Página 2 Drama e história Editorial Quem visse os discursos de algumas minorias que se opunham à proposta de novo Código Florestal aprovada pela Câmara dos Deputados poderia crer que o Brasil vive uma guerra da entre campo e cidade. O radicalismo de certas organizações não-governamentais (ONGs) ambientalistas, financiadas por países que são concorrentes do Brasil no mercado internacional de alimentos, insistia em propagar teses maniqueístas completamente descoladas da realidade. Graças ao poder de mobilização dos produtores rurais, prevaleceu o racionalismo. A proposta relatada pelo deputado Aldo Rebelo saiu consagrada da votação na Câmara dos Deputados. Se mantida no Senado e sancionada sem modificações pela Presidência da República, o Brasil continuará atendendo às demandas mundiais por alimentos, evitando a fome no mundo. E o melhor: sem desmatamentos. Neste mês de junho, uma nova etapa do Fórum Permanente do Agronegócio ocorrerá no auditório da Farsul. Organizada pela Comissão das Produtoras Rurais da Federação, terá foco em comunicação. As promotoras têm uma visão clara: o produtor precisa se comunicar melhor entre si e com o meio urbano. No debate do Código ou em qualquer outro, o mais importante é mostrar à sociedade que todos, estejamos nos campos ou nas cidades, fazemos parte de uma mesma comunidade, um mesmo sistema, um mesmo país. O feijão com arroz, o café com leite, o pão que alimentam todo dia centenas de milhões de trabalhadores brasileiros vem de nossos campos. Se hoje os 30 milhões de brasileiros que ascederam à classe C nos últimos anos têm acesso a crédito e a bens de consumo distantes há poucos anos, é porque, entre outros fatores, o campo sustenta a economia deste país com as exportações do agronegócio, permitindo o acúmulo de reservas e a consequente segurança para investimentos. Reduzir a área de produção, o que inevitavelmente ocorreria com a manutenção da atual legislação ambiental e com as propostas de ONGs ambientalistas, traria consequências para todos os brasileiros; não apenas aos produtores. Será que o trabalhador urbano estaria disposto a pagar mais por seus alimentos? Será que aceitaríamos abrir mão de reservas, estabilidade econômica e segurança alimentar, importando comida de outros países? E tudo isso em nome de uma recomposição de áreas de floresta que não ocorreu em nenhum outro lugar do mundo! Exigir essa recomposição não seria o mesmo do que obrigar a demolição de uma casa na cidade porque ali existia mata algum dia, porque debaixo dela passa um córrego preso à tubulação urbana? A aprovação do Código Florestal na Câmara não foi uma vitória dos produtores rurais. Foi de todos os brasileiros. EXPEDIENTE Blau Souza* a Paz de Pedras Altas, alcançada ao final da Revolução de O anúncio de que está sen- 1923, estava longe de ser uma do filmado, Senhores da realidade. O Brasil dos tenenGuerra, romance histórico tes enfrentava o governo de invulgar do caçapavano José Artur Bernardes. No Rio Antônio Severo é motivo de Grande do Sul o quadro era satisfação para todos os gaú- mais complicado, pois fora chos e evoca sentimentos, os proibida nova reeleição de mais variados. A figura cen- Borges de Medeiros e a sucestral do livro, o jovem advo- são estadual agitava o mundo gado Júlio Rafael de Aragão político, sem esquecer a exisBozano, intendente de Santa tência de grupos armados e de Maria, comandante de corpo exilados políticos em países provisório e possível sucessor vizinhos sempre prontos a de Borges de Medeiros no transpor a fronteira e a lutar governo do Estado, foi assas- contra o Chimango. Coube a sinado de tocaia quando comSem ter casado, assumiu batia a Coluna Prestes em seu início, antes que deixasse o viuvez definitiva e dedicou Estado. Sabe-se que o filme sua vida à medicina, à peexplorará o fato de estarem diatria e a seu ensino. Tordois irmãos de rica família de nou-se a primeira mulher proprietários de navios, guer- a assumir cátedra na Fareando em campos opostos no culdade de Medicina de Rio Grande do Sul. Opunha- Porto Alegre. se a Júlio Rafael, defensor de Borges de Medeiros e da le- Bozano impedir que Zeca galidade, seu irmão Carlos, Neto, Honório Lemes e outros acadêmico de direito e revo- revolucionários unissem suas lucionário sob o comando de forças aos batalhões de cavaZeca Neto. Mas a paixão que laria e de engenharia que se pretendo destacar na vida de tinham amotinado em UruBozano é amorosa e também guaiana, Santo Ângelo e Cafoi descrita pelo amigo Seve- choeira. A bacia do Camaquã ro. Recém chegado em Santa era decisiva para assegurar vanMaria, solteiro, intendente e tagem aos revolucionários, ou líder carismático, Bozano o seu internamento no Uruguai. despertou sentimentos bem Meu pai, Crispim Souza, intenprevisíveis nas moças da ci- dente de Lavras, organizou cordade. Logo, enamorou-se de po provisório que se somou às Maria Clara, filha do doutor forças de Bozano e Armando José Mariano da Rocha, mé- Borges para combater os insurdico e fazendeiro forte no rectos. De refregas como a do município, bem como irmã do Cerro do Malcriado, ficou a professor José Mariano da amizade e a admiração mútua Rocha Filho, então menino, e entre ele e Bozano. Depois de que viria a fundar e dirigir a rechaçados os revolucionários Universidade Federal de San- para o outro lado da fronteira ta Maria. Maria Clara, inteli- uruguaia, Bozano recebeu ingente e cheia de inquietude cumbências para combater a cultural, tornou-se uma agra- incipiente Coluna Prestes, ao dável e desejada companhia norte, e lá recebeu ferimento para o irrequieto Bozano. Mas mortal numa emboscada. Os FARSUL Presidente: Carlos Rivaci Sperotto Vice-presidente: Gedeão Silveira Pereira Diretor Administrativo: Francisco Lineu Schardong Diretor Financeiro: Jorge Rodrigues SENAR-RS Presidente: Carlos Rivaci Sperotto Superintendente: Gilmar Tietböhl Divisão Técnica: João Augusto Telles Div. Planejamento e Projetos: Saulo Gomes Div. Administração e Finanças: Carlos Alberto Schütz vínculos republicanos eram profundos e Lavras foi das primeiras cidades a ter uma rua chamada Dr. Bozano. Com a morte do noivo, Maria Clara caiu em depressão, pouco aliviada por retiro na estância paterna e por viagem à Europa. Apoiada pelo pai, e após sonhos e premonições, ela reagiu com uma energia imbatível. Sem ter casado, assumiu viuvez definitiva e dedicou sua vida à medicina, à pediatria e a seu ensino. Tornou-se a primeira mulher a assumir cátedra na Faculdade de Medicina de Porto Alegre. Nesta função, a conheci e lembro de sua emoção quando, por iniciativa de minha mãe, já viúva, entreguei-lhe uma foto de Bozano, ofertada por ele a meu pai. Emocionou-a a solidariedade na memória. Maria Clara, enquanto a sogra era viva, costumava almoçar aos domingos com a família do noivo e mandou construir um túmulo de mármore no Cemitério São Miguel e Almas com duas tumbas. Para a da direita, transferiu os restos do noivo e mandou inscrever: “Júlio Raphael de Aragão Bozano. Nascido em primeiro de setembro de 1899; morto pela Pátria em 30 de dezembro de 1924. Realizaste o sonho do pensador porque nasceste como todos, viveste como poucos e morreste como raros, heroicamente e puro, sacrificando no regaço da Pátria os tesouros de tua juventude e de tuas esperanças”. No dia 3 de maio de 1983, Maria Clara foi sepultada na tumba do lado esquerdo, onde se lê: “Maria Clara Mariano da Rocha. 23 de abril de 1902, 2 de maio de 1983”. * Médico e escritor JORNAL SUL RURAL Diretor: Décio Rosa Marimon Jornalista responsável: Sebastião Ribeiro (MTb/RS 11.009) Fotos: Fabrício Barreto, Luiz Ávila, Tiago Francisco, Ibravin (capa) Colaboração: Alessandra Bergmann e Tiago Francisco Circulação Mensal Tiragem: 35.000 exemplares Administração, redação e comercial: Praça Saint Pastous, 125 - Fone: (51) 3214.4400 Fax: (51) 3221.9113 e-mail: [email protected] - Porto Alegre/RS - Cep 90050-390