Desenvolvimento de Sistemas de Informação em Saúde nos Países Trans-Cáucaso Paul Douglas Fisher Departamento de Medicina Social, Faculdade de Medicina Universidade Federal do Rio Grande do Sul Porto Alegre, RS, Brasil Resumo - Com a queda da União das Repúblicas Socialistas Soviética, os países que a integravam ficaram com falta de liderança, tecnologia e recursos humanas para criar novos sistemas de informação em saúde. Sem estes sistemas, os países Trans-Cáucaso não detém os meios para coletar dados e transformá-los em informação apropriada para planejar e tomar decisões gerenciais. Na verdade, eles possuem dúvidas sobre quais dados coletar e qual informação produzir. O Projeto Trans-Cáucaso para Informação em Saúde faz parte do esforço que está sendo realizado para recuperar a capacidade de informação em saúde nestes países. Através de suas atividades, o projeto está ajudando a desenvolver a capacidade humana e tecnológica que permitirá a realização de vigilância e rastreamento para fins de identificação e localização de seus problemas e distribuição de recursos limitados de uma maneira apropriada. O desafio maior é criar uma cultura de informação em saúde. Palavras-chave: sistemas de informação em saúde, saúde pública, vigilância, treinamento. Abstract – With the fall of the Soviet Union, the countries that once belonged to it were left with a paucity of the leadership, technology or human resources required to create new health information systems. Without these systems, Trans Caucasus countries do not have the means to collect data and transform them into information appropriate for planning and management decision making. In fact, they have doubts as to what data needs to be collected and what information needs to be produced. The Trans-Caucasus Health Information Project is part of the effort to recover the capacity for health information in these countries. Through its activities, the project is helping to develop the human and technological capacity that will permit them to do surveillance that will allow them to identify and locate problems and distribute limited resources appropriately. The greatest challenge is the creation of a health information culture. Key-words: health information systems, public health, surveillance, training Introdução Dados coletados nos processos de vigilância em saúde e rastreamento de doenças fornecem muitas das informações que são requeridas para o planejamento e o gerenciamento de sistemas em saúde. Sistemas de informação sofisticados, quer baseados em papel ou informatizados, admitem que os dados requeridos sejam armazenados em uma estrutura que permite que possam ser transformados nas informações necessárias. Muito mais importante que a tecnologia de apoio, porém, é o comportamento dos profissionais, instituições e organizações governamentais em saúde que coletam os dados e usam as informações produzidas em seus processos decisórios. Os comportamentos destas entidades devem ser intimamente ligados à estrutura e às funções do sistema de informação de apoio, para conseguir serviços de saúde de alta qualidade. Na verdade, são estes comportamentos que definem o conteúdo e a estrutura do sistema de informação e não vice versa. A quebra da União Soviética produziu um conjunto de estados independentes nos quais os comportamentos requeridos para criar e usar efetivos sistemas de saúde não existem mais. O comportamento necessário foi perdido nos 80 anos de controle central imposto pelo governo soviético. Portanto, eles não podem exibir os comportamentos que permitiriam a definição das informações que eles precisam nem os dados ou os processos requeridos para conseguir a produção de informações e, por extensão, um sistema de informação em saúde.. O Projeto Trans-Cáucaso para Informação em Saúde está a demonstrar que o desafio principal do engenheiro de sistemas de informação nestes países não é a ausência de capacidade tecnológica, a presença de infra-estrutura decadente, ou mesmo a falta de dinheiro. O maior desafio está em apoiar, principalmente por treinamento e educação, o desenvolvimento de uma "cultura" de tomada de decisões para serviços em saúde baseada em evidências. Isto permite o reconhecimento e a adoção de comportamentos que apoiam o desenho, o desenvolvimento e a operação de sistemas de informação para o planejamento e o gerenciamento de serviços em saúde. O conhecimento e as habilidades obtidas através deste projeto têm permitido aos Ministérios da Saúde da região do Cáucaso realizar avanços sustentáveis em sistemas de informação e em estratégias gerenciais para tomar decisões informadas em relação à recuperação e ao desenvolvimento continuado dos seus sistemas de saúde. humanos para coletar e processar dados criou um meio ambiente de informação em saúde, caracterizados por: • uma falta de dados e informações necessários para prestar serviços efetivos e eficientes ao povo, e • uma falta de estatísticas nominadoras e denominadoras confiáveis para calcular indicadores necessários ao gerenciamento e planejamento em saúde. Trans-Caucasus Health Information Project O Projeto Trans-Cáucaso para Informação em Saúde (Trans-Caucasus Health Information Project) é uma iniciativa da Sociedade Canadense para Saúde Internacional (Canadian Society for International Health), financiado pela Agência Canadense para Desenvolvimento Internacional (Canadian International Development Agency). O propósito do projeto é o desenvolvimento de capacidade técnica e humana para a produção, comunicação, armazenamento e uso de dados e informação para a operação, gerenciamento e administração dos sistemas de saúde na Armênia, Azerbaijão e Geórgia. As atividades do projeto incluem: • estruturar um sistema de informação demonstrativo para a saúde pública em cada país, • elaborar um curso de 150 horas para treinamento de especialistas nas áreas de informática médica e sistemas de informação em saúde, e • desenvolver currículos, de 30 horas cada, em informática médica e sistemas de informação em saúde para os cursos de graduação e pósgraduação em medicina que já existam. O Estado de Sistemas de Informação em Saúde – uma Herança da União Soviética Depois da queda da União Soviética, ainda hoje os países continuam com pouca capacidade de liderança. Isto é especialmente evidente na área de processamento de dados para produzir as informações necessárias ao planejamento, o gerenciamento e a operação dos sistemas de saúde. Na época da União Soviética, dados coletados … ou não … localmente eram enviados ao governo central para serem processados … ou não … em informação sobre condições locais. Baseado nestas informações … ou não … o governo central tomava decisões quanto aos serviços locais em saúde, e as políticas e procedimentos resultantes eram enviados às autoridades locais para implementação. A resultante falta de uma cultura de informação em saúde, combinada à falta de recurso físicos e Por extensão, nos sistemas de saúde, existe: • uma falta e má distribuição de serviços (desigualdade em acesso) • uma má distribuição da capacidade prestação dos serviços atuais, e • serviços de baixa qualidade. de Tudo isso acontece num meio ambiente com corrupção não controlada, infra-estrutura decadente e uma situação política instável. Treinamento Não precisa-se passar muito tempo nestes, ou outros países subdesenvolvidos, para dar-se conta da falha dos projetos de ajuda focada no desenvolvimento de infra-estrutura na área de sistemas de informação. Computadores, redes e outros equipamentos mal utilizados ou simplesmente abandonados atestam a doação de tecnologia imprópria e a falta de educação em seu uso. Precisamos fazer uma distinção entre treinamento no uso da tecnologia, que a maioria dos doadores fazem, e educação em sua aplicação para gerenciar dados e produzir informação, que a maioria dos doadores não fazem. Portanto, o foco deste projeto é, em primeiro lugar, a educação na coleta de dados e seu processamento para produzir informação para basear decisões úteis e, só após, no treinamento do uso da tecnologia para conseguir estes processos. Para chegar a este fim, ao projeto incluiu-se educação nas áreas de:. • planejamento e gerenciamento de sistemas de saúde, • informações necessárias ao planejamento e gerenciamento, • informações necessárias ao clínico (prontuário de paciente), • coleta de dados e sua transformação em informação e indicadores, • gerenciamento da qualidade de dados e informação, atendimento processamento nacional Base de Dados Nacional informação p/ planejamento usuário nacional dados p/ planejamento processamento regional Base de Dados Regional informação gerencial usuário regional dados gerenciais processamento ponto-deatendimento informação sobre o paciente usuário ponto-deatendimento dados sobre o paciente prontuário do paciente dados do dados resultados encontro clínicos fluxo de informação dados p/ planej. dados gerenciais fluxodados Figura 1 – Esquema lógico do sistema de informação proposto. • conceitos em informática básica (hardware e software), • bases de dados e telecomunicação, • planejamento, projeção, desenvolvimento, implementação e uso de sistemas de informação, e • administração de dados e gerenciamento de sistemas de informação. Projetos Demonstrativos Não são projetos-piloto. Um projeto-piloto consiste na primeira fase de um projeto mais amplo. Não é a intenção do projeto impor um sistema de informação nestes países mas de criar novamente a capacidade para seu desenvolvimento local. Portanto, o alvo dos projetos demonstrativos é fornecer 1) um exemplo do que pode ser feito, e 2) um laboratório “vivo” através do qual os treinandos podem aplicar seu novo conhecimento. O assunto dos projetos demonstrativos foram selecionados pelos países de acordo com suas prioridades, mas apresentam as seguintes caraterísticas em comum: • são limitados a áreas geográficas pequenas e restritos a poucos assuntos em saúde - saúde materno-infantil na Armênia, nascimentos e mortes no Azerbaijão e imunizações na Geórgia; • são multidimensionais no sentido que um dos objetivos é fornecer informação operacional, gerencial e para o planejamento em lugares diferentes; e • são tecnologicamente simples e apropriados – usam, o mais possível, tecnologia que já existe nos países: computadores 486, EpiInfo 6.03 e, mesmo, papel!. Assim, eles podem 1) ser realizados rapidamente, 2) mostrar as vantagens de sistemas integrados e 3) ser sustentáveis, dentro da capacidade tecnológica dos países. A figura 1 mostra o esquema lógico comum na proposta de todos os projetos. O software do sistema de informação a ser desenvolvido deve apresentar as seguintes características: • ser robusto - não necessariamente o mais caro, o mais veloz ou o mais bonito, mas o que é de mais fácil manutenção e rodar continuamente sem muito atenção, • ser simples e intuitivo - o usuário nunca deveria ter de adivinhar como fazer alguma coisa, • ser transparente - a estrutura conceitual e física deve ficar escondida do usuário clínico, e • ser confiável - o sistema deve devolver o que o usuário quer, quando ele quer e sempre que ele desejar. A figura 2 mostra o esquema físico. A intenção é de reciclar e integrar a tecnologia que já existe nos países o mais possível. Embora esta Centro Nacional de Informação em Saúde Servidor Email, WWW & FTP Servidor Proxy e Firewall Servidor Base de Dados 10/100 ethernet hub modem Centro Regional de Informação em Saúde Servidor Proxy e Firewall Servidor Base de Dados 10/100 ethernet hub modem modem Centro Ponto-de-Atendimento Servidor Proxy e Firewall de Informação em Saúde 10/100 ethernet hub modem Figura 1 – Esquema físico do sistema de informação proposto. tecnologia seja mais antiga (486s e EpiInfo), é simples e conhecida (sustentável), ainda está funcionando bem e deve ser usada. Também existem muitos computadores sobrando dos projetos que fracassaram por falta de educação e treinamento! Discussão e Conclusões Ajuda tecnológica para países subdesenvolvidos é muito importante pelo bem-estar de seus povos mas nós precisamos dar apoio de uma maneira integrada para se obter o efeito desejado. Enquanto muitos países desenvolvidos doam tecnologia “dura", poucos provém a educação necessária para sustentar a tecnologia no longo prazo. Além disso, as doações freqüentemente tomam a forma de tecnologia a um nível impróprio ao meio ambiente, com uma expectativa de uso semelhante à existente nos países dos doadores. Apresenta-se aqui um projeto que está tentando mudar o padrão com educação, treinamento e uso de tecnologia apropriada na área de desenvolvimento de sistemas de informação em saúde. O alvo de todos estes projetos deve levar em conta a sua sustentabilidade no longo prazo e, após, o término de nosso envolvimento. Afinal, mesmo os países industrializados têm seu “terceiro mundo” e as lições aprendidos nos países caucasianos podem ser aplicadas aqui. Contato Paul Douglas Fisher Departamento de Medicina Social Faculdade de Medicina Universidade Federal do Rio Grande do Sul Rua Ramiro Barcelos 2400, 4º Andar CEP 90035-003, Porto Alegre, RS, Brasil Fone: 55 51 3316 5360 Fax: 55 51 3316 5232 Email: [email protected]