MÍDIA E DEMOCRACIA NOS PAÍSES DO CONE SUL:
Uma Análise Comparada das Regras na Argentina, Brasil, Chile e Uruguai
Renato Francisquini1
Marta Mendes da Rocha2
1. Introdução
Dentre as transformações por que passaram as sociedades ocidentais ao longo dos séculos XIX e
XX tem lugar de destaque o desenvolvimento dos meios de comunicação de massas. As relações
sociais ganharam novos contornos no processo de expansão da comunicação mediada, de tal sorte
que as interações entre os indivíduos adquiriram, paulatinamente, um caráter não-presencial.
A esfera política, como era de se esperar, não ficou imune a uma mudança desse calibre. Os media
são atualmente instrumentos imprescindíveis para a política, seja como arena para discussão de
temas de interesse público, seja como um sistema de controle dos representantes pelos cidadãos. O
tipo de estrutura e a dinâmica de operação do sistema mediático têm efeitos cruciais para o
pluralismo democrático. Não é por mera coincidência que em regimes autoritários o Estado busca
centralizar a estrutura de comunicação, enquanto nos regimes democráticos ela é, ao contrário, mais
policêntrica.
Neste trabalho será discutida a relação entre mídia e democracia nos países do Cone Sul. O
objetivo será analisar comparativamente as regras que recaem sobre a comunicação social na
Argentina, Brasil, Chile e Uruguai, procurando analisar em que medida as mesmas são conducentes
ao desenvolvimento de um sistema mediático democrático e plural.
Argumenta-se que é desejável que os meios de comunicação sejam abertos às opiniões dos diversos
atores sociais e que tenham autonomia para fiscalizar o sistema político. Sabe-se que um dos
principais obstáculos para alcançar esses objetivos é o padrão de desigualdade comum a várias
sociedades e ainda mais acentuado nos países latino-americanos. As regras que incidem sobre o
funcionamento do sistema mediático são aspecto fundamental nesse quadro.
1Mestrando em Ciência Política pela Universidade Federal de Minas Gerais (UFMG). Pesquisador do Centro de
Estudos Legislativos (CEL-DCP) da UFMG. [email protected]
2Mestre e Doutoranda em Ciência Política pela Universidade Federal de Minas Gerais (UFMG). Pesquisadora do
Centro de Estudos Legislativos (CEL-DCP) da UFMG. Bolsista da Fundação de Amparo à Pesquisa de Minas Gerais
(FAPEMIG). [email protected]
O foco deste artigo recairá sobre as principais normativas que versam sobre o funcionamento dos
meios de comunicação nos países do Cone Sul. Na primeira seção será realizada uma breve
discussão a respeito da relação entre mídia e democracia com vistas a elaborar um quadro
conceitual que funcione como pano de fundo para a análise que se segue. Na segunda serão
analisados os aspectos gerais que se referem às regras de funcionamento dos meios de
comunicação. Nessa segunda parte serão esboçadas algumas hipóteses sobre como as diferentes
regras impactam o funcionamento do sistema mediático. Na terceira seção serão discutidas as
características gerais dos sistemas mediáticos nos países analisados no tocante às regras que regem
seu funcionamento. Na quarta e última parte serão feitas as considerações finais.
2. Meios de comunicação e democracia
O desenvolvimento dos meios de comunicação de massas foi responsável por grandes alterações
nos padrões de interação social. Em um sentido fundamental, esse processo culminou em uma
reelaboração do caráter simbólico da vida social e em uma reestruturação das formas tradicionais de
relacionamento entre os indivíduos.
A natureza do meio técnico empregado para a comunicação tem influência decisiva sobre os tipos
de produção simbólica e de intercâmbios possíveis. Características como a possibilidade de
armazenamento e de reprodução em massa de bens simbólicos tem um impacto fundamental sobre a
sociabilidade. A reprodutibilidade, por sua vez, está no cerne da mudança que possibilitou a
exploração comercial das formas simbólicas. A comunicação mediada permitiu, ainda, o
distanciamento espaço-temporal nas interações interpessoais, disponibilizando os discursos para
serem repetidos ou lidos em outros contextos (Thompson, 1998).
Essa forma de interação não-presencial foi classificada por Thompson (1998) como uma “quaseinteração mediada”. Ela não poderia ser considerada uma interação strictu sensu na medida em que
não representa um diálogo direto entre os interlocutores e é uma forma de produção simbólica que
pode ter como receptores uma quantidade inestimável de sujeitos que, de modo geral, não têm
influência sobre o processo de produção.
Qual teria sido o efeito das mudanças sociais e econômicas engendradas pelo desenvolvimento dos
meios de comunicação sobre o desenrolar das relações políticas? O novo contexto de interação sob
o qual são definidas as estratégias dos atores nesse campo já não permite que se ignorem os seus
impactos. Como nas demais relações sociais, a emergência dos meios de comunicação como
mediadores de interações não-presenciais também provocou mudanças na relação entre os cidadãos
e seus representantes e entre a sociedade civil e o sistema político.
Manin (1995) cunhou o termo “democracia de público” para denominar o atual estágio dos
governos representativos. Ao permitir que políticos se dirijam diretamente aos cidadãos e estes
àqueles, os media teriam modificado as características da representação política. Esta, hoje em dia,
dispensaria até mesmo a mediação de instituições sociais como os partidos políticos e as
associações de classes na relação de representação. A imprensa como um todo, não possui, ao
menos oficialmente e em países democráticos, orientação partidária ou preferência política. Tal
imparcialidade deixaria aberta a possibilidade dos diversos atores sociais expressarem as suas
opiniões e pontos de vista estando expostos a argumentos conflitantes sobre os temas de interesse
público. Enquanto no período identificado por ele como a “democracia de partidos” os meios de
comunicação eram inextricavelmente ligados aos grupos políticos e sociais, atualmente, na maioria
das vezes, essa identificação não ocorre (Manin, 1995).
Na sua vertente pluralista, a teoria democrática chama a atenção para a importância de que os
cidadãos tenham oportunidades plenas para: (1) formular suas preferências; (2) expressá-las a seus
concidadãos e ao governo através da ação individual ou coletiva; e (3) tê-las consideradas em pé de
igualdade na conduta dos representantes (Dahl, 1997). Atender a estes ideais torna-se, no mínimo,
improvável sem que haja uma pluralidade de informações disponíveis e sem a possibilidade plena
de que os diferentes atores participem do debate público e insiram novos temas, problemas e
questões.
O espaço mediático pode ser visto como um espaço diante do qual e no qual vários grupos sociais
competem entre si. Se o pluralismo é preservado, os discursos e informações veiculadas nos meios
de comunicação não estarão sob o controle dos interesses, intenções e valores de nenhum grupo em
particular (Maia, 2002)3. Contudo, assim como em outros sistemas sociais, neste se desenvolvem
certas contradições e normas informais que têm influência direta sobre a possibilidade dos vários
atores e interesses, ancorados em uma distribuição desigual de recursos, de participar politicamente
de forma relevante.
Os sistemas mediáticos passaram, em todas as partes do mundo, por um processo de crescente
comercialização. Esse processo ocasionou, por um lado, um desligamento formal deste espaço em
3 Não se pretende afirmar que haja ou possa haver uma horizontalidade completa nas trocas de informação e opinião.
Em sociedades complexas isso é deveras improvável. Contudo, parece razoável propor que o sistema de trocas seja tão
horizontal quanto possível, evitando a formação de grupos privilegiados que destruam a própria lógica de mercado.
relação às forças políticas em competição, dando mais liberdade aos veículos e aos próprios
profissionais para exercer o jornalismo sem defender posições políticas. Mas, por outro lado,
apresenta uma tendência no sentido da concentração de poder em torno de poucos agentes, que
terão mais um instrumento, além do poder econômico, para exercer poder político.
Mesmo em sociedades formalmente democráticas, podem existir mecanismos que dificultem a
expressão de vozes dissonantes. Entre as características em nível macro que impactam sobre a
relação entre mídia e política, deve-se considerar a cultura política, a estrutura da sociedade, as
instituições governamentais e mediáticas, as normas que regulam a relação entre jornalistas e
políticos, as práticas regulatórias sobre o mercado de comunicação, o grau de desenvolvimento
tecnológico da indústria da mídia, etc (Hallim & Mancini, 2004).
A princípio, não há nada de condenável na constituição de um mercado de comunicação, no qual as
empresas operam sob uma lógica capitalista e têm a informação como principal bem de troca. É
notável a diversificação que ocorre quando os meios de comunicação deixam de ser monopólio de
alguns poucos “aliados do rei” – ou do próprio Estado – e passam a operar sob a forma de empresas
capitalistas (Reis, 2003).
Por outro lado, a imprevisibilidade a que estão sujeitas as relações comerciais em um livre mercado,
embora tenha sido responsável pelo esmorecimento das estruturas adscritivas de censura, também
traz consigo outra conseqüência: permite a operação de mecanismos que embora sejam, em
princípio, congruentes com o funcionamento do mercado livremente, podem levar à predominância
de determinados atores que se encontram em posição de vantagem competitiva. Na ausência de uma
“ação normalizadora externa” a idéia da concorrência torna-se incompatível com a presença de
agentes maximizadores que se comportam de maneira estratégica. Em geral, cabe ao Estado, através
da atuação ex-ante sobre o setor econômico, exercer o papel de fiador dessas regras.
Não cabem dúvidas em relação às profundas modificações resultantes da centralidade dos meios de
comunicação nas sociedades contemporâneas. O debate público, tão caro à democracia, não ocorre
a contento nos dias atuais sem uma estrutura de comunicação adequada. Em face disso, alguns
autores têm buscado investigar comparativamente o funcionamento dos sistemas mediáticos. A
primeira obra de destaque na área foi lançada em meados da década de 1950 por Siebert et all
(1956). Nesse trabalho, os autores buscam responder por que a imprensa parece servir a diferentes
propósitos e opera de forma diversa em cada lugar. A resposta para esta indagação deveria ser
encontrada, segundo os autores, nas estruturas sociais e políticas nas quais operam os sistemas
mediáticos. No intuito de esboçar uma taxonomia para enquadrar estes sistemas foram elaboradas
quatro diferentes “teorias”4. Para classificar os sistemas de mídia, os principais itens considerados
pelos autores foram: as raízes históricas e filosóficas do desenvolvimento do sistema, o principal
propósito da imprensa em cada sociedade, a distribuição da prerrogativa de utilizar a mídia e as
formas de controle.
Além de Siebert et all (1956), a outra obra de destaque no campo de estudos comparados dos
sistemas mediáticos foi publicada em 2004 por Hallim e Mancini. Intitulado Comparing Media
Systems, esse estudo propõe uma análise menos normativa do que empírica. O argumento da obra é
semelhante ao de Four Theories, qual seja, de que não se pode compreender o funcionamento do
sistema mediático sem entender a natureza do Estado, do sistema político-partidário, o padrão de
relações entre interesses políticos e econômicos e o desenvolvimento da sociedade civil. No
entanto, Hallim e Mancini não assumem, sem mais, a idéia de que a mídia é simplesmente um
reflexo dessas estruturas, pois o sistema de comunicação também tem impacto sobre elas.
Para analisar o contexto político de cada país, Hallim e Mancini lançam mão de conceitos
elaborados tanto pela teoria social quanto pela sociologia política. Entre eles, destacam-se: (1)
variáveis econômicas; (2) o papel do Estado na regulação da atividade econômica; (3) uma
orientação mais consensual ou majoritária da democracia; (4) a força da autoridade racional-legal;
(5) as características do pluralismo; e (6) as raízes históricas. Foram quatro as dimensões analisadas
por eles para classificar os sistemas de mídia: (1) o desenvolvimento dos mercados de mídia, com
ênfase sobre o desenvolvimento da imprensa de grande circulação; (2) o paralelismo político, ou
seja, o grau e a natureza em que o sistema de mídia reflete as divisões políticas da sociedade; (3) o
desenvolvimento do jornalismo profissional; e (4) e a natureza e o grau de intervenção do Estado
sobre o sistema.
Não há dúvidas quanto à contribuição dos estudos citados para a compreensão do funcionamento
dos sistemas mediáticos em diferentes países. No presente artigo, diferentemente, o foco recairá
sobre as regras que regulam o sistema. Não se desconsidera a importância das variáveis contextuais
mobilizadas pelos autores. Deve-se lembrar, no entanto, que as instituições, ademais de serem
produtos da interação social e do conflito político, também moldam essas interações.
4 Teoria autoritária, teoria libertária, teoria da responsabilidade social e teoria soviética. O modelo soviético seria um
desenvolvimento do modelo autoritário e o modelo de responsabilidade social seria o desenvolvimento do modelo
libertário (Siebert et all, 1956). Ressalte-se que esse estudo foi escrito e publicado em um contexto sui generis. Naquele
período a Guerra Fria acirrava as diferenças entre os blocos capitalista e socialista e a literatura na área refletia essa
situação.
No tocante às suas características estruturais, os países do Cone Sul compartilham algumas
importantes características no quadro mais amplo da América Latina. O Brasil, por suas raízes
históricas e características demográficas e econômicas, distingue-se dos demais países da região.
Ainda assim é possível dizer que ele compartilha com estes traços importantes. Todos eles passaram
recentemente por períodos autoritários, enfrentaram uma difícil e incerta transição para a
democracia, em um contexto de pobreza e desigualdade social, realizaram, em diferentes níveis de
intensidade, reformas orientadas para o desmonte do modelo de desenvolvimento centrado no
Estado e, na atualidade, vivem um período de relativa estabilidade democrática.
Outro aspecto comum a estes países, diz respeito ao desenvolvimento, ainda que tardio, de um
mercado de comunicações que ampliou sobremaneira o espectro disponível para a oferta de serviços
de radiodifusão. Contudo, a medida em que esse processo resultou em maior democratização da
mídia é uma questão a ser investigada.
Os tipos regulamentação do sistema mediático dizem respeito aos princípios, regras e
procedimentos estabelecidos em lei que estabelecem a prerrogativa de controlar e supervisionar o
sistema, os atores passíveis de atuar como produtores de mensagens, os limites de propriedade,
critérios para definição de conteúdo e emissão de publicidade etc. Diferentes normas podem
ocasionar diferentes resultados no tocante às chances dos diferentes grupos incluírem na agenda
pública opiniões e temas, à qualidade do conteúdo a que os cidadãos, de modo geral, estão sujeitos e
ao grau em que esses conteúdos equilibram propósitos comerciais com propósitos educativos,
informativos e culturais.
3. Sistema de Mídia na Argentina, Brasil, Chile e Uruguai
O desenvolvimento dos meios de comunicação nos países do Cone Sul não ocorreu de forma
homogênea. Apesar das diferentes mídias – jornais, rádio e televisão – terem surgido mais ou menos
no mesmo momento, observou-se a adoção de diferentes modelos de radiodifusão. Ao longo do
século XX uma das principais questões para o desenvolvimento da mídia esteve relacionada ao grau
de regulação e controle a ser exercido pelo Estado e ao grau de liberdade a ser permitido aos
agentes particulares. A definição do escopo de atuação do Estado e do mercado esteve relacionada
com a visão que se tinha sobre a finalidade dos meios de comunicação e com o contexto político.
No Chile, enquanto o rádio, desde sua origem, foi concebido como um veículo comercial, nas mãos
do setor privado, voltado para o entretenimento e a difusão de informações, a televisão, desde seu
surgimento, em meados do século XX, esteve sob controle do Estado e das universidades. Já a
televisão, por ter a função de afirmar os valores nacionais, dar suporte ao desenvolvimento da
educação e da cultura e difundir informações sobre eventos nacionais e internacionais, foi mantida
sob controle do Estado e das universidades, procurando assegurar sua independência em relação às
diferentes concepções político-ideológicas (Tironi e Sunkel, 2000). Apenas a partir dos anos 1990 o
setor privado teve autorização para operar emissoras de televisão. A imprensa escrita, por sua vez,
se desenvolveu muito próxima ao mundo da política estando os veículos, em sua maioria,
vinculados ou sob propriedade de diferentes grupos e partidos políticos. O mesmo padrão não se
observou nos demais países nos quais os atores privados tiveram desde o início autorização para
operar canais de televisão, ao lado do Estado.
Os meios de comunicação tiveram papel importante na integração nacional, fossem eles
administrados pelo Estado ou por particulares. Em contextos políticos específicos, a centralização
dos meios em mãos do Estado foi vista como estratégia importante para mobilização da população
em torno de determinados projetos. Esse foi o caso do rádio na Argentina e no Brasil, durante os
governos populistas de Perón (1946-1955) e Vargas (1930-1945), respectivamente. Nesse contexto,
a regulação dos meios de comunicação foi centralizada e os meios, especialmente o rádio, foram
utilizados como veículos de propaganda do governo.
Como se sabe, Argentina, Brasil, Chile e Uruguai passaram por períodos de regime autoritário sob
comando dos militares entre as décadas de 1960 e 1990. Nos quatro países, durante esse período, os
meios de comunicação estiveram sob a égide da Doutrina de Segurança Nacional. Foram instituídas
leis de censura que limitavam ou anulavam manifestações de atores contrários ao regime e
restringiam sobremaneira a expressão artística, cultural e política. No entanto, diferentemente dos
regimes totalitários europeus, os meios de comunicação eram utilizados menos como mecanismos
mobilização das massas do que de despolitização, como evidencia o caso chileno (Tironi e Sunkel,
2000). Além disso, foi durante esse período que os países analisados forjaram uma estrutura
mediática que posteriormente foi explorada pelo setor privado.
Apesar de rigidamente controlados pelo Estado, os meios de comunicação de massa
desempenharam importante papel no processo de transição para a democracia. Atente-se, por
exemplo, para o caso do Brasil durante a campanha para as eleições diretas e do Chile durante a
campanha do plebiscito de 19895. No caso do Chile, a liberalização econômica levada a cabo ainda
5 Plebiscito no qual a população deveria decidir a respeito da permanência ou não do general Pinochet. Esta foi a
primeira experiência de eleições diretas no Chile desde o golpe de 1973 quando foi morto o então presidente Salvador
Allende.
sob o período autoritário contribuiu para transformar os veículos em empresas com certa autonomia
econômica e menos dependentes do Estado.
Outro aspecto comum aos países analisados é o fato de que a redemocratização não veio
acompanhada de uma ampla reformulação das leis que regulavam o sistema de comunicação. As
principais normativas hoje em vigor datam do período autoritário ou de antes dele. O sistema de
radiodifusão na Argentina é regulado pela Lei 22.285 de 1980, sancionada ainda durante o período
autoritário (1976-1983), e por uma série de decretos editados nos anos 1980 e 1990. No Brasil, a
principal normativa é o Código Brasileiro de Telecomunicação (Lei 4.117), de 1962, regulamentada
por decretos emitidos durante o regime militar (1964-1985) e em períodos posteriores. No Chile, a
principal lei data de 1982, ainda sob o governo de Pinochet e é chamada de Lei Geral de
Telecomunicações (Lei 18.168). Também nesse país a lei foi modificada inúmeras vezes nas
décadas seguintes. A principal normativa que regula os serviços de radiodifusão no Uruguai é o
Decreto-lei 14.670, de 1977, chamado de Lei de Radiodifusão e o Decreto 734, de 1978, que
regulamenta a lei do ano anterior, ambos modificados nos anos seguintes6.
Todas as Constituições promulgadas no período democrático e hoje em vigor buscaram restabelecer
as liberdades para manifestação do pensamento e de opiniões e acabar com a censura imposta
durante o período autoritário. O Brasil se destaca nesse quesito por ser o único país que estabelece,
em sua atual Constituição, princípios e regras específicas que devem reger a oferta de serviços de
radiodifusão7. A constituição chilena também o faz, embora com menor nível de especificidade, mas
as constituições argentina e uruguaia não tratam especificamente desse tema. O marco normativo
dos quatro países também é composto por convênios assinados com entidades internacionais8..
Quadro 1: Regras que regem a radiodifusão nos países do Cone Sul
Grau e tipo de regulamentação
Argentina
Brasil
Chile
Uruguai
6 Por serviços de radiofusão, que serão o foco principal deste trabalho, entende-se aqueles serviços a serem recebidos
livre e diretamente pela população e que compreendem, principalmente, o rádio e a televisão. A mídia impressa irá
aparecer pontualmente. Não se tratará da TV a cabo e das telecomunicações.
7 O Capítulo V, Da Comunicação Social.
8 No âmbito internacional a administração e coordenação das radiofreqüências são da competência da União
Internacional das Telecomunicações (UIT) que é a mais antiga organização internacional governamental, tendo sido
criada em 1865, e a maior organização mundial de telecomunicações, sendo desde 1947 uma agência especializada das
Nações Unidas. Em 2007, a UIT era composta por 189 Estados Membros e mais de 600 entidades com interesses no
setor das telecomunicações. (“O que é” - Portal do Ministérios das Comunicações – Brasil –
http://www.mc.gov.br/radiodifusao/o-que-e).
Princípios, regras e Não
procedimentos
definidos
na
Constituição9
Sim
Sim
Não
Principal normativa 1980
em vigor (ano)
1962
1982
1977
Jurisdição
Ministério das
Comunicações
Subsecretaria
de Ministério de
Telecomunicações. Educação e
Ministério
dos Cultura10
Transportes
e
Telecomunicações
Secretaria de
Comunicações
Ministério de
Planificação
Federal,
Investimento
Público e Serviços
Fonte: Elaboração própria a partir de dados das Constituições e principais leis.
Em geral, os princípios, regras e procedimentos podem assumir dois tipos de formatos: no primeiro,
que se poderia denominar constitucional, tais regras são estabelecidas na Carta Magna em um
capítulo próprio para a comunicação social; outro tipo teria um caráter mais jurisdicional, em que as
decisões são baseadas em princípios constitucionais que não se referem precisamente à
comunicação e tem um caráter transversal. Tendo em vista se tratar o setor de comunicação de um
campo cuja operação goza de um caráter bastante específico, a ausência de uma regulação especial
pode abrir brechas para a discricionariedade das decisões o que, no limite, pode ameaçar a própria
liberdade de expressão.
Várias mudanças experimentadas por Argentina, Brasil, Chile e Uruguai atestam a necessidade de
um novo marco regulatório para as comunicações. Em primeiro lugar, deve-se destacar que, com a
redemocratização, inaugurou-se um novo cenário político caracterizado pela livre expressão de
opiniões, maior liberdade de imprensa, pela pluralização da competição político-partidária por meio
de eleições livres e periódicas, pela multiplicação de associações civis e movimentos sociais e por
uma maior centralidade da sociedade civil na formulação, implementação e controle das políticas
públicas. Nesse novo contexto as principais normativas que regulam os meios de comunicação são
vistas como pouco legítimas por terem sido sancionadas em períodos de limitada participação.
Em segundo lugar, deve-se destacar o processo, em grande parte sincrônico ao anterior, que teve
impacto importante sobre os meios de comunicação: as reformas liberais no campo econômico,
9 Argentina: Constituição de 1994; Brasil: Constituição de 1988; Chile: Constituição de 1980 com reformas até 2005;
Uruguai: Constituição de 1967 com reformas até 2004.
10A jurisdição dos serviços de radiodifusão no Uruguai não é tão clara quanto nos demais países. Os serviços oficiais
de radiodifusão reunidos no SODRE – Serviço Oficial de Difusão Radioelétrica – encontram-se sob jurisdição do
Ministério de Educação e Cultura. Mas o controle e supervisão dos serviços de radiodifusão no país são feitos por um
órgão autônomo, a Unidade Reguladora de Serviços de Comunicação (URSEC).
realizadas, em diferentes graus e profundidade, em vários países latino-americanos. As reformas de
cunho liberal foram conduzidas de maneira bastante variada nos países da região quanto à
intensidade, a amplitude e ao próprio tempo das reformas, tendo, portanto, conseqüências também
distintas. Estas reformas se caracterizaram por medidas de ajuste macroeconômico, instauração de
novas modalidades de regulação e privatizações de empresas.
Em geral, a reformas liberalizantes no campo das comunicações buscaram adequar as regras ao
contexto de livre mercado. No Chile, antes mesmo da redemocratização, os meios de comunicação
sentiram o impacto dessas reformas, cujas principais conseqüências foram a melhoria da infraestrutura de comunicação, o aumento dos gastos com publicidade e o crescimento do setor privado.
Durante o governo Pinochet, o sistema mediático passou, de um domínio da imprensa escrita
altamente dependente do Estado e com estreitos vínculos com o mundo político, para um sistema
orientado para as massas, dominado pela televisão, nas mãos do setor privado e operando na lógica
do mercado (Tironi e Sunkel, 2000). No Brasil, só a partir da década de 1980, no final do regime
militar, é que se pode falar em um sistema de radiodifusão com feições de uma indústria.
Na Argentina, um marco importante para o sistema de radiodifusão foi o Decreto-lei 1005, de 1999,
sob o governo Menem. As principais mudanças consistiram na alteração dos limites de propriedade,
na suspensão da proibição de intransferibilidade de licenças, na permissão para constituição de
redes privadas permanentes, na flexibilização das exigências para a emissão de publicidade, entre
outras11. No Brasil houve também uma modificação constitucional em 2002 que permitiu que
pessoas jurídicas fossem concessionários, além do fim da proibição da participação do capital
estrangeiro nas empresas do setor (fixou, contudo, limite de 30% do capital total)12.
A avaliação sobre os efeitos dessa liberalização é um tema controverso. É possível afirmar, no
entanto, que as mudanças foram realizadas no contexto de um marco jurídico frágil e pouco claro, e
de um Estado com baixa capacidade para exercer a fiscalização e fazer cumprir a lei. Por ter se dado
sem a participação da sociedade organizada e sem uma preocupação em equalizar o acesso aos
meios, as reformas liberais acabaram resultando em uma maior centralização da mídia e na criação
de grandes conglomerados de comunicação.
O exame do desenvolvimento dos meios de comunicação após a redemocratização nos países
11 O número máximo de licenças permitidas a uma mesma pessoa ou empresa passou de 4 para 24 e as transferências
de titularidade de licenças passaram a ser permitidas com prévia autorização do Executivo e com justificativa.
12 A Emenda Constitucional n. 36 de 2002 abriu o capital das empresas jornalísticas e de radiodifusão ao capital
estrangeiro.
analisados permite identificar alguns traços importantes. Em todos eles, às leis sancionadas antes da
redemocratização para regular a radiodifusão se seguiram uma série de decretos que visaram
modificar parcialmente as normativas principais. Essas modificações, em grande parte, se deram
sem um devido planejamento técnico e sem a participação da sociedade, sob grande pressão de
empresas de comunicação. As tentativas de realizar mudanças abrangentes nas leis que regulam o
setor não tiveram êxito e encontraram bastante resistência. Assim, as atuais características dos
marcos jurídicos não parecem adequadas para impedir a concentração no sistema.
Na Argentina várias tentativas de reformar a Lei 22.285 de 1980 não tiveram êxito. O governo
conseguiu apenas realizar modificações parciais que não sofriam a resistência das grandes empresas
de comunicação. Com as reformas realizadas em 1999 a possibilidade de construção de um
consenso tornou-se ainda mais remota já que um dos efeitos das reformas foi a formação de grandes
conglomerados de comunicação no país13.
No Brasil, em 1997, viu-se a aprovação da Lei Geral de Telecomunicações. Esta, no entanto, não
tocou na esfera da radiodifusão indo na contramão de uma tendência observada em nível mundial
de convergência nas normas de serviços e empresas de comunicação. Dessa forma, a radiodifusão
permaneceu regulada pelo Código de 1962, parcialmente modificada por decretos posteriores e pela
Constituição de 1988. No momento de elaboração desse artigo também estava em curso, no país,
um importante debate no Congresso, envolvendo a participação da sociedade civil, sobre
modificações a serem realizadas no marco legal, com vistas a dar maior transparência aos processos
de outorga de concessões e de renovação de licenças14.
No Chile, a principal normativa dos meios e comunicação, a Lei 18.168 de 1982, também sofreu
várias modificações. Estas mudanças, como nos demais casos, parecem ter se concentrado muito
mais sobre os aspectos técnicos do que propriamente em medidas que visassem impedir a
concentração. O mesmo se deu no Uruguai, em 1978, ano seguinte à aprovação da Lei 14.670,
quando foi aprovado um decreto regulamentador. A última tentativa de alterar a Lei de Radiodifusão
sancionada no período autoritário foi em 1985. Após essa data foram realizadas mudanças parciais
sem muito impacto sobre o formato do sistema. O quadro abaixo sumariza as principais
características do marco regulatório vigente nos países no tocante às regras que regulam o acesso e
os procedimentos para outorga e renovação de licenças de radiodifusão.
13 No momento de elaboração desse artigo estava em andamento uma nova tentativa de reformar de maneira ampla a
lei de radiodifusão a partir de um projeto do governo da presidente Cristina Kirchner, enviado ao Congresso em 2009.
14 Em outra seção serão apresentadas as principais mudanças propostas no Brasil e na Argentina pelos projetos em
discussão no ano de 2009.
Quadro 2: Regras que regem a radiodifusão nos países do Cone Sul
Regras de acesso e procedimentos de outorga e renovação de concessões
Argentina
Brasil
Chile
Proibição legal de Não
oligopólio
e
monopólio
Sim, constitucional
Prerrogativa
de Poder Executivo
emitir concessão
para exploração
dos serviços
União, Poder Executivo com anuência Poder Executivo
do Legislativo
Poder Executivo
Exigências para Pessoas físicas: ser cidadão argentino ou
obtenção
de naturalizado, comprovar capacidade
licenças
de financeira, não ter vinculação jurídica,
radiodifusão
societária nem sujeição direta ou
indireta com empresas estrangeiras de
comunicação; não ser funcionário
público,
legislador,
militar
ou
magistrado da justiça; não fazer parte de
pessoa jurídica prestadora de um serviço
público. Pessoas jurídicas: ter como
objeto social a prestação de serviços de
radiodifusão; não estar controlada por
pessoas físicas ou jurídicas estrangeiras.
Ações da sociedade deverão ser
nominativas15.
Brasileiros natos ou naturalizados há
mais de 10 anos e pessoas jurídicas com
sede no país (pelo menos 70% dos
capitais total e votante deverá pertencer
a brasileiros natos ou naturalizados há
mais de 10 anos).
Qualquer pessoa pode se candidatar a
obter uma permissão e uma concessão
na forma e nas condições estabelecidas
na lei.
Pessoas jurídicas de direito público e
privado constituídas no Chile e com
domicílio no país.
Pessoas físicas: ser cidadão uruguaio
natural ou legal, residentes no país em
pleno exercício dos direitos políticos,
comprovação de capacidade econômica
de acordo com a categoria de serviço
que pretende prestar16.
Essas exigências se aplicam aos
membros
de
sociedades/pessoas
jurídicas. As ações deverão ser
nominativas.
Procedimento
para concessão
Licitação
Concurso Público
Não especifica
Concurso Público
Sim, constitucional (monopólio estatal)
Uruguai
Não
15 As leis estabelecem outras exigências que não foram incluídas aqui por não terem impacto direto sobre o problema central do trabalho como, ter idoneidade cultural, não estar
incapacitado civil ou penalmente, não possuir débitos fiscais, etc.
16 O Decreto 350 de 1986 estabelece que no ato da outorga as pessoas físicas ou os representantes de pessoas jurídicas devem prestar uma declaração jurada de fé democrática e
aceitação da forma democrática representativa de governo estabelecida na Constituição.
Limites
propriedade
de Até 24 licenças para cada pessoa física e
jurídica, em localidades distintas. Na
mesma localidade, cada pessoa pode
obter uma licença de TV, uma de rádio e
uma de serviços complementares.
Prazo
concessão
da 15 anos, prorrogáveis por uma única vez 10 anos para o rádio e 15 anos para a 30 anos para os serviços públicos e de Não especifica
por 10 anos.
televisão
telecomunicações,
renováveis
por
períodos iguais, e 25 anos para as
concessões de radiodifusão18
Exigências
renovação
licenças
Proibição
transferência
titularidade
Som: 10 em nível local (4 de OM e 6 em Sem limitações de quantidade, tipo de
freqüência modulada), 6 em nível serviço e localização geográfica.
regional (3 de OM e 3 de OT) sendo o
máximo 2 por estado, e 4 em nível
nacional (2 de OM e 2 de OC). Som e
imagem: máximo de 10 em todo o
território nacional, sendo, no máximo, 5
em VHF e 2 por Estado.
Até 2 freqüências em cada uma das 3
bandas de radiodifusão (OM, FM e TV).
Até 3 freqüências de radiodifusão no
total das 3 bandas. Se aplica no tocante à
propriedade total ou parcial (no caso das
sociedades).17
para Ter cumprido com as obrigações legais e Voto de 2/5 do Congresso, em votação Ter cumprido com as obrigações legais e Ter cumprido com as obrigações legais e
de técnicas. Os atuais concessionários tem nominal, para NÃO renovação de técnicas. Os atuais concessionários tem técnicas.
preferência no caso de condições iguais. concessão ou permissão
preferência no caso de condições iguais.
Decisão do COMFER.
de Não. As transferências não são Não. As alterações no controle societário
de proibidas, mas precisam ser autorizadas deverão ser comunicadas ao Congresso
pelo órgão de controle e devidamente Nacional.
justificadas.
Não. As transferências não são
proibidas, mas precisam ser autorizadas
pelo órgão de controle e devidamente
justificadas.
Não. As transferências não são
proibidas, mas precisam ser autorizadas
pelo órgão de controle e devidamente
justificadas.
17O Serviço Oficial de Difusão Radioelétrica (SODRE) goza de preferência sobre os particulares na distribuição de freqüências.
18 Introduzido em 1994 pela Lei 19.277: Ao permissionário que tiver tido uma concessão ou permissão extinta por fim de prazo e não tiver solicitado a sua renovação, só poderá ser
outorgada uma nova concessão depois de transcorridos 5 anos.
O espectro de radiofreqüências usado na radiodifusão é um bem público escasso e sua utilização é
limitada. Por isso, a distribuição das concessões para a sua exploração é objeto de intenso conflito,
ainda mais se considerado o papel estratégico da informação e da comunicação nos dias atuais. O
Quadro 1 mostra que apenas Brasil e Chile estabelecem, em suas constituições, a proibição legal ao
monopólio e ao oligopólio no setor. Nos demais existem apenas limites quanto ao número de
concessões a que uma pessoa física ou jurídica pode obter.
Em todos os países a prerrogativa de outorgar licenças de radiodifusão é do Poder Executivo. No
caso do Brasil, a Constituição de 1988 deu ao Poder Legislativo a tarefa de ratificar as decisões do
Executivo. Na Argentina e no Brasil, que são países federativos, admite-se às unidades federadas e
às municipalidades serem concessionárias. Na Argentina, o Decreto 1.214, de 2003, criou algumas
mudanças que visaram diminuir as limitações impostas às províncias e conceder a elas maior
autonomia no tocante à programação, à emissão de publicidade e aos tipos de serviços prestados.
A prerrogativa de emitir e renovar concessões assegura ao Poder Executivo nacional (e, no caso do
Brasil, também ao Legislativo) acesso a um importante recurso estratégico. Dado que as concessões
muitas vezes são utilizadas como moeda de troca, essa prerrogativa amplia os recursos do governo
nacional a serem usados nas negociações políticas, como evidenciam os períodos de votações
importantes para os governos brasileiros, nos quais houveram amplas distribuições de concessões.
Uma tentativa de atenuar este tipo de uso da prerrogativa ocorreu no Uruguai, em 2005, com a Lei
17.909, que proíbe o Poder Executivo de outorgar novas autorizações para uso do espectro de
radiofreqüência no período compreendido entre doze meses antes e seis meses depois da data das
eleições nacionais.
A Argentina se destaca por ser o único país onde se proíbe expressamente que funcionários
públicos, detentores de cargos eletivos, magistrados e militares sejam concessionários de serviços
de radiodifusão. O mesmo não ocorre, por exemplo, no Brasil, pois a regulamentação não se refere
especificamente às concessões para radiodifusão. Ao permitir interpretações a esse respeito, a regra
abre espaço para que políticos e seus parentes se mantenham proprietários de canais de rádio e
televisão19. É evidente que parlamentares que votam e têm, portanto, o direito de decidir sobre a
outorga de concessões não deveriam se beneficiar da prerrogativa de serem concessionários.
19 Um levantamento realizado pelo Laboratório de Políticas de Comunicação da Universidade de Brasília mostrou que
na atual legislatura (2007-2011) 37,5% dos deputados e 47% dos senadores que participam das comissões de cada Casa
que deliberam a respeito das concessões são, eles próprios ou seus parentes, proprietários de canais de televisão e rádio.
Em relação à renovação das concessões, à exceção do Brasil, em todos os demais países basta que o
concessionário tenha cumprido com todas as exigências técnicas e legais para que sua concessão
seja renovada. No Brasil exige-se a anuência do Congresso, mas o quórum exigido, na prática, torna
muito difícil que as concessões não sejam renovadas – além do que, em muitos casos, deputados
beneficiários de concessões são responsáveis por julgar as renovações.
É difícil avaliar o impacto das regras que definem os limites de propriedade sobre o grau de
concentração da mídia, já que seus efeitos são mediados por outros fatores como o próprio limite do
espectro de radiofreqüência e as demais regras que incidem sobre o setor. Segundo Lima (2003) o
Brasil seria um caso de alta concentração da mídia, principalmente pelo desrespeito ao limite de
participação societária do mesmo grupo nas empresas de radiodifusão20, pela ausência de regras
sobre a formação de redes nacionais e regionais, e devido às brechas da legislação que facilitam a
transferência de titularidade.
A televisão aberta no Brasil, segundo Lima (2003), seria marcada historicamente pela concentração
horizontal (oligopolização ou monopolização que se produz dentro de uma mesma área do setor) já
que a maior empresa de comunicação, a Rede Globo, exerce predomínio, considerados todos os
critérios de avaliação: número total de emissoras (próprias, associadas e filiadas), cobertura
geográfica por municípios e por domicílios, participação na audiência nacional de TV e em horário
nobre, e alocação de recursos publicitários. O Quadro 3 sumariza as principais características dos
países analisados no tocante ao equilíbrio entre as esferas privada, estatal e pública nos meios de
comunicação.
Quadro 3: Regras que regem a radiodifusão nos países do Cone Sul
Equilíbrio Estado, mercado e público
Argentina
Complementaridade
sistema
Brasil
Chile
Uruguai
do Sim
Sim
Sim
Sim
Reserva de parte do Não
espectro para instituições
comunitárias, educativas e/
ou sem fins lucrativos
Não
Não
Sim (1/3 do espectro
da TV digital para
canais comunitários)
Exigência de privilegiar Sim
conteúdos
educativos,
artísticos,
culturais,
informativos e regionais
Sim
Não
Não
Regulamentação
da Não
radiodifusão comunitária
Sim, Lei 9.612 de Sim, Lei 19.277 de Sim, Lei 18.232 de
1998
1994
2008
Emissoras públicas
Sim
Sim
Sim
Sim
20 São permitidas cinco concessões em VHF, em nível nacional, e a duas em UHF, em nível regional.
Instituição de controle
Comitê Federal de
Conselho de
Conselho Nacional Unidade Reguladora
Radiodifusão
Comunicação
de Televisão
dos Serviços de
(COMFER)
Social
Comunicações
Fonte: Elaboração própria a partir de dados das Constituições e principais leis.
Nota-se que todos os países analisados estabelecem que a prestação de serviços de radiodifusão
deve obedecer ao princípio da complementaridade de sistemas. Apesar disso, apenas no Uruguai há
uma medida que visa assegurar essa complementaridade ao reservar para a radiodifusão comunitária
1/3 da televisão digital. Ainda assim, em todos os países há predominância do sistema privado.
Na Argentina e no Brasil a lei estabelece que os atores comerciais devem contemplar na
programação das emissoras conteúdos educativos, informativos e artístico-culturais. Todos os países
estabelecem limites quanto à emissão de publicidade pelas emissoras de televisão e rádio. Por meio
de regras como estas pode-se levar a que mesmos os atores privados busquem equilibrar no
conteúdo das emissoras finalidades comerciais e educativas.
Todos os países analisados possuem emissoras não-comerciais, tendo em vista sua personalidade
jurídica e suas finalidades. Entretanto, apenas no Brasil e na Argentina tais emissoras constituem
um sistema integrado. Um sistema público de radiodifusão caracteriza-se pela oferta de serviços de
comunicação sobre os quais a sociedade, mais do que o Estado e o mercado, tem participação na
definição do formato e dos conteúdos. Nas experiências bem sucedidas de mídia pública, essa
participação tem sido assegurada por meio de instituições híbridas de controle nas quais a sociedade
tem espaço privilegiado. Os serviços públicos de radiodifusão diferem-se tanto daqueles oferecidos
por empresas privadas, quanto dos sistemas estatais. Entende-se que tais serviços devem oferecer
uma programação diferenciada da que é exibida pelos serviços comerciais, com uma ênfase menor
na audiência do que na qualidade da programação. Por se orientarem por uma lógica específica, os
meios privados se encontram constrangidos pelos fins comerciais. A importância da mídia pública
deve-se justamente ao fato de esta não estar obrigada a se adequar a tais padrões. Dessa forma pode
exibir conteúdos e dar voz a atores que não encontram espaço nos canais privados21.
Na Argentina, durante o governo Duhalde (2001), foi criado o Sistema Nacional de Médios
Públicos (SNMP). No sítio do SNMP, afirma-se que seus objetivos são, principalmente, promover
uma informação plural, difundir a produção artística e cultural regionais e contribuir para o
21No que se refere especificamente à televisão, sabe-se que as TVs públicas têm sua origem no surgimento da
televisão na Europa, por iniciativa do Estado. Todas elas – a BBC na Inglaterra, a TVE espanhola, a France Televisón, a
RAI italiana, a RTP de Portugal, a ARD e a ZDF alemãs – nasceram como televisões estatais, controladas pelos
governos nacionais. O fortalecimento da democracia na segunda metade do século XX motivou a instituição do controle
público e da participação da sociedade na gestão das emissoras e a criação de conselhos de representantes.
fortalecimento da integração nacional. Embora os objetivos citados acima sejam congruentes com o
que se espera de um sistema público, as características da lei que criam o SNMP deixam dúvidas se
se trata de um sistema efetivamente público ou de um sistema estatal. Os órgãos de controle do
SNMP são um Diretório e uma Comissão Fiscalizadora que, contudo, não prevêem em sua
composição a participação da sociedade civil.
No Brasil, a oferta dos serviços de radiodifusão esteve historicamente nas mãos de empresas
privadas. A criação de um serviço de radiodifusão de contorno efetivamente público se deu no ano
de 2008. A partir de um decreto presidencial (Medida Provisória 398), posteriormente transformado
em norma jurídica (Lei 11.652 de 2008), foi criada a Empresa Brasil de Comunicação (EBC), que
congrega rádio, internet e televisão. Assim como no caso argentino, a criação da TV pública ocorreu
pela integração de emissoras públicas ou estatais de âmbito estadual. No entanto, no caso brasileiro,
as diretrizes gerais, o conteúdo e a programação dos meios que compõem o serviço público são
definidas por uma diretoria composta por sete membros que estão, por sua vez, sujeitos ao controle
e à intervenção direta de um Conselho Curador composto, em sua maioria, por representantes da
sociedade. Entretanto, por se tratar de uma experiência recente, é difícil avaliar em que medida a
operação do sistema tem obedecido aos critérios legais.
Chile e Uruguai não possuem o que se poderia chamar de um sistema público de radiodifusão. No
Uruguai há o Serviço Oficial de Difusão Radiotelevisão e Espetáculos (SODRE), concebido como
uma instituição difusora e criadora de cultura que conta hoje com cinco corpos estáveis de música,
três emissoras de rádio de onda média, um canal de televisão em Montevidéu e dezoito repetidoras
no resto do país. Além disso há a Televisão Nacional do Uruguai (TNU). São emissoras que, em sua
programação, apresentam traços congruentes com os das emissoras públicas, mas que, em sua
administração, não contam com instituições que equilibram a presença de representeantes do
governo e da sociedade.
No Chile, a principal emissora pública é a Televisão Nacional do Chile (TVN). O primeiro governo
democrático pós-Pinochet, de Patrício Aylwin, da Concertación de Partidos por la Democracia,
empreendeu um esforço em quebrar com a tradicional associação existente no país entre a mídia e o
mundo político e criar um sistema de comunicação plural. Uma das principais medidas, nesse
sentido, foi transformar a TVN em uma entidade pública autônoma, dirigida por um grupo de
diretores que deveriam ser aprovados pelo Senado. Além disso, o sistema de financiamento passou a
ser privado (Tironi & Sunkel, 2000). Mas, assim como no Uruguai, as emissoras públicas chilenas
não constituem um sistema público com marco legal específico.
Obviamente, os efeitos da existência e operação de um sistema público de radiodifusão dependem
da capacidade de se assegurar as finalidades públicas dos serviços e a permanente participação da
sociedade por meio de instituições de controle e mecanismos de fiscalização, na definição das
diretrizes gerais, sobretudo no tocante à programação. O Brasil, em relação aos demais países,
parece estar um passo à frente por ter institucionalizado um sistema de contorno efetivamente
público.
Um outro formato de canal que opera com lógicas diferentes do Estado e do mercado é o
comunitário. A multiplicação de meios comunitários, principalmente rádios, se deu a partir da
redemocratização e se beneficiou de facilidades técnicas que passaram a permitir que pessoas sem
conhecimento especializado operassem uma emissora. Até recentemente várias dessas emissoras
operavam na clandestinidade, sendo alvos constantes dos órgãos de controle estatais. Nos quatro
países, as entidades que representam as empresas privadas de comunicação procuraram e tiveram
sucesso em frear o crescimento de canais comunitários.
Com exceção da Argentina em todos os países a radiodifusão comunitária é regulamentada e
obedece a regras específicas. Um passo importante no país foi dado em 1999, com a Lei 26.053,
que alterou o artigo 45 da Lei 22.285 de 1980, que circunscrevia o acesso a licenças de radiodifusão
a pessoas físicas e jurídicas comerciais. Essa mudança abriu espaço para que o Comitê Federal de
Radiodifusão (COMFER) fizesse o reconhecimento, a partir de 2005, de emissoras que atuavam
clandestinamente no país sob direção de pessoas jurídicas sem fins lucrativos.
Nos demais países esse tipo de serviço é definido por sua finalidade – que deve ser exclusivamente
a promoção do desenvolvimento comunitário, do direito à informação e à expressão, por meio de
programas focados na cultura e na informação guiado pela utilidade pública – e por seu alcance
limitado. No Uruguai, no entanto, afirma-se que o estatuto comunitário não implica
necessariamente em um serviço de cobertura geográfica restrita, cabendo à lei estabelecer o alcance
de acordo com os fins a que se propõe o concessionário.
No Brasil e no Chile as concessões são outorgadas pelo Executivo; no Uruguai a concessão é feita
por meio de concurso público com a participação da sociedade civil em audiências. O prazo das
concessões é de 3 anos prorrogáveis por igual período no Brasil e no Chile, e de 10 anos no
Uruguai22.
22 No Chile, a lei 19.724 de 2001 instituiu o Fundo de Desenvolvimento das Telecomunicações cujo objetivo
primordial é promover o aumento da cobertura dos serviços de telecomunicações em áreas rurais e urbanos de baixa
A lei uruguaia permite às emissoras receberem doações e realizar publicidade e reserva um terço do
espectro de radiofrequência de cada localidade e em todas as bandas para a radiodifusão
comunitária, que deverá privilegiar a produção própria e nacional (departamental ou local) e a
produção independente. A lei proíbe expressamente a transferência de titularidade, assim como no
Brasil.
As rádios e televisões comunitárias cumprem um importante papel no sistema mediático, pois
permitem que problemas e questões de caráter local alcancem status público, assumindo um caráter
político23. A análise das regras que regem o serviço sugerem que o Uruguai oferece as melhores
condições para o desenvolvimento da radiodifusão comunitária por não restringir sua atuação a uma
cobertura geográfica determinada, preservar um terço do espectro de radiofreqüência para as
emissoras comunitárias e assegurar a participação popular na fiscalização e na outorga das
concessões. No Brasil, a lei tem recebido críticas por estabelecer que será designado, em nível
nacional, um único canal na faixa de freqüência do serviço de radiodifusão sonora, em freqüência
modulada, determinar a interrupção do serviço em caso de interferências nos demais serviços de
radiodifusão24, e vetar a transmissão em rede desses canais.
Argumenta-se que, no marco democrático, é importante que se incorpore, em alguma medida, a
participação da sociedade civil organizada na definição da agenda pública, por meio de instituições
que permitam aos cidadãos influenciarem de perto a formulação, implementação e avaliação das
políticas públicas. Essas instituições são, em geral, compostas por representantes do Estado e da
sociedade civil com poderes consultivos ou deliberativos. Nesse sentido, é importante analisar as
instituições de controle de cada país, procurando verificar em que medida as regras do sistema
mediático incorporam a participação dos cidadãos na definição de diretrizes, no controle da
programação e na fiscalização dos procedimentos.
Na Argentina, o controle e supervisão dos serviços de radiodifusão estão a cargo do Comitê Federal
de Radiodifusão (COMFER), órgão criado pela Lei 22.285 de 1980. O COMFER é um órgão
autárquico dependente do Poder Executivo Nacional, composto por sete membros designados pelo
presidente, com mandatos de três anos com possibilidade de renovação por períodos iguais. A lei
densidade demográfica. Estabelece-se que seu programa anual de projetos subsidiáveis deve privilegiar os serviços de
radiodifusão de mínima cobertura. Sua principal fonte de receitas são os aportes do Orçamento.
23Um exemplo bem sucedido e internacionalmente reconhecido de mídia comunitária é a Rádio Favela em operação na
cidade de Belo Horizonte, Brasil.
24 Sendo que o mesmo não ocorre no sentido inverso, ou seja, não há proteção contra a interferência de canais privados
sobre os comunitários.
determina que estes membros sejam escolhidos dentre representantes das Forças Armadas, do Poder
Executivo e das empresas prestadoras de serviços. Trata-se de um órgão que em nada se assemelha
a uma instituição híbrida pois não é composto paritariamente por representantes do governo e da
sociedade, não incorpora a participação da sociedade e concentra no presidente a prerrogativa de
nomeação de membros.
No Artigo 224 da Constituição Brasileira, instituiu-se o Conselho de Comunicação Social (CCS),
órgão auxiliar do Congresso Nacional, criado em 1991 por meio da Lei 8.389. O Conselho tem
como atribuições: a realização de estudos, pareceres, recomendações e outras solicitações que lhe
forem encaminhadas pelo Congresso Nacional a respeito do tema das comunicações. 25 Ele compõese de quatro representantes de categorias profissionais do setor, três representantes das empresas de
comunicação, um engenheiro com notórios conhecimentos na área e cinco membros representantes
da sociedade civil.
A lei determina que os membros sejam eleitos em sessão conjunta do Congresso Nacional, podendo
as entidades representativas dos setores mencionados sugerir nomes à mesa. O mandato é de dois
anos permitida a recondução. Apesar de seu desenho ser conducente a uma maior participação e
controle da sociedade sobre o setor de comunicações, o CCS não se reúne de fato desde 2006 e tem
poder apenas consultivo.
Tanto no Chile como no Uruguai não há um órgão de controle dos serviços de radiodifusão que se
possa denominar híbrido. No Chile o Consejo Nacional de Televisión é responsável por fiscalizar os
serviços de televisão. Este conselho, contudo, é composto por onze membros, um dos quais de livre
indicação da Presidência, os demais designados pelo presidente em acordo com o Senado, que
poderá aceitar ou não a lista entregue pelo Executivo, tendo em conta aspectos técnicos e não
políticos.
No Uruguai o controle dos meios decomunicação está a cargo da Unidade Reguladora de Serviços
de Comunicação (URSEC), uma entidade autônoma que também não se caracteriza pela
participação da sociedade, embora tenha prerrogativa para convocar consultas públicas.
25Entre suas prerrogativas está a de deliberar sobre : programação, medidas para impedir o monopólio e o oligopólio
no setor, as finalidades educativas, culturais e informativas da programação, complementariedade dos sistemas privado,
público e estatal de radiodifusão, procedimentos para outorga e renovação de concessão, permissão e autorização de
serviços de radiodifusão sonora e de sons e imagens, estímulo à produção independente e à regionalização da produção
cultural, artística e jornalística e legislação complementar quanto aos dispositivos constitucionais que se referem à
comunicação social (Lei 8.389/1991).
4. Considerações finais
Ao longo do século XX, e em especial nas últimas décadas, os países do Cone Sul passaram por um
importante desenvolvimento dos meios de comunicação, com o surgimento de um sistema de
radiodifusão de alcance nacional e de um mercado de comunicação. Esse desenvolvimento, que
ocorreu, em parte pelas mãos do Estado e, em parte pelas mãos dos agentes privados, não foi,
entretanto, acompanhado de adequações no marco jurídico do setor. Além disso, os países não
encontraram êxito em tornar esse desenvolvimento convergente com a necessidade de
democratização das relações sociais em um marco de pluralismo político.
A análise das características do marco legal do setor de radiodifusão demonstra haver algumas
semelhanças e diversas diferenças. Inicialmente se destacou que Argentina, Brasil, Chile e Uruguai
tem um histórico de desenvolvimento tardio do mercado de comunicação, que ocorreu em grande
parte através de incentivos estatais e em um período autoritário. O marco legal, em muitos casos,
data desse período, o que coloca alguns problemas na relação com o contexto atual, em cuja
constituição estão previstas as liberdades de expressão e de imprensa, além de outros direitos que
facultam aos cidadãos maior participação política.
Os países do Cone Sul passaram por variadas modificações em suas legislações, com objetivos que
se assemelham pela tentativa de adaptar as regras ao contexto econômico mais liberal. Na
Argentina, as adequações realizadas nos anos 1990 se guiaram muito mais para as exigência de um
mercado em expansão do que para as necessidades de expressão de uma sociedade em processo de
diversificação. No Chile, durante os anos 1980, a maior parte do setor de comunicações passou a
fazer parte de um sistema de mercado e as mudanças realizadas posteriormente no marco legal
parecem ter se focado muito mais nos aspectos técnicos do que na pluralização do acesso aos meios.
O Brasil se destaca positivamente por possuir um capítulo específico de sua Constituição, no qual se
encontram os princípios gerais da comunicação social, além de possuir normas que regulamentam
da radiodifusão comunitária e pública. Entretanto, algumas dessas normas são criticadas por não
serem suficientes para evitar a concentração no setor e a ocorrência de desvios e brechas para a ação
discricionária dos atores. Além de haverem diversos exemplos em que as normas não são seguidas,
como nas renovações de licenças e na complementaridade do sistema. No Uruguai, as
comunicações não parecem ser um tema saliente já que a última tentativa de realizar uma mudança
abrangente no marco legal se deu ainda na década de 1980.
É possível encontrar, nos países analisados, uma combinação de regras conducentes à
democratização e à pluralização dos meios e de regras que abrem brechas para a concentração da
mídia e para a discricionariedade dos concessionários. No entanto, a falta de controle dos órgãos
responsáveis tem conduzido à concentração no setor, à capacidade limitada de fiscalização e tem
impedido a multiplicação de vozes e atores no âmbito das comunicações.
Mais recentemente, a chegada ao poder de partidos de esquerda em alguns países na América
Latina26 ampliou as expectativas, sobretudo entre as associações civis e os movimentos sociais, em
relação uma ampla reforma do sistema de radiodifusão. Até a elaboração do presente trabalho
nenhuma mudança substancial havia ocorrido, mas duas propostas de importante impacto já haviam
sido iniciadas na Argentina e no Brasil.
No Brasil, o debate, já presente há vários anos no meio acadêmico e entre atores que atuam no setor,
foi ampliado por ocasião do fim do prazo da concessão de importantes emissoras de televisão, em
outubro de 2007 – as cinco próprias das Organizações Globo e as "cabeças-de-rede" da Record e da
Bandeirantes. Questionou-se a falta de transparência na renovação de concessões, a falta de preparo
do Ministério para assegurar o cumprimento das exigências legais mínimas, como as restrições
referentes à publicidade e os limites de propriedade constantes no marco normativo do setor.
Na Argentina as principais mudanças propostas visam a proibição de oligopólios e monopólios, o
fim das restrições à liberdade de expressão e o fomento de maior pluralismo e diversidade. Entre
elas, destacam-se a redução do limite de licenças de radiodifusão por empresa (de 24 para 10) e a
criação de uma reserva de 33% do espectro de radiofrequência para entidades sem fins lucrativos.
Além disso, propõe-se a criação de um órgão de controle integrado por organizações da sociedade
civil não concessionárias e por representantes de entidades dos trabalhadores do setor de
comunicação.
Já no Brasil as mudanças propostas são mais pontuais e focam as regras de outorga e renovação de
concessões para a exploração de serviços de radiodifusão 27. As principais mudanças propostas têm
26 Refere-se aqui principalmente ao governo dos socialistas no Chile (2006), do Partido dos Trabalhadores no Brasil
(2002) e da Frente Ampla no Uruguai (2005). A ascensão desses governos tem levado ao questionamento das vantagens
propaladas da adoção de um modelo de desenvolvimento centrado no mercado, reintroduzindo no debate o papel a ser
desempenhado pelo Estado em sociedades plurais, marcadas por pobreza e grande desigualdade social, como é o caso
da maioria dos países da região. Esse debate tem levado, ainda que de forma pouco sistemática, à cristalização da idéia
de que o crescimento econômico combinado a desenvolvimento social deva passar pela recuperação das capacidades
estatais, a partir de um novo protagonismo do Estado, e pela incorporação de alguns elementos do modelo instaurado
pelo processo de reforma do mercado (Boschi & Gaitán, 2008, 2008a; Arnson & Perales, 2007).
27 O relatório da Comissão de Ciência, Tecnologia, Comunicação e Informática da Câmara dos Deputados foi aprovado
como objetivos dar maior transparência aos processos de outorga e renovação de concessões,
promover o pluralismo e a participação da sociedade. Além disso visa colocar em prática princípios
fixados na Constituição. As principais modificações propostas são: a proibição de que
parlamentares e quaisquer ocupantes de cargos públicos sejam proprietários, controladores,
diretores ou gerentes de empresas de radiodifusão; a redução da exigência do voto de 2/5 dos
congressistas para a NÃO renovação de concessões; estabelecimento de limites mais claros de
propriedade para impedir a formação de oligopólios; ênfase no conteúdo educativo e informativo ao
licitar concessões; exigência de percentuais mínimos de regionalização da produção;
aperfeiçoamento dos procedimentos de outorgas de radiodifusão; e a criação de mecanismos de
controle social para avaliar periodicamente a operação das concessionárias.
Tratam-se de modificações que, se aprovadas, representarão um marco nas comunicações de ambos
os países porque, pela primeira vez, terão se guiado pelo objetivo prioritário de pluralizar o sistema
mediático e permitir maior controle da sociedade na definição de suas diretrizes e de sua
fiscalização.
em dezembro de 2008
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Brasil. Constituição da República Federativa do Brasil de 1988 com reformas até 2005.
Chile. Constituição da República do Chile de 1980 com reformas até 2005.
Uruguai. Constituição da República Oriental do Uruguai de 1967 com reformas até 2004.
Lei 22.285/1980 - Ley de Radiodifusión - Argentina
Lei 4.117/1962 - Código Brasileiro de Telecomunicação – Brasileira
Lei 18.168/1980 – Ley General de Telecomunicaciones - Chile
Decreto-lei 14.670/1977 - Lei de Radiodifusão – Uruguai
Decreto-lei 734/1978 - Uruguai
Lei 19.277/1994 – Chile
Decreto-lei 1005 de 1999 – Argentina
Lei Geral de Telecomunicações – Brasil
Uruguai, em 2005, com a Lei 17.909
Lei 9.612/1998 – Brasil
Lei 19.277/1994 – Chile
Lei 18.232/2008 - Uruguai
Medida Provisória 398 – Brasil
Lei 11.652 de 2008 – Brasil
Lei 26.053/1999 – Argentina
Lei 19.724/2001 – Créase el Fondo de Desarrollo de las Telecomunicaciones - Chile
Ley 18.838 /1989 – Crea el Consejo Nacional de Televisión - Chile
Decreto 1.214 de 2003 - Argentina
Lei 8.389/1991 - Cria o Conselho de Comunicação Social- Brasil
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MÍDIA E DEMOCRACIA NOS PAÍSES DO CONE SUL