FORMAÇÃO DE PROFESSORES DOS ANOS INICIAIS DO ENSINO FUNDAMENTAL: UM DIÁLOGO ENTRE O ENSINAR E O APRENDER MATEMÁTICA. Maria das Graças Bezerra Barreto (A) – UNIBAN ([email protected]) Profa. Dra. Maria Elisabette Brisola Brito Prado – UNIBAN ([email protected]) Profª Dra. Angelica Fontoura Garcia Silva – UNIBAN ([email protected]) RESUMO Muitos estudos e investigações foram realizados nas últimas décadas acerca dos saberes matemáticos dos professores e de sua competência profissional. Esta pesquisa se preocupou em discutir e compreender as relações da Formação Continuada de Matemática como os indícios de mudança das práticas dos professores participantes bem como, compreender o trabalho realizado com o Sistema de Numeração Decimal e a contagem. Os dados coletados demostraram a influência da formação nos discursos e nos conhecimentos das sete professoras participantes. A análise dessa investigação revela que a formação elaborada em um processo de retroalimentação de estudo e prática permite que os atores envolvidos tenham a clareza de seus papéis e possam vivenciar diferentes situações de ensino e de aprendizagem de Matemática. Uma formação e pesquisa percebida como processos independentes e complementares constituem professores/pesquisadores. Palavras chave: formação continuada, saberes e práticas, números e contagem, educação matemática. INTRODUÇÃO Durante a Formação Continuada de Matemática, em que venho atuando como formadora e pesquisadora constatamos que o desabafo dos professores que ensinam matemática nos anos iniciais têm ressoado em forma de eco nos diálogos ocorridos durante os espaços de interação. O resultado dessa escuta atenta favoreceu uma relação de confiabilidade, que foi e será, a alavanca que impulsionou o refletir e as buscas de caminhos alternativos que pudessem colaborar com esses professores na apropriação e compreensão dos conteúdos matemáticos. Um compreender Matemática para ensinar, ao mesmo tempo, compreender a trajetória de seus alunos ao aprender Matemática. Minha atuação durante muitos anos, como formadora na Secretaria Municipal de Educação de São Paulo - SME e em instituições particulares, permitiu observar e constatar a dificuldade para se dimensionar o real impacto das possíveis mudanças do 64 2 professor em sua prática, quando a formação acontece fora da escola. Isso também ocorreu com o projeto de ação da SME - Formação Continuada de Matemática para professores dos anos iniciais do Ensino Fundamental no qual atuei em duas Diretorias Regionais de Educação em encontros semanais durante 2008 e 2009. A formação descentralizada aconteceu fora da escola, envolvendo diversos grupos de professores, alguns com características particulares que acabaram despertando uma curiosidade por investigá-los. Entretanto um grupo especial, envolvendo dez professoras foi selecionado. Elas se destacaram pois a cada novo encontro do projeto, contavam com entusiasmo sobre os diferentes procedimentos apresentados pelos alunos para as atividades propostas na tarefa, mas ao resolverem os problemas propostos parecia-nos que escondiam suas dificuldades e dúvidas. Por esse motivo, acreditamos que é na formação que deveríamos fincar nossa bandeira e favorecer aos professores/alunos a propulsão dos quereres e das curiosidades e o desvelamento das descobertas de novos conhecimentos. Propiciando um espaço onde o professor/aluno se sentisse apoiado, acolhido e impulsionado para enfrentar suas dificuldades matemáticas e compreender as dificuldades e diversidades encontradas em sala de aula. No entanto, algumas dúvidas ainda pairavam com relação às práticas dessas professoras, mesmo que o motivo que as levaram a participar dessa formação fosse explicitado no desejo em ampliar seus conhecimentos matemáticos e em buscar novos caminhos para o seu ensinar. Nesse sentido, queremos convidá-lo para um diálogo reflexivo sobre as constatações realizadas no decorrer de uma investigação que colaborou no desvelar das práticas desses professores e na reflexão dos conhecimentos adquiridos nas formações. Uma pesquisa que teve o propósito de discutir e compreender as relações da Formação Continuada de Matemática com os indícios de mudança das práticas dos professores participantes, e principalmente, como estava ocorrendo o trabalho realizado com a organização do Sistema de Numeração Decimal e as estratégias de contagem para resolver problemas. JUSTIFICATIVA Encontramos muitos pesquisadores preocupados com as formações e os saberes dos docentes que ensinam matemática nos anos iniciais do Ensino Fundamental, dentre esses, destacamos Nacarato e Paiva (2008) e Serrazina (1999) que vem nos alertar sobre o pequeno número de pesquisas voltadas as condições reais desses professores e a necessidade de novas investigações e formações que ocorram na escola, permitindo uma 65 3 maior aproximação com os atores da escola, bem como, favorecendo uma leitura real do contexto escolar e de como o conhecimento matemático acontece nas salas de aulas. Temos testemunhado o quanto à prática do professor e sua qualidade tem sido objeto de investigações, estudos e principalmente, críticas. No entanto, a prática desses professores que ensinam matemática, nos anos iniciais, revela que o seu trabalho é muito mais observado e avaliado pelos colegas dos anos posteriores, como também, pelos gestores da instituição e órgãos administrativos educacionais. Uma qualidade avaliada por meio do desempenho de seus alunos nas diversas avaliações institucionais. Uma prática que recebe pouca atenção ou nenhuma colaboração dos estudiosos e pesquisadores. Esse professor considerado “polivalente” por alguns estudiosos, tem a responsabilidade de desempenhar diferentes tarefas sem a compreensão de sua totalidade. Cabe-lhes ensinar todas as áreas do conhecimento sem serem especializados em nenhuma, embora o olhar observador e avaliativo da instituição e da comunidade, dirigirem o foco para o trabalho realizado na Alfabetização da Língua (ler e escrever) e na Matemática (contar e operar). Duas áreas diferenciadas em sua representação simbólica e imagética, mas também parecidas em sua estrutura organizacional, recheadas de regras e princípios comuns e “um permanente e indissociável processo de ir-e-vir cuja dinâmica importa cada vez mais investigar” (MACHADO, 1998, p.124). A Alfabetização da língua materna tem recebido uma atenção especial da pesquisa e da formação, diferentemente da precariedade do conhecimento matemático apresentado não somente pelos alunos, mas também, por um grande número desses professores. Bertucci (2010) e outros pesquisadores constataram lacunas deixadas pelo processo formativo coloca-os frente ao desafio de ensinar conteúdos específicos sem o devido preparo. Esse cenário é acentuado por marcas profundas adquiridas no tempo de estudante inclusive levando-os, a não apreciar a Matemática. No entanto, quando se mostram interessados em buscar ajuda por meio da formação, encontram poucas ofertas de formação de Matemática. Necessitam de uma formação que valorize a prática matemática, que considere seus anseios e dificuldades e que colabore na construção de profissionais autônomos e reflexivos em sua prática. Uma formação pensada e repensada para que tenha a intenção de desenvolver uma „escuta atenta‟, uma fala argumentativa‟ e um „olhar observador‟. Além disso, o propósito de despertar a alma educadora adormecida e ampliar saberes dominados e praticados impregnando-os de prazer. Uma formação tratada por Garcia Silva (2007) e 66 4 Poloni (2010), como sendo um processo contínuo de potencialização que produza mudanças substanciosas e “não apenas superficiais”. Espaço no qual o professor se veja como aluno - um aprendiz, abrindo-se para o novo, observando com atenção cada detalhe do acontecido ao seu redor, selecionando e refletindo sobre as informações recebidas e as diferentes estratégias para resolver problemas. Destacamos a importância de uma formação que compreenda momentos dentro da escola contemplando o seu cotidiano para compreendê-lo e transformá-lo e também, fora da escola, permeando outros cotidianos favorecendo as trocas de experiências e ampliando as compreensões de fazeres e saberes matemáticos. Estas perspectivas, aliadas a experiência de formadora colaboraram com a pesquisadora no observar de sete professoras que de forma gradativa mostraram indícios de mudança no discurso e na prática. Um discurso diferenciado constatado no coletivo da escola pela formadora, e uma prática preocupada com os saberes em sala de aula desvelado no individual, pela pesquisadora. As estratégias em sala de aula foram sendo observadas e refletidas, ampliando as concepções de como se aprende e como se ensina Matemática. METODOLOGIA Esta pesquisa apresentou uma metodologia de natureza qualitativa, envolvendo sete professoras participantes. Essas professoras atuavam em quatro escolas sob a jurisdição da Diretoria Regional de Educação de São Miguel Paulista e foram denominadas por Raquel, Roseane, Angela, Cora, Marina, Cecília e Lygia, em homenagem as mulheres escritoras e/ou poetisas brasileiras que escrevem para crianças. A investigação foi realizada em encontros semanais, durante oito meses, em cada uma das escolas envolvendo formação de matemática no horário coletivo da escola e organização de atividade didática realizados com a formadora/pesquisadora, como também, acompanhamento e observação com análise reflexiva da prática, no horário coletivo da escola e no individual com as sete professoras, realizado pela pesquisadora/formadora. O horário coletivo é um espaço de estudo e reflexão realizado em todas as escolas municipais. Para colaborar na analise dos fatos destacamos dentre os instrumentos utilizados, os registros da formação, acompanhamento e observação da prática. Essa pesquisa realizou uma formação de matemática na escola e vivenciou um processo cíclico de retroalimentação de conhecimentos matemáticos, partindo de um diagnóstico, envolvendo estudo teórico, na medida em que, as observações da prática apontavam a 67 5 necessidade de estudos complementares e as reflexões sobre a prática provocavam um reolhar ou reelaborar das atividades a serem aplicadas. Esse processo cíclico de retoalimentação de ação, reflexão e ação aconteceu durante o horário coletivo de cada grupo-escola, envolvendo além das professoras participantes da pesquisa também, outros professores que cumpriam suas jornadas de estudo, alguns nunca haviam participado de uma formação de Matemática. Momentos que propiciaram que temas já tratados em outras formações fossem retomados ou aprofundados, na medida em que ressurgiam nas análises e reflexões oriundas das conversas individuais com as professoras participantes após a observação da prática. Os estudos abrangeram os problemas emergentes ao ensinar matemática nos anos iniciais, principalmente, as dificuldades relacionadas à compreensão da organização e princípios do SND – Sistema de Numeração Decimal e as estratégias de contagem ao resolver problemas. FUNDAMENTAÇÃO TEÓRICA Envolvidas em um emaranhado de fios e nós, crenças, saberes, convicções ou dificuldades as práticas das sete mulheres se desvelavam ou se apresentavam em um tecer opaco ou colorido às nossas observações. Percebemos que o interesse do professor nas formações estava pautado em suprir necessidades próprias e de seus alunos fato constatado por diversos estudos que sinalizam a importância de um repensar das formações, principalmente as de matemática. Apontam que a formação precisa ser organizada de forma que propicie ao professor vivenciar situações que possam ser aplicadas em sala de aula, que provoque um fazer que possibilite estudo e reflexão, libertando o professor dos elos constituídos por um saber matemático equivocado e que propicie experienciar um modo diferente de aprender e de ensinar Matemática (SERRAZINA,VALE, FONSECA, 2002). Uma formação que precisa compreender as razões desses professores em querer „saber mais para ensinar melhor’, justificativa que mais se assemelha a uma busca por colaboração e parceria na compreensão da lentidão, insegurança e desordem que envolve a construção e reconstrução dos saberes matemáticos próprios e o de seus alunos. A certeza do „não saber‟ e o desconhecimento de como enfrentar o „nãoentendido‟, o inesperado acabou tolhendo o querer caminhar de muitos professores por diferentes possibilidades de ensinar e aprender Matemática. Nóvoa (2007) assevera que as formações devem reorganizar suas propostas, pois ou elas são muito teóricas, ou apenas metodológicas, sem se preocuparem nem mesmo 68 6 em sanar as necessidades emergentes de seus professores-alunos, o déficit das práticas e das reflexões sobre elas. Uma revisão nos processos de formação também é proposta de Imbernón (2009) de modo que ela se torne um espaço de reflexão e vivência, em que a teoria subjacente as práticas possam emergir para que sejam analisadas, recompostas e justificadas ou simplesmente, desacreditadas e destruídas. Uma formação que permita ao professor/aprendiz uma participação mais efetiva, consciente, subjetiva e coletiva. Participação na qual a análise da prática é vista como esteio para novos estudos, novas reflexões e diferentes fazeres. Uma formação que segundo Imbernón deve provocar a desaprendizagem, uma desconstrução dos saberes para que possa aprender de novo, ”aprender a desaprender complementar a aprender a prender” (p.43). Afirma que a mudança esperada da formação é um processo complexo, e não uma simples mudança. Ensinar sempre foi considerado uma tarefa difícil e, atualmente, essa dificuldade parece ter aumentado. Uma atuação que envolve adentrar por um mundo intricado e exige preparo para manejar o confuso, o inesperado, a incerteza, a ambiguidade e o imprevisível. Nesse processo conflituoso, vai se tecendo uma trama mediadora e investigativa, que se renova a cada passo dado, a cada ação realizada. Por esse motivo, o autor ressalta a importância da formação continuada também, ocorrer no interior das escolas e possibilitar mudanças individuais e principalmente, institucionais. Percebemos que na medida em que o professor compreende sua prática vai clarificando os caminhos escolhidos e as teorias que os subjazem, dando sentido as ações ali praticadas. Alguns grupos de estudos e trabalho como os de Nacarato e Paiva (2008), Fiorentini (2009) e Serrazina e Monteiro (2004) tem relatado formações continuadas voltadas para o contexto da escola, investigando tanto as práticas, como a formação de professores que ensinam Matemática. Elas se constituem, em lugares propícios na e para constituição de um profissional reflexivo e realizar produção de saberes matemáticos de qualidade. Destacam que a formação deve ser modelo de constituição de grupos produtivos e colaborativos, que utiliza o diálogo para que os professores-alunos possam compartilhar suas descobertas e saberes, em decorrência, propiciar a mesma situação para seus alunos, uma prática autônoma e reflexiva. Uma prática reflexiva está diretamente relacionada a um ensino reflexivo e um profissional reflexivo. Esse processo encontra nas ideias de Schön (1997) um olhar analítico sobre reflexão, como ela se produz, com quem e em que momento ela acontece ou deve acontecer. Ele propõe uma nova epistemologia da prática profissional, e analisa 69 7 os diferentes níveis de reflexão. Propõe um modelo de atuação formadora “practicum” reflexiva, transformando o professor num profissional reflexivo. Entende por “Practicum - aprender fazendo”, mesmo que não saiba. Ambiente formador no qual seja permitido fazer experiências, errar, compreender os erros, realizar quantas tentativas forem necessárias e ter o direito de fazer de outro jeito, permitindo que os professores tomem consciência de sua prática. Para Alarcão (1996) a reflexão ajuda a determinar “ações futuras, compreender futuros problemas ou a descobrir novas soluções” (p. 17). Uma reflexão que implica atenção e percepção do momento do ajudar cada aluno a lidar com suas emoções cognitivas, a confusão e a incerteza, mas também, de definição e reconstituição da ação realizada. Ação que exige registro. Registro reflexivo exige um distanciamento da ação para sua reformulação, apurando o olhar para situações até então, despercebidas. Para realizar uma análise das produções dos alunos, o professor precisa conhecer teoria e matemática que permitam perceber e compreender os caminhos e definir avanços. Acreditando em uma formação reflexiva de matemática discutimos no horário coletivo os estudos de Ifrah (1997) sobre a organização do Sistema de Numeração Decimal, um sistema estruturado pelo princípio da base dez e princípio de posição, envolvendo nove algarismos. Com relação ao “zero”, o décimo símbolo, o autor faz uma afirmação diferente da ensinada nas escolas, serve para marcar a ausência de algarismos de uma certa ordem e o sentido de “número nulo”, tão propagado, está relacionado com o resultado da subtração de um número por ele mesmo (p.49). Ainda tratando do zero encontramos em Brizuela (2006) um complemento de sua utilidade, serve “tanto para indicar o número zero como para funcionar como guardador de lugar” (p.28). Um guardador de lugar é o termo utilizado pelas sete professoras. Para entendermos as dificuldades que os alunos apresentam ao aprender números nos apoiamos na assertiva de Brizuela de esse aprendizado vai além de aprender a escrever apenas os símbolos isoladamente, envolve compreender “o sistema em si e as regras que o compõem”(p.27). Os estudos da autora aliados as investigações realizadas por Lerner & Sandovsky (1996) constituíram os estudos teóricos durante vários encontros, no qual serviram como apoio para compreender as análises das escritas numéricas dos alunos realizadas pelos professores em parceria com a formadora/pesquisadora apurando a percepção de todos sobre como os alunos pensam e compreendem os números escritos, além disso, como estabelecem relações entre suas 70 8 invenções e as convenções criadas para explicar os padrões encontrados na notação numérica. Os professores passaram a utilizar com compreensão termos como números coringas, transparentes ou opacos justificando os elementos adicionais incluídos nas escritas, normalmente o 0 ( zero) e o 1 (um) ou para os números que podem ser identificados ou não, a partir dos números falados (seu nome). Por exemplo, o números 600, seis +centos ,começa com seis, ou o como o número 20 (vinte) que não tem dicas de como escrever. Enredamos pelas afirmações de Lerner & Sadovsky sobre os alunos manipularem em primeiro lugar a escrita dos “nós”, as escritas exatas: dezenas, centenas,..., para depois observarem os intervalos entre eles, pois somente os “nós” reconhecem na ordem convencional. Por este motivo, ao escreverem os números que ainda não conhecem ou tem dúvidas sobre a escrita convencional, “supõem que a numeração escrita se vincula estritamente a numeração falada” (p.98). Isto é para o número 35, escrevem 305. Percebemos que na medida em que vão entrando em conflito, talvez a insatisfação com as próprias escritas, leva-os as correções e aos ajustes. Para que a compreensão dos números pudessem se tornar mais significativos para os professores, buscamos na contagem oral, recitação sugerida por Moreno (2006) e na contagem de coleções de objetos conforme, Nunes e Bryant (1997), como um caminho seguro e necessário para o domínio dos princípios de contagem e apropriiações da organização numérica. Os autores sugerem colocar os alunos diante de situações para utilizarem a “contagem para resolver problemas e nas quais possam fazer inferências com base na contagem [...] e transformar a contagem numa ferramenta de pensamento” (p. 53), para resolver problemas. Sentido contrário, constatado por Moreno (2006) quando declara que a escola defende uma Matemática que produz uma “aprendizagem aritmética totalmente centrada em um único universo quantitativo de simbolizações aritméticas universais. O que aprende não é válido para organizar e resolver quantitativamente os problemas” (p. 63). Critica que o ensino praticado prioriza primeiro ensinar a conta, treinar bastante até que o aluno possa dominar o procedimento, para posteriormente, ter segurança de utilizá-lo ao resolver problemas, impedindo os alunos de elaborarem seus próprios procedimentos e utilizarem a estratégias de contagem para resolvê-lo. ANÁLISE PRELIMINAR Esse trabalho apresenta um recorte dos estudos realizados durante a formação e elaboração de atividades junto a formadora/pesquisadora e observação de sala de aula 71 9 realizada pela pesquisadora/formadora exemplificando o processo de retroalimentação envolvendo o estudo do Sistema de Numeração Decimal. Apesar de ser um tema explorado em pesquisas e em formações de Matemática realizadas anteriormente, percebemos que os professores das quatro escolas ainda apresentavam muitas dúvidas para lidar com alunos que sabiam os números oralmente, mas apresentavam uma escrita não convencional, espelhada ou invertida. Nas atividades de sondagem, apresentavam quantidades de algarismos que excediam os números ditados. Na comparação entre números, criavam regras próprias para apontar o maior ou o menor. O esperado era que essas dúvidas fossem apenas das professoras que nunca haviam participado de formação, pois já haviam sido “tratadas por mim durante as formações continuadas que as sete professoras haviam participado. Para meu espanto, a dificuldade era comum a todos”. (BARRETO, 2011, p.120). Percebemos nesse espaço formador e em cada grupo-escola a oportunidade de aprofundamento das discussões favorecendo uma reflexão sobre a prática fundamentada em teóricos como Schön e Imbernón, e pelo fato dela estar ocorrendo no âmbito da escola, o apoio das experiências destacadas por Nacarato e Paiva, Fiorentini e Serrazina e Monteiro. Nesse momento, a pesquisadora/formadora iniciou a formação investigando sobre o conhecimento dos professores participantes a respeito da atividade de sondagem realizada bimestralmente para ser entregue aos órgãos centrais da SME. Atividade de sondagem que consistiu em um ditado dos números: 50, 84, 590, 600, 705, 3068, 6000, 8473, números sempre utilizados por toda a rede escolar para a sondagem dos alunos de 1º e 2º anos do Ensino Fundamental. Formulamos questões para conhecer o que os professores pensavam sobre os números escolhidos e se havia algum critério que apoiasse a escolha daqueles números e que permitiram delinear as concepções dos professores a respeito de como deve ser realizado o ditado dos números. Percebemos que durante a discussão acabou emergindo um discurso preparado pela participação em outras formações, no entanto, o real pensado era que os números grandes propiciavam muitos erros e que ditado deveria ser de apenas de números conhecidos, destacando a importância do treino. Desvelaram um olhar pouco apurado para o que os alunos pensavam. A formadora/pesquisadora retomou e compartilhou com os professores uma síntese dos estudos realizados por Moreno e Lerner e Sadovsky, cujas constatações apoiaram os esclarecimentos realizados e validaram o discurso organizando os saberes dos professores. Os critérios que subsidiaram a seleção daqueles números abrangiam 72 10 números desconhecidos (, ainda não aprendido na escola), além dos já trabalhados, a fim de que os alunos pudessem colocar em jogo tudo o que sabiam e pensavam e não apenas os escrevessem de memória. Um mesmo algarismo deveria ocupar diferentes posições, princípio do valor posicional. Para ilustrar, o 8 está em: 84, 3068, 8473. Após o estudo, os professores foram desafiados para que elaborassem um ditado com números utilizando os critérios já conhecidos. Com esses dados em mãos, teriam condições de planejar ações mais adequadas que consideraria tanto a complexidade do sistema de numeração como o processo de construção do conhecimento de seus alunos. Nesse sentido, os números elaborados pelas professoras da escola D, Lygia e Cecília sob a orientação da formadora/pesquisadora optaram por números até 5 e realizaram o ditado dos números: 2, 5, 24, 43, 54, 243, 300, 304, 2005, 5000. Observando as escritas dos alunos e tendo a certeza de que “erro é fecundo e desempenha um papel construtivo na aquisição de conhecimentos” (MORENO, 2006, p.53) realizamos a análise contrapondo o discurso incorporado com certo orgulho e o observado. Ao invés da discussão transcorrer ao redor do que seus alunos já sabiam o ressaltado era o não dominado. A mudança esperada era que apurassem o olhar para os saberes dos alunos e se preocupassem com estratégias que atendesse o que não sabiam. Figura 1 aluno X da Profª Lygia Fonte: Acervo pessoal Figura 2 aluno C da Profª Cecília Fonte: Acervo pessoal Analisando as escritas dos alunos representadas na figura 1 e 2, alunos com cinco anos, foi possível observar que, o aluno X, escreveu a maioria dos números convencionalmente. Para o 304 escreveu apoiado na fala, 3004 (trezentos e quatro) e esqueceu um zero no 5000. Uma escrita perfeita apesar da professora Lygia afirmar que 73 11 todos os alunos só sabiam até o 30, a produção numérica deste aluno a surpreendeu. Com relação ao aluno C, observamos números coringas para escrever 24, 43 e 54, números opacos e na escrita do 243, usou o 1 para o 200. No 300, usa como coringa o 1 e 4 em lugar dos zeros e, no 304, troca os valores para que o algarismo 4 fique na posição correta. A impressão é que troca os algarismos 1, 3 e 4 de lugar como se para números diferentes fosse preciso iniciar de forma diferente. Não podemos afirmar que ele saiba que 300 inicia com 3. Na escrita de 2005 e 5000, números transparentes dão a “dica” dos números iniciais e sua produção numérica se baseia no apoio da fala. No momento individual, a formadora e a pesquisadora, em uma união de papéis colabora com as sete professoras na organização e elaboração de atividades que permitam a mediação/intervenção do professor para que houvesse avanço dos alunos. A recitação oral, o quadro de números e situações de contagem com coleções fixas e móveis desencadearam novas sondagens, novos estudos e novas mediações. CONSIDERAÇÕES FINAIS A análise dos dados levantados permitiu-nos perceber que os saberes dessas professoras carregavam a influência da Formação Continuada de Matemática. A teoria havia sido incorporada, mas algumas propostas para o fazer diferente ainda estavam sendo reavaliadas para serem aplicadas. Percebemos um indício de mudança com relação à atenção dada à aprendizagem dos alunos e a preocupação em investigar os pensares e saberes dos alunos. No entanto, só foi possível aprofundar os conhecimentos e ampliar o fazer quando realizamos a formação dentro da escola, uma formação que contemple o contexto da escola e as reais necessidades dos professores. O fazer diferenciado do professor está pautado na confiança depositada nas propostas a serem praticadas e nas oportunidades de reflexão sobre o aprendido e o praticado. Nesse sentido, há necessidade de repensar a constituição da formação e do papel do formador. Um formador/pesquisador que reflita as práticas e a sua prática e que desenvolva uma escuta atenta, um olhar perceptivo e um diálogo acolhedor ancorando angustias e medos, não saberes e quereres diferentes. Um pesquisador/formador que relacione teoria as práticas e perceba as práticas que promovem teorias. Uma formação que possibilite cada participante reencontrar o prazer no fazer, no trocar, no desafiar e no reconstruir caminhos que despertem a alegria no aprender. Nesse sentido, as formações, inicial ou continuada, ocorrendo na academia, na escola ou fora dela devem constituir um palco no qual os atores envolvidos tenham a clareza de seus papéis e possam vivenciar 74 12 diferentes situações de ensino e de aprendizagem de matemática. Precisam valorizar a interligação entre Formação e Pesquisa reconhecendo serem processos independentes e complementares, permitindo uma relação entre teoria e prática. REFERÊNCIAS ALARCÃO, l. Formação reflexiva de professoras - Estratégias de supervisão. Porto: Porto Editora, 1996. BARRETO, M. G. B. A Formação Continuada de Matemática dos professores dos anos iniciais do Ensino Fundamental e seu impacto na prática de sala de aula. Dissertação de Mestrado. São Paulo: UNIBAN, 2011. BERTUCCI, M. C. S. Formação continuada de professores que ensinam Matemática nas séries iniciais: uma experiência em grupo. Dissertação de Mestrado em Educação – São Carlos:UFSCAR, 2009 BRIZUELA, B. M. 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