AMICUS CURIAE∗ JOSÉ EDUARDO SABO PAES Procurador-Geral de Justiça EXCELENTÍSSIMO SENHOR MINISTRO RELATOR DA ADI Nº 2794. O MINISTÉRIO PÚBLICO DO DISTRITO FEDERAL E TERRITÓRIOS, por seu Procurador-Geral de Justiça, com fundamento nos artigos 102, inc. I, alínea “a”, 127 e 129, inc. II, da Constituição Federal e art. 7º, § 2º, da Lei nº 9.868/99, atento, ainda, aos ditames dos arts. 1º, 18 e 109 da Lei Maior, vem requerer admissão na Ação Direta de Inconstitucionalidade nº 2794 como amicus curiae pelas razões de fato e de direito adiante aduzidas, apresentando, desde logo, os fundamentos que justificam a concessão de medida cautelar — ora submetida ao crivo do eg. Plenário (Lei nº 9.868/99, art. 10; RISTF, arts. 5º, inc. X e 8º, inc. I) — para a imediata suspensão do disposto no art. 66, § 1º, do Código Civil (Lei nº 10.406/02), em vigor desde 11 de janeiro de 2003. II Em sede de ação direta de inconstitucionalidade, segundo o art. 7º, § 2º, da Lei 9.868/99, “o relator, considerando a relevância da matéria e a representatividade dos postulantes, poderá, por despacho irrecorrível, admitir, observado o prazo fixado no parágrafo anterior, a manifestação de outros órgãos ou entidades.” Fazem-se presentes, na espécie, os aludidos requisitos autorizadores da interveniência do Ministério Público do Distrito Federal e Territórios na ADI nº 2794 como amicus curiae. A relevância da matéria Com efeito, a ação de inconstitucionalidade proposta pela Associação Nacional dos Membros do Ministério Público – CONAMP versa exatamente sobre as atribuições do Ministério Público quanto às fundações, havendo a norma impugnada (Código Civil, art.66, § 1º) erigido regra de atuação conducente a afastar o MPDFT de suas funções institucionais no âmbito do Distrito Federal, estatuindo tarefa alheia à atividade do Ministério Público Federal, o que implica, além de inconstitucionalidade formal pela veiculação de tema pertinente à legislação complementar na via ordinária, como realçado mais à frente, verdadeira quebra de postulado fundamental da Carta Magna — o princípio federativo — tema que também será esmiuçado na demonstração do fumus boni iuris. A amplitude e o alcance, vale dizer, a indispensabilidade da interferência ministerial nas fundações — obviamente, por seu órgão com atribuição legal e constitucional para tanto — afigura-se inegável, bastando observar os ditames do próprio Código Civil — anterior1 ou atual2, que, tirante a diretriz impugnada, nada inovou a respeito do assunto — e do Código de Processo Civil3, diplomas que exigem efetivas atuação e fiscalização do parquet em todas as etapas de constituição e funcionamento daquelas instituições, sob pena de invalidade. ∗ Intervenção requerida pelo Procurador-Geral de Justiça do MPDFT, em 04.02.2003, admitida pelo Min. Sepúlveda Pertence, Relator, conclusos os autos, com parecer da Procuradoria-Geral da República pela procedência da ADIN, no dia 07 de abril de 2003. 1 v. arts. 24 a 30. 2 v. arts. 62 a 69. 3 v. arts. 1999 a 1204. Evidencia-se, nesse contexto, a relevância da matéria sob a apreciação do Supremo Tribunal Federal, seja em virtude da imperiosidade de expurgar-se a gritante inconstitucionalidade — a visível incompatibilidade e tamanha desproporcionalidade do dispositivo permitem mesmo vislumbrar-se puro erro material (onde se lê “Ministério Público Federal” deveria constar “Ministério Público do Distrito Federal e Territórios”) — seja em razão dos incontornáveis prejuízos de dificílima reparação que adviriam da aplicação do regramento contido no art. 66, § 1º, do Novo Código Civil. Tal dispositivo, por certo, não poderá ser atendido pelo Ministério Público Federal, que, de acordo com a LC nº 75/93 (art. 37, inc. I) e com a Constituição Federal (arts. 1º e 109), não tem atribuição para funcionar em feitos em que não haja participação ou interesse da União, suas autarquias ou empresas públicas. E, diante da cogitada ausência do MPF, das duas, uma: ou o MPDFT deixaria de velar pelas fundações — o que significaria invalidar o sistema fundacional, que não mereceria a atenção reputada indispensável de qualquer ramo do parquet — ou continuaria o Ministério Público do Distrito Federal e Territórios a funcionar perante as fundações localizadas no Distrito Federal, ficando, contudo, à mercê de cotidianas impugnações, o que geraria descrédito e inaceitável instabilidade social, a par do ônus processual e financeiro decorrentes das indispensáveis medidas judiciais (contestações, etc), assecuratórias de seu mister institucional. Resulta inegável, pois, nesses termos, a magnitude do tema em debate, justificandose “pluralizar o debate constitucional”, para utilizar-se da judiciosa expressão do Min. Celso de Mello na ADInMC 2130-SC4, nos moldes do art. 7º, § 2º, da LADIn. A representatividade e a legitimidade do Ministério Público do Distrito Federal e Territórios. Historicamente, com amplo e incontestável apoio na legislação de regência5, o Ministério Público do Distrito Federal e Territórios sempre exerceu o velamento e fiscalização das fundações localizadas ou atuantes no Distrito Federal, mesmo porque eventual medida judicial terá como foro a Justiça do Distrito Federal junto a quem o MPDFT “exercerá as suas funções”6. O dispositivo impugnado na ADI 2794, como visto, afasta o Ministério Público do Distrito Federal e Territórios de suas atribuições, impedindo-o de desempenhar suas funções institucionais. Por isso mesmo, em verdade, é dever do Ministério Público do Distrito Federal e Territórios questionar a regra que lhe retira atribuições, impondo-se-lhe, com primazia, defender tais prerrogativas. Se é assim, concorrem o interesse, a representatividade e a legitimidade do MPDFT para funcionar como amicus curiae na ação de inconstitucionalidade em apreço, atendidos os pressupostos do art. 7º, § 2º, da Lei nº 9.868/99. 4 STF, Plenário, ac. pub. no DJU 2.2.2001, p. 145, apud Nelson Nery Junior, Editora RT, 6ª ed., 2002, p. 1409/10. cf. Código Civil de 1916, art. 26, §§ 1º e 2º: “Art. 26. Velará pelas fundações o Ministério Público do Estado, onde situadas. §1º Se estenderem a atividade a mais de um Estado, caberá em cada um deles ao Ministério Público esse encargo. §2º Aplica-se ao Distrito Federal e aos territórios não constituídos em Estados o aqui disposto quanto a estes.”, v. a contrario sensu, o art. 6º, inc. XVII, alínea “b”, da LC 73/95 e, ainda, o art. 204, incs. I a XXV, da Portaria-PGJ n 178, de 21 de março de 2000, cópia anexa. 6 LC nº 75/93, art. 149: “O Ministério Público do Distrito Federal e Territórios exercerá as suas funções nas causas de competência do Tribunal de Justiça e dos Juízes do Distrito Federal e Territórios.” 2 5 Há de se destacar, ainda, que a postulação atende ao requisito temporal, uma vez que a pretensão vem deduzida antes do início do julgamento da medida liminar pelo juízo competente, o plenário da Suprema Corte. A propósito da sustentada legitimidade do parquet local — o Supremo Tribunal Federal, aliás, já consagrou o Ministério Público dos Estados (e, por extensão, o MPDFT), como “colaborador informal da Corte” quando a legislação impugnada repercutir, como ocorre na espécie, nas atribuições ministeriais — e da oportunidade da argüição do amicus curiae, destaque-se a seguinte decisão do Ministro Celso de Mello na ADI 2540/RJ, cujos excertos pede vênia o requerente para reproduzir, verbis: “DECISÃO: Tendo em vista a douta manifestação do eminente Procurador- Geral da Republica (fls. 42/44), no sentido do reconhecimento da legitimidade da intervenção do Ministério Público do Estado do Rio de Janeiro, nesta causa, na condição de amicus curiae, e considerando, ainda, o que dispõe o art. 7º, § 2º da Lei n. 9.868/99, defiro o pedido formulado a fls. 39/40, admitindo, em conseqüência, como colaborador informal da Corte, o Ministério Público do Estado do Rio de Janeiro. Assinalo, por necessário, considerada a fase ritual em que se acha a presente causa, que se revela oportuno o ingresso, neste processo de controle abstrato, como amicus curiae, do Ministério Público do Estado do Rio de Janeiro, eis que - tal como acentuado pelo eminente Procurador-Geral da Republica (fls. 43), que invocou precedente que o Plenário desta Corte firmou em sede cautelar (ADI 2.238-DF, Rel. Min. ILMAR GALVAO, DJU de 21/05/2002) - o pedido de intervenção processual em questão foi requerido antes do julgamento do pedido de medida cautelar formulado pelo autor desta ação direta de inconstitucionalidade. Registro, ainda, que as razoes - invocadas pelo eminente Procurador- Geral de Justiça do Estado do Rio de Janeiro, para justificar o pretendido ingresso do Ministério Público fluminense neste processo (fls. 39/40) - ajustam-se aos objetivos subjacentes a regra legal que instituiu a figura do amicus curiae, conformando-se ao entendimento que expus, em decisão proferida na ADI 2.130-SC, Rel. Min. CELSO DE MELLO (DJU de 02/02/2001). ... Em conseqüência da presente decisão, inclua-se, na autuação, como interessado (amicus curiae), o Ministério Publico do Estado do Rio de Janeiro (fls. 39/40), anotando-se, ainda, o nome de seu ilustre representante. 2. Tendo em vista a relevância da matéria em exame, ouçase, sobre o pedido de medida cautelar, o eminente Advogado-Geral da União (Lei n. 9.868/99, art. 10 . 1.). Publique-se. Brasilia, 1. de agosto de 2002. Ministro CELSO DE MELLO Relator.” Com essas considerações, reafirma o peticionário a pretensão de integrar formalmente a ADI 2794 como amicus curiae. III Convencido ter demonstrado a legitimação para contribuir com a “pluralização do debate constitucional” relativo ao tema objeto da ADI 2794, o Ministério Público do Distrito Federal e 3 Territórios passa a sustentar a imperiosidade de suspensão cautelar pelo plenário do Supremo Tribunal Federal do disposto no art. 66, § 1º, da Lei nº 10.406/02. O fumus boni iuris Afigura-se inafastável, desde logo a inconstitucionalidade formal do art. 66, § 1º, do Código Civil, que dispõe: “Art. 66. Velará pelas fundações o Ministério Público dos Estados onde situadas. § 1º. Se funcionarem no Distrito Federal, ou em Territórios, caberá o encargo ao Ministério Público Federal.” A Constituição Federal, por sua vez, no artigo 128, § 5º, consagra: “Art. 128. ... § 5º. Leis complementares da União e dos Estados, cuja iniciativa é facultada aos respectivos Procuradores-Gerais, estabelecerão a organização, as atribuições e o estatuto de cada Ministério Público, observadas, relativamente a seus membros...” (ênfase acrescentada). Como se verifica, de acordo com o texto constitucional, somente Lei Complementar da União e dos Estados poderá fixar as atribuições dos seus respectivos Ministérios Públicos, não se facultando fazê-lo lei ordinária mesmo com status de legislação codificada. Exsurge, daí, na espécie, o flagrante desrespeito à Lei Maior, cuidando o Código Civil — lei ordinária — de matéria afeita, exclusivamente, à legislação complementar, passando ao largo, naturalmente, dos mais rígidos requisitos da norma hierarquicamente mais elevada. Flagrante, portanto, a lesão ao processo legislativo preconizado pela Carta Política, o que reclama imediato e concreto repúdio, com a suspensão in limine da malsinada disposição. A par da incontornável inconstitucionalidade formal, também sob o aspecto material o art. 66, § 1º, da Lei nº 10.406/02 macula a Constituição da República. Com efeito, o Estado Federal, inscrito como princípio fundamental, logo no art. 1º da Constituição Brasileira, implica “Estado que, embora aparecendo único nas relações internacionais, é constituído por Estados-membros dotados de autonomia, notadamente quanto ao exercício de capacidade normativa sobre matérias reservadas à sua competência.” 7 Nessa linha, acrescenta o Prof. José Afonso da Silva: “ A autonomia federativa assenta-se em dois elementos básicos: (a) na existência de órgãos governamentais próprios, isto é, que não dependam 7 cf. Charles Durand, “El Estado federal em el Derecho Positivo”, in Gaston Berger e outros, El federalismo, p. 190, apud José Afonso da Silva, Curso de Direito Constitucional Positivo, Malheiros Editores, 7ª ed., Janeiro de 2001, p. 105. 4 dos órgãos federais quanto à forma de seleção e investidura; (b) na posse de competências exclusivas, um mínimo, ao menos, que não seja ridiculamente reduzido. Esses pressupostos da autonomia federativa estão configurados na Constituição (arts. 18 a 42). A repartição de competências entre a União e os Estados-membros constitui o fulcro do Estado Federal.” 8 Ora, o Distrito Federal e a União integram a organização político-administrativa da República Federativa do Brasil (CF, art. 18) e não seria de modo algum razoável que uma lei ordinária — e não complementar, como determina a Lei Maior na espécie — sem qualquer justificativa, viesse a modificar a atribuição de ramos diversos do Ministério Público da União, exigindo a participação do Ministério Público Federal quando a fundação estiver localizada no Distrito Federal para impedir a atividade — constitucional e legalmente — própria do MPDFT. Desnecessário dizer, a propósito, que, embora o Ministério Público do Distrito Federal e Territórios integre o Ministério Público da União, a respectiva atuação guarda similaridade com as atividades dos Ministérios Públicos estaduais, em relação aos quais o próprio art. 66, em seu § 2º, do Código Civil9, cuidou de guardar e preservar a independência institucional e territorial. Há mais. Se a determinação de interferência do Ministério Público Federal nas causas atreladas, potencialmente, à Justiça do Distrito Federal significa clara ingerência de um órgão da União na Justiça do Distrito Federal, cuja fiscalização se atribui ao Ministério Público local (MPDFT), infringe, em última análise, concomitantemente, o art. 109 da Carta Política, onde prevista a competência da Justiça Federal de 1ª instância. Veja-se que o velamento e fiscalização das fundações exigem, obviamente, eventuais medidas judiciais postuláveis perante o Judiciário do Distrito Federal em causas que não são da competência da União, vedando-se, pois, a respectiva argüição a membro do Ministério Público Federal, que deve oficiar perante a Justiça Federal (LC nº 75/93, art. 37, I), em consonância com o referido art. 109 da Constituição da República. À lei questionada, assim, falta razoabilidade, requisito sem o qual não pode vingar qualquer diploma jurídico, ensejando graves e desnecessários conflitos entre poderes e órgãos da federação, sem benefício algum aos jurisdicionados, o que, por si, reclama a suspensão cautelar do indicado dispositivo. O periculum in mora Salta aos olhos, ainda, o grave risco de difícil reparação quando mantido o disposto no multicitado art. 66, § 1º, do Código Civil. Além da argumentação já expendida — evidente e onerosa a possibilidade cotidiana de conflito entre órgãos ministeriais ou mesmo a ausência de qualquer deles para a requisitada fiscalização das fundações, em prejuízo concreto para o jurisdicionado — pede vênia o signatário para transcrever parte de judiciosa argumentação expendida pelas Promotorias de Justiça de Tutela de Fundações e Entidades de Interesse Social no Distrito Federal, in verbis: 8 op. cit., P. 104. Art. 66, § 2º: “Se estenderem a atividade por mais de um Estado, caberá o encargo, em cada um deles, ao respectivo Ministério Público.” 5 9 “... No que concerne aos fundamentos lastreadores do periculum in mora, cabe assinalar que, no âmbito deste Ministério Público do Distrito Federal e Territórios, tramitam na justiça comum (Tribunal de Justiça do Distrito Federal e Territórios), de acordo com a mais lídima interpretação constitucional e legal no que se refere à competência para atuação do Ministério Público do Distrito Federal e Territórios (Lei Complementar 75/93), cerca de 40 ações, cujo objeto envolve a extinção de fundações, execução, responsabilidade civil de dirigentes, além da sempre presente atuação do Parquet como custos legis. ... Diante da extensa gama de atribuições acima esposadas — referemse às funções estabelecidas na Portaria PGJ nº 178/2000, em anexo — fácil concluir a prejudicialidade que o cumprimento do art. 66 do novo Código Civil trará, uma vez que nenhuma destas atribuições poderá ser cumprida. Todas as 92 (NOVENTA E DUAS) fundações atualmente constituídas e em funcionamento no Distrito Federal não serão fiscalizadas e veladas pelo Parquet, isso sem contar as fundações que se pretendem instituir, as quais ficam impossibilitadas de fazê-lo, dado que não haverá órgão ministerial com legitimidade para aprovar minutas das escrituras públicas de constituição ou o estatuto dessas pretensas pessoas jurídicas. Ademais, tudo em vista o que prescreve o art. 216 do Provimento Geral da Corregedoria do Tribunal de Justiça do Distrito Federal e Territórios, que introduz a proibição aos tabeliães de notas de lavrar quaisquer escrituras de instituição de fundação ou de seu interesse, sem a intervenção do Ministério Público do Distrito Federal, ficariam os instituidores de fundações, a partir de 11 de janeiro de 2003, impedidos de requerer o registro de estatuto de fundações em processo de constituição ou outros documentos, como atas de reuniões, etc, das fundações já existentes. Deve-se ressaltar, ainda, que o Ministério Público do Distrito Federal e Territórios publicou as Portarias 314 e 315, de 19 de abril de 2001, ambas do Procurador-Geral de Justiça do MPDFT, que estabelecem os critérios para a prestação anual de contas das fundações e entidades de interesse social que tenham sede ou atuem no âmbito do Distrito Federal, para o fim de cumprimento do velamento previsto no art. 26 do Código Civil em vigor. Por meio das referidas portarias, foi estabelecido o método normativo que disciplina a apresentação dos atos e fatos da vida financeira, contábil, operacional e patrimonial das fundações e entidades de interesse social. Dessa forma, a prevalecer a redação do Novo Código Civil, tais normas restarão inócuas, já que essas atribuições ministeriais restarão desprovidas de qualquer eficácia, dentro do mesmo raciocínio analisado anteriormente.” Tais as circunstâncias, tudo aconselha a suspensão cautelar do art. 66, § 1º, do Código Civil, até o julgamento de mérito da ADI nº 2.794. IV Permitam-se ao postulante ainda duas ou três observações a respeito das informações apresentadas pela Presidência e Senado da República. 6 Estima este último não haver sido comprovado o periculum in mora e que deva prevalecer a presunção de constitucionalidade da norma impugnada. Com a vênia devida, o estabelecimento de regra propositora de conflito entre órgãos de Ministério Público diversos e o risco efetivo de solução de continuidade das fundações já demonstram o perigo de dano irreparável de aguardar-se o julgamento do mérito da ação de inconstitucionalidade. E não se há de falar em “presunção de constitucionalidade” quando a mácula à Carta Política exsurge evidente, clara e intransponível, servindo a lei írrita como propulsora de sensíveis problemas institucionais e sociais, em confronto com seu objetivo fundamental, qual seja, o de superar e amainar conflitos. Nesse contexto, parece indiscutível, não se há de admitir, nem por breve período, a lei inconstitucional, que reclama pronto afastamento da esfera jurídico-normativa. Argumenta o Chefe do Poder Executivo, a seu turno, acolhendo parecer da Advocacia-Geral da União, veicular a inicial ofensa “reflexa” à Constituição Federal, dependendo a mácula suscitada de análise conferida à Lei Complementar nº 75/93, invocando, ainda, jurisprudência do Supremo Tribunal Federal que autorizaria atribuir-se função ministerial mediante lei ordinária. A evidência da inconstitucionalidade formal já exaustivamente demonstrada serve, contudo, para superar, com vantagem, d.m.v., a alegação de afronta “indireta” à Carta Política, que reserva à Lei Complementar, privativamente, fixar as atribuições dos Ministérios Públicos da União e dos Estados. Não vingam, igualmente, os cogitados precedentes da Suprema Corte, que não discutiram o tema em debate na ADI nº 2794, tratando, apenas, da recepção de normas relativas às atribuições do Ministério Público fixadas anteriormente à Constituição de 1988 e materialmente compatíveis com a Magna Carta, motivo pelo qual foram admitidas no novo ordenamento constitucional. A partir da promulgação da CF/1988, entretanto, com a reserva do art. 128, § 5º, não se faz mais possível — e no caso sequer justificável ou necessário — alterar-se atribuição do parquet mediante lei ordinária, como certamente proclamará o Supremo Tribunal Federal. V Em face do exposto, requer o Ministério Público do Distrito Federal e Territórios seja deferido seu ingresso no feito, na qualidade de amicus curiae, procedendo a Suprema Corte à suspensão cautelar do art. 66, § 5º, do Código Civil Brasileiro. Brasília, 3 de fevereiro de 2003. JOSÉ EDUARDO SABO PAES Procurador-Geral de Justiça 7