Nº 158822/2015 – ASJTC/SAJ/PGR
Ação Rescisória 2.386
Relator:
Ministro Teori Zavascki
Embargantes:
Abrão José Melhem e outros
Embargado:
Ministério Público Federal
EXCELENTÍSSIMO SENHOR MINISTRO RELATOR
O Procurador-Geral da República vem
apresentar
IMPUGNAÇÃO aos embargos de declaração opostos ao
acórdão que julgou improcedente a ação rescisória, pelos fatos e
fundamentos a seguir expostos.
1. Dos fatos
O objeto da ação rescisória é o acórdão dessa Corte no AI
846558, que confirmou, em ação civil pública, a impossibilidade
de equiparação de juízes classistas a juízes togados para fins de
percepção de férias anuais de 60 (sessenta) dias, mantendo a
procedência do pleito do Ministério Público, que englobou a
condenação dos requeridos, ora embargantes, à devolução dos
valores recebidos indevidamente.
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O Ministro Relator negou seguimento à ação. Entre outros
fundamentos, entendeu inadmissível a ação rescisória quanto à
questão da devolução dos valores recebidos de boa-fé, porque
não invocada no recurso extraordinário. No mérito, afirmou estar
o acórdão rescindendo em harmonia com o entendimento do
Supremo Tribunal.
Os ora embargantes interpuseram agravo regimental.
Argumentaram que a cobrança de verbas alimentares
recebidas de boa-fé – por ordem da própria Administração
Pública e já utilizadas para subsistência - fere os princípios da
dignidade da pessoa humana e da segurança jurídica, e que o
posicionamento da Corte é uniforme quanto à questão.
Afirmaram inaplicável a Súmula/STF 3431 quanto à
matéria
constitucional,
para
fins
de
juízo
de
admissibilidade/cabimento de ação rescisória, daí extraindo que
todo e qualquer formalismo deve sucumbir diante da
interpretação da Suprema Corte sobre um tema determinado.
Aduziram que a matéria foi objeto de debate na ação civil
pública - na contestação e nos recursos especial e extraordinário
-, havendo os agravantes insurgido-se contra a tese contrária por
meio de todos os mecanismos de que dispunham, sendo a ação
rescisória o único meio jurídico que lhes restaria.
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“Não cabe ação rescisória por ofensa a literal disposição de lei, quando a
decisão rescindenda se tiver baseado em texto legal de interpretação
controvertida nos tribunais”.
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Lembraram que anterior ação rescisória foi ajuizada
perante o Tribunal Regional Federal da 4ª Região, o qual,
entretanto, determinou a sua extinção por entender competente o
Supremo Tribunal Federal, o que traria para essa Suprema Corte
o exame de todos os temas, mesmo aqueles eventualmente não
conhecidos por esta.
Quanto ao mérito em si do debate, afirmaram que os
precedentes citados na decisão agravada não tratam do caso ou
não rechaçam expressamente a possibilidade de gozo de férias de
60 (sessenta) dias e que, em momento posterior, a Suprema Corte
reconheceu os juízes classistas como magistrados, negando-lhes
direitos típicos de servidores especificamente por essa razão (RE
660312).
O agravo foi desprovido pelo Plenário da Corte, em
acórdão assim ementado:
AGRAVO REGIMENTAL. AÇÃO RESCISÓRIA.
ART. 485, V, DO CÓDIGO DE PROCESSO CIVIL.
RESOLUÇÃO DE TRIBUNAL REGIONAL DO
TRABALHO QUE PREVIA 60 (SESSENTA) DIAS
DE FÉRIAS ANUAIS A JUÍZES CLASSISTAS DE 2º
GRAU. ILEGALIDADE RECONHECIDA EM AÇÃO
CIVIL PÚBLICA JULGADA PROCEDENTE POR
ACÓRDÃO DE TRIBUNAL REGIONAL FEDERAL,
MANTIDO PELO JULGADO RESCINDENDO, EM
HARMONIA COM ORIENTAÇÃO JURISPRUDENCIAL DESTA CORTE DE QUE OS JUÍZES CLASSISTAS FAZEM JUS APENAS AOS BENEFÍCIOS E
VANTAGENS QUE LHE TENHAM SIDO EXPRESSAMENTE OUTORGADAS EM LEGISLAÇÃO ESPECÍFICA. IRREPETIBILIDADE DE VERBAS ALIMENTARES PAGAS DE BOA FÉ. MATÉRIA QUE
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NÃO PODERIA TER SIDO APRECIADA NO ACÓRDÃO RESCINDENDO, UMA VEZ QUE NÃO FOI
OBJETO DO RECURSO EXTRAORDINÁRIO, APESAR DO INTERESSE DE RECORRER NO PONTO.
NÃO CABIMENTO DA AÇÃO RESCISÓRIA, NESSAS CIRCUNSTÂNCIAS. AGRAVO REGIMENTAL
A QUE SE NEGA PROVIMENTO.
Daí a oposição dos embargos de declaração. Os
embargantes sustentam que a suposta omissão do recurso
extraordinário quanto à questão da irrepetibilidade das verbas
não tem força para impedir que o tema seja suscitado em ação
rescisória, em que não cabe falar em prequestionamento,
considerado o objetivo da ação de evitar que violação literal à lei
e à Constituição seja perpetrada.
Falam que o caso é peculiar, porque apesar de o tema da
boa-fé e da irrepetibilidade dos valores haver sido objeto de
debate na origem e também suscitado pelos embargantes em
recurso especial, não foi enfrentado nem pelo Superior Tribunal
de Justiça, que entendeu ter o debate natureza constitucional,
nem pelo Supremo Tribunal Federal, que assinalou que a ofensa
constitucional era reflexa. Se a ofensa constitucional era reflexa,
seguem, não poderiam os embargantes haver manejado
qualquer tipo de argumentação dentro do recurso extraordinário
acerca do tema, o que lhes deixaria em situação paradoxal.
Insistem na afirmação de que utilizaram os mecanismos
legais de que dispunham, e que o próprio Judiciário impediu a
sua análise por essa Corte, afirmando que não podem ser
prejudicados em contexto assim.
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Trazem novamente precedentes do Supremo Tribunal
Federal e do Tribunal de Contas da União que assentariam a
ilegitimidade de repetição de valores recebidos de boa-fé,
reafirmando que qualquer interpretação de lei que imponha tal
devolução afronta posicionamento uniforme da Corte.
Afirmam
haver
excesso
processual
e
formalismo
acentuado e, mais uma vez, que os precedentes mencionados no
acórdão embargado não são expressos quanto à impossibilidade
de gozo de férias de 60 (sessenta) dias pelos juízes classistas.
Enxergam omissão no julgado embargado quanto aos
pontos mencionados.
2. Dos fundamentos
Os embargos são manifestamente inadmissíveis, por não haver demonstração de omissão, obscuridade ou contrariedade no
acórdão embargado.
Os embargantes repetem a argumentação da inicial da ação
rescisória e do agravo regimental, já devidamente refutada pelo
Ministro Relator e, agora, pelo plenário da Corte.
Sobre a alegação de irrepetibilidade das verbas, porque
recebidas de boa-fé, o acórdão embargado diz:
“No recurso extraordinário, os então recorrentes (ora
autores da ação rescisória), embora tivessem interesse
em recorrer, não se preocuparam em discutir a matéria
ora debatida, razão pela qual essa Corte sobre ela não
tinha porque se manifestar no acórdão rescindendo.
Ademais, a mencionada ação rescisória ajuizada perante o Tribunal Regional Federal da 4ª Região não estava
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limitada a discutir o tema da repetição ou não das verbas alimentares pagas de boa fé, mas também outros
temas, inclusive os que foram apreciados no acórdão
desta Corte objeto da presente ação rescisória, daí a sua
extinção sem resolução do mérito, tendo em vista a incompetência daquele tribunal para o seu processamento (doc. 29). Nesse contexto, não há como afirmar o cabimento da ação rescisória no ponto.
Houve, como se vê, exame do cabimento da ação rescisória
em hipótese em que a questão impugnada não foi objeto do recurso extraordinário interposto na ação, bem assim a indicação
de equívoco na argumentação que pretende defender, com atribuição da falha ao Judiciário, o esgotamento das vias recursais
possíveis naquele momento processual (“embora tivessem interesse em recorrer”).
Afastada uma alegada particularidade do caso, não havia razão para nem sequer ser cogitado o pretendido abrandamento na
verificação dos requisitos de admissibilidade da ação rescisória e,
com isso, refutar-se expressamente a argumentação dos então
agravantes no ponto.
De todo modo, como já exposto nas peças anteriores do Ministério Público Federal, o rigor no exame de admissibilidade do
pleito rescisório não é mero formalismo. Há, no caso, impossibilidade da análise pretendida, porque a alegação de irrepetibilidade das verbas recebidas, ausente no recurso extraordinário, não
passou pela apreciação do Supremo Tribunal Federal. O exame
que legitima o ajuizamento da rescisória – violação à literalidade
da lei – só pode ser feito pelo órgão jurisdicional responsável, em
tese, por tal violação.
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Não importa, como pretendem os agravantes, que o tema tenha sido objeto de discussão em determinado momento processual da ação civil pública. Para fins de exame de eventual ofensa a
preceito constitucional ou legislação aplicável, é necessário que a
decisão que se pretende rescindir dele tenha tratado.
Daí porque existentes regras rígidas e específicas de competência para julgamento da ação rescisória, esta sempre vinculada,
repete-se, ao órgão jurisdicional que efetivamente examinou a
questão impugnada e que poderia, em tese, haver incorrido em
uma das hipóteses que autorizam o ajuizamento da rescisória.
O fato de a ação rescisória ajuizada perante o TRF/4ª Região haver sido extinta não altera o raciocínio, nem legitima a tramitação da presente rescisória no Supremo Tribunal. Caberia aos
agravantes, assim entendendo, insistir na competência da Corte
que por último examinou o mérito da controvérsia, seja o TRF4,
seja o STJ, utilizando-se dos meios processuais cabíveis.
E ainda que ultrapassados todos os óbices processuais ao
conhecimento da rescisória, não é absoluto, como querem fazer
crer os embargantes, o entendimento acerca da desnecessidade de
devolução de verbas como a de que tratam os autos.
Como também afirmado em sede de contestação, tem-se
exigido, para legitimar a irrepetibilidade de valores percebidos
indevidamente: “(a) presença de boa-fé do servidor; (b) ausência, por parte do servidor, de influência ou interferência para a
concessão da vantagem impugnada; (c) existência de dúvida
plausível sobre a interpretação, validade ou incidência da norma
infringida, no momento da edição do ato que autorizou o paga7
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mento da vantagem impugnada; e (d) interpretação razoável,
embora errônea, da lei pela Administração” (MS 25641, DJ de
22.2.2008, Relator o Min. Eros Grau).
No caso das férias de juízes classistas, aponta-se que, embora aparentemente percebidas de boa-fé, não é possível vislumbrar, nos termos indicados, a “existência de dúvida plausível sobre a interpretação, validade ou incidência da norma infringida,
no momento da edição do ato que autorizou o pagamento da
vantagem impugnada”2.
Isto porque, desde 1993, é firme o entendimento da Corte –
e do Tribunal Superior do Trabalho, a partir de julgado de
24.8.1995 (RO 157655) - no sentido da ilegalidade de seu pagamento.
Entendimento idêntico tem sido adotado pelo Tribunal de
Contas da União, que possui inúmeras decisões ordenando providências no sentido do ressarcimento de valores decorrentes da
concessão de férias indevidas (superiores a 30 dias) a juízes classistas3. A Corte de Contas faz interpretação de sua própria Súmula 249 – invocada pelos embargantes em sua defesa -, concluindo, como o STF, que, ainda que caracterizada a boa-fé, falta à hipótese o requisito do “erro escusável decorrente de interpretação de lei” por parte de quem tenha competência para fazê-lo.
Sob qualquer ângulo que se examine a questão, não tem
como prosperar, portanto, a argumentação dos embargantes.
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Conforme decisões no MS 28.165 e no MS 29.055, DJs de 14.12.2009 e
24.11.2010, impetrados contra atos do Tribunal de Contas da União.
Ver, a esse respeito, os acórdãos de n.º 1973, 1974, 1975, 2028 e
2029/2007, da 2ª Câmara, e n.º 1598/2007 e 50/2008, da 1ª Câmara.
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Sobre o mérito e a alegada utilização de precedentes inadequados pela Corte, é expresso o acórdão embargado:
“Sobre as alegações ora trazidas, é de se reiterar que o
acórdão rescindendo se baseou em orientação jurisprudencial desta Corte de que os juízes classistas fazem
jus apenas aos benefícios e vantagens que lhe tenham
sido expressamente outorgadas em legislação específica, razão pela qual foi mantido acórdão do Tribunal
Regional Federal da 4ª Região que reconhecera a ilegalidade de resolução administrativa do Tribunal Regional do Trabalho da 9ª Região que concedia aos juízes
classistas de 2º grau o direito à fruição de férias de sessenta dias anuais. Nesses termos, não se sustentam as
alegações de que o acórdão rescindendo se baseou
em precedente que não dizia respeito à matéria em
discussão”.
Além de ser evidente a ausência de omissão a justificar,
também no ponto, a oposição de embargos, verifica-se o acerto
da conclusão da Corte.
A tentativa de desqualificar os precedentes da Corte, caracterizando-os como inaplicáveis ao caso, é frustrada.
Ainda que não tratem específica e exclusivamente de férias
dos juízes classistas, o raciocínio exposto, em todos eles, abrange
a matéria, ao considerar a Corte que os representantes classistas
da Justiça do Trabalho, ainda que ostentem títulos privativos da
magistratura e exerçam função jurisdicional nos órgãos cuja
composição integram, não se equiparam nem se submetem, só
por isso, ao mesmo regime jurídico-constitucional e legal aplicável aos magistrados togados. Segue a ementa do acórdão do MS
21466, no ponto:
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“(…) A especificidade da condição jurídico-funcional dos
juízes classistas autoriza o legislador a reservar-lhes tratamento normativo diferenciado daquele conferido aos magistrados togados. O juiz classista, em consequência, apenas faz jus aos benefícios e vantagens que lhe tenham sido
expressamente outorgadas em legislação específica. (...)”
A partir desse caso, não se encontram decisões da Corte que
digam o inverso.
O julgado invocado pelos embargantes (RE 660312), este
sim, não confirma em absoluto o direito ao qual entendem fazer
jus. Os juízes classistas foram equiparados aos membros da magistratura, na ocasião, especificamente para fins de limitação
temporal da incidência do percentual de 11,98% relativo ao reajuste decorrente da conversão de vencimento em URV, o que não
altera a orientação da Corte acerca da distinção de regimes jurídicos há muito pacificada.
É nítida, assim, a tentativa dos embargantes de rejulgamento
da causa, o que não se admite em sede de embargos de declaração, ao menos não sem a demonstração de omissão, contradição
ou obscuridade que tenham alguma influência no exame e desfecho da causa.
3.Conclusão
Diante do exposto, espera o Procurador-Geral da República
sejam rejeitados os embargos de declaração.
Brasília (DF), 20 de agosto de 2015.
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Rodrigo Janot Monteiro de Barros
Procurador-Geral da República
STA
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AR 2386 - PRAZO - impugnação aos ED - Procuradoria