4 DE OUTUBRO DE 2007 | NATIONAL THE BRAZILIAN NEWSPAPER COMUNIDADE www.jornalnational.com 19 De volta para minha terra... POR JULIANA MELO Todos os dias, os aeroportos brasileiros servem de porta de entrada para imigrantes decididos a recomeçar no Brasil, depois de um longo período no exterior. Na bagagem, eles levam, principalmente, a esperança de uma vida mais tranquila. Afinal, como é voltar para o Brasil? Confira algumas histórias. Curtindo o sossego O mineiro Otávio Augusto Reis, 29, é um dos milhares de brasileiros que decidiram deixar a América. Há 45 dias, ele desembarcou em Belo Horizonte e mudou radicalmente de vida: trocou o corre-corre de Nova York pela calmaria de Gonzaga, uma pacata cidadezinha a 300 km da capital mineira, com menos de 10 mil habitantes. Depois de quatro anos vivendo nos Estados Unidos, Otávio ainda está na fase de “lua-de-mel com o Brasil”. Acorda tarde, visita amigos e parentes, passeia, e às vezes dá uma esticada até BH ou outra cidade maior para fazer compras e se divertir. “Estou me dando ao luxo de descansar um pouco”, diz ele, que está vivendo das economias que poupou na América. A volta foi decidida de uma hora pra outra, motivada pela prisão de um colega que trabalhava com ele com pintura de casas. “Um amigo foi preso pela imigração em Newark e eu comecei a sentir medo de sair de casa. Cheguei à conclusão que aquela não era a vida que eu queria”. Comprou as passagens e hoje consi- dera-se satisfeito com a decisão. “Ah, não me arrependo de ter voltado, não. É muito bom andar tranquilo, num lugar onde todo mundo fala sua língua e te conhece”, avalia. Por enquanto, ele está curtindo o sossego, mas nas próximas semanas, pretende decidir seu futuro. “Ainda não sei o que vou fazer, mas tenho vontade de abrir uma loja de auto-peças aqui mesmo. Se perceber que é complicado, vou arriscar uma mudança pra Belo Horizonte, onde tenho parentes e posso conseguir um trabalho bom”, planeja. Medo da violência Para a paulista Marília Santos, 34 anos, que viveu sete anos em Everett (MA) “todo brasileiro vai para os Estados Unidos pensando no dia de voltar”. Durante os anos em que trabalhou em Massachusetts como baby sitter, e mais recentemente como housekeeper, Marília juntou dinheiro e idealizou todos os dias a volta a São Bernardo do Campo, onde nasceu e foi criada. “Não tinha um dia que não pensava como seria quando eu voltasse. Fazia mil planos”, afirma. Em março deste ano, ela encaixotou seus pertences e voltou acompanhada do marido e de um filho de quatro anos. Agora, seis meses depois, ela diz ter se arrependido. O que mais a incomoda é a insegurança. “Os medos são diferentes. Em Everett a gente tinha medo quando saía por causa da imigração. Aqui, temos medo até quando estamos dentro de nossas casas. Parece que o perigo está sempre rondando”, observa. Apesar da violência, na parte profissional a volta foi compensadora. Marília formou-se em administração de empresas nos anos 90 e conta que a experiência no exterior e o inglês avançado contaram muito na hora de conseguir um emprego no Brasil “Meu marido abriu uma loja de informática e eu consegui um trabalho numa multinacional. Na parte profissional, pelo menos, está tudo bem”, completa. Para psicóloga, maior erro é idealizar o retorno Sim, eu voltei! “Saí do Brasil sem data para voltar, mas voltei há 9 meses, depois de ficar dois anos fora. Acho que todos nós chegamos a um ponto em nossas vidas em que ficamos saturados, vemos que não somos felizes, onde não estamos satisfeitos. O problema é estar saturado fora do Brasil, porque nessa hora achamos que a solução é voltar para nosso país. E aí vai a bomba: a solução não é voltar para o Brasil. A minha volta, assim como a de muitas pessoas, foi cheia de expectativas, com sonhos mirabolantes e fantasias lindas. A adaptação no início foi complicada, tanto no pessoal como no profissional, mas após um mês eu já estava acostumada novamente, afinal foi aqui que nasci e cresci. Não posso dizer que hoje não sou feliz por estar de volta. Sou feliz pois estou em casa, pois não tenho mais medo, e porque tenho minha família. Mas os problemas não acabaram, as insatisfações não acabaram, o cansaço não acabou... A diferença é que hoje os problemas não são os mesmos, pois sobrou espaço para outras preocupações." Vanessa Tobias “Estou no Brasil há quase 5 meses. Eu sempre quis voltar. Passei 7 anos na Califórnia onde trabalhei, estudei, tive minha filha, enfim, vivi! O que gostei ao regressar foi ver a família, e ter tudo o que eu sempre senti falta lá fora. Como eu vim para uma cidade de interior, no Espírito Santo, não tenho sentido muito o impacto da violência, pobreza e outras coisas que se vê nos grandes centros... viver aqui é relativamente fácil. A parte ruim ficou por conta da mudança de comportamento que tenho visto nas pessoas, de maneira geral. Minha dificuldade de adaptação, até agora, tem sido lidar com as pessoas. Como meu esposo ainda está nos EUA (regressa esse mês) e envia dinheiro, financeiramente está tudo bem, por enquanto. Não estou arrependida de ter voltado, absolutamente! Na verdade, nunca me senti totalmente inserida no modo de vida que se leva nos EUA e eu sempre tive em mente que voltaria. Estou muito feliz por estar de volta e espero poder continuar aqui.” Jackeline Cassilhas rem estar “voltando para A psicóloga Sylvia Dantas casa”, é importante ter em De Biaggi, da Universidade mente que o retorno é uma de São Paulo (USP), considera nova migração. “Às vezes o que o maior erro dos imigranchoque é maior na volta do tes é idealizar o retorno. que na ida em função dessa “Quando se está fora, com expectativa de estar voltando saudades e se quer dar uma para o ´seu lugar´ que em solução para os problemas e geral é um lugar imaginadificuldades no exterior, vários do”, explica. aspectos do Brasil não são lembrados, ou são deixados Ela considera que a de lado. Isso é um tanto decisão do retorno deve ser “Às vezes o choque é arriscado, pois é importante maior na volta do que tomada com calma. “É ter em mente que em qualna ida”, diz a psicóloga fundamental ter em mente quer país há aspectos positivos Sylvia Dantas De Biaggi que as políticas e a economia e negativos”, destaca. mudam em todos os países; aspectos bons e desagradáveis existem Segundo Sylvia, que é coordenadora nos dois lugares, e todos temos de lidar do serviço de orientação cultural da USP, com tudo isso, seja nos EUA ou no um programa que auxilia os imigrantes Brasil”, finaliza. retornados, apesar das pessoas acredita-