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ISSN 1646-6977
Documento produzido em 23.08.2017
PSICANÁLISE E RELIGIÃO:
O NARCISISMO DA CAUSA PERDIDA
2015
Matheus Henrique de Souza Silva
Psicólogo pela Faculdade Pitágoras de Ipatinga-MG. Especializando em Clínica Psicanalítica na
atualidade: construções de Freud e Lacan pela PUC-MG. Professor de psicologia aplicada à
enfermagem nível técnico no CERP-MG- J. Monlevade. Clínico em consultório particularMedCenter Hospital Dia. Mestrando em Psicologia UFMG (Brasil)
E-mail de contato:
[email protected]
RESUMO
Inicialmente pensamos em um resgate da ideia religiosa para a psicanálise, o que nos fará
brotar uma nova questão: como o cristianismo opera para lidar com o outro? Recorremos para tal
à noção de Freud sobre a religião como produtora de neuroses, e posteriormente o Eskabelo,
como leitura lacaniana de um de seus aforismas sobre a vontade de castração: o narcisismo da
causa perdida.
Palavras-chave: Psicanálise, religião, narcisismo.
Vemos em grande escala, ao pensarmos no Cristianismo, uma crescente forma de operar
social. As igrejas tem se proliferado, os representantes religiosos tem em certo aspecto “apelado”
para discursos como o próprio discurso capitalista. Este apelo tem abarcado grandes movimentos
e multidões de crentes e seguidores dos grandes Mestres religiosos, o que culmina em decisões
politicas, seciais e antropológicas relevantes. A psicanálise nos convoca com diversos
questionamentos, sobretudo quando nos debruçamos em pensar o que de fato se passa neste
cristianismo avassalador que temos percebido? Freud em O Futuro de Uma Ilusão, já advertia
para que a religião nada mais pudesse ser, do que uma grande ilusão. Ilusão exatamente por não
ser passível de provas, o que hora ou outra tornaria um grande fracasso. Sobretudo à criança que
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não tomaria mais o Pai como grande referido de poder. No entanto, o futuro da ilusão seria o seu
fracasso.
Desta maneira, temos nos surpreendido com toda avalanche de ideias religiosas que ao
entorpecer a sociedade acabou por não sofrer com este fracasso. Então, cerca de cinquenta anos
após este aforisma freudiano, Lacan, em 1975, afirma o triunfo religioso como aposta. O que
Lacan percebe e aponta em entrevistas ao jornal de Roma, é que a religião é uma grande
produtora de sentido, e ao injetar sentido através de seu discurso que ilude, respeita e afasta o
aparecimento do grande Deus-real, ela acaba em se atualizar e mover multidões. A pergunta que
de fato precisamos nos fazer, é o que isto implica à psicanalise. E obviamente, ao reportar ao
próprio Lacan, percebemos que este pode ser o indício de um possível fracasso da própria
psicanálise. Ou seja, a religião triunfar, fará com que haja uma primazia do real, não dando
sequer a possibilidade de um apelo à experiência do inconsciente. A psicanálise sente-se
ameaçada e convocada em dar respostas para sua própria sobrevivência. Se a proposta
psicanalítica fundamental em pensar a travessia do fantasma é possibilitar a operação de
separação ou inexistência do grande Outro, como pensamos o religioso que renuncia sua própria
pulsão em prova de seu narcisismo? Aliás, não diremos genericamente do religioso, mas sim
inicialmente, do padre como representante da religião romana, a qual Lacan apontou ser a
verdadeira.
Em relação à forma de lidar com o Outro, quando pensamos na religião crista, ou mais
especificamente a passagem judaico-cristão, ao qual Freud debruçou seus estudos à respeito
faremos uma série de reflexões. Em 1907 em um artigo chamado de Neurose Obsessiva e Prática
Religiosa, Freud aponta para a religião como uma produtora de neuroses obsessivas. Em seu
percurso, pensamos neste apontamento em dois vértices: o primeiro sob a ótica de as neuroses
serem frutos de uma prisão no pensamento, e isto é função da religião impor à seus fiéis. E o
segundo ponto ao diferenciar a religião do exercito, marca que os lideres são diferentes, pois os
do exercito são acessíveis e visíveis, o da religião, Deus, não. O primeiro laço ao semelhante
estabelecido pela religião, é a marca neurótica.
Ainda ao pensarmos, a maneira pela qual a religião cristã encontra um operador para
ludibriar o Outro, recorremos a Lacan em Subversão do Sujeito e Dialética do Desejo. Neste
texto dos Escritos, Lacan propõe duas vias para lidar com o outro. A primeira delas a Múmia de
uma Iniciação Budista, que podemos exemplificar pelo próprio analista da I.P.A. e refere-se à
postura de sentido, ou seja, a postura oracular de um saber e um lugar que reflete exatamente a
imagem do mestre sábio Budista. A outra saída, a que mais nos interessa nesta reflexão, o
chamado narcisismo da causa perdida. Neste segundo vértice de saída ao outro, que implica em
um desejo de castração do Outro, Lacan associa à Tragédia Grega. Pensamos também a noção do
próprio Padre Romano. Em relação a tragédia grega, podemos pensar na transgressão de
Antígona, que inscreve seu puro desejo no Outro (Etéocles seu irmão), e morre por ele, ao
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confrontar-se com a lei de Creonte. Sob a figura do Padre, pensamos exatamente na própria
renuncia pulsional. Para atender à demanda neutótica do Outro – Deus – o padre renuncia sua
energia e torna-se um narcisista por sua causa perdida. Seu desejo é o desejo de Deus. “Fazei
tudo o que ele voz disser” ou “eu sou a verdade, o caminho e a vida, ninguém vem ao pai senão
por mim”, são efetivamente representações que marcam sua posição barrada entre desejo e gozo.
Karen Armstrong em Uma História de Deus, aponta “para o fato de jesus chamar deus de Pai,
implicava uma distinção; a paternidade envolve certa superioridade sobre o filho” (Armstrong
2008, p.150). Ou ainda o clamor do próprio Cristo que desconhece o abandono do pai, ao estar na
cruz. Jesus inscreve a vontade de castração do Outro. O Padre Romano neste sentido, se vê
completamente implicado na alienação do Outro. Torna-se, não somente uma saída, mas uma
elevação, um Eskabelo.
Percebamos um outro ponto que pode-nos servir de reflexão à este respeito. Ziżek em Amor
Impiedoso ou sobre a Crença, mostra-nos que o narcisismo sendo lido não pelo viés da
representação ( jesus-padre), mas sim a Deus. Ou seja o grande narcisismo seria o de Deus. Por
apostar no amor que ligue os homens, sacrifica o seu próprio filho que clama por socorro,
somente para provar o seu poder à humanidade. “não é esse um Deus estranho, que sacrifica seu
próprio filho, aquele que mais o ama, para impressionar os humanos? (Zizek 2012. P. 31).
Qual o ponto, ou ainda, qual a pergunta nos colocamos nesta reflexão para pensarmos o
Eskabelo? A nossa implicação precisa partir da noção de que frente a renuncia pulsional, efetiva
do discurso da religião, alguma saída nos é dada. Nao pensamos na sublimação, pois esta é uma
saída ou uma inibição da satisfação. Na religião não há uma inibição da satisfação, e sim a sua
renuncia plena. De fato, encontra-se um outro objeto que não o sexual, todavia esta saída é mais
requintada. Esta saída não é só a ascensão de um semblante, mas um artifício para lidar com o
Outro, pois o semblante está perto do real, o artifício, como a religião, afasta o aparecimento do
real, desviando-o. Fazendo enfim uma elevação.
Desta forma se esta é uma saída para lidar com o outro, então é necessário conseguir a
partir de então fazer a psicanálise trabalhar para pensar nos movimentos atuais de crescentes
movimentos religiosos e seu lugar frente aos discursos. Precisamos de maneira rápida conseguir
dizer deste movimento que Lacan chamou de um cristianismo desesperado (Lacan 1862, p.841).
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REFERENCIA BIBLIOGRÁFICA
Armstrong, Karen. (2008). Uma História de Deus. Sao Paulo: Companhia das Lestras.
Freud, Sigmund. Edição Standard Brasileira das Obras Psicológicas completas de Sigmund
Freud. Rio de Janeiro: Imago, 1996
______________ (1907/1996) Atos Obsessivos e Práticas Religiosas vol. IX. p.107-117
_______________(1913/1996) O Retorno do Totemísmo na Infância. Vol. XIII. p. 109-163
_______________(1921/1996) Psicologia de Grupo e Análise do Ego. Vol. XVIII. p. 79156
_______________(1927/1996) O Futuro de Uma Ilusão. Vol. XXI. p. 13-71
Lacan, J. (1953/1960) O Seminário, Livro 7: A Ética da Psicanálise. Rio de Janeiro: Jorge
Zahar Ed. 1988.
_________(1965) Subversao do sujeito e Dialética do Desejo. In: Escritos. Rio de Janeiro:
Jorge Zahar Ed., 1998. p. 841
_________ (2005) O Discurso aos católicos. in: O Triunfo da religião. Rio de Janeiro:
Jorge Zahar Ed. p. 9-54
_________ (2005) O Triunfo da Religião. Rio de Janeiro: Jorge Zahar Ed. p. 55-87
ZIZEK, Slavoj. O Amor Impiedoso (ou: sobre a crença). Belo Horizonte: Autêntica
Editora. 2012. 214 p.
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