação do caput do art. 25 da Lei 8.212/91 pela
Lei 10.256/2001, que, validada pela Emenda Constitucional
20/98, apenas reinseriu o produtor rural empregador como sujeito
passivo da contribuição; (vi) por técnica legislativa, os incisos I e II
permanecem sem alteração, pois não necessitavam de substituição,
daí a sua ratificação com a promulgação da Lei 10.256/2001; (vii)
aos casos semelhantes o disposto no art. 543-B do CPC. (RE 596177, Relator Min. RICARDO LEWANDOWSKI, Tribunal Pleno, DJe-165 de 26 ago
2011)
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a inexistência de bis in idem entre o Funrural e a Cofins e (viii) a
inexistência de violação ao princípio da isonomia.
Em contrarrazões, o recorrido aduziu: (i) o julgamento do
RE 363.852, o qual se torna parâmetro para o deslinde do presente extraordinário, teria levado em consideração o disposto na
Lei 10.256/2001; (ii) a tese de que apenas a Lei 8.540/92 inovou
o ordenamento ao constituir o novo Funrural, sendo que as Leis
9.528/97 e 10.256/2001 restringiram-se, no primeiro caso, “a
mencionar que a pessoa jurídica devedora desta contribuição seria
aquela que empregasse pessoas juntamente com o segurado especial” e, no segundo caso, a apontar “que esta contribuição para a
pessoa física empregadora viria em substituição àquela por ela até
então devida e calculada sobre a folha de salários de seus empregados (na forma tratada no artigo 22 e seus incisos da mesma Lei
8.212/91)”; (iii) a imprestabilidade da Lei 10.256/2001 para disciplinar os elementos da exação e ainda prever o quanto disposto
nos incisos I e II do art. 25 da Lei 8.212/91, com redação dada
pela referida Lei 9.528/97, considerada inválida no RE 363.852;
(iv) a permanência dos fatores de inconstitucionalidade já declarados nos autos do RE 363.852, quais sejam: (a) a instituição do tributo por mera lei ordinária, em desrespeito ao art. 195, § 4º, da
Constituição Federal; (b) a violação do princípio da isonomia tributária frente as exações cobradas do segurado especial e dos con-
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tribuintes não rurais, (c) a pretensão de estabelecer a equivalência
entre os conceitos legais de faturamento e resultado e (d) a violação ao princípio da legalidade tributária.
A iniciar a análise dos fundamentos apresentados, é necessário
esclarecer que os RREE 393.852 e 596.177 versam precisamente
sobre a mesma matéria, restando a circunstância de que apenas o
último dos recursos foi submetido à sistemática da repercussão geral. Convém ressaltar que nenhum dos dois extraordinários veiculou pretensão de julgamento de inconstitucionalidade do tributo
em exame por força das disposições da Lei 10.256/2001, o que ficou assentado expressamente na ementa dos embargos de declaração opostos ao julgamento de mérito do RE 596.1773:
EMBARGOS DE DECLARAÇÃO
FUNDAMENTO NÃO ADMITIDO
NO
RECURSO
EXTRAORDINÁRIO.
NO DESLINDE DA CAUSA DEVE SER
EXCLUÍDO DA EMENTA DO ACÓRDÃO. IMPOSSIBILIDADE DA ANÁLISE DE
MATÉRIA QUE NÃO FOI ADEQUADAMENTE ALEGADA NO RECURSO
EXTRAORDINÁRIO
NEM
TEVE
SUA
REPERCUSSÃO
GERAL
RECONHECIDA. INEXISTÊNCIA DE OBSCURIDADE, CONTRADIÇÃO OU
3 A confirmar a tese, o STF pronunciou-se nesse sentido na análise do
agravo regimental no RE 412.390, cuja ementa segue transcrita:
CONTRIBUIÇÃO SOCIAL SOBRE A RECEITA BRUTA DA COMERCIALIZAÇÃO –
PRODUTOR RURAL – INCONSTITUCIONALIDADE – ALCANCE. Os pronunciamentos do Tribunal, nos Recursos Extraordinários nº 363.852/MG, de minha
relatoria, e nº 596.177/RS, da relatoria do ministro Ricardo Lewandowski,
este último sob o ângulo da repercussão geral, não alcançam a disciplina da
contribuição devida pelo produtor rural empregador versada na Lei nº
10.256, de 2001. (RE 412390 AgR, Relator Min. MARCO AURÉLIO, DJe-66
de 2 abr 2014)
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OMISSÃO EM DECISÃO QUE CITA EXPRESSAMENTE O DISPOSITIVO
LEGAL CONSIDERADO INCONSTITUCIONAL.
I – Por não ter servido de fundamento para a conclusão do
acórdão embargado, exclui-se da ementa a seguinte assertiva:
“Ofensa ao art. 150, II, da CF em virtude da exigência de
dupla contribuição caso o produtor rural seja
empregador”(fl. 260). II – A constitucionalidade da tributação com base na Lei 10.256/2001 não foi analisada nem
teve repercussão geral reconhecida. III – Inexiste obscuridade, contradição ou omissão em decisão que indica expressamente os dispositivos considerados inconstitucionais. IV –
Embargos parcialmente acolhidos, sem alteração do resultado.
(RE 596177 ED, Relator Min. RICARDO LEWANDOWSKI, Tribunal Pleno, DJe-226 de 14 nov 2013)
Dado o aspecto histórico, o sistema de previdência pública
nacional bipartia-se para atender a segurados urbanos e rurais e o
custeio de ambos também provinha de diferentes fontes. A Carta
de 1988, de outro lado, produziu a unificação do regime jurídico
da previdência pública tanto para trabalhadores rurais quanto para
os urbanos.
O Programa de Assistência ao Trabalhador Rural (Prorural),
regido pela Lei Complementar 11/71, previa a prestação de benefícios como aposentadorias, pensões e serviços de saúde ao produtor rural segurado e seus dependentes. Para essa finalidade, criou-se
o Fundo de Assistência ao Trabalhador Rural – Funrural, para o
qual seriam vertidos, dentre outros, os recursos provenientes de
percentual da contribuição devida pelo produtor sobre o valor co-
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mercial dos produtos rurais (art. 15 da LC 11/714 e art. 5º da Lei
6.195/745).
Com a promulgação da Lei 7.787/89, a contribuição das empresas em geral, em parte destinada ao Prorural, aumentou para
20% (vinte por cento) sobre a folha de salários (art. 3º, I), suprimindo a contribuição sobre a folha de salários do art. 15, II, da LC
11/71. Essa modificação, contudo, não veio acompanhada da extinção da contribuição incidente sobre a produção rural, o que
veio a ocorrer por intermédio da Lei 8.213/91, art. 138. Essa a razão pela qual há quem considere que a remissão ao Funrural, com
base no art. 25 da Lei 8.212/91, é tecnicamente inapropriada,
ainda que a exação ali prevista tenha por finalidade criar reservas
previdenciárias que também atendem os trabalhadores rurais, dentro do contexto de previdência unificada da Constituição de 1988.
No plano legal, ultrapassada a análise das Leis 8.540/92 e
9.528/97, haja vista o reconhecimento incidental da pecha de inconstitucionalidade pelos RREE 363.852 e 596.177, a presente
4 Art. 15. Os recursos para o custeio do Programa de Assistência ao Trabalhador Rural provirão das seguintes fontes: I - da contribuição de 2% (dois
por cento) devida pelo produtor sobre o valor comercial dos produtos rurais, e recolhida: a) pelo adquirente, consignatário ou cooperativa que ficam sub-rogados, para esse fim, em todas as obrigações do produtor; b)
pelo produtor, quando ele próprio industrializar seus produtos e vendê-los
ao consumidor, no varejo, ou a adquirente domiciliado no exterior [...]
5 Art. 5º O custeio dos benefícios do FUNRURAL, por acidente do trabalho, na forma desta Lei, será atendido por uma contribuição adicional de
0,5% (cinco décimos por cento) incidente sobre o valor comercial dos
produtos agropecuários em sua primeira comercialização.
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demanda volta-se ao exame da Lei 10.256/2001, precisamente a
redação dada por seu art. 1º ao art. 25 da Lei 8.212/91. Seu texto é
o seguinte:
Art. 25. A contribuição do empregador rural pessoa física,
em substituição à contribuição de que tratam os incisos I e
II do art. 22, e a do segurado especial, referidos, respectivamente, na alínea a do inciso V e no inciso VII do art. 12 desta
Lei, destinada à Seguridade Social, é de: […]
Conquanto a alteração legislativa nos moldes realizados pela
aludida lei dá concreção à desoneração tributária incidente sobre a
folha de salários do empregador rural pessoa física, não assiste razão ao recorrente.
A União desenvolve articulado em que busca fazer crer que a
inovação legislativa tornou válidos os incisos do art. 25 da Lei
8.212/91, alegando, em síntese, “que continuaram a projetar efeitos
com relação ao segurado especial e, portanto, nunca foram afastados do ordenamento jurídico, trata[-se], quando muito, de inconstitucionalidade parcial sem redução de texto – apenas para
restringir os efeitos com relação ao produtor rural com empregados –, inconstitucionalidade esta que veio a ser superada pela revigoração do caput do art. 25 pela Lei nº 10.256/2001”.
De fato, a alteração do caput do artigo só traz algum sentido
ao texto se houver a manutenção dos incisos, uma vez que estes
traduzem o elemento percentual da alíquota e a sua correspon-
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dente base de cálculo. Ademais, a inconstitucionalidade incidental,
proclamada nos citados recursos extraordinários, possui efeitos inter
partes, o que demandaria da Corte Suprema, no exercício do controle difuso da constitucionalidade, uma nova análise dessas normas
a partir do diferencial proposto pela Lei 10.256/2001.
Contudo, além de não haver fundamento algum que persuadisse à manutenção dos incisos no presente caso, a só análise de seu
texto permite ao intérprete verificar antinomias com o texto
constitucional. Isso porque a previsão do resultado da comercialização da produção como base de cálculo da contribuição em tela
não possui respaldo na Constituição Federal.
Textualmente, o art. 195 da Constituição Federal, com redação dada pela Emenda Constitucional 20/98, traz as seguintes causas de incidência das contribuições sociais em relação ao
empregador: (a) a folha de salários e demais rendimentos do trabalho pagos ou creditados, a qualquer título, à pessoa física que lhe
preste serviço, mesmo sem vínculo empregatício; (b) a receita; (c)
o faturamento e (d) o lucro.
Por outro lado, o resultado da comercialização como base de
cálculo e fonte de incidência da contribuição voltada ao financiamento da seguridade social é aplicado apenas aos casos de sujeição
passiva do produtor, do parceiro, do meeiro e do arrendatário rurais e o pescador artesanal, bem como dos respectivos cônjuges,
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que exerçam suas atividades em regime de economia familiar e
sem empregados permanentes, tal como reverbera do art. 195, § 8º,
da Constituição Federal, também com redação dada pela Emenda
Constitucional 20/98.
Em razão da excepcionalidade da norma em relação aos citados contribuintes, da inexistência de qualquer outra grandeza economicamente tangível nas relações comerciais travadas por esses
profissionais6 e da busca pela equidade na forma de participação
no custeio da seguridade social (art. 194, parágrafo único, V, da
CF), esse regime é aplicado restritivamente, considerando-se as hipóteses do art. 195, I, como a regra a orientar ordinariamente o legislador infraconstitucional7.
6 Esse posicionamento é albergado pela Procuradoria- Geral da República
que, na linha do Parecer 350/2015 – ASJCIV/SAJ/PGR, pronunciou-se:
“O objetivo desse regime de tributação diferenciado é justamente garantir
que o produtor rural, que não pode contribuir sobre folha de salários, faturamento ou receita (por não contar com empregados nem ser pessoa jurídica ou entidade equiparada), participe, dentro da nova ordem
constitucional, para o sustento da seguridade social, na forma do art. 195,
caput, da CF/88. A previsão específica veio a homenagear, desse modo,
tanto a máxima de equidade de participação no custeio (art. 194, V, da
CF/88) e o dever de tratamento isonômico dos contribuintes (art. 150, II,
da CF/88) quanto a necessidade de proteção desse contribuinte, por sua
vulnerabilidade econômica.”
7 Nessa linha segue a jurisprudência do STF: AGRAVO REGIMENTAL NO
RECURSO EXTRAORDINÁRIO. TRIBUTÁRIO. CONTRIBUIÇÃO SOCIAL. PRODUTOR
RURAL PESSOA NATURAL. EMPREGADOS PERMANENTES. DISTINÇÃO DIANTE DO
REGIME DE ECONOMIA FAMILIAR. BASE DE CÁLCULO FIXADA NO ART. 25, I, DA LEI
Nº 8.212/91. COMERCIALIZAÇÃO DA PRODUÇÃO. CRIAÇÃO DE NOVA FONTE DE
CUSTEIO DA SEGURIDADE SOCIAL SEM PREVISÃO EM LEI COMPLEMENTAR. DECISÃO
FUNDAMENTADA EM ACÓRDÃO PLENÁRIO DESTA CORTE, MEDIANTE O QUAL FOI
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A esse respeito, importa consignar a lição de Leandro Paulsen8:
As análises semântica e sintática dos incisos do art. 195 e de
suas respectivas alíneas são fundamentais para a verificação
dos limites da tributação ordinária para fins de custeio da seguridade social na medida em que tais normas concessivas
de competência tributária condicionam o exercício da tributação.
De fato, ao dizerem o que poderá ser tributado, a título ordinário, para o custeio da seguridade social, tais normas concessivas acabem excluindo da possibilidade de tributação o
que não está contemplado expressamente. Outras pessoas ou
bases econômicas, só no exercício da competência residual é
que poderão ser gravadas.
DECLARADA A INCONSTITUCIONALIDADE DA CONTRIBUIÇÃO SOCIAL EXIGIDA DE
PRODUTOR RURAL EMPREGADOR PESSOA NATURAL COM BASE EM LEGISLAÇÃO
EC 20/98. AGRAVO REGIMENTAL NÃO PROVIDO. […] 2. A contribuição a ser recolhida pelo empregador, pela empresa e pela entidade a ela
equiparada na forma da lei, tem como base de cálculo do tributo o disposto nas alíneas previstas no inciso I do caput do dispositivo, de modo que
deve incidir apenas sobre: a) a folha de salários e demais rendimentos do
trabalho pagos ou creditados, a qualquer título, à pessoa física que lhe
preste serviço, mesmo sem vínculo empregatício; b) a receita ou o faturamento; e c) o lucro. 3. O art. 195 da Constituição Federal e seu § 8º excepcionam o regime jurídico acima ao dispor; verbis: “O produtor, o
parceiro, o meeiro e o arrendatário rurais e o pescador artesanal, bem
como os respectivos cônjuges, que exerçam suas atividades em regime de
economia familiar, sem empregados permanentes, contribuirão para a seguridade social mediante a aplicação de uma alíquota sobre o resultado da
comercialização da produção e farão jus aos benefícios nos termos da lei”.
[…] (RE 546065 AgR, Relator Min. LUIZ FUX, Primeira Turma, DJe-104
de 3 jun 2013)
8 Contribuições: custeio da seguridade social. Livraria do Advogado, Porto
Alegre: 2007, p.89.
ANTERIOR À
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Ademais, essa questão já foi analisada pelo Supremo Tribunal
Federal que, em caso análogo, reputou inválida a base de incidência
estranha ao texto constitucional:
AÇÃO
DIRETA DE INCONSTITUCIONALIDADE.
CONTRIBUIÇÃO DEVIDA
À SEGURIDADE SOCIAL POR EMPREGADOR, PESSOA JURÍDICA, QUE SE
DEDICA À PRODUÇÃO AGROINDUSTRIAL (§ 2º DO ART. 25 DA LEI Nº
8.870, DE 15.04.94, QUE ALTEROU O ART. 22 DA LEI Nº 8.212, DE
24.07.91): CRIAÇÃO DE CONTRIBUIÇÃO QUANTO À PARTE AGRÍCOLA
DA EMPRESA, TENDO POR BASE DE CÁLCULO O VALOR ESTIMADO DA
PRODUÇÃO AGRÍCOLA PRÓPRIA, CONSIDERADO O SEU PREÇO DE
MERCADO. DUPLA INCONSTITUCIONALIDADE (CF, ART. 195, I E SEU
§ 4º) PRELIMINAR: PERTINÊNCIA TEMÁTICA.
[...] 2. Mérito. O art. 195, I, da Constituição prevê a cobrança de contribuição social dos empregadores, incidentes
sobre a folha de salários, o faturamento e o lucro; desta
forma, quando o § 2º do art. 25 da Lei nº 8.870/94 cria
contribuição social sobre o valor estimado da produção agrícola própria, considerado o seu preço de mercado, é ele inconstitucional porque usa uma base de cálculo não prevista
na Lei Maior. 3. O § 4º do art. 195 da Constituição prevê
que a lei complementar pode instituir outras fontes de receita para a seguridade social; desta forma, quando a Lei nº
8.870/94 serve-se de outras fontes, criando contribuição
nova, além das expressamente previstas, é ela inconstitucional, porque é lei ordinária, insuscetível de veicular tal matéria. 4. Ação direta julgada procedente, por maioria, para
declarar a inconstitucionalidade do § 2º da Lei nº 8.870/94.
(ADI 1103, Relator Min. NÉRI DA SILVEIRA, Relator p/ Acórdão Min. MAURÍCIO CORRÊA, Tribunal Pleno, DJ 25 abr
1997)
Dessa forma, a conclusão que se apresenta é que os incisos,
cujo texto é dado pela Lei 9.528/97, extrapolaram dos limites de
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incidência da norma constitucional, porque “sua válida instituição
reclamaria, exatamente por isso, lei complementar, nos termos do
art. 195, § 4º, já que a contribuição social, tal como instituída, não
pode sustentar-se quer no inciso I do art. 195, quer no seu § 8º”,
conforme excerto do voto-vista do Ministro Cezar Peluso nos autos do RE 363.852, plenamente aplicável ainda aos incisos, cuja
redação não foi dada ou modificada pela Lei 10.256/2001, mas
por lei anterior devidamente rejeitada pela Corte Suprema em
mais de uma ocasião.
Por outro lado, não se deve ignorar que o mesmo vício contamina a própria Lei 10.256/2001, uma vez que, ao pretender tomar como válidos os incisos I e II do art. 25, considerados
inconstitucionais pelo STF, visou repristinar alíquotas e base de
cálculo, conjugando-as com a instituição da sujeição passiva do
empregador rural pessoa física, localizada na novel redação da cabeça do artigo, e integralizando os elementos essenciais da exação.
Essa prática, porém, deixou de obedecer à prescrição do art.
195, § 4º, e 149 da CF naquilo que se relaciona à necessidade de
veiculação da regra por espécie normativa juridicamente qualificada, a saber, a lei complementar.
Ainda que o texto constitucional faça remissão à instituição
de outras fontes e à lei complementar como meio normativo pró-
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prio, não é demais lembrar que todos os elementos da exação, nesses casos, deverão se subordinar ao rito daquela espécie normativa.
É que o tributo, considerada sua acepção geral e para além da
definição meramente legal9, é decomponível nas suas partes essenciais: sujeição ativa e passiva, alíquota e base de cálculo. A escolha
de uma base de incidência diversa daquelas já expostas no texto
constitucional para a instituição de contribuição para a seguridade
social indica uma nova expressão financeira, sobre a qual recairá o
tributo: suas alíquotas e seus respectivos sujeitos da relação jurídico-tributária.
Essa composição de informações é que originará, no final de
tudo, o tributo. Portanto, não é de se estranhar que cada uma dessas partes deverá ser submetida ao procedimento legislativo próprio da lei complementar, evitando-se uma visão reducionista que
submeteria ao processo legislativo próprio da lei complementar
apenas a estrita instituição de nova fonte para o custeio da seguridade social.
Desse modo, a parcela do tributo em comento alusiva ao
contribuinte, porque veiculada na Lei 10.256/2001, ordinária por
9 Art. 3º Tributo é toda prestação pecuniária compulsória, em moeda ou
cujo valor nela se possa exprimir, que não constitua sanção de ato ilícito,
instituída em lei e cobrada mediante atividade administrativa plenamente
vinculada (Código Tributário Nacional).
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natureza, comunga das mesmas razões de invalidade que tornaram
írritos os incisos do art. 25.
Ainda que superados esses pontos, questiona-se se o ordenamento constitucional teria recepcionado os incisos do art. 25 ante
a promulgação da Emenda Constitucional 20/98 e a correspondente inclusão da receita como base de incidência da contribuição
social no rol do art. 195, I, da Constituição Federal.
Trata-se de saber se a ordem constitucional vigente acata
aquilo que é comumente chamado na teoria do direito constitucional de constitucionalização superveniente, cujo significado consiste no resgate de norma declarada inconstitucional por meio da
alteração do texto originário da Constituição.
E a esse respeito o Supremo Tribunal Federal já posicionou-se pela negativa de acolhimento dessa tese no atual sistema
constitucional, sobretudo na seara tributária:
CONSTITUCIONALIDADE SUPERVENIENTE - ARTIGO 3º, § 1º, DA LEI
Nº 9.718, DE 27 DE NOVEMBRO DE 1998 - EMENDA
CONSTITUCIONAL Nº 20, DE 15 DE DEZEMBRO DE 1998.
O sistema jurídico brasileiro não contempla a figura da
constitucionalidade superveniente. [...]
(RE 346084, Relator Min. ILMAR GALVÃO, Relator p/ Acórdão Min. MARCO AURÉLIO, Tribunal Pleno, DJ 1º set 2006)
CONSTITUCIONAL. TRIBUTÁRIO. IMPOSTO SOBRE CIRCULAÇÃO DE
MERCADORIAS E SERVIÇOS. ICMS. IMPORTAÇÃO. PESSOA QUE NÃO
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SE DEDICA AO COMÉRCIO OU À PRESTAÇÃO DE SERVIÇOS DE
COMUNICAÇÃO
OU
DE
TRANSPORTE
INTERESTADUAL
OU
INTERMUNICIPAL.
“NÃO CONTRIBUINTE”. VIGÊNCIA DA EMENDA
CONSTITUCIONAL 33/2002. POSSIBILIDADE. REQUISITO DE
VALIDADE. FLUXO DE POSITIVAÇÃO. EXERCÍCIO DA COMPETÊNCIA
TRIBUTÁRIA. CRITÉRIOS PARA AFERIÇÃO.
[…] CONDIÇÕES CONSTITUCIONAIS PARA TRIBUTAÇÃO. 4. Existência e suficiência de legislação infraconstitucional para instituição do tributo (violação dos arts. 146, II e 155, XII, § 2º, I
da Constituição). A validade da constituição do crédito tributário depende da existência de lei complementar de normas gerais (LC 114/2002) e de legislação local resultantes do
exercício da competência tributária, contemporâneas à ocorrência do fato jurídico que se pretenda tributar. 5. Modificações da legislação federal ou local anteriores à EC 33/2001
não foram convalidadas, na medida em que inexistente o fenômeno da “constitucionalização superveniente” no sistema
jurídico brasileiro. A ampliação da hipótese de incidência, da
base de cálculo e da sujeição passiva da regra-matriz de incidência tributária realizada por lei anterior à EC 33/2001 e à
LC 114/2002 não serve de fundamento de validade à tributação das operações de importação realizadas por empresas
que não sejam comerciais ou prestadoras de serviços de comunicação ou de transporte intermunicipal ou interestadual.
(RE 439796, Relator Min. JOAQUIM BARBOSA, Tribunal Pleno,
DJe-051 de 14 mar 2014)
Seguindo tal orientação, a lei em comento se torna imprestável a veicular a imposição tributária, na medida em que, considerada inconstitucional, posterior emenda constitucional não tem o
condão de transmitir-lhe foros de validade.
Desse modo, solução outra não é possível senão uma nova
declaração de inconstitucionalidade dos incisos I e II do art. 25, já
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que as demais foram pronunciadas em processos de índole subjetiva e com eficácia inter partes, e do próprio caput do art. 25, agora
com a redação dada pela Lei 10.256/2001, em face do descumprimento de regra procedimental estabelecida em assento constitucional.
Ante o exposto, opina a Procuradoria-Geral da República
pelo desprovimento do recurso extraordinário.
Brasília (DF), 13 de agosto de 2015.
Rodrigo Janot Monteiro de Barros
Procurador-Geral da República
JCCR/UASJ
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Manifestação da PGR - Supremo Tribunal Federal