A VIRGEM MARIA (II) Catequese das Missas de quarta-feira – n. 11 (2° ciclo) A devoção à Virgem A devoção mariana não é uma dimensão optativa ou acessória à espiritualidade cristã, mas é algo essencial. O ensinamento de São Luiz Maria de Montfort (1673-1716), cada vez mais vigente e recebido pela Igreja, expressa essa devoção de modo muito perfeito, nas obras O segredo de Maria e o Tratado da verdadeira devoção à Santíssima Virgem. Vejamos, pois, os aspectos principais desta devoção cristã à Santa Mãe de Deus. O amor à Virgem Maria é, evidentemente, o traço primeiro de tal devoção. Como os cristãos devem amar Maria? Alguns temem neste ponto cair em certos excessos. Pois bem, nisto, como em tudo, tomando como modelo a Jesus Cristo, encontraremos a forma exata: tratemos de amar Maria como Cristo a amou e a ama. Nós, os cristãos, estamos chamados a participar de tudo o que está no Coração de Cristo: devemos ter «os mesmos sentimentos que teve Cristo Jesus» (Fl 2,5). Devemos fazer nosso seu amor ao Pai, sua obediência, seu amor aos homens, sua oração, sua alegria, seus trabalhos e sua cruz, tudo. Igualmente devemos fazer nosso seu amor à sua Mãe, Maria, que é nossa Mãe. Esse é o limite de nosso amor à Virgem, que não devemos ultrapassar! Não há, portanto, perigo algum de excesso em nosso amor à Virgem! Poderia haver em suas manifestações externas; mas tal perigo vem a ser superado facilmente pelos cristãos quando na piedade mariana se atém à norma universal da liturgia e às devoções populares aconselhadas pela Igreja. Amar a Maria com o amor de Cristo é amá-la com o amor que lhe tiveram os santos. Algo desse apaixonado amor se expressa na oração de Santa Catarina de Sena: «Oh Maria, Maria, templo da Trindade! Oh Maria, portadora do Fogo! Maria, que ofereces misericórdia, que germinas o fruto, que redimes o gênero humano, porque, sofrendo a carne tua no Verbo, foi novamente redimido o mundo. Oh Maria, terra fértil! És a nova planta da qual recebemos a flagrante flor do Verbo, unigênito Filho de Deus, pois em ti, terra fértil, foi semeado esse Verbo. És a terra e és a planta. Oh Maria, carro de fogo! Tu levaste o fogo escondido e velado sob o pó de tua humanidade. Oh Maria, vaso de humildade no qual está e arde a luz do verdadeiro conhecimento com que te elevaste sobre ti mesma, e por isso agradaste o Pai eterno e te raptou e levou a si, amando-te com singular amor. Oh Maria, dulcíssimo amor meu! Em ti está escrito o Verbo do qual recebemos a doutrina da vida... Oh Maria! Bendita és tu entre as mulheres pelos séculos dos Séculos» (Oração na Anunciação, extrato). A devoção mariana implica também a admiração gozosa da Virgem. «Cheia de graça», esse é seu nome próprio (Lc 1,28). Não há nela obscuridade alguma de pecado: é toda luminosa, Puríssima, sem mancha, ela é Imaculada. Nela se nos revela o poder e a misericórdia do Pai, a santidade redentora de Cristo, a força deificante do Espírito Santo. Nela conhecemos a gratuidade da graça, pois, desde sua Concepção, Deus santifica aquela que será sua Mãe, preservando-a de toda cumplicidade com o pecado. Em Jesus não vemos o fruto da graça, mas a raiz de toda graça; mas em Maria contemplamos com admiração e gozo o fruto mais perfeito da graça de Cristo. Os santos se admiravam da formosura de Maria porque contemplavam com amor o seu rosto. São João evangelista, que a recebeu em sua casa, é o primeiro admirador de sua beleza celestial: «Apareceu no céu um sinal grandioso, uma mulher vestida de sol, com a lua debaixo de seus pés, e sobre a cabeça uma coroa de doze estrelas» (Ap 12,1). Essa mulher simboliza, sim, a Igreja, mas por isso mesmo Maria vai significada nela. Um dos santos mais sensíveis à beleza de Maria é São João de Ávila: «Vendo sua formosura, seu rosto luminoso, seus olhos resplandecentes e, sobretudo, a formosura de sua alma, dizem: “Quem é essa que avança como a aurora? Quem é essa que não nasce em noite de pecado nem foi concebida com ele, mas que resplandece como amanhecer sem nuvens e como o sol do meio-dia? Quem é esta, cuja vista alegra, cujo olhar consola e cujo nome é força? Quem é esta, para nós tão alegre e benigna, e para outros, como os demônios, tão terrível e espantosa?”. Grande coisa é, senhores, esta Menina» (Serm. 61, Nativ. della Vergine). O cristão há de ter, para com a Virgem Maria, uma consciência filial. Se ela é nossa mãe, e nós somos seus filhos, o melhor será que nos demos conta disso e que vivamos as consequências dessa feliz relação nossa com ela. As mães da terra oferecem analogias, ainda que pobres, para ajudar a conhecer a maternidade espiritual de Maria. Uma mãe pode dar à vida o filho uma vez, no parto, e logo fomenta essa vida com cuidados durante uns anos, até que o filho se faz independente dela. Mas Maria nos está dando constantemente a vida divina, e sua solicitude por nós, na medida em que vamos crescendo na vida da graça, é crescente: ela é para nós cada vez mais mãe, e nós somos cada vez mais filhos seus. Alguns eliminam praticamente a maternidade espiritual de Maria, alegando que na ordem da graça lhes basta que Deus tenha enviado Jesus Cristo. Tal eliminação, ainda que muitas vezes inconsciente, é sumamente grave. Se uma criança olhasse sua mãe como se esta fosse a fonte primeira da vida, faria dela um ídolo e chegaria a ignorar a Deus. Mas se uma criança afirmando que a vida vem de Deus, prescindisse de sua mãe, com toda segurança morreria ou ao menos não se desenvolveria convenientemente. Pois bem, Deus quis que Maria fosse para nós a Mãe da divina graça, e nós com isso – como em tudo – devemos tomar as coisas como são, como Deus as quis e as fez. Sem Maria não podemos crescer devidamente como filhos de Deus: a mesma Virgem Mãe que criou e educou Jesus deve criar-nos e educar-nos. São Pio X dizia: «Bem evidente é a prova que nos proporcionam com sua conduta aqueles homens que, seduzidos pelos enganos do demônio ou extraviados por falsas doutrinas, creem poder prescindir do auxilio da Virgem. Desgraçados os que abandonam Maria sob o pretexto de render honra a Jesus Cristo» (Enc. A diem illum). Grande deve ser nosso agradecimento a Maria, distribuidora de todas as graças. Note-se que na Comunhão dos Santos há, sem dúvida, muitas pessoas, e que em cada uma delas há um influxo maior ou menor da graça. Esse influxo benéfico nos vem com especial frequência e intensidade dos santos, «por cuja intercessão confiamos obter sempre» a ajuda de Deus (Oração Eucarística III). Pois bem, na Igreja há somente uma pessoa humana, Maria, cujo influxo de graça é sobre todos os fiéis contínuo e universal, ou seja, ela influi maternalmente em todas e em cada uma das graças que recebem todos e cada um dos cristãos. Assim como Jesus Cristo não faz nada sem a Igreja (SC 7b), nada faz sem a BemAventurada Virgem Maria. se compreende que nos cristãos sem devoção à Virgem Maria há temores e ansiedades intermináveis, pois são como filhos que se sentem sem mãe. Pelo contrário, o que se faz como criança e toma nas mãos da Mãe, vive sempre confiado à sua solicitude maternal. A mais antiga oração conhecida a Maria expressa já essa confiança filial ilimitada: «Sub tuum præsidium confugimus...», sob a tua proteção nos refugiamos, Santa Mãe de Deus! A chamada “oração de São Bernardo”, inspirada em seus escritos e que recebeu formas diversas, diz assim: «Lembrai-vos, oh piedosíssima Virgem Maria, que nunca se ouviu dizer que algum daqueles que tenham recorrido à vossa proteção, implorando a vossa assistência, reclamando o vosso socorro, fosse por vós desamparado. Animado, eu, pois, com igual confiança, a vós, oh Virgem das virgens, como à minha mãe eu recorro, e de vós me valho; e gemendo sob o peso dos meus pecados, me prostro aos vossos pés. Não desprezeis as minhas súplicas, oh Mãe do Filho de Deus feito homem, mas dignai-vos ouví-las, propícia, e alcançar o que vos rogo. Amém». Outro traço fundamental da espiritualidade cristã é a imitação de Maria. Ela é a plenitude do Evangelho. Ela é a Virgem Fiel, que ouve a palavra de Deus e a cumpre (Lc 11,28). Por isso, assim com São Paulo diz de si: «Sede meus imitadores, como eu sou de Cristo» (1Cor 11,1), a Igreja, «imitando a Mãe de seu Senhor, pela virtude do Espírito Santo» (LG 64), guarda e desenvolve todas as virtudes. Com efeito, «enquanto a Igreja alcançou na Santíssima Virgem a perfeição, em virtude da qual não tem mancha nem ruga (cf. Ef 5,27), os fiéis lutam todavia por crescer na santidade, vencendo inteiramente o pecado, e por isso elevam seus olhos a Maria, que resplandece como modelo de virtudes para toda a comunidade dos eleitos» (LG 65). Por outro lado, está claro que imitar Maria é imitar Jesus, pois é ela mesma quem nos diz: «Fazei tudo o que ele vos disser» (Jo 2,5). Neste sentido, «a Mãe de Cristo se apresenta aos homens como porta-voz da vontade do Filho, indicadora daquelas exigências que devem cumprir-se para que se possa manifestar o poder salvífico do Messias» (Redemptoris Mater, 21). Deve-se dizer também que a imitação de Maria e a dos santos não é de idêntica natureza. Para um cristão, a imitação de um santo vem a ser extrínseca: vê-se seu bom exemplo e, com a graça de Deus, se imita tal exemplo na vida. Já a imitação da Virgem Maria é sempre para um cristão algo intrínseco, no sentido de que essa vida de Maria que trata de imitar, ela mesma, como mãe da divina graça, se lhe comunica desde Deus. A oração a Maria Ao longo dos séculos, os cristãos cumpriram a profecia que Maria fez de si mesma: «Todas as gerações me chamarão bem-aventurada» (Lc 1,48). Tanto no Oriente quanto no Ocidente, os filhos da Igreja cresceram sempre em um ambiente de culto e devoção à Virgem Mãe. A Ave Maria, composta com as palavras do Arcanjo Gabriel e de Isabel (cf. Lc 1,28ss. 42), assim como outras orações latinas hoje recolhidas ao final das Completas, na Liturgia das Horas, são de origem medieval, assim como o Rosário e o Angelus. Essas orações que tão arraigadas estão na piedade dos fiéis, sempre foram recomendadas aos cristãos (cf. Marialis cultus 40-55). A Igreja não se cansa de bendizer à gloriosa sempre Virgem Maria. Seu único lamento é não fazê-lo sempre convenientemente, pois todas as honras à Gloriosa são sempre poucas. Como diz São Bernardo, de tal modo é excelsa sua condição, que resulta «inefável; assim como ninguém a pode alcançar, assim tampouco a ninguém se pode explicar Maria como se merece. Que língua será capaz, ainda que seja angélica, de exaltar com dignos louvores à Virgem Maria, e mãe não de qualquer um, mas de Deus mesmo?» (Serm. Asumpc. 4,5). Por isso nós, com o versículo final da oração Ave Regina Cælorum: Ave, Rainha do Céu; ave, dos anjos Senhora; ave, raiz; ave, porta; da luz do mundo és aurora. Exulta, oh Virgem gloriosa, as outras seguem-te após; nós te saudamos: adeus! E pede a Cristo por nós!