UNIVERSIDADE COMUNITÁRIA DA REGIÃO DE CHAPECÓ - UNOCHAPECO ÁREA DE CIÊNCIAS HUMANAS E JURÍDICAS CURSO DE GRADUAÇÃO EM DIREITO Jean Fernando Selva A AÇÃO REGRESSIVA DO INSTITUTO NACIONAL DO SEGURO SOCIAL (INSS) EM FACE DO EMPREGADOR NOS CASOS DE ACIDENTE DE TRABALHO Chapecó (SC), 2010 JEAN FERNANDO SELVA A AÇÃO REGRESSIVA DO INSTITUTO NACIONAL DO SEGURO SOCIAL (INSS) EM FACE DO EMPREGADOR NOS CASOS DE ACIDENTE DE TRABALHO Monografia apresentada ao Curso de Direito da Universidade Comunitária da Região de Chapecó, UNOCHAPECÓ, como requisito parcial à obtenção do título de bacharel em Direito, sob a orientação da Profª. Me. Odisséia Aparecida Paludo Fontana. Chapecó (SC), junho 2010. UNIVERSIDADE COMUNITÁRIA DA REGIÃO DE CHAPECÓ - UNOCHAPECÓ ÁREA DE CIÊNCIAS HUMANAS E JURÍDICAS CURSO DE GRADUAÇÃO EM DIREITO A AÇÃO REGRESSIVA DO INSTITUTO NACIONAL DO SEGURO SOCIAL (INSS) EM FACE DO EMPREGADOR NOS CASOS DE ACIDENTE DE TRABALHO JEAN FERNANDO SELVA ________________________________________ Profª. Me. Odisséia Aparecida Paludo Fontana Professora Orientadora ________________________________________ Prof. Me. Glaucio Wandre Vicentin Coordenador do Curso de Direito ________________________________________ Profª. Me. Silvia Ozelame Rigo Moschetta Coordenadora Adjunta do Curso de Direito Chapecó (SC), junho 2010. JEAN FERNANDO SELVA A AÇÃO REGRESSIVA DO INSTITUTO NACIONAL DO SEGURO SOCIAL (INSS) EM FACE DO EMPREGADOR NOS CASOS DE ACIDENTE DE TRABALHO Monografia aprovada como requisito parcial para obtenção do grau de BACHAREL EM DIREITO no Curso de Graduação em Direito da Universidade Comunitária da Região de Chapecó - UNOCHAPECÓ, com a seguinte Banca Examinadora: ________________________________________ Me. Odisséia Aparecida Paludo Fontana – Presidente ________________________________________ Ramiro Zancanaro Pieczkowski – Membro ________________________________________ Guillermo Dicesar Martins Gonçalves – Membro Chapecó (SC), junho 2010. AGRADECIMENTOS Primeiramente agradeço a Deus, por ter me dado a oportunidade de estar no mundo. Agradeço aos meus pais, João Antônio Selva e Terezinha Vanin Selva, por toda a compreensão, amor e respeito ao longo desta caminhada. Agradeço a todos os amigos, professores, colegas de trabalho e colegas de aula, que de alguma forma me ajudaram para que eu atingisse meus objetivos. RESUMO A AÇÃO REGRESSIVA DO INSTITUTO NACIONAL DO SEGURO SOCIAL (INSS) EM FACE DO EMPREGADOR NOS CASOS DE ACIDENTE DE TRABALHO. Jean Fernando Selva. Odisséia Aparecida Paludo Fontana (ORIENTADORA). (Universidade Comunitária da Região de Chapecó – UNOCHAPECÓ). (INTRODUÇÃO) O presente estudo surge diante de uma problemática que é a negligência das empresas e os crescentes casos de acidente de trabalho no Brasil gerando um grave prejuízo aos cofres públicos e a sociedade. Grande parte dos benefícios acidentários concedidos pelo INSS acredita-se que seriam passíveis de ação regressiva, sendo que estes poderiam ter sido evitados se os empregadores cumprissem com a legislação sobre proteção ao meio ambiente de trabalho. Diante desta problemática, o INSS possui o instrumento da ação regressiva, prevista no art. 120 da lei 8.213/91. (OBJETIVOS) O objetivo geral do presente trabalho é desenvolver um estudo sobre o direito do INSS buscar e reaver na totalidade ou em partes, via ação regressiva, os valores pagos a título de benefício para o empregado, cobrando tais valores do empregador. Têm-se como objetivos específicos: detalhar o histórico da legislação sobre proteção acidentária no Brasil; conceituar o acidente de trabalho, inclusive abordando as doenças ocupacionais; analisar as 4 (quatro) espécies de benefícios acidentários que temos atualmente; desenvolver um estudo sobre a responsabilidade civil do empregador nos casos de acidente de trabalho; analisar pontos polêmicos referentes a ação regressiva acidentaria, tais como a prescrição, competência para julgamento e sua (in) constitucionalidade face o pagamento do Seguro Acidente de Trabalho (SAT). (EIXO TEMÁTICO) O eixo temático do Curso de Direito da Universidade Comunitária de Chapecó - UNOCHAPECÓ pelo qual o trabalho vincula-se é “Trabalho e Seguridade Social”. (METODOLOGIA) é utilizada pesquisa bibliográfica, constituída principalmente de livros e artigos científicos, análise da legislação correlata ao tema e levantamento de posicionamentos jurisprudenciais e doutrinários. Utiliza-se o método dedutivo baseando-se no estudo de teoria e refinações de conceitos. (CONCLUSÃO) Conclui-se que quando um empregador colaborar com um acidente de trabalho, seja por culpa ou dolo, nada mais justo que este responda por sua conduta, pelo dano que causou ao erário público, sendo, portanto, a ação regressiva proposta pelo INSS constitucional. Afasta-se a possibilidade da empresa restar eximida da responsabilidade perante o INSS com o simples pagamento do SAT, pois não possui natureza própria de um seguro, e sim, trata-se de um tributo para custear os riscos do acidente, e não aquele que ocorre por negligência do empregador (PALAVRASCHAVE) Acidente de trabalho, responsabilidade civil, ação regressiva. LISTA DE ABREVIATURAS CC – Código Civil CF – Constituição Federal CLT – Consolidação das Leis do Trabalho SAT – Seguro de Acidente do Trabalho FAP – Fator Acidentário de Prevenção CAT – Comunicação de Acidente de Trabalho Art. – Artigo n. – Número p. - Página LISTA DE SIGLAS INSS – Instituto Nacional do Seguro Social STF – Supremo Tribunal Federal STJ – Superior Tribunal de Justiça TRF4 – Tribunal Regional Federal da 4ª Região TRF1 – Tribunal Regional Federal da 1ª Região TRF3 – Tribunal Regional Federal da 3ª Região LISTA DE APÊNDICES APÊNDICE A - ATESTADO DE AUTENTICIDADE DA MONOGRAFIA APÊNDICE B - TERMO DE SOLICITAÇÃO DE BANCA SUMÁRIO INTRODUÇÃO...................................................................................................................12 CAPÍTULO I ......................................................................................................................14 1 O ACIDENTE DE TRABALHO .....................................................................................14 1.1 Evolução histórica da proteção acidentária ...................................................................14 1.2 Conceito de acidente do trabalho ..................................................................................17 1.2.1 Doenças ocupacionais.................................................................................................18 1.2.2 Concausalidade...........................................................................................................19 1.2.3 Causalidade indireta ...................................................................................................20 1.3 Enquadramento do Acidente e o Nexo Técnico Epidemiológico (NTE) ......................21 1.4 Benefícios Acidentários.................................................................................................24 1.4.1 Auxílio-doença acidentário ........................................................................................25 1.4.2 Auxílio-acidente por acidente de trabalho..................................................................27 1.4.3 Aposentadoria por invalidez acidentária ....................................................................29 1.4.4 Pensão por morte acidentária......................................................................................30 CAPÍTULO II......................................................................................................................33 2 A RESPONSABILIDADE CIVIL DO EMPREGADOR PELO ACIDENTE DE TRABALHO .......................................................................................................................33 2.1 Responsabilidade civil: aspectos gerais.........................................................................33 2.2.1 Responsabilidade civil objetiva..................................................................................36 2.2.2 Responsabilidade civil subjetiva ................................................................................37 2.2.3 Responsabilidade civil do Estado ...............................................................................38 2.3 Responsabilidade civil do empregador pelo acidente de trabalho.................................39 2.3.1 Responsabilidade objetiva no acidente de trabalho....................................................41 2.3.2 Responsabilidade subjetiva no acidente de trabalho ..................................................43 2.3.3 Excludentes da responsabilidade ................................................................................46 CAPÍTULO III ....................................................................................................................49 3 A AÇÃO REGRESSIVA ACIDENTÁRIA .....................................................................49 3.1 A importância da proteção ao meio ambiente de trabalho ............................................49 3.2 Finalidades e fundamentos da ação regressiva acidentária ...........................................52 3.3 Competência para julgamento da ação regressiva acidentária ......................................54 3.4 Prescrição da ação regressiva acidentária......................................................................57 3.5 Possibilidade de responsabilização objetiva do empregador em face do INSS ............59 3.6 A (in) constitucionalidade da ação regressiva acidentária.............................................61 CONCLUSÃO.....................................................................................................................65 REFERÊNCIAS ..................................................................................................................68 APÊNDICES .......................................................................................................................71 INTRODUÇÃO O presente estudo pretende analisar a ação regressiva do Instituto Nacional do Seguro Social (INSS) em face do empregador nos casos de acidente de trabalho. O objetivo desta monografia é desenvolver um estudo sobre o direito do INSS reaver na totalidade ou em partes, via ação regressiva, os valores pagos a título de benefício para o empregado, cobrando tais valores do empregador. O interesse no presente estudo surge diante de uma problemática que é a negligência das empresas e os crescentes números de casos de acidente de trabalho no Brasil, sendo que, segundo dados constantes no site do Ministério da Previdência Social (2010), durante o ano de 2008 foram registrados cerca de 747,7 mil acidentes, 13,4% a mais que 2007. Acredita-se que a maioria destes benefícios sejam passíveis de ação regressiva. O estudo da presente monografia é de suma importância. Embora a lei que trata do assunto já conta com 19 anos de vigência, ou seja, a lei nº 8213 é do ano de 1991, não se confirmou desde sua publicação, uma atuação rigorosa da Previdência Social no sentido de propor ações regressivas nos casos devidos. Com o propósito deste estudo, busca-se também discutir a importância da ação regressiva, não somente para o ressarcimento dos cofres públicos, mas também no sentido de evitar acidentes de trabalho, com uma maior preocupação das empresas em oferecer um meio ambiente de trabalho saudável para seus empregados evitando uma possível ação regressiva. Contudo, para uma abordagem geral do assunto, é de extrema necessidade estudar outras questões atinentes. Para tanto, em um primeiro momento, será necessário detalhar o histórico da legislação acidentária brasileira, descrever o que caracteriza o acidente de 13 trabalho mencionando as doenças que se classificam como acidente de trabalho, identificar quais são as espécies de benefícios acidentários pagos atualmente pelo INSS e explicar as suas peculiaridades. Em um segundo momento será abordado o instituto da responsabilidade civil, considerando que está intimamente ligado com o tema principal, especificamente no que tange à responsabilidade civil do empregador nos acidentes de trabalho, estabelecendo uma diferenciação entre responsabilidade subjetiva e objetiva, compreendendo qual será a responsabilidade do INSS e a responsabilidade do empregador em reparar o dano causado ao empregado ou seus dependentes quando ocorre o acidente de trabalho. Em um terceiro e último momento, finalmente será abordada a ação regressiva, explicando suas finalidades e fundamentos, demonstrando a sua importância, explicando quando se terá o direito de regresso, e abordando as questões controversas da ação regressiva proposta pelo INSS, como a sua competência para julgamento, a prescrição, e a suposta inconstitucionalidade do art. 120 da lei 8.213/91 face o pagamento do Seguro de Acidente do Trabalho (SAT) e a própria natureza do Seguro Social. Na elaboração da monografia é utilizada pesquisa bibliográfica, constituída principalmente de livros e artigos científicos, análise da legislação correlata ao tema e levantamento de posicionamentos jurisprudenciais e doutrinários. O método de abordagem será o dedutivo, que é a técnica argumentativa que parte do geral, do amplo, para se chegar as particularidades. Esta pesquisa vincula-se ao Eixo Temático do Curso de Direito da Unochapecó denominado Trabalho e Seguridade Social. 14 CAPÍTULO I 1 O ACIDENTE DE TRABALHO O intuito do primeiro capítulo desta monografia é trazer os aspectos relacionados ao acidente do trabalho, abordando a parte histórica, explicando a evolução da legislação brasileira sobre proteção ao acidentado, conceito do acidente do trabalho, o enquadramento do acidente, e por fim, as prestações da Previdência Social relativas ao acidente de trabalho. Cumpre destacar que o que será abordado no primeiro capítulo servirá como base para o estudo aprofundado do tema principal, a ação regressiva do Instituto Nacional do Seguro Social (INSS) face o empregador nos casos de acidente de trabalho. 1.1 Evolução histórica da proteção acidentária O homem sempre trabalhou, desde os tempos primitivos, da escravidão, da revolução industrial, até os dias atuais. Contudo, o estudo da proteção acidentária aos trabalhadores somente começou com a evolução do trabalho na sociedade, mais precisamente com a Revolução Industrial, conforme destaca Martins (2006, p. 394): 15 O estudo da infortunística começou a surgir com a Revolução Industrial, em que foi substituído o trabalho manual pelo uso de máquinas. O tear e a máquina a vapor eram os causadores dos acidentes do trabalho. A partir desse momento é que começa a haver preocupação com o acidentado. Convém esclarecer que naquela época, a pessoa que sofria algum acidente de trabalho, além de não mais conseguir nenhum emprego, ficava desamparado pelo Estado e pela empresa. Esta problemática influenciou o advento de normas jurídicas para proteção do acidentado, criando mecanismos de proteção ao trabalhador e seus dependentes para pelo menos remediar este grande problema social. Destaca Oliveira (2008, p. 33) que foi somente a partir disto que, na Alemanha, em 1884, foi criada a primeira lei que protegia o trabalhador vítima de acidente de trabalho, sendo logo após, espalhado pela Europa. No Brasil, a primeira legislação que tratou da matéria foi o Código Comercial de 1850, o qual previa, em seu art. 78, um pagamento de três meses de salários ao trabalhador que sofresse acidente no trabalho (CASTRO; LAZZARI, 2009, p. 540). O primeiro regramento versando sobre acidentes do trabalho foi o Decreto Legislativo n. 3.724, de 15.01.1919, do qual Oliveira (2008, p. 34) a considera como “a primeira lei acidentária brasileira”, e ainda sobre esta lei, nos ensina: [...] O empregador foi onerado com a responsabilidade pelo pagamento das indenizações acidentárias. Essa norma, apesar das críticas e falhas, teve o mérito do pioneirismo e marcou a instituição de princípios especiais da infortunística. [...] A segunda legislação sobre acidente de trabalho foi o Decreto n. 24.637 de 10 de julho de 1934, que nas palavras de Oliveira (2008, p. 34) “[...] estabeleceu a obrigação do seguro privado ou depósito em dinheiro junto ao Banco do Brasil ou Caixa Econômica Federal, para garantia do pagamento das indenizações [...]”. No mesmo ano, houve a promulgação da Constituição de 1934, que em seu art. 121, §1º, h1, mencionou a proteção ao acidente de trabalho como uma prestação previdenciária, 1 Art 121 - A lei promoverá o amparo da produção e estabelecerá as condições do trabalho, na cidade e nos campos, tendo em vista a proteção social do trabalhador e os interesses econômicos do País. [...] § 1º - A legislação do trabalho observará os seguintes preceitos, além de outros que colimem melhorar as condições do trabalhador: [...] h) assistência médica e sanitária ao trabalhador e à gestante, assegurando a esta descanso antes e depois do parto, sem prejuízo do salário e do emprego, e instituição de previdência, mediante contribuição igual da União, do empregador e do empregado, a favor da velhice, da invalidez, da maternidade e nos casos de acidentes de trabalho ou de morte; [...] 16 sendo o seguro de acidente do trabalho de natureza privada, a cargo da empresa. (CASTRO; LAZZARI, 2009, p. 540). Passados 10 anos, adveio o Decreto-lei n. 7.036, de 10 de novembro de 1944, ampliando a proteção do trabalhador urbano quanto a acidentes de trabalho. Nas palavras de Oliveira (2008, p. 35): O Decreto-lei n. 7.036/44 promoveu nova ampliação do conceito de acidente do trabalho, incorporando as concausas e o acidente in itinere, instituindo ainda a obrigação, para o empregador, de proporcionar a seus empregados a máxima segurança e higiene no trabalho, prevendo, por outro lado, o dever dos empregados de cumprir as normas de segurança expedidas pelo empregador. Além disso, o empregador estava obrigado a formalizar seguro contra os riscos de acidente perante a instituição previdenciária da filiação do empregado. No ano de 1967, foi promulgada a Lei n. 5.316, que alterou em grande parte o disciplinamento legal da proteção acidentária, adotando a teoria do risco social e integrando o seguro de acidentes de trabalho na Previdência (INPS na época), englobando inclusive as doenças profissionais e do trabalho, transferindo o Seguro Acidente do Trabalho (SAT) para o monopólio do Estado. (CASTRO; LAZZARI, 2009, p. 540). Até o ano de 1974, Seguro Acidente do Trabalho (SAT) beneficiava somente os trabalhadores urbanos, sendo que a Lei n. 6.195, de 19 de dezembro de 1974, estendeu o amparo acidentário para os trabalhadores rurais. (CASTRO; LAZZARI, 2009, p. 541). Nova lei surgiu no ano de 1976, Lei n. 6.367, de 19 de outubro de 1976, alterando o Seguro Acidente do Trabalho (SAT) com relação ao seu custeio que passou a ser feito pela União, pelos trabalhadores e pela empresa, sendo que com um acréscimo de contribuição para as empresas. (CASTRO; LAZZARI, 2009, p. 541). Vigora atualmente a Lei n. 8.213, de 24 de julho de 1991, que foi promulgada em harmonia com a Constituição de 1988. Em seu texto atual, os benefícios acidentários e previdenciários foram praticamente equiparados, não existindo também qualquer diferença quanto ao valor a prestação por doença comum ou doença decorrente do trabalho. (OLIVEIRA, 2008, p. 36). Percebemos que, desde a primeira legislação acidentária, até a legislação em vigor, houve uma grande evolução da proteção ao trabalhador, não somente nos acidentes de 17 trabalho, mas na relação de emprego como um todo. A cobertura do infortúnio está incluída no rol das garantias mínimas que a Constituição de 1988 concede aos trabalhadores no capítulo da Ordem Econômica e Social, além de se fazer presente no art. 7°, item XXVIII2, garantindo ao trabalhador seguro contra acidente de trabalho sem excluir a indenização que o empregador está obrigado, quando houver dolo ou culpa. Para a continuidade do presente estudo, é mister que se faça uma análise adequada sobre o conceito de acidente de trabalho, que será visto a partir do próximo tópico. 1.2 Conceito de acidente do trabalho O conceito legal de acidente do trabalho encontra-se no art. 193 da Lei n. 8.213 de 24 de julho de 1991, sendo aquele que ocorre pelo exercício do trabalho a serviço da empresa, provocando lesão corporal ou perturbação funcional que cause a morte, perda ou redução, permanente ou temporária da capacidade para o trabalho. A respeito, sustenta Martins (2006, p. 128): É preciso que, para existência do acidente do trabalho, exista nexo entre o trabalho e o efeito do acidente. Esse nexo de causa-efeito é tríplice, pois envolve o trabalho, o acidente, com a conseqüente lesão, e a incapacidade, resultante da lesão. Deve haver nexo causal entre o acidente e o trabalho exercido. Prossegue Martins, afirmando que quando inexistir a relação de causa-efeito entre o acidente e o trabalho, não se poderá falar em acidente de trabalho. Sustenta ainda que, mesmo que haja lesão, mas que esta não deixe o segurado incapacitado para o trabalho, não haverá direito a qualquer espécie de benefício acidentário. 2 Art. 7º São direitos dos trabalhadores urbanos e rurais, além de outros que visem à melhoria de sua condição social: [...]XXVIII - seguro contra acidentes de trabalho, a cargo do empregador, sem excluir a indenização a que este está obrigado, quando incorrer em dolo ou culpa; [...] 3 Art. 19. Acidente do trabalho é o que ocorre pelo exercício do trabalho a serviço da empresa ou pelo exercício do trabalho dos segurados referidos no inciso VII do art. 11 desta Lei, provocando lesão corporal ou perturbação funcional que cause a morte ou a perda ou redução, permanente ou temporária, da capacidade para o trabalho. 18 Percebemos que a lei trás a definição apenas do acidente de trabalho em sentido estrito, o acidente típico. No entanto, há outras hipóteses que se equiparam ao acidente de trabalho, como veremos a seguir. 1.2.1 Doenças ocupacionais Temos o acidente-tipo, aquele que por meio de causa repentina no meio ambiente de trabalho, provoca a incapacidade. Em um instante o trabalhador está apto ao trabalho e no instante seguinte está incapacitado. E temos também a doença ocupacional, que também gera incapacidade, mas paulatinamente, de forma lenta, no decorrer do tempo. (GONÇALES, 2008, p. 222). As doenças ocupacionais, apesar de não serem acidente-tipo, também são consideradas acidentes de trabalho e possuem a mesma cobertura securitária, conforme o art. 204 da lei 8.213/91 preceitua. O art. 20 da lei 8.213/91 traça uma diferenciação entre doença profissional e doença do trabalho. A doença profissional é aquela peculiar a determinada atividade ou profissão, também chamada doença típica do trabalho. Por outro lado, a doença do trabalho é atípica do trabalho, pois apesar de igualmente ter origem na atividade laboral, não está vinculada necessariamente a alguma profissão. O aparecimento da doença do trabalho ocorre pelas condições em que o trabalho é prestado, como por exemplo a LER, que pode ser adquirida em qualquer atividade, sem vinculação direta com determinada profissão. (OLIVEIRA, 2008, p. 46) Embora a lei venha diferenciar doença profissional de doença do trabalho, trataremos aqui de enquadrá-las como doenças ocupacionais, de acordo com o entendimento de Oliveira (2008, p. 47): 4 Art. 20. Consideram-se acidente do trabalho, nos termos do artigo anterior, as seguintes entidades mórbidas: I doença profissional, assim entendida a produzida ou desencadeada pelo exercício do trabalho peculiar a determinada atividade e constante da respectiva relação elaborada pelo Ministério do Trabalho e da Previdência Social; II - doença do trabalho, assim entendida a adquirida ou desencadeada em função de condições especiais em que o trabalho é realizado e com ele se relacione diretamente, constante da relação mencionada no inciso I.[...]. 19 Diante dos significados específicos de doença profissional e doença do trabalho, a denominação ‘doenças ocupacionais’ passou a ser adotada como o gênero mais próximo que abrange as modalidades das doenças relacionadas com o trabalho. A NR-7 da Portaria n. 3.214/78, que regulamenta o Programa de Controle Médico de Saúde Ocupacional, faz referência às doenças ocupacionais ou patologias ocupacionais, como vocábulo gênero. Para evitar a expressão doença profissional ou do trabalho, é preferível englobá-las na designação genérica de doenças ocupacionais.[...] O parágrafo 1º do art. 20 da Lei 8.213/91, exclui do conceito de doença do trabalho a doença degenerativa, inerente a grupo etário, a que não produz incapacidade laborativa e a doença endêmica por segurado habitante de região em que ela se desenvolva. Em todos esses casos, nota-se que a doença não tem nexo causal com o trabalho, já que pode ter aparecido no trabalho, mas não devido ao trabalho. Em suma, doença ocupacional é aquela que está relacionada com o trabalho, que resulta das condições especiais do trabalho, bastando somente que haja nexo causal entre a doença e o trabalho executado, excluindo-se, é claro, as citadas no parágrafo anterior. Destarte, existem outras causas que se equiparam ao acidente de trabalho, como a concausa, tratada a seguir. 1.2.2 Concausalidade A legislação atual possui previsão expressa de concausalidade, no art. 21, I5, da lei 8.213/91, o qual prevê que um acidente ligado ao trabalho, quando contribui diretamente para a incapacidade, redução da incapacidade, ou morte do segurado, poderá ser equiparado ao acidente de trabalho, como bem conceitua Castro e Lazzari (2009, p. 546): Equipara-se ao acidente de trabalho a chamada concausa, ou seja, a causa que, embora não tenha sido a única, contribuiu diretamente para a morte do segurado, para redução ou perda de sua capacidade laborativa, ou produziu lesão que exija atenção médica para sua recuperação [...]. 5 Art. 21. Equiparam-se também ao acidente do trabalho, para efeitos desta Lei: I - o acidente ligado ao trabalho que, embora não tenha sido a causa única, haja contribuído diretamente para a morte do segurado, para redução ou perda da sua capacidade para o trabalho, ou produzido lesão que exija atenção médica para a sua recuperação. 20 Um bom exemplo de concausa é citado por Martins (2006, p. 410) que seria a hipótese de “um empregado quebrar um braço no local de trabalho e posteriormente vir a perdê-lo por gangrena”. A idéia é que, se o segurado não tivesse quebrado o braço na empresa, não seria necessário amputá-lo posteriormente. Para finalizar o estudo das hipóteses que se equiparam ao acidente de trabalho, trataremos a seguir da causalidade indireta. 1.2.3 Causalidade indireta É chamada causalidade indireta as hipóteses que embora ocorram no local de trabalho, não estão diretamente relacionadas com a atividade profissional, encontram-se elencadas no art. 21, II, III e IV da Lei 8.213/91. De acordo com Gonçales (2008, p. 221), existem três espécies de acidentes com causalidade indireta: as que ocorrem no local e no horário de trabalho; as que ocorrem fora do horário de trabalho, por exemplo, o acidente de trajeto ou de percurso; e as que ocorrem no período de repouso e alimentação do trabalhador. Maior atenção merece o acidente de trajeto, aquele que ocorre no trajeto que o trabalhador faz de sua residência para o local de trabalho, e vice-versa. Grandes controvérsias surgem para o entendimento do que é “percurso da residência para o trabalho”. O trabalhador com freqüência pode desviar-se do percurso por algum interesse particular, mas como é necessário estabelecer o nexo causal do acidente com o trabalho, são aceitáveis pequenos desvios, mas deverão ser compatíveis com o percurso do referido trajeto. O tempo de deslocamento e o trajeto não poderão fugir do usual para não descaracterizar a causalidade do acidente com o trabalho. (OLIVEIRA, 2008, p. 54). Destaca também Martins (2006, p. 409) sobre o acidente de trajeto: Ocorre também o acidente in itinere quando o empregado vai fazer o intervalo legal ou quando dele retorna para a empresa. Não se exige que o trabalhador preste direta e imediatamente o serviço na ida e volta ao trabalho. A exigência decorre da existência de contrato de trabalho. Se, embora suspenso o contrato de trabalho, o empregado comparece ao empregador para cuidar de assuntos atinentes ao pacto laboral, como entrega de documentos exigidos pelo empregador, considera-se como acidente de trajeto se a empregada vai até sua residência buscar esses documentos exigidos pela empresa. 21 Merece atenção o entendimento de que quando restar configurado dolo do empregado, o acidente de trabalho não restará configurado. (MARTINS, 2006, p. 410). Abordadas as hipóteses de equiparação ao acidente de trabalho, bem como seu conceito legal, necessário será prosseguir com o estudo de como é feito o enquadramento do acidente, isto é, por quais meios um acidente de trabalho será configurado. Para tanto, estudaremos a seguir aspectos do enquadramento do acidente de trabalho, dando atenção especial para o Nexo Técnico Epidemiológico (NTE). 1.3 Enquadramento do Acidente e o Nexo Técnico Epidemiológico (NTE) Acidente de trabalho, como já mencionado anteriormente, é aquele que provoca lesão corporal ou perturbação funcional que cause a morte, perda ou redução, permanente ou temporária, da capacidade para o trabalho. O acidente de trabalho ou a doença ocupacional deverá estar relacionado com o trabalho, ser decorrente dele, para que haja o enquadramento. Para relacionar o acidente ou a doença ocupacional com o trabalho desempenhado pelo trabalhador, surgem regras para este enquadramento, que quando configurado, temos por decorrência um benefício acidentário pago pelo INSS, do qual veremos posteriormente. Porém, o método de enquadramento do acidente de trabalho feito pelo INSS teve uma alteração expressiva no ano de 2006, facilitando-o. Anteriormente, o acidente de trabalho somente seria enquadrado se a empresa emitisse a Comunicação de Acidente de Trabalho (CAT), sendo que muitas não o faziam. Tal prerrogativa das empresas, muitas vezes prejudicava o direito de seus empregados, pois sendo o benefício caracterizado como acidentário, o empregado goza de estabilidade de 12 meses após o retorno ao trabalho, além de fazer jus ao depósito do FGTS. Já havia por parte do legislador um entendimento praticamente unânime, no sentido de facilitar o reconhecimento do acidente de trabalho, para não deixar a cargo da empresa tal prerrogativa, muitas vezes sonegada. É citada abaixo, uma parte da Exposição de Motivos da Medida Provisória n. 316, de 11 de agosto de 2006, que alterou a legislação relativa ao nexo 22 técnico epidemiológico: 7. Diante do descumprimento sistemático das regras que determinam a emissão da CAT, e da dificuldade de fiscalização por se tratar de fato individualizado, os trabalhadores acabam prejudicados nos seus direitos, em face da incorreta caracterização de seu benefício. Necessário, pois, que a Previdência Social adote um novo mecanismo que segregue os benefícios acidentários dos comuns, de forma a neutralizar os efeitos da sonegação da CAT. A citação acima demonstra a preocupação que os legisladores tinham em enquadrar o nexo técnico epidemiológico, por isto é de suma importância adentrar na discussão sobre o enquadramento do acidente de trabalho. Tivemos uma mudança muito significativa com a Medida Provisória n. 316, de 11 de agosto de 2006, que foi posteriormente convertida na Lei 11.430, de 26 de dezembro de 2006, que introduziu o art. 21-A6 na Lei 8.213/91. Esta modificação na Lei 8.213/91 criou o Nexo Técnico Epidemiológico (NTE), sendo este uma metodologia que permite ao INSS, quando da realização da perícia médica, identificar quais doenças e acidentes estão relacionadas com a prática de uma determinada atividade profissional, caracterizando, quando houver tal relação, o benefício acidentário, como bem explica Oliveira (2008, p. 133): Essa inovação legal reforça sobremaneira a técnica da inversão do ônus da prova em favor do acidentado, pois consagra a figura do nexo causal epidemiológico, ou seja, de acordo com os dados estatísticos das doenças ocupacionais em determinada empresa, catalogados pela Previdência Social com base nos benefícios efetivamente concedidos, ocorrerá a presunção de que o adoecimento foi causado pelo exercício do trabalho. Ante esta situação, houve a inversão do ônus da prova como cita Oliveira. O entendimento é de que a empresa deverá provar que a doença ocupacional e o acidente de trabalho não foram causados pela atividade desenvolvida pelo trabalhador. Reforçando esta idéia, Oliveira (2008, p. 135) ensina que “[...] por se tratar de presunção juris tantum, poderá o empregador apresentar provas em sentido contrário, demonstrando que aquele acidente ou 6 Art. 21-A. A perícia médica do INSS considerará caracterizada a natureza acidentária da incapacidade quando constatar ocorrência de nexo técnico epidemiológico entre o trabalho e o agravo, decorrente da relação entre a atividade da empresa e a entidade mórbida motivadora da incapacidade elencada na Classificação Internacional de Doenças - CID, em conformidade com o que dispuser o regulamento. § 1o A perícia médica do INSS deixará de aplicar o disposto neste artigo quando demonstrada a inexistência do nexo de que trata o caput deste artigo. § 2o A empresa poderá requerer a não aplicação do nexo técnico epidemiológico, de cuja decisão caberá recurso com efeito suspensivo, da empresa ou do segurado, ao Conselho de Recursos da Previdência Social. 23 adoecimento não teve vínculo causal com a execução do contrato de trabalho”. A denominação do Nexo Técnico Epidemiológico foi bem definida na Exposição de Motivos da Medida Provisória n. 316, de 11 de agosto de 2006: 10. Assim, denomina-se Nexo Técnico Epidemiológico a relação entre Classificação Nacional de Atividades Econômicas (CNAE) e o agrupamento CID-10. É, na verdade, uma medida de associação estatística, que serve como um dos requisitos de causalidade entre um fator (nesse caso, pertencer a um determinado CNAE-classe) e um desfecho de saúde, mediante um agrupamento CID, como diagnóstico clínico. Por meio desse nexo, chega-se à conclusão de que pertencer a um determinado segmento econômico (CNAE-classe) constitui fator de risco para o trabalhador apresentar uma determinada patologia (agrupamento CID-10). Neste sentido, o enquadramento de um benefício acidentário na prática, com o advento do NTE, poderá ser feito pelo Médico Perito do INSS, ainda que não haja CAT preenchida pela empresa, como nos ensina Castro e Lazzari (2009, p. 548): Com isso, em termos de proteção previdenciária, não cabe mais ao médico perito do INSS duvidar da natureza acidentária da doença, quando não haja emissão de CAT, desde que identificada a doença como ligada à atividade empresarial, diante de um quadro de constantes afastamentos de trabalhadores pelo mesmo motivo (nexo técnico epidemiológico) [...] Um exemplo que poderá ser aplicado o NTE, face a moléstia causada ter uma relação com a atividade desempenhada pelo empregado, é no caso da perda de audição causada pelo ruído elevado, ao trabalhador que exerce sua atividade em mineração e beneficiamento de rochas. Logo, este trabalhador, comparecendo ao INSS e tendo direito ao benefício, será classificado como acidente de trabalho, sendo que caberá ao empregador comprovar o contrário através de documentação médica e técnica, que poderá comprovar a inexistência de nexo causal entre o agravo e o trabalho. (COSTA, 2008, p. 80) Cabe salientar que com o advento do NTE, a CAT ainda continua sendo uma obrigação da empresa, sendo feita por formulário próprio, até o primeiro dia útil após a ocorrência do evento. (CASTRO; LAZZARI, 2009, p. 550) Resta evidenciado que, pelo que foi tratado até o momento, o NTE reforça o direito dos trabalhadores, além de reforçar a importância da prevenção de acidentes dentro das empresas, gerando uma maior conscientização por parte dos empregadores, no sentido da 24 preservação de um meio de trabalho seguro, equilibrado e saudável. Passará a ser estudado a partir de agora, quais as espécies de benefícios pagos pelo INSS decorrentes de acidente de trabalho e doença ocupacional. Será feita uma análise sobre a renda mensal, os requisitos para se obter o direito a cada um deles, os documentos necessários para a obtenção, dentre outras peculiaridades. 1.4 Benefícios Acidentários Temos hoje na Previdência Social Brasileira, uma série de benefícios que os segurados ou seus dependentes poderão ter direito. Estão eles elencados no art. 187 da Lei n. 8.213/91. Oportuno constar que, todos os benefícios acidentários são isentos de carência para serem concedidos. O conceito de carência está implícito no art. 24 da Lei n. 8.213, que é o número mínimo de contribuições necessárias para que o segurado tenha direito ao benefício. Em resumo, não importa quanto tempo o trabalhador exerceu sua atividade, ele terá direito ao benefício acidentário, diferentemente, por exemplo, do auxílio-doença (previdenciário) que necessita de pelo menos 12 contribuições anteriores a incapacidade laboral. Todo o segurado da Previdência Social, quando encerra uma determinada atividade, ou quando para de contribuir, terá direito ao chamado “período de graça”, que é o período onde o segurado, mesmo que não esteja contribuindo, manterá sua qualidade e estará amparado pelo INSS. Possui previsão no art. 15 da Lei n. 8.213/91 e também no art. 13 do Regulamento da Previdência Social (Decreto n. 3.048/99). Importante também será abordar já aqui o conceito de salário de benefício, que é o valor básico utilizado para o cálculo da renda mensal dos benefícios. Nos casos dos benefícios que serão tratados nesta monografia, consiste na média aritmética simples dos maiores 7 Art. 18. O Regime Geral de Previdência Social compreende as seguintes prestações, devidas inclusive em razão de eventos decorrentes de acidente do trabalho, expressas em benefícios e serviços: I - quanto ao segurado: a) aposentadoria por invalidez; b) aposentadoria por idade; c) aposentadoria por tempo de contribuição; d) aposentadoria especial; e) auxílio-doença; f) salário-família; g) salário-maternidade; h) auxílio-acidente; II quanto ao dependente: a) pensão por morte; b) auxílio-reclusão; III - quanto ao segurado e dependente: a) (Revogada pela Lei nº 9.032, de 1995); b) serviço social; c) reabilitação profissional. 25 salários-de-contribuição, correspondentes a 80% de todo o período contributivo, de acordo com art. 29, II, da Lei n. 8.213/91. Será objeto do presente estudo, apenas os benefícios acidentários, ou seja, aqueles decorrentes de acidente de trabalho ou doença ocupacional. São eles: auxílio-doençaacidentário (91), auxílio-acidente por acidente de trabalho (94), aposentadoria por invalidez acidentária (92) e pensão por morte acidentária (93). O número ao lado da espécie do benefício corresponde ao empregado administrativamente pelo INSS. 1.4.1 Auxílio-doença acidentário Trata-se do benefício previsto nos arts. 598 a 63 da Lei n. 8.213/91 e também nos arts. 71 a 80 do Regulamento da Previdência Social (Decreto n. 3.048/99). Não obstante os artigos tratarem somente de auxílio-doença, a regra se aplica também ao auxílio-doença acidentário. Administrativamente, o INSS distingue os dois benefícios, o número 31 se refere ao auxíliodoença que não seja decorrente do trabalho, e o número 91 se refere ao auxílio-doença acidentário. Costa (2008, p. 112) nos traz um conceito de auxílio-doença acidentário: É benefício pecuniário de prestação continuada, com prazo indeterminado, sujeito à revisão periódica, que se constitui no pagamento de renda mensal ao acidentado urbano ou rural que sofreu acidente do trabalho ou doença das condições de trabalho. Esta espécie de benefício, aliás, os benefícios acidentários como um todo, são devidos somente aos segurados empregados, trabalhadores avulsos e ao segurado especial. Excluindose, portanto, os segurados empregado doméstico, contribuinte individual e facultativo. Para a concessão do auxílio-doença acidentário é necessário a verificação da incapacidade, mediante exame médico-pericial, a cargo do INSS. Será devido este benefício a contar do 16º dia de afastamento da atividade. Durante os 8 Art. 59. O auxílio-doença será devido ao segurado que, havendo cumprido, quando for o caso, o período de carência exigido nesta Lei, ficar incapacitado para o seu trabalho ou para a sua atividade habitual por mais de 15 (quinze) dias consecutivos. 26 15 primeiros dias, incumbirá à empresa pagar o salário ao segurado, nos caso de segurado empregado. Para os demais segurados, o benefício é devido a contar da data do início da incapacidade, que será verificada na perícia médica a cargo do INSS. (CASTRO; LAZZARI, 2009, p. 636). Durante a permanência do segurado em auxílio-doença acidentário, não existe uma definição da incapacidade laborativa. As lesões e seqüelas estarão ainda em avaliação. Somente se não ocorrer a recuperação do segurado, o INSS converterá o auxílio-doença acidentário em aposentadoria por invalidez acidentária, em razão de incapacidade permanente. (COSTA, 2008, p. 113). O valor da renda mensal deste benefício é de 91% do salário de benefício, de acordo com o art. 619 da Lei n. 8.213/91, ressaltando-se que nunca poderá ser inferior ao salário mínimo. Será cessado o benefício de auxílio-doença acidentário pela recuperação da capacidade para o trabalho, pela transformação em qualquer tipo de aposentadoria ou auxílio-acidente de qualquer natureza, neste caso se resultar redução da capacidade laborativa que exercia habitualmente. (CASTRO;LAZZARI, 2009, p. 640). Uma importante diferença entre o auxílio-doença previdenciário e o auxílio-doença acidentário, é que este, de acordo com o art. 118 da lei 8.213/91, após sua cessação garantirá ao trabalhador a manutenção do seu contrato de trabalho pelo prazo mínimo de 12 meses, independentemente de percepção de auxílio-acidente. Isto garante que o trabalhador não será dispensado sem justa causa em até 12 meses após o retorno ao trabalho. Ressalta-se que, se o trabalhador eventualmente apresentar, mesmo que após a dispensa, uma doença ocupacional, ainda assim terá direito ao benefício acidentário, de acordo com Costa (2008, p. 115): Ainda que o trabalhador acidentado seja demitido por seu empregador, não perde ele o direito ao benefício em estudo, na eventualidade de apresentar, após a demissão, doença profissional ou doença que seja resultante das condições de trabalho. O benefício do auxílio-doença acidentário poderá ser solicitado via internet, ou nas 9 Art. 61. O auxílio-doença, inclusive o decorrente de acidente do trabalho, consistirá numa renda mensal correspondente a 91% (noventa e um por cento) do salário-de-benefício, observado o disposto na Seção III, especialmente no art. 33 desta Lei. 27 Agências do INSS, mediante apresentação do Número de Identificação do Trabalhador (NIT), atestados médicos e exames que se achar necessário, carteira de trabalho, documentos pessoais e no caso de segurado empregado, do formulário preenchido pela empresa constando o último dia trabalhado e demais informações pertinentes, que nada mais é do que a CAT. 1.4.2 Auxílio-acidente por acidente de trabalho Trata-se do benefício previsto no art. 86 da Lei n. 8.213/91 e também no art. 104 do Regulamento da Previdência Social (Decreto n. 3.048/99). O auxílio-acidente poderá ser oriundo de qualquer acidente, e não somente de acidente de trabalho. O INSS distingue os dois, atribuindo o número 36 para auxílio-acidente que não seja por acidente do trabalho, e o número 94 para o auxílio-acidente por acidente do trabalho. É o benefício previdenciário pago ao segurado acidentado, como uma forma de indenização, sem caráter substitutivo do salário, quando após as consolidações das lesões decorrentes do acidente (não necessariamente do trabalho), resultarem seqüelas que impliquem a redução parcial da capacidade laboral que exercia. (CASTRO; LAZZARI, 2009, p. 646). Um bom exemplo onde poderá ocorrer a concessão deste benefício nos traz Castro e Lazzari (2009, p. 647): Exemplificando, um motorista de ônibus, vítima de acidente de trânsito, do qual resultem seqüelas em seus membros inferiores, que o impossibilitem de continuar dirigindo, estará incapaz definitivamente para a função que exercia, mas não estará totalmente incapaz para toda e qualquer atividade (podendo desenvolver atividades manuais, que não exijam o uso dos membros inferiores). Na hipótese, o segurado terá direito a receber auxílioacidente. No que tange o valor deste benefício, a regra é de que nenhum benefício previdenciário será pago inferior ao salário mínimo, no entanto, como este tipo de benefício não possui caráter de substituição da renda do segurado, visto que o mesmo poderá continuar trabalhando, poderá ser pago inferior, de acordo com o entendimento do art. 201, § 2º da Constituição Federal. 28 Em conformidade com o art. 86, § 2º da Lei n. 8.213/91 e também no art. 104, §2º do Decreto n. 3.048/99, a data de início do benefício de auxílio-acidente será o dia seguinte da cessação do auxílio-doença, e segundo Castro e Lazzari (2009, p. 648) “a partir de 10.11.97, em face da medida provisória n. 1.596-14, convertida na Lei n. 9.528, de 10.12.97, é vedada a acumulação do auxílio-acidente com qualquer aposentadoria”. De acordo com o entendimento do art. 86, § 3º da lei 8.213/91, do qual também teve sua redação alterada pela Lei n. 9.528/97, não é possível cumular a concessão de auxílioacidente com qualquer aposentadoria, portanto, o mesmo poderá ser cumulado com qualquer outro benefício que não seja de aposentadoria. Poderá ser cumulado com auxílio doença desde que o fato gerador da incapacidade para o trabalho seja diverso, como por exemplo: um empregado sofreu um acidente de trabalho e teve dois dedos da mão amputados e agora sofreu um infarto do miocárdio e está afastado do trabalho, sendo assim pode receber os dois benefícios: auxílio doença e auxílio acidente. A partir da Lei n. 9.032/95 a renda mensal deste benefício foi fixada em 50% do salário de benefício, sendo devido até a véspera do início de qualquer aposentadoria ou óbito do segurado, de acordo com entendimento do art. 86, § 1º da Lei n. 8.213/91. Antes da Lei n. 9.032/95, poderia ser pago no percentual de 30%, 40% ou 60%, como bem ensina Gonçales (2009, p. 255): Para redução da capacidade de trabalho, com retorno à mesma atividade, o legislador estipulou o benefício auxílio-acidente. No direito anterior, para esta específica situação, o benefício era denominado ‘auxílio-suplementar’. Considerada a menor repercussão da seqüela, o valor do benefício era igual a 30% do salário-de-contribuição do segurado, vigente no dia do acidente. Para as outras hipóteses, ou seja, retorno ao trabalho, em outra função, o valor do benefício era equivalente a 40% e 60%, respectivamente. O INSS, atualmente, passou a conceder o auxílio-acidente no período de graça, de acordo com a nova redação, dada pelo Decreto n. 6.722/08, do art. 104, § 7º do Decreto n. 3.048/99. Para o segurado fazer o pedido de auxílio-acidente, normalmente não se apresentam documentos, pois eles já foram exigidos na concessão do auxílio-doença, basta fazer o pedido junto ao INSS. 29 1.4.3 Aposentadoria por invalidez acidentária Trata-se do benefício previsto nos arts. 42 a 47 da Lei n. 8.213/91 e também nos arts. 43 a 50 do Regulamento da Previdência Social (Decreto n. 3.048/99). Não obstante os artigos tratarem somente de aposentadoria por invalidez, a regra se aplica também ä aposentadoria por invalidez acidentária. Administrativamente, o INSS distingue os dois benefícios, o número 32 se refere a aposentadoria por invalidez que não seja decorrente do trabalho, e o número 92 se refere a aposentadoria por invalidez acidentária. A aposentadoria por invalidez acidentária é a prestação continuada, concedida ao segurado que foi afastado da atividade laborativa por acidente ou moléstia do trabalho, e que torne-se totalmente incapaz e insusceptível de reabilitação para atividade que lhe garanta a subsistência. (COSTA, 2008, p. 170). Segundo Costa (2008, p. 174) a aposentadoria por invalidez acidentária, quando não é precedida de auxílio-doença acidentário, “deve iniciar a partir da data em que comprovadamente cessou o exercício da atividade habitual”, respeitado o 16º dia de afastamento, nos casos de segurado empregado. Normalmente, antes do segurado receber a aposentadoria por invalidez acidentária, recebe o auxílio-doença acidentário, conforme explica Gonçales (2009, p. 247): Ocorrendo acidente do trabalho, o trabalhador em regra começa a perceber auxílio-doença. Recuperada a capacidade para o trabalho, cessa o benefício e o obreiro retorna às atividades. Não se recuperando, o segurado vê o auxíliodoença cessar, iniciando-se o pagamento de aposentadoria por invalidez que, diferentemente do auxílio-doença, é benefício de natureza permanente ou provisória. Depende do exame de cada hipótese. Poderá ser provisório, como explica Gonçales, pois o segurado poderá retornar voluntariamente à atividade, caso em que, o benefício será automaticamente cessado a partir da data do retorno, de acordo com o entendimento do art. 48 do Decreto n. 3.048/99. O segurado também poderá ter seu benefício cessado se não submeter-se a exame médico a cargo do INSS a serem realizados de 2 em 2 anos, conforme art. 46 do Decreto n. 3.048/99. Também poderá ter seu benefício cessado se o segurado se julgar apto a voltar ao trabalho, sendo que deverá solicitar nova avaliação médico pericial pelo INSS. 30 Consiste a renda mensal deste benefício, em 100% do salário de benefício, se foi concedido por transformação de auxílio-doença, será de 100% do salário de benefício que serviu de base para o cálculo da renda mensal inicial do auxílio-doença, reajustado pelos índices de correção dos benefícios previdenciários. (CASTRO; LAZZARI, 2009, p. 581). O benefício de aposentadoria por invalidez será acrescido de 25% para o segurado que necessitar de assistência permanente de outra pessoa, conforme redação do art. 45 do Decreto n. 3.048/99. Assim, de acordo com este entendimento, renda mensal inicial do benefício poderá chegar a 125% do salário de benefício. Os documentos exigidos pelo INSS para a concessão deste benefício são os mesmos exigidos para o auxílio-doença acidentário. 1.4.4 Pensão por morte acidentária A pensão por morte acidentária encontra-se regulada pelos arts. 105 à 115 do Decreto n. 3.048/99 e pelos arts. 74 a 79 da Lei n. 8.213/91. Não obstante os artigos tratarem somente de pensão por morte previdenciária, a regra se aplica também a pensão por morte acidentária, o INSS distingue os dois benefícios, o número 21 se refere a pensão por morte que não seja decorrente do trabalho (previdenciária), e o número 93 se refere a pensão por morte acidentária. É a prestação paga aos dependentes do segurado, quando este falecer em decorrência de acidente de trabalho ou doença ocupacional. Possui o mesmo sistema de cálculo que a pensão por morte previdenciária, ou seja, cem por cento do valor da aposentadoria que o segurado recebia, ou daquela a que teria direito se estivesse aposentado por invalidez na data de seu falecimento, conforme entendimento do art. 75 da Lei n. 8.213/91. Em suma, o valor será de 100% do salário de benefício. O falecido deverá ter a qualidade de segurado na data do óbito para gerar direito à pensão por morte de seus dependentes, importante citar o ensinamento de Castro e Lazzari (2009, p. 622): 31 Não é devida pensão por morte quando na data do óbito tenha ocorrido perda da qualidade de segurado, salvo se o falecido havia implementado ao requisitos para obtenção de aposentadoria, ou se por meio de parecer médico-pericial ficar reconhecida a existência da incapacidade permanente do falecido dentro do período de graça. É presumida a dependência econômica, quando trata-se de cônjuge, companheiro(a) e o filho não emancipado, de qualquer condição, menor de 21 (vinte e um) anos ou inválido. Deverá ser comprovada a dependência econômica quando tratar-se de pais, irmão não emancipado, de qualquer condição, menor de 21 (vinte e um) anos ou inválido. A Lei n. 8.213/91, em seu art. 76, § 2º abriu um precedente para o cônjuge divorciado ou separado judicialmente. Se este ex-cônjuge recebia alimentos antes do óbito, concorrerá em igualdade de condições com o cônjuge, o companheiro (a), o filho menor de 21 anos e o inválido. Cessará o benefício, pela ocorrência da morte do pensionista, para o menor quando completar 21 anos, para o pensionista inválido pela cessação da invalidez (mediante perícia feita pelo INSS), e pela adoção para o filho adotado que receba pensão dos pais biológicos, de acordo com previsão do art. 77 da Lei n. 8.213/91. Deve-se observar que, com força no art. 16 da Lei n. 8213/91 c/c o art. 77 da mesma Lei, e art. 113, parágrafo único do Decreto n. 3048/99, a pensão é devida ao conjunto de dependentes do segurado e rateada entre todos da mesma classe de dependentes. Deverá ser revertida em favor dos demais a parte daquele cujo direito à pensão cessar de acordo com o caput do art. 113 do Decreto n. 3048/99. A pensão por morte somente não poderá ser acumulada com outro benefício, se tratarse de mais de uma pensão deixada por cônjuge ou companheiro, na forma do art. 124, VI, da Lei n 8.213/91, devendo ser respeitado direito adquirido. Na prática, será feita a opção pela mais vantajosa. Um filho, por exemplo, poderá receber simultaneamente a pensão deixada pelo pai e a pensão deixada pela mãe, ou ainda a mãe receber a pensão por morte do marido ou companheiro concomitantemente com a pensão por morte de um filho. O benefício de pensão por morte acidentária poderá ser solicitado perante o INSS, mediante apresentação de documento de identificação do dependente e certidão de óbito do segurado. Quando a dependência é presumida, basta comprovar a condição por meio de documento de identificação. Quando a dependência econômica tiver que ser comprovada, por 32 exemplo, nos casos de pais, deverá apresentar ao menos 3 documentos, que comprovem a dependência econômica para com o falecido. Conclui-se, portanto, o primeiro capítulo da presente monografia, tendo sido abordado os principais aspectos relacionados com o acidente de trabalho, de grande utilidade para o desenvolvimento do conteúdo. No capítulo seguinte será feita uma análise da responsabilidade pelo acidente de trabalho que também está intimamente ligada com o estudo do objeto desta monografia, que é a ação regressiva do INSS nos casos de acidente de trabalho. 33 CAPÍTULO II 2 A RESPONSABILIDADE CIVIL DO EMPREGADOR PELO ACIDENTE DE TRABALHO Estabelecidos os aspectos relacionados com o acidente de trabalho de um modo geral, faz-se necessário estudar o instituto da responsabilidade civil do empregador pelo acidente de trabalho, que merece um grande destaque para a continuidade do presente estudo. No mundo atual, segurança no trabalho deve constituir um objetivo permanente do poder público, das empresas e dos trabalhadores. O empregador está obrigado a garantir que os trabalhadores executem o trabalho em um ambiente de trabalho equilibrado, isto é, com ruído tolerável, fornecimento dos equipamentos de proteção individual, temperatura agradável, entre outros. Mas isso nem sempre acontece, daí que o estudo da responsabilidade civil do empregador nos casos de acidente de trabalho se torna de suma importância. No presente capítulo serão abordados conceitos, elementos e modalidades de responsabilidade civil, inclusive a diferenciação entre responsabilidade objetiva e subjetiva, bem como a responsabilidade do empregador nos acidentes de trabalho. 2.1 Responsabilidade civil: aspectos gerais Para tratarmos especificamente da responsabilidade civil do empregador pelo acidente 34 de trabalho, faz-se necessário abordar algumas questões relativas à responsabilidade civil de uma maneira geral. O instituto da responsabilidade civil está previsto na parte especial do Código Civil, mais precisamente nos arts. 92710 a 954. O art. 186 da mesma lei está intimamente ligado com o referido instituto, pois nos traz a definição de ato ilícito, sendo “aquele que, por ação ou omissão voluntária, negligência ou imprudência, violar direito e causar dano a outrem, ainda que exclusivamente moral, comete ato ilícito.” Havendo dano ou prejuízo, o instituto da responsabilidade civil poderá ser invocado para ressarcir aquele que sofreu algum infortúnio, segundo Oliveira (2008, p. 72;73): É, por isso, instrumento de manutenção da harmonia social, na medida em que socorre o que foi lesado, utilizando-se do patrimônio do causador do dano para restauração do equilíbrio rompido. Com isso, além de punir o desvio de conduta e amparar a vítima serve para desestimular o violador potencial, o qual pode antever e até mensurar o peso da reposição que seu ato ou omissão poderá acarretar. Sintetizando a conceituação de responsabilidade civil, Diniz (2001, p. 34) nos traz uma definição segura sobre o assunto: Poder-se-á definir a responsabilidade civil como a aplicação de medidas que obriguem alguém a reparar dano moral ou patrimonial causado a terceiros em razão de ato do próprio imputado, de pessoa por quem ele responde, ou de fato de coisa ou animal sob sua guarda (responsabilidade subjetiva), ou, ainda, de simples imposição legal (responsabilidade objetiva). Temos, portanto, que responsabilidade civil é um instituto que está presente não somente nas relações de trabalho, que são tratadas nesta monografia, mas na vida social como um todo, onde surge a antiga idéia de que quem causou dano, por qualquer motivo que seja, tem o dever de repará-lo. No Brasil houve muita discussão, tendo em vista a obrigatoriedade do pagamento do seguro acidentário, pois este gerava uma idéia de que nele já estavam cobertos todos os riscos relacionados com os infortúnios laborais. Tinha-se a impressão de que o recebimento de benefícios acidentários juntamente com uma indenização do empregador, implicaria na figura 10 Art. 927. Aquele que, por ato ilícito (arts. 186 e 187), causar dano a outrem, fica obrigado a repará-lo. 35 do bis in idem. (OLIVEIRA, 2008, p. 74) Quando da vigência do Decreto n. 24.637/34 em nossa legislação, havia uma previsão expressa excluindo a responsabilidade civil, precisamente em seu art. 12: “A indenização estatuída pela presente lei exonera o empregador de pagar à vítima, pelo mesmo acidente, qualquer outra indenização de direito comum”. Porém, essa cobertura acidentária dada por este decreto tinha limites estabelecidos, sem atingir o ressarcimento integral do dano sofrido pelo empregado. (OLIVEIRA, 2008, p. 74) Futuramente foi corrigido o problema com a previsão de indenização civil quando o acidente resultasse somente de dolo do empregador ou seus pressupostos, de acordo com o art. 31 do Decreto-lei n. 7.036/44, onde constava que o pagamento de qualquer outra indenização de Direito Comum era exonerada, a não ser que fosse resultado de dolo do empregador ou seus prepostos. (OLIVEIRA, 2008, p. 75) O Supremo Tribunal Federal na época avançou no entendimento do artigo citado acima, pois passou a estabelecer o direito da vítima à reparação civil também nos casos de culpa grave do empregador, sendo criada em 13 de dezembro de 1963 a súmula 229: “A indenização acidentária não exclui a do direito comum, em caso de dolo ou culpa grave do empregador.” A partir desta súmula, o debate nos tribunais passou a ser o grau de culpa do empregador para caber a indenização por responsabilidade civil, já que somente caberia indenização em caso de culpa grave. (OLIVEIRA, 2008, p. 75;76) Com o advento da Constituição de 1988, onde a questão dos acidentes de trabalho teve atenção especial, principalmente pelas estatísticas dos acidentes de trabalho no Brasil, foi criado em seu art. 7º, XXVIII, os direitos dos trabalhadores urbanos e rurais, sendo que o seguro contra acidentes de trabalho não exclui a indenização que o empregador está obrigado quando houver dolo ou culpa, Oliveira (2008, p. 77;78) colabora com uma observação importante acerca do tema: Observe-se que o dispositivo Constitucional alargou sobremaneira o campo da responsabilidade civil quando não qualificou a culpa do empregador no acidente, pelo que é imperioso concluir que todas as suas espécies ou graus geram o direito à indenização. Em síntese, restou ampliado e, portanto, superado o entendimento da Súmula 229/STF, que só deferia a indenização ao acidentado no caso de dolo ou culpa grave. Desse modo, desde a Constituição de 1988, havendo culpa do empregador, de qualquer espécie ou grau, mesmo na hipótese de culpa levíssima, o acidentado faz jus a indenização. 36 Temos, portanto, que com o passar do tempo, várias foram as teorias aplicadas quanto à responsabilidade civil do empregador nos casos de acidente de trabalho, sendo que a teoria que primeiro se observou foi a subjetiva, ou seja, a necessidade da prova de existência de culpa pelo empregador. Em um segundo momento, passou-se a considerar a teoria objetiva, ou seja, da responsabilidade independente de culpa em casos específicos, que veremos na sequência. Visto um histórico das leis que tratavam da responsabilidade civil pelo acidente de trabalho até a chegada da Constituição Federal de 1988, faz-se necessário um estudo de como as leis, a doutrina e a jurisprudência vêm tratando do assunto atualmente no campo dos acidentes de trabalho, ou seja, após a Constituição de 1988. Para tanto, abordaremos primeiramente o instituto da responsabilidade civil objetiva, subjetiva e do estado de um modo geral, e após estudaremos a responsabilidade civil do empregador nos acidentes de trabalho. 2.2.1 Responsabilidade civil objetiva Baseada na teoria do risco, para a responsabilidade civil objetiva, não interessa se o dano ocorre por dolo ou culpa do agente, resta somente necessário a comprovação de relação de causalidade entre o dano e o ato do agente. A responsabilidade civil objetiva é aceita por grande parte dos doutrinadores, visto que a responsabilidade fundada na culpa (subjetiva) por muitas vezes não satisfaz a solução de numerosos casos em que a vítima não consegue provar a culpa do agente causador do dano. De acordo com Pereira (2002, p. 269): A doutrina objetiva, ao invés de exigir que a responsabilidade civil seja a resultante dos elementos tradicionais (culpa, dano, vínculo de causalidade entre uma e outro) assenta na equação binária cujos pólos são o dano e a autoria do evento danoso. Sem cogitar a imputabilidade ou investigar a antijuridicidade do fato danoso, o que importa para assegurar o ressarcimento é a verificação se ocorreu o evento e se dele emanou o prejuízo. Em tal ocorrendo, o autor do fato causador do dano é responsável. Encontramos no Código Civil Brasileiro o instituto da responsabilidade objetiva, mais 37 especificamente no parágrafo único do art. 927: "haverá obrigação de reparar o dano, independentemente de culpa, nos casos especificados em lei, ou quando a atividade normalmente desenvolvida pelo autor do dano implicar, por sua natureza, risco para os direitos de outrem." Temos, portanto que, em se tratando de responsabilidade objetiva a atitude culposa ou dolosa do agente causador do dano é de menor relevância. Desde que exista relação de causalidade entre o dano causado à vítima e o ato do agente, surge o dever de indenizar, quer tenha este agente agido ou não culposamente, diferentemente da responsabilidade civil subjetiva da qual veremos a seguir. 2.2.2 Responsabilidade civil subjetiva A responsabilidade subjetiva caracteriza-se por basear-se na culpa do agente. Sendo necessário para sua configuração não somente a culpa, mas também a existência de um dano e o nexo causal entre o ato praticado e o prejuízo causado. Importante frisar que abrange o conceito de culpa, a culpa propriamente dita e também o dolo do agente. Em outras palavras, o termo “culpa” abrange também o dolo. Pereira (2002, p. 63) discorre sobre a diferenciação da teoria subjetiva para com a objetiva e afirma que “na teoria da responsabilidade subjetiva ocupa lugar preponderante a noção genérica de culpa, uma vez que é o elemento distintivo em relação à teoria objetiva.” Pelos ensinamentos de Caio Mário a vítima terá direito a reparação do dano que sofreu e o ofensor tem o dever de reparar esse dano, mas afirma que “para a teoria subjetiva, entretanto, o ressarcimento do prejuízo não tem como fundamento um fato qualquer do homem; tem cabida quando o agente procede com culpa.” (PEREIRA, 2002, p. 32) No que concerne a culpa, temos várias modalidades destacadas pela doutrina, como a culpa in eligendo, in vigilando, in commitendo e in omittendo. Nisso, destaca Venosa (2008, p. 29,30): 38 Culpa in eligendo é a oriunda da má escolha do representante ou do preposto, como, por exemplo, contratar empregado inabilitado ou imperito. Culpa in vigilando é a que se traduz na ausência de fiscalização do patrão ou comitente com relação a empregados ou terceiros sob seu comando. Culpa in commitendo ocorre quando o agente pratica ato positivo, geralmente caracterizado por imprudência e culpa in omittendo decorre de uma abstenção indevida, caracterizando negligência. A análise individualizada da responsabilidade subjetiva e da responsabilidade objetiva é de suma importância para uma melhor compreensão acerca da responsabilidade civil e sua aplicabilidade nos casos de acidente do trabalho. Trataremos agora de estudar também a cobertura acidentária realizada pelo Estado. 2.2.3 Responsabilidade civil do Estado É certo que o assunto responsabilidade civil do Estado por si só abrange muitos conceitos e características. No entanto, abordaremos aqui somente o que é necessário saber para o desenvolvimento do assunto principal deste capítulo, que é a responsabilidade civil do empregador pelo acidente de trabalho. Analisando a responsabilidade do Estado frente aos acidentes de trabalho, temos que o INSS, como ente administrativo responsável pela execução da política pública de concessão de benefícios é o responsável pela concessão de benefícios para todo e qualquer acidentado do trabalho, desde que seja segurado da Previdência Social. A cobertura securitária realizada pelo INSS está fundada na teoria objetiva, visto que o pagamento dos benefícios previdenciários ao trabalhador não está condicionado à caracterização da culpa. Basta o trabalhador contribuir para o sistema do Seguro Social que o Estado, por meio do INSS arcará com o pagamento dos benefícios, que já foram tratados individualmente no primeiro capítulo desta monografia. Há diferença entre a cobertura acidentária realizada pelo INSS, por meio da concessão de benefícios e o dever do empregador realizar a reparação cível ao empregado. O empregado pode receber o benefício previdenciário e receber reparações decorrentes da responsabilidade civil do empregador. (OLIVEIRA, 2008 p. 79) 39 Oliveira (2008, p. 80) colabora com o seguinte apontamento: A cobertura acidentária pelo INSS deslocou a natureza contratual do seguro de acidente do trabalho para um sistema de seguro social, de solidariedade mais ampla, cujos benefícios são concedidos ao acidentado independentemente da prova de culpa, já que qualquer trabalho, de certa forma, implica riscos. Não se deve esquecer ademais, de que o trabalhador também contribui para a Previdência Social e a empresa paga um percentual a mais para financiar os benefícios acidentários. Temos, portanto, que pelo princípio constitucional da Seguridade Social, que é a universalidade da cobertura e do atendimento, o Estado, representado pelo INSS, alcançará todos os eventos do infortúnio laboral, a fim de manter a subsistência do trabalhador. Diante desta afirmativa, a responsabilidade civil do Estado frente ao acidente de trabalho é objetiva. 2.3 Responsabilidade civil do empregador pelo acidente de trabalho Indiscutivelmente, apesar de todos os esforços e da própria previsão constitucional, os acidentes de trabalho vitimam todos os dias inúmeros trabalhadores no Brasil. Uma vez verificado o acidente de trabalho, necessário se faz a apuração de responsabilidades, não somente para reparar eventual dano sofrido pelo acidentado, como para também evitar que novos acidentes venham a ocorrer. O trabalho, assim como a saúde, a segurança, a previdência social, vem disposto como um direito social no art. 6º11 da Constituição Federal. Temos também no art. 7º12 da Carta Magna um rol de direitos aos trabalhadores urbanos e rurais visando uma melhor condição social aos trabalhadores. É certo que, o legislador constituinte solidificou a importância do trabalho para a sociedade, consolidando inúmeros direitos aos trabalhadores, dentro deles o disposto no art. 11 Art. 6o São direitos sociais a educação, a saúde, o trabalho, a moradia, o lazer, a segurança, a previdência social, a proteção à maternidade e à infância, a assistência aos desamparados, na forma desta Constituição. 12 Art. 7º São direitos dos trabalhadores urbanos e rurais, além de outros que visem à melhoria de sua condição social: [...] 40 7º, XXVIII13. Neste prisma, diante da importância dada pela Constituição ao trabalhador, geralmente hipossuficiente na relação de emprego, iremos analisar a responsabilidade civil do empregador pelo acidente de trabalho. No atual ordenamento, o trabalhador segurado, quando sofrer acidente de trabalho, ou for vítima de doença ocupacional terá direito aos benefícios pagos pelo INSS independentemente da apuração da responsabilidade civil (responsabilidade objetiva), e também terá direito a ação de indenização civil contra o empregador em determinados casos. Cumpre destacar que está pacificado o entendimento de que é cabível indenização por responsabilidade civil cumulada com os benefícios acidentários, sem qualquer compensação. Para Oliveira (2008, p. 79): O empregado acidentado recebe os benefícios da Previdência Social, cujo pagamento independe da caracterização de culpa, já que a cobertura securitária está fundamentada na teoria da responsabilidade objetiva. E pode receber também, as reparações decorrentes da responsabilidade civil, quando o empregado tiver dolo ou culpa de qualquer grau na ocorrência, com apoio na responsabilidade de natureza subjetiva. Como registra o texto da Constituição, a cobertura do seguro acidentário não exclui o cabimento da indenização. Na mesma linha, pondera Cavalieri Filho (2008, p. 142) que as indenizações acidentária e comum são autônomas e cumuláveis, sendo que a primeira é fundada no risco integral e coberta pelo seguro social, devendo ser exigida do INSS, porquanto que, constatado o acidente do trabalho e, em se verificando dolo ou culpa do empregador, faz jus o trabalhador à indenização comum. A responsabilidade civil do empregador nos casos de acidente do trabalho gera grandes controvérsias no mundo jurídico. Temos a teoria da responsabilidade subjetiva, corrente majoritária, pautada na idéia de culpa, e a teoria da responsabilidade objetiva, fundada no risco criado. Veremos a seguir estas duas correntes separadamente. 13 XXVIII - seguro contra acidentes de trabalho, a cargo do empregador, sem excluir a indenização a que este está obrigado, quando incorrer em dolo ou culpa; 41 2.3.1 Responsabilidade objetiva no acidente de trabalho O surgimento da responsabilidade objetiva nos casos de acidente de trabalho se deu pela grande dificuldade em se provar a culpa do empregador pelos empregados, que não raras vezes, acabavam por não serem indenizados. Como já estudamos, a responsabilidade objetiva independe de prova de culpa, resta agora analisar esta responsabilidade e sua aplicação nos casos de acidente de trabalho. Com base no art. 927, parágrafo único14 do Código Civil, há doutrinadores que defendem que, desde que a atividade do empregador por si só crie grande risco aos seus empregados, a responsabilidade deste será objetiva, ou seja, independerá de prova de culpa. Isto tem gerado grandes discussões acerca do tema, isto porque a Constituição, em seu art. 7º, XXVIII não deixa dúvida quando dispõe que a responsabilidade civil do empregador por acidente de trabalho ocorrerá quando este incorrer em dolo ou culpa (teoria subjetiva). Um dos doutrinadores que defende ser perfeitamente aplicável nos acidente de trabalho a teoria da responsabilidade objetiva no Brasil é Sebastião Geraldo de Oliveira, que analisa o parágrafo único do art. 927 e colabora com o seguinte apontamento: A previsão do parágrafo único do art. 927 do Código Civil representa a consolidação da teoria da responsabilidade objetiva no Brasil, que passa a conviver no mesmo patamar de importância e generalidade da teoria da responsabilidade civil subjetiva. Desse modo, não se pode mais dizer que no Brasil a responsabilidade objetiva tenha caráter residual ou de exceção. Sobre a regra contida no Código Civil, Cairo Júnior (2009, p. 112) explica que é uma norma mais favorável para o trabalhador, que é a parte mais fragilizada da relação de emprego, e ainda nos traz que: Tratando-se de uma norma mais favorável para o trabalhador, posto que exclui o elemento subjetivo da responsabilidade civil, a regra contida no Código Civil teria preferência na aplicação ao caso concreto, em detrimento da norma constitucional que exige a culpa ou dolo para reconhecer a responsabilidade civil do empregador em caso de acidente de trabalho. 14 Art. 927. [...] Parágrafo único. Haverá obrigação de reparar o dano, independentemente de culpa, nos casos especificados em lei, ou quando a atividade normalmente desenvolvida pelo autor do dano implicar, por sua natureza, risco para os direitos de outrem. 42 Fazendo uma análise acerca da atividade que crie grande risco aos seus empregados, cumpre primeiramente trazer um conceito do que seria esta atividade, na qual segundo Brandão (2007, p. 239) “atividade de risco consiste na situação em que há probabilidades mais ou menos previsíveis de perigo; envolve toda a atividade humana que exponha alguém a perigo, ainda que exercida normalmente.” Para Cairo Júnior (2009, p. 113), atividade de risco é “[...] aquela que tem a probabilidade, em maior ou menor grau, de provocar dano em outrem. Assim, no âmbito da relação de emprego, são consideradas de risco as atividades insalubres e perigosas [...]”. Ainda sobre o conceito de atividade de risco, a 1ª Jornada de Direito Civil, promovida pelo Conselho de Justiça Federal, em seu enunciado 3815, traz que a responsabilidade fundada no risco da atividade, da segunda parte do parágrafo único do art. 927 do Código Civil, se dá quando em razão da atividade desenvolvida pelo autor do dano, se cria um ônus maior a quem sofreu este dano, do que em razão aos demais membros da coletividade Diante deste enunciado, para ser aplicado nas relações de trabalho, pondera Cairo Júnior (2009, p. 114) que “caberá a doutrina e a jurisprudência, de forma casuística, estabelecer um rol de atividades empresariais que gera riscos à saúde do trabalhador, para efeito de identificar a responsabilidade objetiva do empregador”. No mesmo sentido, temos na 1ª Jornada de Direito Material e Processual na Justiça do Trabalho aprovado o enunciado 3716, constando que o art. 7º, XXVIII da Constituição Federal não constitui óbice para a aplicação do art. 927 parágrafo único nos acidentes de trabalho. De acordo com o enunciado retro, entende ser perfeitamente aplicável a teoria da responsabilidade objetiva na reparação civil por acidente de trabalho, e que o tempo e a força criativa da doutrina e da jurisprudência poderão apontar o entendimento que deverá prevalecer. (OLIVEIRA, 2008, p. 105) Cairo Júnior (2009, p. 116), concluindo o estudo sobre a responsabilidade objetiva, 15 Enunciado 38 – Art. 927: a responsabilidade fundada no risco da atividade, como prevista na segunda parte do parágrafo único do art. 927 do novo Código Civil, configura-se quando a atividade normalmente desenvolvida pelo autor do dano causar a pessoa determinada um ônus maior do que aos demais membros da coletividade. 16 Enunciado 37. RESPONSABILIDADE CIVIL OBJETIVA NO ACIDENTE DE TRABALHO. ATIVIDADE DE RISCO. Aplica-se o art. 927, parágrafo único, do Código Civil nos acidentes do trabalho. O art. 7º, XXVIII, da Constituição da República, não constitui óbice à aplicação desse dispositivo legal, visto que seu caput garante a inclusão de outros direitos que visem à melhoria da condição social dos trabalhadores. 43 considera que não é toda a atividade empresarial que deve ser classificada como sendo de risco, ou seja, passível de responsabilização pela teoria objetiva, deve haver relação entre o dano sofrido e a atividade. Afirma ainda que: Através do método da observação, é possível formular a relação existente entre uma determinada função do obreiro, combinada com o meio ambiente de trabalho da empresa, e um dano específico, como, por exemplo, entre as funções de motorista e a hérnia de disco; entre os digitadores e a LER/DORT, entre a telefonista e a PAIR. Nesses casos, para afastar os efeitos da responsabilidade civil de natureza objetiva, o empregador deverá provar a ausência de nexo causal entre a doença e o labor, já que não há falar-se em culpa. Já temos diversas decisões dos tribunais pátrios que reconhecem esta espécie de responsabilidade, como decidiu o Egrégio Tribunal Regional do Trabalho da 4ª região17 sobre uma indenização para um motorista de caminhão que sofreu um acidente de trânsito enquanto realizava um transporte, sendo que pela natureza da atividade, considerou que neste caso se aplicaria a responsabilidade civil objetiva. Temos, portanto, que poderá ser adotada a teoria da responsabilidade objetiva, quando em se tratando de atividade de risco, o trabalhador sofre um acidente pelas condições a que está exposto, e não pela culpa ou dolo do empregador. Seria um tanto quanto injusto que o acidentado arque com o risco da atividade, uma vez que dela retira seu sustento. Veremos agora apontamentos sobre a responsabilidade subjetiva no acidente de trabalho, que exige a comprovação de culpa. 2.3.2 Responsabilidade subjetiva no acidente de trabalho O elemento culpa é o elemento diferenciador entre a responsabilidade civil subjetiva e objetiva. É caracterizada a culpa, quando o agente age com negligência, imprudência ou 17 RIO GRANDE DO SUL. Tribunal Regional do Trabalho da 4ª Região. RO n. 00316-2004-821-04-00-8. ACIDENTE DE TRABALHO – INDENIZAÇÃO POR DANO MORAL – A atividade de motorista de caminhão é, por si só, perigosa ou de risco acentuado, na medida em que o empregado se expõe constantemente ao risco de acidentes. A responsabilidade do empregador decorre da aplicação da teoria do risco da atividade, incidindo a responsabilidade civil objetiva, que independe da ocorrência de culpa ou dolo. Aplicação do artigo 927, parágrafo único, do CCB. Indenização devida. Relatora Juíza Maria Helena Mallmann, DJ 08.06.2006. Disponível em <http://www.trt4.jus.br/portal/portal/trt4/consultas/jurisprudencia/acordaos>. Acesso em: 12 abril 2010.) 44 imperícia. É necessário também que além da culpa haja a existência do dano e o nexo causal entre o ato praticado e o prejuízo causado. Os que defendem a teoria da responsabilidade subjetiva se valem do fundamento de que a Constituição Federal, em seu art.7º, inciso XXVIII, tendo estabelecido expressamente como pressuposto da indenização por acidente do trabalho a culpa do empregador, não há que se cogitar, por uma questão de hierarquia, que uma norma infraconstitucional (art. 927 do Código Civil) vá sobrepor-se a tal mandamento constitucional. Cavalieri Filho (2008, p. 142) defende a teoria da responsabilidade subjetiva nos casos de acidente de trabalho e colabora com o seguinte apontamento: A norma infraconstitucional não pode dispor de forma diferente da norma constitucional. Assim como o Código Civil não poderia, por exemplo, atribuir ao Estado responsabilidade subjetiva por estar esta responsabilidade disciplinada na Constituição Federal como objetiva (art. 37, § 6º18), não poderia também atribuir responsabilidade objetiva ao empregador quando tal responsabilidade está estabelecida na Constituição como subjetiva. Também entendendo ser aplicável a teoria subjetiva nos casos de acidente de trabalho em obediência à Constituição Federal, Stoco (2004, p. 610) destaca que: A responsabilidade do patrão, em caso de acidente do trabalho ocorrido com o seu empregado, deveria ser objetiva, não fosse a dicção peremptória do preceito constitucional, que impõe obediência, mas para nós superado e envelhecido, ainda que o sistema de custeio devesse ser modificado para que também o Estado e o empregado, ao lado do empregador, contribuam para a formação do fundo de indenização. Corroborando com o entendimento de que deve prevalecer a responsabilidade subjetiva nos casos de acidente de trabalho, temos como exemplo um julgado recente da 2ª Turma do TRT 2ª Região19, que no seu conteúdo nos traz que a responsabilidade do empregador é subjetiva, isto é, depende da existência de dolo ou culpa por parte do 18 Art. 37 [...] § 6º - As pessoas jurídicas de direito público e as de direito privado prestadoras de serviços públicos responderão pelos danos que seus agentes, nessa qualidade, causarem a terceiros, assegurado o direito de regresso contra o responsável nos casos de dolo ou culpa. 19 SÃO PAULO. Tribunal Regional do Trabalho da 2ª Região. RO n. 01444-2005-462-02-00-3 “[...] INDENIZAÇÃO POR DANOS MORAIS E MATERIAIS. ACIDENTE DO TRABALHO. A caracterização de danos morais e materiais decorrentes de acidente do trabalho exige a constatação do nexo causal e da culpa da empresa, consoante disciplina a Constituição Federal, em seu artigo 7º, inciso XXVIII. Tem-se, pois, que a responsabilidade do empregador é subjetiva, significando que o reconhecimento do direito a indenizações depende de prova da existência de dolo ou culpa do empregador. Relatora Odette Silveira Moraes , DJ 29/07/2009. Disponível em <http://www.trt02.gov.br:8035/020090582068.html>. Acesso em: 24 abril 2010. 45 empregador, sendo que no caso em apreço, o autor da ação não comprovou que a empresa teve culpa no acidente de trabalho, sendo assim, sua indenização não foi deferida. Entende-se hoje, que apesar do novo Código Civil ter aumentado as possibilidades de responsabilidade objetiva com a redação do art. 927, a regra geral ainda continua sendo a da responsabilidade subjetiva. No entanto, Sebastião Geraldo de Oliveira expõe em seu livro uma série de doutrinadores que defendem a teoria da responsabilidade objetiva e conclui que: Por tudo que foi exposto e considerando o centro de gravidade das lições dos doutrinadores mencionados, é possível concluir que a implementação da responsabilidade civil objetiva ou teoria do risco, na questão do acidente de trabalho, é mera questão de tempo. Bem na verdade é que essas duas espécies de responsabilidade se completam, aperfeiçoando o ordenamento jurídico e tornando-o mais condizente com a realidade dos fatos. A responsabilidade objetiva e a subjetiva se complementam para dar proteção ao acidentado. Fato é que a responsabilidade subjetiva é uma regra geral e deve ser aplicada sempre que constatada culpa do empregador, mesmo em se tratando de atividade de risco. Por outro lado, a teoria da responsabilidade objetiva é cabível quando tratar-se de atividade de risco, pois nestas situações se mostra injusto que o acidentado arque com o risco da atividade, uma vez que dela retira seu sustento. Sendo o risco inevitável, se não existe maneira totalmente segura de excluí-lo por completo, nada mais justo que o empregador arque com esse dano, uma vez que é ele quem aufere os lucros da atividade. Ademais, a responsabilidade do empregador nos acidentes de trabalho deve ser analisada caso a caso, seja pela aplicação da teoria subjetiva ou objetiva, para se buscar a efetivação da justiça. Ocorre que, temos situações onde mesmo havendo acidente de trabalho, a indenização não é devida. São as causas que excluem a responsabilidade do empregador, das quais veremos a seguir para finalizar o capítulo. 46 2.3.3 Excludentes da responsabilidade As excludentes da responsabilidade do empregador ocorrem quando apesar de existir um acidente de trabalho, não autorizam a imputação da responsabilidade civil do empregador. As excludentes de responsabilidade civil são acontecimentos passíveis de isentar o agente causador do dano do dever de indenizar. São hipóteses que excluem o nexo de causalidade nos acidentes de trabalho. Oliveira (2008, p. 144) colabora com o seguinte: Nas hipóteses de exclusão da causalidade os motivos do acidente não têm relação direta com o exercício do trabalho e nem podem ser evitados ou controlados pelo empregador. São fatores que rompem o liame causal e, portanto, o dever de indenizar porquanto não há constatação de que o empregador ou a prestação do serviço tenham sido os causadores do infortúnio. Antes de tudo, cumpre ressaltar que mesmo verificada a excludente de responsabilidade, a vitima terá direito a todos os benefícios previdenciários. A doutrina nos traz que se enquadram nestes casos, especialmente os acidentes causados por culpa exclusiva da vítima, fato exclusivo de terceiro, e caso fortuito ou força maior Na culpa exclusiva da vítima, não cabe qualquer reparação civil diante da inexistência de nexo causal do evento com a atividade da empresa ou com a conduta do empregador. (OLIVEIRA, 2008, p. 144) Destaca Oliveira (2008, p. 145) que se caracteriza a culpa exclusiva da vítima quando a única causa do acidente de trabalho tiver sido a sua conduta, e cita como exemplo o seguinte: Se o empregado, por exemplo, numa atitude inconseqüente, desliga o sensor de segurança automática de um equipamento perigoso e posteriormente sofre acidente por essa conduta, não há como atribuir culpa em qualquer grau ao empregador, pelo que não se pode falar em indenização. É oportuno observar que em havendo culpa concorrente, isto é, culpa da vítima e do empregador, cada uma delas deve ser avaliada pelo juiz com o fim de possibilitar a definição do valor do ressarcimento, sendo que em regra geral, havendo culpa concorrente, temos a 47 divisão da indenização pela metade. (BRANDÃO, 2007, p. 253) A excludente de responsabilidade por fato de terceiro, por sua vez, diz respeito, segundo Brandão (2007, p. 254) “[...] ao ato de terceiro que seja causa única e exclusiva do evento gerador do dano [...]”. O ato de terceiro pode excluir a responsabilidade já que não há participação do empregador para a ocorrência do evento danoso. Oliveira (2008, p. 150) chama a atenção sobre o que se caracteriza como fato de terceiro: Será considerado ‘fato de terceiro’, causador do acidente de trabalho, aquele ato ilícito praticado por alguém devidamente identificado que não seja nem o acidentado, nem o empregador ou seus pressupostos. Apenas o fato de o acidente ter ocorrido durante a jornada de trabalho não gera necessariamente o liame causal para fins de responsabilidade civil do empregador, se a prestação de serviços não tiver pelo menos contribuído para o infortúnio. Importante fazer constar que, quando a causa do acidente for por fato exclusivo de terceiro, o acidentado terá amparo previdenciário, contudo, não caberá a reparação civil por parte do empregador. (OLIVEIRA, 2008, p. 151) Em relação ao caso fortuito ou força maior, temos o conceito no art. 501 da CLT (consolidação das leis do trabalho): “Entende-se como força maior todo acontecimento inevitável, em relação à vontade do empregador, e para a realização do qual este não concorreu, direta ou indiretamente.” O caso fortuito ou força maior é considerado uma excludente, pois também não gera responsabilidade civil do empregador por falta de nexo causal com o exercício do trabalho, tendo em vista que escapam de qualquer controle ou diligência do empregador, mesmo tendo ocorrido no local e horário do trabalho. (OLIVEIRA, 2008, p. 147) Para se excluir a responsabilidade civil nos casos de caso fortuito ou força maior, como explica Brandão (2007, p. 256) deverá haver “[...] a ausência de providências capazes de serem adotadas pelo empregador a fim de evitar a sua ocorrência”. Oliveira (2008, p. 147, 148) no mesmo sentido, chama a atenção para o fato de que: [...] a falta de previdência do empregador caracteriza mesmo a sua culpa no 48 acidente, ficando também conhecido o nexo de causalidade do evento com sua conduta omissiva. Se o fato for imprevisível, mas as conseqüências evitáveis, cabe ao empregador adotar as medidas para tanto, sob pena de restarem configurados os pressupostos do nexo causal e da culpa patronal, tornando cabível a indenização. Um apontamento importante a ser feito nos casos de caso fortuito ou força maior é que, nas hipóteses de aplicação da responsabilidade objetiva, não exclui esta responsabilidade o caso fortuito interno, isto é, o fato danoso que está ligado com a pessoa, a coisa ou a empresa do agente causador do dano, em outras palavras, o fato danoso que se relaciona com a atividade da empresa. Somente irá excluir a responsabilidade nos casos fortuitos externos, que são aqueles que não estão em nada ligados com a atividade da empresa. (OLIVEIRA, 2008, p. 149-150) Via de regra, quando tratamos de acidente de trabalho, a constatação de qualquer excludente isenta o empregador de responsabilidade civil, uma vez que tais fatos acabam ocorrendo fora do controle do empregador. Conclui-se o segundo capítulo da presente monografia tendo como firmado o entendimento da responsabilidade civil do empregador nos casos de acidente de trabalho. A partir deste momento, adentraremos no assunto principal, que tem por objeto o estudo da ação regressiva acidentária, que consiste no direito do INSS em buscar e reaver, via ação regressiva, a totalidade ou em partes, os valores pagos a título de benefício para o empregado, cobrando tais valores do empregador. 49 CAPÍTULO III 3 A AÇÃO REGRESSIVA ACIDENTÁRIA Consoante já visto nos capítulos anteriores, independentemente da responsabilidade do empregador, na ocorrência de acidente de trabalho, a previdência social, como seguradora pública do trabalhador, concederá o benefício acidentário ao empregado ou a seus dependentes (no caso de morte). Ocorrendo a concessão do benefício, poderá o INSS ir em busca de reaver o montante pago no benefício e recompor os cofres públicos do dano que a empresa possa ter dado causa, com base na redação do art. 120 da Lei 8.213/91: “Nos casos de negligência quanto às normas padrão de segurança e higiene do trabalho indicados para a proteção individual e coletiva, a Previdência Social proporá ação regressiva contra os responsáveis.” Neste sentido, será desenvolvido um estudo sobre as ações regressivas que o INSS poderá promover contra o empregador, demonstrando primeiramente a importância de um meio ambiente de trabalho seguro, e por fim, será adentrado no estudo da ação regressiva em si, apontando sobre os seus principais pontos controversos. 3.1 A importância da proteção ao meio ambiente de trabalho É importante abordarmos a questão do meio ambiente de trabalho, visto que a maioria dos acidentes ocorridos no Brasil poderiam ter sido evitados se as empresas seguissem as 50 normas regulamentadoras quanto à segurança e saúde no trabalho. Evitando acidentes de trabalho, conseqüentemente as empresas estarão eximidas da responsabilidade civil e de uma possível ação regressiva. Resta claro que o não cumprimento das normas regulamentadoras quanto à segurança e saúde no trabalho pelas empresas aumenta consideravelmente o número de acidentes de trabalho. Sobre o elevado número de acidentes que ocorrem anualmente, Castro e Lazzari (2009, p. 539) chamam a atenção para o seguinte: Apesar da exigência legal de adoção, pelo empregador, de normas de higiene e segurança no trabalho, e da imposição de indenização por danos causados, em casos de conduta comissiva ou omissiva de empregador, o número de acidentados é absurdo. O aspecto da prevenção, em regra, é relegado a segundo plano pelas empresas, sendo a razão de tais números. Visualizando este problema, o próprio legislador constituinte ao elaborar a Constituição Federal de 1988 deu destaque para a proteção do trabalhador no art. 7º, incisos XXII e XXVIII20. Na legislação infraconstitucional temos a CLT que dedica um capítulo inteiro para tratar de segurança e medicina do trabalho (Capítulo V, Título II), onde se destaca o art. 157, incisos I e II21. Não obstante, a questão também foi abordada pela lei 8.213/91 (Plano de Benefícios da Previdência Social) em seu art. 19 parágrafos 1º e 2º22. Ainda referente à proteção ao meio ambiente do trabalho, a lei exige que as empresas criem órgãos internos para tanto, a exemplo da CIPA (Comissão Interna de Prevenção de Acidentes), o SESMT (Serviço Especializado em Engenharia de Segurança e Medicina d Trabalho) e ainda programas com o objetivo da proteção do trabalho, a exemplo do PPRA 20 Art. 7º São direitos dos trabalhadores urbanos e rurais, além de outros que visem à melhoria de sua condição social: [...]XXII - redução dos riscos inerentes ao trabalho, por meio de normas de saúde, higiene e segurança; [...]XXVIII - seguro contra acidentes de trabalho, a cargo do empregador, sem excluir a indenização a que este está obrigado, quando incorrer em dolo ou culpa; [...] 21 Art. 157 - Cabe às empresas: I - cumprir e fazer cumprir as normas de segurança e medicina do trabalho; II instruir os empregados, através de ordens de serviço, quanto às precauções a tomar no sentido de evitar acidentes do trabalho ou doenças ocupacionais; [...] 22 Art. 19. Acidente do trabalho é o que ocorre pelo exercício do trabalho a serviço da empresa ou pelo exercício do trabalho dos segurados referidos no inciso VII do art. 11 desta Lei, provocando lesão corporal ou perturbação funcional que cause a morte ou a perda ou redução, permanente ou temporária, da capacidade para o trabalho. § 1º A empresa é responsável pela adoção e uso das medidas coletivas e individuais de proteção e segurança da saúde do trabalhador. § 2º Constitui contravenção penal, punível com multa, deixar a empresa de cumprir as normas de segurança e higiene do trabalho. [...] 51 (Programa de Prevenção de Riscos Ambientais) e o PCMSO (Programa de Controle Médico de Saúde Ocupacional). (CAIRO JÚNIOR, 2009, p. 95) Mesmo diante da vasta legislação pertinente, o que temos hoje é que muitas empresas não cumprem com o determinado em lei e não prestam atenção para diversos fatores inseridos no meio ambiente de trabalho causadores de acidentes ou doenças ocupacionais, como salienta Cairo Júnior (2009, p. 95): Em que pese ser a diretriz normativa neste sentido, muito comum é a execução de serviços por trabalhadores que manuseiem máquinas e equipamentos defeituosos; estabelecimentos comerciais, industriais ou agrícolas que não oferecem a mínima condição de higiene, segurança e conforto térmico; ausência de exames médicos periódicos; ambiente de trabalho com iluminação insuficiente, dentre outros fatores que aumentam o risco de acidente ou doença do trabalho. Toda empresa tem o dever de cuidado para com a prevenção e minimização dos riscos decorrentes da atividade laborativa, sob pena de estar cometendo ato ilícito ensejador de múltiplas responsabilidades, seja na forma comissiva, seja por meio de atos omissivos resultantes da negligência. Quando da ocorrência do acidente de trabalho, deve ser verificada a responsabilidade civil do empregador, já abordada no segundo capítulo desta monografia. Contudo, o INSS, por força da lei que ampara os seus contribuintes, acaba assumindo o pagamento do benefício ao acidentado, não importando se o empregador colaborou para o acidente ou não, tendo em vista a própria natureza do seguro social, que visa nestes casos amparar o trabalhador quando este não pode mais trabalhar. Ocorre que na maioria das vezes a Previdência Social acaba assumindo um ônus que poderia ter sido evitado se o empregador cumprisse com as normas de segurança do trabalho. Diante desta problemática, o legislador criou um meio para que o INSS não assuma com um ônus que não lhe incumbe, tratando-se assim, da ação regressiva, para que se obtenha um ressarcimento pelos danos causados aos cofres públicos quando comprovada, como o próprio art. 120 da lei 8.213/91 nos traz, a “negligência quanto às normas padrão de segurança e higiene do trabalho”. Assunto este, será abordado nos próximos tópicos. 52 3.2 Finalidades e fundamentos da ação regressiva acidentária Cumpre trazer aqui, antes de adentrar nas finalidades e fundamentos da ação regressiva acidentaria, uma noção sobre o direito de regresso, ou seja, o direito de buscar a reparação do dano causado por outrem, para que não arque com o prejuízo causado por este. A regra é que cada um responda apenas pelo dano a que deu causa. No nosso Código Civil, este direito está previsto no art. 93423. O principal fundamento da ação regressiva acidentária é a disposição normativa contida nos artigos 12024 e 12125 da Lei 8.213/91, absolutamente consistente com o principio de que todo aquele que causa um dano, por ação ou por omissão, deve ser obrigado a reparálo. Não obstante termos estes artigos na lei que trata do plano de benefícios da previdência social, tal idéia atualmente também se encontra amparada pelos arts. 18626, 927 e 934 do Código Civil de 2002. A ação regressiva surge nos casos em que houve a concessão de prestações previdenciárias decorrentes de acidente de trabalho, com indícios de negligência da empresa empregadora na ocorrência deste, e visa cobrar os valores já pagos em benefícios, além dos valores que serão pagos, de acordo com a expectativa de vida do segurado ou dependente, no caso de pensão por morte. Temos como legitimado ativo o INSS, e legitimado passivo a empresa que descumpriu as normas de segurança e higiene do trabalho. É importante pontuar que, para a caracterização da responsabilidade do empregador em face do INSS e em conseqüência disto, o surgimento do direito de manejar a ação regressiva, são necessários os seguintes elementos: a culpa, na forma de negligência quanto às normas padrão de segurança e higiene do trabalho; o dano; e o nexo causal entre a conduta culposa e o dano. Considerando que o dano neste caso, decorre do pagamento do benefício pelo INSS. 23 Art. 934. Aquele que ressarcir o dano causado por outrem pode reaver o que houver pago daquele por quem pagou, salvo se o causador do dano for descendente seu, absoluta ou relativamente incapaz. 24 Art. 120. Nos casos de negligência quanto às normas padrão de segurança e higiene do trabalho indicados para a proteção individual e coletiva, a Previdência Social proporá ação regressiva contra os responsáveis. 25 Art. 121. O pagamento, pela Previdência Social, das prestações por acidente do trabalho não exclui a responsabilidade civil da empresa ou de outrem. 26 Art. 186. Aquele que, por ação ou omissão voluntária, negligência ou imprudência, violar direito e causar dano a outrem, ainda que exclusivamente moral, comete ato ilícito. 53 Embora a lei que trata da ação regressiva já contar com 19 anos de vigência, a lei é de 1991 (Lei 8.213/91), não se confirmou desde sua publicação, uma atuação rigorosa da Previdência Social no sentido de propor ações regressivas nos casos devidos. Mas, ultimamente tem se observado que as ações regressivas estão sendo ajuizadas com mais freqüência e podem ser uma importante ferramenta no combate aos numerosos acidentes de trabalho que vitimam diariamente trabalhadores brasileiros, como observa Castro e Lazzari (2009, p. 562): A ocorrência destas ações tem sido cada vez mais freqüente, e das sentenças emitidas já se pode colher elementos suficientes para o estudo do direito regressivo da Previdência contra o empregador desi-dioso no que diz respeito à proteção à integridade física do trabalhador. Neste sentido, diante da importância do tema o Presidente do Conselho Nacional de Previdência Social, através da Resolução CNPS nº. 1.291, de 27 de junho de 2007, recomendou ao INSS que adote as medidas competentes para ampliar a propositura de ações regressivas contra os empregadores negligentes na ocorrência de acidente de trabalho, a fim de tornar efetivo o ressarcimento dos gastos do INSS, com prioridade para as empresas consideradas grandes causadoras de danos e aquelas causadoras de acidentes graves, dos quais tenha resultado a morte ou a invalidez dos segurados. (CASTRO; LAZZARI, 2009, p. 563) O INSS tem legitimidade para ajuizar ação regressiva quando o empregador age com culpa na ocorrência do acidente de trabalho, de acordo com o entendimento de Cairo Júnior (2009, p. 79-80): Contudo, quando a empresa contribui para o aumento do risco de sua atividade, dolosamente ou por negligência no cumprimento das determinações legais relativas a higiene, segurança e medicina do trabalho, a mencionada autarquia federal tem legitimidade para ingressar com uma ação regressiva, no sentido de reaver os valores pagos a título de benefícios previdenciários acidentários Neste prisma, é plausível que, se a concessão do benefício acidentário somente se deu em razão da culpa do empregador, nada mais justo que assegurar à Previdência Social o direito de ver-se ressarcida pelas despesas que injustificadamente terá que arcar em razão da negligência de outrem e em prejuízo da integridade dos recursos públicos, pois a sociedade que o custeia não pode assumir o prejuízo decorrente da negligencia do empregador. Resta ao INSS impetrar ações regressivas para procurar obter um ressarcimento pelos 54 danos causados aos cofres públicos quando comprovada, como o próprio art. 120 da lei 8.213/91 nos traz, a “negligência quanto às normas padrão de segurança e higiene do trabalho”. Realizando uma análise minuciosa do art. 120 da lei 8.213/91 chama a atenção que o dispositivo legal traz que “a Previdência Social proporá ação regressiva”. O termo “proporá” nos dá a entender que o INSS não possui uma simples faculdade de ajuizamento de ações regressivas, ao contrário, possui o dever de ajuizá-las. Além de obter o ressarcimento das despesas que o acidente de trabalho causou aos cofres públicos, a ação regressiva também pode ser um instrumento de prevenção, posto que conscientiza as empresas que os descuidos cometidos acerca da segurança no ambiente de trabalho podem acarretar um grave ônus ao erário. Seria também um meio para desestimular o descumprimento pelas empresas das normas de segurança no trabalho. Pereira Júnior (2008, p. 206) colabora, neste sentido, com o seguinte: Destarte, a ação de regresso que o INSS propõe visa não só reaver do responsável pelo infortúnio do trabalho o que efetivamente despendeu-se, mas objetiva, igualmente, forçar as empresas a tomarem as medidas preventivas de higiene e segurança laboral, com vistas a que, no médio e curto espaço de tempo, o número de acidentes de trabalho diminua. Aliás, tal meta é de interesse não só do acidentado como de toda a sociedade, que, muitas vezes, vê “arrancado” de seu âmago o indivíduo, muitas vezes no limiar de sua capacidade produtiva, com prejuízos para todos. Temos, portanto, que a ação regressiva visa uma finalidade punitiva, que é o ressarcimento de valores despendidos pelo INSS, e uma finalidade educativa, que é a formulação de uma consciência preventiva por parte das empresas, tendente a evitar danos aos trabalhadores e consequentemente à sociedade. 3.3 Competência para julgamento da ação regressiva acidentária A competência para julgamento da ação regressiva é uma questão debatida e que merece uma análise especial. Como nas ações regressivas a parte autora necessariamente será uma Autarquia Federal (INSS), a solução para o conflito está em realizar uma interpretação correta do art. 55 109, I27 da Constituição Federal, onde consta que as causas em que a União, entidade autárquica ou empresa pública federal forem partes, a competência para julgamento será da Justiça Federal, com a exceção das causas que versem sobre acidente de trabalho. A grande dúvida existente é se esta exceção prevista no dispositivo constitucional também se aplica na ação regressiva. Inicialmente é necessário esclarecer que a ação regressiva é uma ação de indenização, e não um litígio que versa sobre acidente de trabalho por si só, que de acordo com o art. 129, II28 da lei 8.213/91, e súmula 1529 do Superior Tribunal de Justiça (STJ) são julgadas pela Justiça Estadual. Existem algumas sentenças de primeiro grau que reconhecem a incompetência absoluta da Justiça Federal em julgar as ações regressivas. Em suma, os juízes alegam que é uma ação oriunda da relação de trabalho e que, portanto, deveriam ter sido ajuizadas na Justiça do Trabalho por força do art. 114, I30, da Constituição Federal. No entanto tais decisões são reformadas em segundo grau, a exemplo de uma decisão do Tribunal Regional Federal da 3ª Região31, onde por via de Agravo de Instrumento, foi reformada a decisão de 27 Art. 109. Aos juízes federais compete processar e julgar: I - as causas em que a União, entidade autárquica ou empresa pública federal forem interessadas na condição de autoras, rés, assistentes ou oponentes, exceto as de falência, as de acidentes de trabalho e as sujeitas à Justiça Eleitoral e à Justiça do Trabalho; [...] 28 Art. 129. Os litígios e medidas cautelares relativos a acidentes do trabalho serão apreciados: [...] II - na via judicial, pela Justiça dos Estados e do Distrito Federal, segundo o rito sumaríssimo, inclusive durante as férias forenses, mediante petição instruída pela prova de efetiva notificação do evento à Previdência Social, através de Comunicação de Acidente do Trabalho–CAT. 29 STJ Súmula nº 15: Compete à Justiça Estadual processar e julgar os litígios decorrentes de acidente do trabalho. 30 Art. 114. Compete à Justiça do Trabalho processar e julgar: I as ações oriundas da relação de trabalho, abrangidos os entes de direito público externo e da administração pública direta e indireta da União, dos Estados, do Distrito Federal e dos Municípios; [...] 31 SÃO PAULO. Tribunal Regional Federal da 3ª Região. AI n. 2008.03.00.001081-6. PROCESSUAL CIVIL ACIDENTE DE TRABALHO - AÇÃO REGRESSIVA - AGRAVO DE INSTRUMENTO CONTRA DECISÃO QUE RECONHECEU DE OFÍCIO A INCOMPETÊNCIA ABSOLUTA DA JUSTIÇA FEDERAL PARA O PROCESSAMENTO DA AÇÃO REGRESSIVA AJUIZADA PELO INSTITUTO NACIONAL DO SEGURO SOCIAL EM FACE DO EMPREGADOR - ARTIGO 109, I, DA CONSTITUIÇÃO FEDERAL RECURSO PROVIDO. 1. A discussão noticiada no presente instrumento diz respeito à definição da competência para o processamento e julgamento de ação regressiva de reparação de danos decorrentes de acidente de trabalho proposta pelo Instituto Nacional do Seguro Social em face do empregador com fulcro nos artigos 120 e 121 da Lei nº 8.213/91. 2. Não se trata de "ação oriunda da relação de trabalho" - o que em tese justificaria a competência da Justiça do Trabalho por invocação ao artigo 114 da Constituição Federal, com a redação dada pela Emenda Constitucional nº 45/2004 - mas de ação de indenização contra o causador do dano, ou seja, matéria de responsabilidade civil. 3. Considerando-se que a ação é promovida por autarquia federal, tem incidência no caso o artigo 109, inciso I, da Constituição Federal. 4. Cumpre registrar ainda que as causas acidentárias referidas na parte final do inciso I do artigo 109 da Constituição Federal são aquelas em que o segurado discute com o Instituto Nacional do Seguro Social controvérsia acerca de beneficio previdenciário, matéria absolutamente distinta da tratada na ação originária. 5. Assim, nos termos da primeira parte do artigo 109, I, da Constituição Federal, o feito de origem deve se processar perante a Justiça Federal. 6. Agravo de instrumento provido. Relator Desembargador Federal Johonsom Di Salvo, DJ 25/08/2009. Disponível em <www.trf3.jus.br>. Acesso em: 8 maio 2010. 56 primeiro grau para que o feito fosse julgado pela Justiça Federal. Temos atualmente uma posição praticamente unânime de que a competência para julgamento da ação regressiva é da Justiça Federal, como bem informa Brandão (2007, p. 309): No que diz respeito ao julgamento dessa modalidade de ação, a doutrina se posiciona no sentido de remeter à Justiça Federal, tomando como ponto de partida a regra prevista no art. 109, I, da CF/88, que define a competência dos juízes federais vinculando-o às causas em que a União, entidade autárquica ou empresa pública federal forem interessadas na condição de autoras, rés, assistentes ou oponentes. Entende-se que não é o acidente de trabalho propriamente dito que serve de base para a propositura da ação regressiva, e sim a ação de indenização do INSS contra a empresa que não cumpre com as normas relativas a segurança no trabalho. Consoante a este entendimento, Castro e Lazzari (2009, p. 562) afirma quem “[...] o foro competente é a Justiça Federal, nos termos do art. 109 da Constituição, já que não se trata da ação em que segurado ou beneficiário postula benefício acidentário.” O Tribunal Regional Federal da 4ª Região32, no mesmo sentido, já decidiu que essa competência é da Justiça Federal, ressaltando que a exceção prevista na parte final do dispositivo não se aplica à ação regressiva, mesmo que a causa da concessão do benefício acidentário seja decorrente de relação empregatícia. Diante de todo o explanado resta claramente demonstrada a competência da Justiça Federal para processar e julgar as ações regressivas propostas pelo INSS. Outro assunto que gera discussão nas ações regressivas é sua prescrição, que será abordada a seguir. 32 RIO GRANDE DO SUL. Tribunal Regional Federal da 4ª Região. AG n. 2003.04.01.031474-0 PROCESSUAL CIVIL. AÇÃO REGRESSIVA. COMPETÊNCIA. JUSTIÇA FEDERAL. ACIDENTE DE TRABALHO. INOCORRÊNCIA. Não se aplica a exceção prevista no art. 109, I, da CF à ação regressiva intentada pela autarquia previdenciária para ver-se ressarcida de valores pagos a título de acidente de trabalho. Agravo provido. Relatora Silvia Maria Gonçalves Goraieb, DJ 18/05/2004. Disponível em <www.trf4.jus.br>. Acesso em: 8 maio 2010. 57 3.4 Prescrição da ação regressiva acidentária A prescrição da ação regressiva traz muitas discussões na esfera judicial. A principal defesa utilizada pelas empresas rés nas ações regressivas é a tese de que como o direito regressivo do INSS se funda no direito comum, ou seja, nada mais representa senão uma ação de indenização, aplica-se o prazo prescricional de 3 (três) anos fixado no artigo 206, parágrafo 3º, inciso V33 do Código Civil. Neste mesmo sentido, para os eventos anteriores a janeiro/2003, quando entrou em vigor o Código Civil de 2002, que reduziu o prazo prescricional de 20 (vinte) anos (prazo do art. 17734 do Código Civil de 1916) para 3 (três) anos, aplica-se a regra de transição no artigo 2.02835 do Código Civil de 2002. Portanto, se no dia 11/01/2003 já tiver decorrido mais de dez anos do fato, continuaria a ser aplicado o artigo 177 do Código Civil de 1916. No entanto devemos analisar por completo o ordenamento jurídico para termos uma posição sobre o assunto da prescrição. Inicialmente é de se esclarecer que nas ações regressivas não ocorre a prescrição da propositura da ação, ou seja, do fundo do direito, pois a presente demanda trata-se de ressarcimento de prestações continuadas, de acordo com o art. 3º36 do Decreto nº 20.910/32. Em outros termos, no momento em que o INSS paga a prestação mensal ao beneficiário e não se vê ressarcido desse dano, nasce-lhe a pretensão relativamente a cada parcela paga. Temos no atual ordenamento jurídico que, ao contrário do que ocorre com as ações movidas pelo particular contra a Fazenda Pública, não existe prazo prescricional expressamente fixado para ações movidas por esta contra o particular, sendo que o direito do particular ressarcir-se, civilmente, perante a Fazenda Pública é de 5 (cinco) anos porque a regra do art. 1º37 do Decreto 20.910/32 é específica e não pode ser revogada pela regra geral 33 Art. 206. Prescreve: [...] § 3o Em três anos: [...] V - a pretensão de reparação civil; [...] Art. 177. As ações pessoais prescrevem, ordinariamente, em 20 (vinte) anos, as reais em 10 (dez), entre presentes, e entre ausentes, em 15 (quinze), contados da data em que poderiam ter sido propostas. 35 Art. 2.028. Serão os da lei anterior os prazos, quando reduzidos por este Código, e se, na data de sua entrada em vigor, já houver transcorrido mais da metade do tempo estabelecido na lei revogada. 36 Art. 3º. Quando o pagamento se dividir por dias, meses ou anos a prescrição atingira progressivamente as prestações, a medida que completarem os prazos estabelecidos pelo presente decreto. 37 Art. 1º. as dividas passivas da união, dos estados e dos municípios, bem assim todo e qualquer direito ou ação contra a fazenda federal, estadual ou municipal, seja qual for a sua natureza, prescrevem em cinco anos contados da data do ato ou fato do qual se originarem. 34 58 superveniente do Código Civil, que dispõe o prazo de 3 anos. Inclusive já decidiu o Superior Tribunal de Justiça (STJ)38 no sentido de se manter a regra do prazo qüinqüenal do Decreto 20.910/32 por ser específica. Confirmando este entendimento, Mello (2004, p. 930) informa que: “não há regra alguma fixando genericamente um prazo prescricional para as ações judiciais do Poder Público em face do administrado.” Podemos então, chegar a conclusão que, permanecendo o prazo prescricional para o particular pleitear ressarcimento em face da Administração de 5 (cinco) anos, não se pode admitir que seja o prazo da Administração apenas 3 (três) anos. Não faz sentido o administrado ter a sua disposição o prazo de cinco anos para ajuizar ação de ressarcimento em favor da Administração Pública e ela, que defende o interesse público, dispor de apenas 03 (três) anos, conforme nos traz Mello (2004, p. 930): Vê-se, pois, que este prazo de cinco anos é uma constante nas disposições gerais estatuídas em regras de Direito Público, quer quando reportadas ao prazo para o administrado agir, quer quando reportadas ao prazo para a Administração fulminar seus próprios atos. Ademais, salvo disposição legal explícita, não haveria razão prestante para distinguir entre Administração e administrados no que concerne ao prazo ao cabo do qual faleceria o direito de reciprocamente se proporem ações. Também podemos concluir que o correto é a aplicação do prazo quinquenal pela redação do art. 10439 caput da Lei n. 8.213/91, que estabelece o prazo prescricional de 5 (cinco) anos para as ações referentes à prestação por acidente de trabalho. Conclui-se, portanto, que o mais justo nas ações regressivas é o prazo prescricional de 5 (cinco) anos por tudo o que já foi explanado. Cumpre agora tratar de um ponto importante 38 BRASIL. Superior Tribunal de Justiça. REsp 820.768/RS. PROCESSUAL CIVIL. ADMINISTRATIVO. AÇÃO DE RESPONSABILIDADE CIVIL DO ESTADO. PRESCRIÇÃO. DECRETO LEGISLATIVO 20.910/32. APLICAÇÃO. NORMA ESPECIAL. 1. O art. 1º do Decreto nº 20.910/32 dispõe acerca da prescrição qüinqüenal de qualquer direito ou ação contra a Fazenda Pública, seja qual for a sua natureza, a partir do ato ou fato do qual se originou. 2. In casu, tendo a parte interessada deixado escoar o prazo qüinqüenal para propor a ação objetivando o reconhecimento do seu direito, vez que o dano indenizável ocorrera em 24 de outubro de 1993, enquanto a ação judicial somente fora ajuizada em 17 de abril de 2003, ou seja, quase dez anos após o incidente, impõe-se decretar extinto o processo, com resolução de mérito pela ocorrência da inequívoca prescrição. 3. Deveras, a lei especial convive com a lei geral, por isso que os prazos do Decreto 20.910/32 coexistem com aqueles fixados na lei civil. 4. Recurso especial provido para reconhecer a incidência da prescrição qüinqüenal e declarar extinto o processo com resolução de mérito (art. 269, IV do CPC). Relator Ministro José Delgado, DJ 05/11/2007. Disponível em <www.stf.jus.br>. Acesso em: 11 maio 2010. 39 Art. 104. As ações referentes à prestação por acidente do trabalho prescrevem em 5 (cinco) anos, observado o disposto no art. 103 desta Lei, contados da data: [...] 59 para o entendimento do tema desta monografia, que é a possibilidade do INSS impetrar a ação regressiva com base somente na teoria da responsabilidade objetiva, que como já visto no segundo capítulo, independe de culpa do empregador para este ser responsabilizado. 3.5 Possibilidade de responsabilização objetiva do empregador em face do INSS Como já tratado, a ação regressiva pode surgir mediante a negligência das empresas quanto às normas de segurança e higiene do trabalho. O termo “negligência” nos traz que a empresa agiu com culpa no acidente, em outras palavras, a empresa responde regressivamente pela teoria da responsabilidade subjetiva. Um questionamento importante pode ser feito nesses casos: se o INSS poderá impetrar ação regressiva com base na teoria objetiva, que como já visto, não é necessário comprovar a culpa do empregador, resta que a atividade por si só crie grande risco aos empregados. Primeiramente, cumpre trazer a tona que o empregador está obrigado a manter seguro de acidentes de trabalho, de acordo com o que temos na lei 8.212/91 em seu art. 22, II40 onde consta que para o financiamento de aposentadorias especiais e benefícios acidentários, o empregador terá que contribuir com uma alíquota de 1%, 2% ou 3% de acordo com o grau de risco da atividade. É o chamado SAT (Seguro de Acidentes do Trabalho), que de acordo com Castro e Lazzari (2009, p. 264) “trata-se de seguro obrigatório, instituído por lei, mediante uma contribuição adicional a cargo exclusivo da empresa e destina-se à cobertura de eventos resultantes de acidente de trabalho.” As contribuições do SAT, juntamente com as outras contribuições sociais por parte da empresa, são para a satisfação do interesse coletivo e tais receitas são guardadas em um único fundo. Este fundo servirá para o custeio de todos os benefícios previdenciários, inclusive os 40 Art. 22. A contribuição a cargo da empresa, destinada à Seguridade Social, além do disposto no art. 23, é de: [...] II - para o financiamento do benefício previsto nos arts. 57 e 58 da Lei no 8.213, de 24 de julho de 1991, e daqueles concedidos em razão do grau de incidência de incapacidade laborativa decorrente dos riscos ambientais do trabalho, sobre o total das remunerações pagas ou creditadas, no decorrer do mês, aos segurados empregados e trabalhadores avulsos: a) 1% (um por cento) para as empresas em cuja atividade preponderante o risco de acidentes do trabalho seja considerado leve; b) 2% (dois por cento) para as empresas em cuja atividade preponderante esse risco seja considerado médio; c) 3% (três por cento) para as empresas em cuja atividade preponderante esse risco seja considerado grave. 60 benefícios acidentários. Acidentes de trabalhos podem ocorrer por diversas razões. É possível que se cumpram todas as normas de segurança do trabalho e, ainda assim, ocorram acidentes, pois existem atividades que, por sua própria natureza, podem ser lesivas ao segurado, mesmo diante da ausência de comportamentos empresariais negligentes para com as mesmas. Como por exemplo, o caso de funcionários de um banco em gozo de auxílio-doença por LER (Lesão por Esforço Repetitivo), neste caso, mesmo que a empresa siga com todas as normas de ergonomia, de descanso e de ginástica laboral poderá o empregado adquirir a referida doença ocupacional. Este exemplo trata-se da hipótese onde o empregador poderia ser responsabilizado pela teoria da responsabilidade objetiva. No caso comentado acima, não houve a prática de ato ilícito contra esse fundo, ao contrário, o trabalhador desenvolveu uma doença ocupacional porque a própria atividade desenvolvida por ele, por si só, é prejudicial à saúde. Nessas circunstâncias, os recursos do fundo serão destinados ao custeio dos benefícios acidentários, sem maiores problemas, pois o custo a ser pago, resulta de situações já antevistas pela própria lógica que preside o fundo. As contribuições sociais já se destinam a custear os riscos no ambiente de trabalho. O que traz problema é o risco que o próprio empregador cria, não garantido pelo seguro social, razão de sua responsabilização civil subjetiva perante o INSS. Temos um julgado recente do Tribunal Regional Federal da 4ª Região41 onde foi isenta a empresa da responsabilidade civil na ação regressiva, visto que indícios apontaram como sendo improvável a culpa do empregador para a ocorrência do acidente, sendo então, incabível a responsabilização da mesma. Esta decisão confirma o entendimento já explanado, onde o empregador somente responde regressivamente ao INSS quando da ocorrência de 41 RIO GRANDE DO SUL. Tribunal Regional Federal da 4ª Região. AC n. 2008.71.10.000806-1. ACIDENTE DO TRABALHO. AÇÃO REGRESSIVA DO INSS CONTRA OS EMPREGADORES. ART. 120 DA LEI 8.213/91. INOCORRENCIA DE CULPA. VERBA HONORÁRIA. Ausente o nexo entre a deficiência de segurança e o acidente, incabível a responsabilização da parte ré. A ausência de guarda-corpo no alçapão não influenciou a ocorrência do acidente, já que o corpo estava em posição contraria à sua abertura. Prova testemunhal indicando como improvável a passagem do autor pela abertura face a sua compleição robusta. Verba honorária fixada em 10% sobre o valor da causa, em consonância com o art. 20, § 4º, do CPC, e com o entendimento majoritário do TRF/4ª Região. Relator Márcio Antônio Rocha, DJ 28/10/2009. Disponível em <www.trf4.jus.br>. Acesso em 9 maio 2010. 61 culpa comprovada no acidente. Portanto, o INSS terá o direito de regresso contra os causadores do dano, somente quando o infortúnio ocorreu por culpa ou dolo (responsabilidade subjetiva), excluindo-se a possibilidade da ação regressiva baseada somente na responsabilidade objetiva. Assim, continuando com o presente estudo, resta agora analisar a (in) constitucionalidade da ação regressiva acidentária. 3.6 A (in) constitucionalidade da ação regressiva acidentária Uma das principais razões que fundamentam a inconstitucionalidade da ação regressiva, prevista no art. 120 da lei 8.213/91 é que a empresa efetua contribuições para o sistema da seguridade social, inclusive com o pagamento do SAT. Que a utilização da palavra “seguro” pelo art 7º, XXVIII da Constituição Federal seria suficiente para definir a natureza securitária do SAT. Argumenta-se também que a inconstitucionalidade surge no sentido de que o SAT seria suficiente para cobrir todos os custos decorrentes de acidentes de trabalho. Ocorre que a contribuição do SAT não tem natureza jurídica de um seguro propriamente dito, como bem explica Oliveira (2008, p. 118): Em síntese, o chamado seguro de acidente do trabalho não oferece qualquer cobertura além da que já é concedida normalmente pela Previdência Social. O valor que o empregador recolhe hoje a esse título apenas financia os benefícios previdenciários em geral, aos quais qualquer trabalhador segurado tem direito, dentro da amplitude da seguridade social, para a qual também o empregado contribui com sua parte. Assim, não se recolhe, a rigor, seguro de acidente do trabalho, mas uma parcela adicional para financiar os benefícios previdenciários concedidos pelo INSS, dentre eles, aqueles decorrentes dos infortúnios do trabalho. A própria Constituição, no art. 7º, XXVIII, em sua segunda parte, ressalvou expressamente a possibilidade de cumular o pagamento da contribuição social de custeio do seguro do acidente de trabalho com a responsabilidade civil decorrente do acidente em si. 62 Diante do explanado, podemos dizer que ao pagar o SAT, não se está pagando um prêmio a qualquer seguradora, mas um tributo com a natureza de contribuição social previdenciária. No entanto, Dal Col (2005, p. 325) afirma que o art. 120 da lei 8.213/91 padece do vício de inconstitucionalidade e que o INSS não poderia exercitar da prerrogativa da ação regressiva, afirma que a cobrança regressiva não é condizente com a própria natureza o seguro social. Sustentando ainda a inconstitucionalidade da ação regressiva proposta pelo INSS, Dal Col (2005, p. 326) afirma que: A ação regressiva prevista no art. 120 da Lei 8.213/91 é uma aberração jurídica sem precedentes, que desvirtua a idéia e o propósito do sistema de seguridade social erigido sob a égide da teoria do risco social. A persistir, estar-se-á convertendo a contribuição previdenciária em verdadeiro imposto. O empregador será compelido a custear o sistema de indenização acidentária, mas não poderá beneficiar-se dele, exceto quando não tenha qualquer resquício de culpa para a eclosão do acidente. Um grave problema pode ocorrer se afirmarmos que a contribuição do SAT confundese com um seguro propriamente dito. O correto é que o fato do empregador contribuir, não lhe garante a cobertura de qualquer evento danoso ocorrido ao empregado. Se garantisse, poderíamos dizer que o empregador estaria numa situação de completa irresponsabilidade, podendo deixar de cumprir com as normas de segurança e higiene do trabalho sem cogitar a possibilidade de ter que indenizar os cofres públicos pela sua negligência. (PEREIRA JÚNIOR, 2008, P. 204) Consoante com este entendimento, Pereira Júnior (2008, p. 204-205) nos traz a seguinte idéia: Noutro giro, o empregado, isto sim, é quem, como vítima, faz jus a proteção previdenciária, mas não a empresa causadora do acidente, que se tiver concorrido para a ocorrência danosa, por meio de culpa, está legalmente obrigada a indenizar os cofres públicos pelos custos decorrentes da concessão do benefício previdenciário correspondente. 63 Dentro deste contexto, extrai-se da jurisprudência do Tribunal Regional Federal da 4ª Região42 um importante julgado, afirmando que o fato da empresa contribuir para o custeio da seguridade social, inclusive com o pagamento do SAT, não exclui sua responsabilidade nos casos de culpa. Em tese, o relator do processo confirma o que já foi explanado, afirmando ainda, que é dever da empresa fiscalizar o ambiente de trabalho, adotando precauções para que não ocorram acidentes, e caso estes ocorram por negligencia da empresa, a mesma deve ser condenada em ação regressiva acidentária. Outro argumento que tenta fundamentar a inconstitucionalidade da ação regressiva é o chamado bis in idem, onde se sustenta que haveria uma dupla oneração para a empresa com o pagamento do SAT/FAP e o pagamento da indenização pretendida pela ação regressiva. É que a Lei n. 10.666/03, em seu art. 1043 instituiu o FAP (Fator Acidentário de Prevenção) que consiste numa alíquota aplicada ao SAT, podendo reduzi-lo a metade ou dobrá-lo, daí então que seria mais um argumento para a alegação do bis in idem pelo pagamento deste “plus” que o FAP gera em torno do SAT, juntamente com o pagamento da ação regressiva. Se o art. 10 da lei 10.666/03, for analisado corretamente, chega-se a conclusão oposta, pois as alíquotas do SAT e do FAP são calculadas em função dos riscos ambientais do trabalho, os riscos da atividade em si, riscos em abstrato, sem qualquer análise de dolo ou culpa do comportamento da empresa. São riscos ambientais, que podem vir a ocorrer pelo 42 RIO GRANDE DO SUL. Tribunal Regional Federal da 4ª Região. AC n. 2000.72.02.000687-7. ACIDENTE DE TRABALHO. AÇÃO REGRESSIVA DO INSS CONTRA O EMPREGADOR. CABIMENTO. NEGLIGÊNCIA DA EMPRESA. RESPONSABILIDADE. PROVA DO PAGAMENTO DO BENEFÍCIO PREVIDENCIÁRIO. 1. É constitucional o art. 120 da Lei 8.213/91. O fato das empresas contribuírem para o custeio do regime geral de previdência social, mediante o recolhimento de tributos e contribuições sociais, dentre estas aquela destinada ao seguro de acidente do trabalho - SAT, não exclui a responsabilidade nos casos de acidente de trabalho decorrentes de culpa sua, por inobservância das normas de segurança e higiene do trabalho. 2. É dever da empresa fiscalizar o cumprimento das determinações e procedimentos de segurança do trabalho. Nesse prisma, a não-adoção de precauções recomendáveis, se não constitui a causa em si do acidente, evidencia negligência da empresa que, com sua conduta omissiva, deixou de evitar o acidente, sendo responsável, pois, pela reparação do dano, inclusive em ação regressiva ajuizada pelo INSS. 3. A efetiva execução da sentença condenatória proferida na ação regressiva (processo de conhecimento) se fará mediante comprovação dos pagamentos efetuados pelo INSS, vencidos e vincendos. Relator Francisco Donizete Gomes, DJ 24/09/2002. Disponível em <www.trf4.jus.br>. Acesso em 9 maio 2010. 43 Art. 10. A alíquota de contribuição de um, dois ou três por cento, destinada ao financiamento do benefício de aposentadoria especial ou daqueles concedidos em razão do grau de incidência de incapacidade laborativa decorrente dos riscos ambientais do trabalho, poderá ser reduzida, em até cinqüenta por cento, ou aumentada, em até cem por cento, conforme dispuser o regulamento, em razão do desempenho da empresa em relação à respectiva atividade econômica, apurado em conformidade com os resultados obtidos a partir dos índices de freqüência, gravidade e custo, calculados segundo metodologia aprovada pelo Conselho Nacional de Previdência Social. 64 próprio risco da atividade, diferentemente dos riscos provocados por culpa ou dolo. Ocorre que não se trata de onerar duas vezes uma mesma empresa, mas somente obter o ressarcimento dos valores pagos pelo INSS em relação a prestações decorrentes de acidente de trabalho e que não podem ser associadas pela fonte de custeio do SAT/FAP. Desse modo, para os riscos ordinários do trabalho, há a expressa previsão do SAT/FAP, mas como os riscos extraordinários decorrentes de negligência da empresa não são abrangidos pelo SAT/FAP ou por outras fontes de custeio do sistema previdenciário, impõe-se o ressarcimento ao INSS, inclusive com o objetivo de propiciar o equilíbrio atuarial do regime. Não há, portanto, bis in idem, pois, ao pagar o SAT/FAP, a empresa age como sujeito passivo da obrigação tributária. Ao indenizar o INSS pela ação regressiva, está somente recompondo o fundo social coletivamente custeado pelas empresas e pela sociedade, que lesou por sua própria negligência somente, pois como já analisado, o INSS não poderá propor aça regressiva com base na teoria objetiva. Diante de tudo o que já foi exposto, podemos afirmar que a ação regressiva é constitucional. Contudo, necessário salientar que não é qualquer acidente de trabalho passível de ação regressiva, mas somente nos casos onde ocorra a negligência da empresa, sendo que esta deverá ser comprovada, inclusive com a garantia do contraditório e ampla defesa, onde o empregador poderá argumentar, inclusive participar ativamente da fase probatória para descaracterizar sua culpa e, conseqüentemente, desonerar-se do pagamento da indenização. 65 CONCLUSÃO O trabalho, antes da Revolução Industrial, era tido como degradante e reservado apenas às classes mais baixas. Gradualmente, a partir do momento em que se preocupou em legislar sobre a proteção do trabalhador, este conceito mudou. Muitas providências foram tomadas para que o trabalhador fosse protegido com relação à infortunística laboral. No primeiro capítulo desta monografia, foram tratadas as várias legislações acidentárias que se sucederam ao longo dos anos, até a chegada da Constituição atual, onde nesta, a proteção do trabalho está incluída no rol de suas garantias mínimas. Também como garantia ao trabalhador, temos atualmente toda a proteção que o Estado proporciona, por meio do INSS, com a concessão dos benefícios acidentários vistos no primeiro capítulo, onde o legislador tratou de dar atenção especial, principalmente no sentido de não exigir o período de carência para a concessão destes. Em se tratando da responsabilidade civil, foram abordados os aspectos gerais, após, individualmente tratou-se da responsabilidade objetiva, baseada no risco, e a subjetiva, baseada na idéia de culpa. Também foi abordada a responsabilidade do Estado nos acidentes de trabalho, onde chegou-se a conclusão que o INSS, como autarquia federal responsável pela concessão dos benefícios, primeiramente, tem a obrigação de proteger o trabalhador sem que se analise se o acidente ocorreu pela culpa do empregador ou não, pautada na responsabilidade objetiva. Especificamente em se tratando de responsabilidade civil do empregador pelo acidente de trabalho, temos atualmente que prevalece a responsabilidade subjetiva da empresa, isto é, 66 aquela onde deve ser demonstrada a culpa, para haver a responsabilidade de indenizar. Contudo, nos casos onde o trabalho é exercido em situações de risco, é razoável que se considere a teoria da responsabilidade objetiva para uma possível indenização ao trabalhador, sendo que cada acidente deverá ser analisado caso a caso, sendo cabível para alguns a indenização com base na teoria subjetiva, e para outros a indenização com base na teoria objetiva. Necessário enfatizar que a indenização que o empregador está sujeito a pagar ao seu empregado, é diferente da indenização que o INSS deverá propor via ação regressiva. Aquela, visa uma indenização ao empregado, independentemente de haver concessão de benefício previdenciário, inclusive a indenização ao empregado e o benefício podem ser cumulados perfeitamente, sem necessidade de qualquer compensação. A ação regressiva do INSS ocorre nos casos em que o empregador causa uma lesão aos cofres públicos, por ter agido com negligência, ou seja, por ter contribuído com um acidente de trabalho onde houve concessão de beneficio acidentário. Nesses casos, o INSS buscará a respectiva indenização, cobrando regressivamente, os valores que já pagou e que serão pagos no benefício do empregado. Tratando especificamente da ação regressiva, um dos pontos polêmicos tratados é sua competência para julgamento, sendo que pela análise jurisprudencial e doutrinária chega-se a conclusão que pertence à Justiça Federal, com os argumentos de que é uma ação de indenização propriamente dita, devido a comprovada negligência do empregador, não versa sobre acidente de trabalho exclusivamente. Tal conclusão se baseia na correta interpretação do art. 109, I, da Constituição Federal. Outra questão debatida é quando ocorre a prescrição. Chega-se a conclusão que na ação regressiva não ocorre a prescrição para a propositura da ação enquanto houver o recebimento do benefício pelo segurado, tendo em vista que a cada pagamento mensal realizado pelo INSS, lhe nasce a pretensão relativamente a cada parcela. O que ocorre é a prescrição em 5 (cinco) anos somente quanto às parcelas, e não quanto ao fundo de direito, pois o direito no INSS ocorre no momento em que se paga a prestação mensal devida ao beneficiário e não se vê ressarcido desse dano. Sobre a análise da constitucionalidade da ação regressiva, diante do vasto ordenamento jurídico, onde temos que quem causa um dano a outrem, tem a obrigação de 67 repará-lo, e não obstante, a Lei 8.213, em seu artigo 120 possuir uma previsão expressa onde nos casos de negligência das empresas, na ocorrência de um acidente de trabalho, o INSS proporá ação regressiva contras os responsáveis, chega-se a conclusão de que quando um empregador colaborar com um acidente de trabalho, seja por culpa ou dolo, nada mais justo que este responda por sua conduta, pelo dano que causou ao erário público, sendo, portanto, a ação regressiva constitucional. Ademais, não merece também prosperar a tese de que pagando o SAT a empresa estaria eximida de qualquer responsabilidade no acidente perante o INSS. Se isto ocorresse, haveria um total desleixo das empresas quanto a proteção ao meio ambiente de trabalho. Alem disso, cumpre salientar que o SAT não possui natureza própria de um seguro, possui natureza tributária, sendo uma contribuição que a empresa paga para custear os riscos de um acidente de trabalho, e não aquele acidente que ocorreu por negligência desta. Desta forma, através deste estudo, chega-se a conclusão de que a ação regressiva é constitucional, mas somente nos casos onde há negligência, sendo inclusive um meio adequado para o ressarcimento dos cofres públicos e também para a conscientização das empresas com relação ao cumprimento das normas de segurança no trabalho; sua competência para julgamento é da Justiça Federal; e sua prescrição ocorre em 5 (cinco) anos, mas somente das parcelas vencidas, em não com relação ao fundo de direito. 68 REFERÊNCIAS ANAMATRA – Associação Nacional dos Magistrados da Justiça do Trabalho. 1ª Jornada de direito material e processual na justiça do trabalho. Disponível em http://www.anamatra.org.br/jornada/enunciados/enunciados_aprovados.cfm. Acesso em: 10 maio 2010. BRANDÃO, Claudio Mascarenhas. Acidente do trabalho – responsabilidade do empregador pelo risco da atividade e a ação regressiva. In: KERTZMAN, Ivan; CYRINO, Sinésio (Orgs). Leituras complementares de direito previdenciário. Salvador, Jus Podivm, 2007. BRASIL. Constituição (1988). Constituição da República Federativa do Brasil. Brasília: DF, Senado, 1988. BRASIL. Lei n. 8.213, de 24 de julho de 1991. Disponível em: <http://www.planalto.gov.br/CCIVIL/Leis/L8213cons.htm>. Acesso em: 01 dezembro 2009. BRASIL. Medida Provisória 316 de 11 de agosto de 2006. Disponíivel em: <http://www.camara.gov.br/sileg/integras/423739.pdf>. Acesso em: 01 dez. 2009. CASTRO, Alberto Pereira de; LAZZARI, João Batista. Manual de direito previdenciário. 11. ed. São Paulo: Conceito Editorial, 2009. CÂMARA DOS DEPUTADOS FEDERAIS - Medida Provisória 316 de 11 de agosto de 2006 – exposição de motivos, item 7. Disponível em <http://www.camara.gov.br/sileg /integras/414866.pdf>. Acesso em: 9 maio 2010. CAVALIERI FILHO, Sérgio. Programa de responsabilidade civil. 8 ed. São Paulo: Atlas, 2008. COSTA, Hertz Jacinto. Manual de acidente do trabalho. 3. ed. Curitiba: Juruá, 2008. DAL COL, Helder Martinez. Responsabilidade civil do empregador: acidentes de trabalho. Rio de Janeiro: Forense, 2003. DALLEGRAVE NETO, José Affonso. Responsabilidade civil no direito do trabalho. São Paulo: LTr, 2004. 69 DINIZ, Maria Helena. Curso de direito civil brasileiro: responsabilidade civil. 18. ed. São Paulo: Saraiva, 2004. DINIZ, Maria Helena. Curso de direito civil brasileiro: responsabilidade civil. 15 ed. São Paulo: Saraiva, 2001. DMITRUK, Hilda Beatriz (Org.). Cadernos metodológicos: diretrizes do trabalho científico. 6. ed. Chapecó: Argos, 2004. GARCIA, Gustavo Filipe Barbosa. Acidentes do trabalho. Doenças ocupacionais e nexo técnico epidemiológico 2. ed. São Paulo: Método, 2008. GONÇALES, Odonel Urbano. Manual de direito previdenciário: acidentes do trabalho. 13. ed. São Paulo: Atlas, 2009. IGNÁCIO, Adriana Carla Morais. Fundamentos constitucionais da ação regressiva acidentária. Revista IOB Trabalhista e Previdenciária. São Paulo, Ano XVII. n. 214, p. 197-201, abr. 2007. JÚNIOR, José Cairo. O acidente de trabalho e a responsabilidade civil do empregador. 5. ed. São Paulo: LTr, 2009. MARTINS, Sérgio Pinto. Direito da Seguridade Social. 23. ed. São Paulo: Atlas, 2006. MELLO, Celso Antônio Bandeira de. Curso de Direito Administrativo. 17ª edição, São Paulo: Malheiros, 2004. MINISTÉRIO DA PREVIDÊNCIA SOCIAL. Saúde e segurança ocupacional. Disponível em: < http://www.mpas.gov.br/conteudoDinamico.php?id=39>. Acesso em: 20 jun. 2009. MINISTÉRIO DA PREVIDÊNCIA SOCIAL. Estatística dos acidentes de trabalho. Disponível em: <http://www.mps.gov.br/conteudoDinamico.php?id=864>. Acesso em: 13 maio 2010. OLIVEIRA, Sebastião Geraldo de. Indenizações por acidente de trabalho ou doença ocupacional. 4. ed. São Paulo: LTr, 2008. PEREIRA, Caio Mário da Silva. Responsabilidade civil. 9 ed. Rio de Janeiro: Forense, 2002. PEREIRA JÚNIOR, José Aldízio. Apontamentos sobre a ação regressiva de acidentes de trabalho. Revista IOB Trabalhista e Previdenciária. n. 233, nov. 2008. PORTAL DA JUSTIÇA FEDERAL. 1ª Jornada de direito civil. Disponível em <http://www.jf.jus.br/cjf/cej-publ/jornadas-de-direito-civil-enunciados-aprovados>. Acesso em: 9 maio 2010. SOUZA, Mauro César Martins de. Responsabilidade civil decorrente do acidente do trabalho. Campinas: Agá Júris, 2000. STOCO, Rui. Tratado de responsabilidade civil. 6 ed. São Paulo: Editora Revista dos Tribunais, 2004. 70 THEODORO JÚNIOR, Humberto. Comentários ao novo código civil. Rio de Janeiro: Forense, 2003. v. 3. VENOSA, Sílvio de Salvo. Direito civil: responsabilidade civil. 8 ed. São Paulo: Atlas, 2008.