DEFENSORIA PÚBLICA-GERAL DA UNIÃO EXCELENTÍSSIMO SENHOR MINISTRO LUIZ FUX – RELATOR DO RE 855178 – SUPREMO TRIBUNAL FEDERAL RE 855178 Recorrente: União A DEFENSORIA PÚBLICA DA UNIÃO que assistiu MARIA AUGUSTA DA CRUZ SANTOS vem, respeitosamente, à presença de V. Exa., por intermédio do Defensor Público-Geral Federal ao final signatário, apresentar MANIFESTAÇÃO nos autos do RECURSO EXTRAORDINÁRIO 855178, interposto pela UNIÃO, nos termos aduzidos a seguir. 1. BREVE RELATO DOS FATOS A Sra. Maria Augusta da Cruz Santos ingressou com pedido, perante a Justiça Federal de Sergipe, contra a União e o respectivo Estado para obter medicamentos de que necessitava, a saber Tracleer 62,5 mg e Tracleer 125 mg, essenciais à manutenção de sua saúde. A antecipação de tutela foi deferida em audiência e mantida em sede de sentença, reconhecendo-se a solidariedade dos entes federados para a concessão do medicamento. 1 DEFENSORIA PÚBLICA-GERAL DA UNIÃO Pouco após a prolação da r. sentença, a autora da ação veio a falecer. Foi interposto apelo pela União ao qual foi negado provimento pelo Egrégio Tribunal Regional Federal da 5ª Região. Rejeitados os embargos de declaração, a União interpôs Recursos Especial e Extraordinário. O apelo especial foi sobrestado e o extremo restou admitido pela Corte Regional. Contra a r. decisão proferida em sede de admissibilidade de Recurso Especial foi apresentado agravo, ao qual o Superior Tribunal de Justiça negou provimento. Remetidos os autos ao Supremo Tribunal, foi reconhecida a repercussão geral do tema e, em apreciação levada a efeito por seu Plenário Virtual, manteve-se o entendimento consolidado no sentido de se reconhecer a solidariedade entre os entes federados para a concessão de medicamentos. Inconformada, a União opôs embargos de declaração postulando, entre outras coisas, a apreciação do tema no Plenário presencial. O julgamento foi iniciado em 5 de agosto de 2015 com a rejeição dos aclaratórios pelo Eminente Ministro Relator, Luiz Fux, sendo interrompido por pedido de vista formulado pelo Ministro Edson Fachin. Em razão das discussões havidas na sessão em que se iniciou o debate acerca dos embargos, a Defensoria Pública da União apresenta os fundamentos expostos a seguir, versando sobre a sistemática da repercussão geral a ser respeitada na apreciação do tema de fundo, bem como sobre o mérito recursal em si. Como o tema, de acordo com o que indica a sistemática da repercussão geral, transcende o mero interesse das partes, deseja a Defensoria Pública ser ouvida como representante processual da autora da demanda subjacente ou, subsidiariamente na qualidade de amicus curiae. 2 DEFENSORIA PÚBLICA-GERAL DA UNIÃO 2. DA PRELIMINAR OU QUESTÃO DE ORDEM Preliminarmente – Plenário Virtual e decisões consolidadas A sistemática do Plenário Virtual, indiscutivelmente mais célere, tem sido utilizada na apreciação de temas que, embora tratem de assunto pacificado na Suprema Corte, ainda não tenham sido analisados sob os contornos da repercussão geral. O julgamento abreviado tem como sustentáculo justamente ser a matéria agitada no recurso já conhecida e exaurida em reiteradas discussões precedentes. Assim, os embargos opostos pela União configuram mera irresignação, inconformismo com decisão contrária ao que por ela pretendido, pelo que devem ser de pronto rechaçados. As alegações da existência de nuances, detalhes supostamente não examinados, em verdade, disfarçam a insatisfação pelo resultado desfavorável, sem trazer qualquer aspecto que poderia conduzir o julgamento da causa a deslinde diferente. Pior, o tema já foi pisado e repisado em incontáveis decisões prolatadas pelo Supremo Tribunal Federal, pelo que oportunidades não faltaram para o amplo debate sobre a matéria. Insiste a União em postergar ao máximo a consolidação de sua obrigação, valendo-se, para tanto, de expedientes protelatórios. Ante o exposto, devem ser rejeitados integralmente os embargos declaratórios, mantendo-se, em sua íntegra, o v. acórdão lavrado a partir do julgamento ocorrido no Plenário Virtual. Subsidiariamente: 3 DEFENSORIA PÚBLICA-GERAL DA UNIÃO Entretanto, caso admitidos os embargos, sua apreciação deve limitar-se tão somente à possibilidade de remessa do feito à análise do Plenário físico, sem ingresso no tema de fundo do apelo extremo. A fórmula foi utilizada nos precedentes enumerados abaixo, todos com o resultado final pela manutenção da jurisprudência já consolidada: “Ementa: RECURSO EXTRAORDINÁRIO. CONSTITUCIONAL. ART. 8º, III, DA LEI MAIOR. SINDICATO. LEGITIMIDADE. SUBSTITUTO PROCESSUAL. EXECUÇÃO DE SENTENÇA. DESNECESSIDADE DE AUTORIZAÇÃO. EXISTÊNCIA DE REPERCUSSÃO GERAL. REAFIRMAÇÃO DE JURISPRUDÊNCIA. I – Repercussão geral reconhecida e reafirmada a jurisprudência do Supremo Tribunal Federal no sentido da ampla legitimidade extraordinária dos sindicatos para defender em juízo os direitos e interesses coletivos ou individuais dos integrantes da categoria que representam, inclusive nas liquidações e execuções de sentença, independentemente de autorização dos substituídos. (RE 883642 RG, Relator(a): Min. MINISTRO PRESIDENTE, julgado em 18/06/2015, ACÓRDÃO ELETRÔNICO DJe-124 DIVULG 25-06-2015 PUBLIC 26-06-2015 )” “Decisão Decisão: O Tribunal, por unanimidade, reputou constitucional a questão. O Tribunal, por unanimidade, reconheceu a existência de repercussão geral da questão constitucional suscitada. No mérito, por maioria, reafirmou a jurisprudência dominante sobre a matéria, vencido o Ministro Marco Aurélio. Não se manifestou o Ministro Gilmar Mendes. Ministro RICARDO LEWANDOWSKI Relator” grifos nossos “Recurso extraordinário. Repercussão geral da questão constitucional reconhecida. Reafirmação de jurisprudência. 2. Artigo 31 da Lei 8.880/94. Indenização adicional decorrente de demissão imotivada de empregado. Medida legislativa emergencial. Norma de ajustamento do sistema monetário. Implementação do Plano Real. Competência privativa da União. 3. Inexistência de inconstitucionalidade formal. 4. Recurso extraordinário provido. (RE 806190 RG, Relator(a): Min. 4 DEFENSORIA PÚBLICA-GERAL DA UNIÃO GILMAR MENDES, julgado em 12/06/2014, ACÓRDÃO ELETRÔNICO REPERCUSSÃO GERAL - MÉRITO DJe124 DIVULG 25-06-2014 PUBLIC 27-06-2014 )” “Decisão Decisão: O Tribunal, por unanimidade, reputou constitucional a questão. O Tribunal, por unanimidade, reconheceu a existência de repercussão geral da questão constitucional suscitada. No mérito, por maioria, reafirmou a jurisprudência dominante sobre a matéria, vencido o Ministro Marco Aurélio. Não se manifestaram os Ministros Celso de Mello, Joaquim Barbosa e Cármen Lúcia. Ministro GILMAR MENDES Relator” grifos nossos “Ementa: ADMINISTRATIVO E CONSTITUCIONAL. RECURSO EXTRAORDINÁRIO. INSCRIÇÃO NA ORDEM DOS MÚSICOS DO BRASIL (OMB). PAGAMENTO DE ANUIDADES. NÃO-OBRIGATORIEDADE. OFENSA À GARANTIA DA LIBERDADE DE EXPRESSÃO (ART. 5º, IX, DA CF). REPERCUSSÃO GERAL CONFIGURADA. REAFIRMAÇÃO DA JURISPRUDÊNCIA. 1. O Plenário do Supremo Tribunal Federal, no julgamento do RE 414.426, rel. Min. ELLEN GRACIE, DJe de 10-10-2011, firmou o entendimento de que a atividade de músico é manifestação artística protegida pela garantia da liberdade de expressão, sendo, por isso, incompatível com a Constituição Federal de 1988 a exigência de inscrição na Ordem dos Músicos do Brasil, bem como de pagamento de anuidade, para o exercício de tal profissão. 2. Recurso extraordinário provido, com o reconhecimento da repercussão geral do tema e a reafirmação da jurisprudência sobre a matéria. (RE 795467 RG, Relator(a): Min. TEORI ZAVASCKI, julgado em 05/06/2014, ACÓRDÃO ELETRÔNICO REPERCUSSÃO GERAL - MÉRITO DJe-122 DIVULG 2306-2014 PUBLIC 24-06-2014 )” “Decisão Decisão: O Tribunal, por unanimidade, reputou constitucional a questão. O Tribunal, por unanimidade, reconheceu a existência de repercussão geral da questão constitucional suscitada. No mérito, por maioria, reafirmou a jurisprudência dominante sobre a matéria, vencido o Ministro Marco Aurélio. Não se 5 DEFENSORIA PÚBLICA-GERAL DA UNIÃO manifestou o Ministro Joaquim Barbosa. Ministro TEORI ZAVASCKI Relator” grifos nossos Em suma, a sistemática do Plenário Virtual, quanto ao mérito recursal, foi admitida somente quando o Colegiado entendeu que o tema, de tão conhecido e sedimentado, dispensava novos debates além daqueles já travados ao tempo de sua solidificação. Reforça o ora alegado o precedente colacionado abaixo, em que a Suprema Corte, entendendo pela possibilidade de alteração da jurisprudência, transferiu o julgamento do mérito recursal para o Plenário presencial: “Ementa: CONSTITUCIONAL. RECURSO EXTRAORDINÁRIO. HONORÁRIOS ADVOCATÍCIOS NEGADOS COM FUNDAMENTO EM LEI POSTERIORMENTE DECLARADA INCONSTITUCIONAL PELO STF. EFICÁCIA TEMPORAL DA SENTENÇA. REPERCUSSÃO GERAL CONFIGURADA. 1. Possui repercussão geral a questão relativa à eficácia temporal de sentença transitada em julgado fundada em norma supervenientemente declarada inconstitucional pelo Supremo Tribunal Federal em sede de controle concentrado. 2. Repercussão geral reconhecida.” (RE 730462 RG, Relator(a): Min. TEORI ZAVASCKI, julgado em 29/05/2014, ACÓRDÃO ELETRÔNICO DJe-123 DIVULG 24-06-2014 PUBLIC 25-06-2014 )” “Decisão Decisão: O Tribunal, por unanimidade, reputou constitucional a questão. O Tribunal, por unanimidade, reconheceu a existência de repercussão geral da questão constitucional suscitada. No mérito, não reafirmou a jurisprudência dominante sobre a matéria, que será submetida a posterior julgamento no Plenário físico. Ministro TEORI ZAVASCKI Relator” grifo nosso Logo, caso exista risco de se emprestar efeitos infringentes aos embargos opostos pela União, ainda que, supostamente, para se acrescer expressão aparentemente, e apenas aparentemente, inofensiva – por exemplo “nos termos da Lei” -, deve ser adotada a sistemática do Plenário 6 DEFENSORIA PÚBLICA-GERAL DA UNIÃO presencial, com a oportunização da intervenção de amici curiae, com a realização das respectivas sustentações orais. Os embargos, reconhecidos como capazes de conferir efeitos infringentes ao julgado pela própria peça recursal, não discutem mera questão redacional, mas sim alteração substancial no acórdão, pelo que seu acolhimento deve ser precedido de ampla discussão. Solução contrária seria admitir a manifestação de apenas uma das partes na apreciação da causa, causando surpresa não só à outra, como a todos os interessados na solução do conflito que, como já indica o próprio instituto da repercussão geral, em muito ultrapassa aspectos particulares. Assim, antes de tomada decisão que vá além da mera permissão de julgamento presencial do feito pelo STF, deve ser franqueada a manifestação de todos os atores envolvidos na sistemática da repercussão, garantindo-se a plena participação e o amplo debate. Portanto, superado o pedido de pronta rejeição dos embargos de declaração, pugna-se seja a discussão precedida de todos os trâmites próprios do instituto da repercussão geral, com a oitiva de amici curiae, a possibilidade de oferecimento de memoriais e a manifestação oral. 3. DO MÉRITO DO RECURSO EXTRAORDINÁRIO O tema em discussão, relacionado à responsabilidade solidária dos entes federados pelas prestações de saúde, situa-se no âmago da questão acerca da judicialização da saúde. Por se estar diante de recurso extraordinário submetido à repercussão geral, parece claro que esse tema deverá ser debatido sob o viés constitucional. O entendimento a ser adotado por essa Suprema Corte, evidentemente, deverá basear-se na matriz constitucional, cuja leitura remete 7 DEFENSORIA PÚBLICA-GERAL DA UNIÃO necessariamente à responsabilidade solidária dos entes federados pelas prestações de saúde. O art. 23, II, da Constituição Federal, estabelece que é competência comum da União, dos Estados, do Distrito Federal e dos Municípios cuidar da saúde e assistência pública, da proteção e garantia das pessoas portadoras de deficiência. O art. 196 da Constituição Federal define que a saúde é direito de todos e dever do Estado, em sentido genérico, garantido mediante políticas sociais e econômicas que visem à redução do risco de doença e de outros gravames e ao acesso universal e igualitário às ações e serviços para sua promoção, proteção e recuperação. Essa competência comum e esse dever do Estado, em sentido genérico, deverão observar a sistemática do art. 198 da Constituição Federal, segundo o qual as ações e serviços públicos de saúde integram uma rede regionalizada e hierarquizada e constituem um sistema único, organizado de acordo com as seguintes diretrizes: descentralização, com direção única em cada esfera de governo; atendimento integral, com prioridade para as atividades preventivas, sem prejuízo dos serviços assistenciais; e participação da comunidade. No entender da Defensoria Pública da União, adotando-se interpretação teleológica da Carta Constitucional, o Estado não pode invocar a descentralização (art. 198, I, da Constituição Federal) para negar a integralidade (art. 198, II, da Constituição Federal) ou mesmo a universalidade do acesso à cobertura e ao atendimento (art. 194, parágrafo único, I, da Constituição Federal). É certo que a gestão da saúde pública pressupõe uma divisão interna de tarefas, sem a qual haveria inevitável duplicação de esforços e desperdício de recursos públicos, mas nem todas as políticas estão perfeitamente delineadas, longe disso, sendo ainda bastante precárias as divisões práticas das prestações entre os entes, gerando falhas e carências. 8 DEFENSORIA PÚBLICA-GERAL DA UNIÃO Ademais, a divisão de competências é um instrumento para se alcançar os propósitos das disposições constitucionais sobre o direito à saúde, não podendo ser invocada para se negar o exercício do direito, sob pena de as previsões constitucionais sucumbirem frente à repartição infraconstitucional de competências, em prejuízo da hierarquia normativa e também do objetivo de atendimento integral. Deixar a solidariedade constitucional sucumbir frente à repartição infraconstitucional de competências equivaleria a retroceder a tempos anteriores à metade da década de 1990, quando o Poder Judiciário adotava postura tímida na judicialização da política e na própria efetividade do direito à saúde. Significaria retroceder ao tempo em que o direito à saúde era tido por meramente programático e, portanto, sem aplicabilidade alguma, a não ser na medida em que a lei o concretizasse. Como se não bastasse - e apenas para argumentar adentra-se no exame da matéria infraconstitucional - a leitura da Lei 8.080/90 poderia sugerir que as competências estão perfeitamente definidas, pelo que a União não executaria diretamente serviços de saúde. Essa conclusão não é verdadeira. Em cada política pública há uma divisão de tarefas/competências que não segue um padrão único de financiamento e execução, dependente de pactuação, que ocorre caso a caso. Cita-se o modelo do Estado do Rio de Janeiro, localidade em que a União é executora de serviços. Cabe invocar ainda o exemplo de alguns Municípios que não oferecem aos seus habitantes todas as prestações de saúde. De fato, não é possível que todo Município tenha todos os especialistas e equipamentos necessários. Em cada região, será pactuada a oferta destes serviços, que poderão ser prestados por outros Municípios, ou pelo gestor estadual, ou mesmo em outro Estado da federação, ou, onde houver, por serviço público federal. Tudo depende da pactuação existente. O objetivo, assistência integral, sobrepõe-se às divisões e acertos administrativos. 9 DEFENSORIA PÚBLICA-GERAL DA UNIÃO A conclusão inexorável é no sentido de que negar a solidariedade de União, Estados, Distrito Federal e Municípios às prestações de saúde frustrará o direito de muitos cidadãos que vivem em regiões pobres, aumentando as desigualdades regionais. A solidariedade reduz as discrepâncias, uma vez que obriga a União a sanar as falhas locais, mais frequentes e intensas em regiões carentes. Não se pense que a Defensoria Pública da União está indiferente à organização do SUS. Como afirmado antes, é compreensível que haja uma organização infraconstitucional para a prestação dos serviços de saúde com repartição de competências. Na verdade, a repartição de competências é garantia de efetividade na prestação do serviço. Há total interesse da Defensoria Pública da União em manter a integridade do Sistema, até porque, se assim não ocorrer, penalizados serão os cidadãos necessitados, atendidos pela Instituição. Em termos de solução, invocam-se exemplos de alguns Magistrados que, assegurando a responsabilidade solidária dos entes federados, garantem a possibilidade de compensação interna entre Município, Estado e União, para a hipótese de a prestação vir a ser garantida por ente diverso daquele previsto na repartição infraconstitucional de competências. É possível pensar, também, em efetivação de compensação por meio do Fundo Nacional de Saúde para efeito de posterior repasse (art. 33, § 1º, da Lei 8.080/90). Há, também, a possibilidade de um ente demandar outro judicialmente, caso tenha se responsabilizado por prestação que entenda não lhe caber. Com isso, assegura-se a responsabilidade solidária perante o usuário, que é a parte mais fraca, por vezes acometida de enfermidade grave, sem que se possa argumentar pela ruptura do Sistema. Impende, também, relatar a experiência da Defensoria Pública da União na judicialização do tema. Essa abordagem pragmática leva a Instituição 10 DEFENSORIA PÚBLICA-GERAL DA UNIÃO a sustentar a responsabilidade solidária dos entes federados pelos serviços de saúde. A procura pelo Poder Judiciário justifica-se em razão de negativa de determinada prestação. Identificam-se duas hipóteses de negativa de determinada prestação de saúde, comumente atendidas pela Defensoria Pública da União: i) o medicamento ou procedimento não consta em listas do SUS; ii) o medicamento ou procedimento encontra-se em listas do SUS, mas não é fornecido, por razões diversas. Na primeira hipótese, é importante recordar que, historicamente, a formação das políticas públicas de saúde em combate à AIDS no Brasil deu-se por meio da judicialização de prestações que não eram atendidas pelo Estado. Eis um importante exemplo da forma como a judicialização de prestações não providas pelo Estado contribui, significativamente, para o aprimoramento das políticas públicas. Nesse primeiro ponto, convém destacar, ainda, que, se não há uma prévia definição das responsabilidades dos entes federados por determinada prestação de saúde, justamente porque essa prestação sequer faz parte da política pública do SUS, parece óbvia a necessidade de se reafirmar a responsabilidade solidária das três esferas da Federação. Em verdade, a responsabilidade solidária presta-se, na hipótese, a evitar eventual “jogo de empurra”. Destina-se a impedir que um ente federado ou outro se exima da prestação que não integra a política pública, lançando sobre os ombros do usuário o ônus pela ausência de definição de responsabilidades dentro do SUS. Veja-se a segunda hipótese, em que o medicamento ou procedimento encontra-se em listas do SUS, mas não é fornecido. Nesse contexto, imagine-se situação em que o medicamento em falta, segundo a distribuição interna de competências do SUS, fique a cargo de Município - que é o principal executor do SUS, segundo a divisão 11 DEFENSORIA PÚBLICA-GERAL DA UNIÃO infraconstitucional de competências - submetido a severas restrições financeiras. Quanto aos Municípios – e o legislador constituinte foi pródigo em autorizar sua multiplicação –, é notório que diversos deles sobrevivem dos repasses do Fundo de Participação dos Municípios e de benefícios previdenciários e assistenciais, sem qualquer geração de renda. De qualquer modo, a tendência é que, apesar da propositura de ação judicial, o Município que não arca com a prestação que lhe cabia continue sem fornecê-la ou a disponibilize com atraso. Se não puder o usuário acionar outro ente da Federação para a mesma prestação, correrá o risco de não obtê-la ou de obtê-la tardiamente, o que, em alguns casos, gera graves comprometimentos do estado de saúde, quando não a morte. Há outro argumento oriundo da experiência da Defensoria Pública da União. Explica-se. Eventual alteração da jurisprudência consolidada no âmbito dessa Suprema Corte, vindo a ser reconhecido que a União não é responsável solidária por todas as prestações de saúde, faria com que a legitimidade passiva da União fosse revista de imediato e de ofício, por se cuidar de condição da ação. Há inúmeras ações em curso, propostas pela Defensoria Pública da União, que seriam remetidas à Justiça Estadual. Naquelas em que há tutela antecipada deferida, cairia a tutela e, portanto, o cidadão seria privado de imediato da prestação de saúde que lhe vem sendo disponibilizada. Naquelas em que a prestação de saúde ainda não foi alcançada, geraria uma demora na resposta jurisdicional, decorrente da declinação de competência. Quantos não teriam a saúde agravada nesse contexto? Quantos não teriam a vida ceifada? Feitas essas considerações, examina-se o caso posto em julgamento. Postulava-se o medicamento Tracleer 62,5 mg e 125 mg, que integra as listas de dispensa do SUS com o nome Bosentana. Quando 12 DEFENSORIA PÚBLICA-GERAL DA UNIÃO proposta a ação, o medicamento não integrava as listas. Veio a ser incorporado apenas em 2011. Portanto, está-se diante de hipótese em que, quando proposta a ação, o medicamento não era disponibilizado pelo SUS. Como destacado anteriormente, tal situação ressalta com vigor a responsabilidade solidária, para se evitar que um ou outro ente federado se exima da prestação, praticando o conhecido “jogo de empurra”, lançando sobre os ombros do usuário o ônus pela ausência de definição de responsabilidades dentro do SUS. 4. DO PEDIDO Ante o exposto, requer: a – a admissão da presente manifestação da Defensoria Pública da União como representante processual do polo ativo da demanda subjacente ou, subsidiariamente, na qualidade de amicus curiae; b – a rejeição dos embargos de declaração opostos, mantendo-se incólume o v. acórdão prolatado; c - superado o primeiro pedido, seja a decisão limitada à mera admissão dos aclaratórios, sem incursão no tema de fundo, cuja análise deverá ser levada a efeito no Plenário Físico, mediante a sistemática prevista para a repercussão geral; d – por fim, apenas em atenção ao princípio da eventualidade, caso apreciado o mérito do apelo extremo, seja mantido o entendimento adotado no julgamento levado a efeito pelo Plenário Virtual. Nestes termos, Pede deferimento. 13 DEFENSORIA PÚBLICA-GERAL DA UNIÃO Brasília, 24 de agosto de 2015 Antonio Ezequiel Inácio Barbosa Defensor Público Federal Gustavo de Almeida Ribeiro Defensor Público Federal Gustavo Zortéa da Silva Defensor Público Federal Haman Tabosa de Moraes e Córdova Defensor Público-Geral Federal 14