FINANCIAMENTO DA EDUCAÇÃO BÁSICA NO BRASILE NOS PAÍSES DO CONE SUL GT: 01 LEAL, Helder Bueno ([email protected]) JESUS, Wellington Ferreira de ([email protected]) GOMES, Candido Alberto ([email protected]) Universidade Católica de Brasília (UCB) RESUMO O presente trabalho, elaborado como pesquisa exploratória, analisa as seguintes questões: como se organiza o financiamento da educação básica brasileira? Quais as limitações, contradições e avanços do(s) atual(ais) mecanismo(s) de financiamento da educação básica no Brasil, quando comparados aos países do “Cone Sul” (Argentina, Uruguai, Paraguai e Chile); quais aspectos nos aproximam e distanciam? Quais elementos são integrativos ou diferenciadores no financiamento à educação básica no Cone Sul? O que caracteriza a subvinculação de verbas à educação básica no Brasil a partir do Fundef e da perspectiva do Fundeb? Quais avanços e limitações dos Fundos? Realizou-se um estudo do e uma síntese do financiamento à educação no Brasil e Cone Sul e, também, a Constituição e a LDB. Palavras-chave: financiamento da educação, educação básica, fundef, fundeb. Entendido como qualquer processo social, a educação demanda custos. Os recursos necessários ao pagamento de pessoal, construção de prédios, conservação da infraestrutura e à realização das próprias políticas educacionais, entre outros aspectos, advêm da própria sociedade através da soma de impostos e contribuições pagas ao Estado. No presente trabalho, construído sob a perspectiva de uma pesquisa exploratória, pretendemos discutir, analisar e contribuir com subsídios para o entendimento das seguintes questões: de que forma se organiza o financiamento da educação básica brasileira; quais as limitações, contradições e possíveis avanços do(s) atual(ais) mecanismo(s) de financiamento da educação básica, quando comparados com outros países do denominado “Cone Sul” (Argentina, Uruguai, Paraguai e Chile) quais os aspectos que nos aproximam e nos distanciam. Quais elementos podem ser integrativos ou considerados diferenciadores no estudo do financiamento à educação básica no Cone Sul? O que caracteriza a subvinculação 2489 de verbas à educação básica no Brasil a partir das experiências do Fundef e da perspectiva do Fundeb? No sentido de obter respostas a estas questões realizamos um estudo sobre o financiamento, uma síntese do financiamento à educação no Brasil, o papel dos governos dos países do Cone Sul. Analisamos, também, o texto constitucional brasileiro e a Lei de Diretrizes e Bases da Educação brasileira, e, por fim, procedemos a um levantamento da bibliografia pertinente sobre o financiamento à educação nos países do Cone Sul. Financiamento na Educação nos países do Cone Sul: breves considerações Durante a década de 1980, denominada por diversos economistas de “década perdida” para a América Latina, os recursos destinados à educação, em particular ao financiamento da educação básica, sofreram reduções drásticas. A partir da década de 1990, com os planos de ajuste estrutural, essa redução permaneceu em alguns países como Bolívia, Equador e Venezuela. Em outros países como Brasil, Chile Argentina, ocorreu uma pequena elevação no financiamento por aluno (ARCIA; ALVAREZ; SCOBIE,1999, p.127). De forma sintética, podemos observar uma relativa semelhança nos processos histórico-político, econômico e social por que passaram esses países nas últimas décadas, bem como nas experiências no sentido do financiamento à educação básica. No caso da Argentina os recursos destinados à educação pública provêm da receitas do governo federal e das províncias. Inicialmente, um modelo centralizado de financiamento cedeu lugar, a partir dos anos 90, a tendência à descentralização, na medida em que o Governo Federal induziu às províncias a aplicarem parte de seus recursos tributários em educação, por meio de um processo regressivo, onde o poder central, gradativamente, vai se eximido da tarefa de financiar a educação e delegando este processo aos governos locais. O Paraguai depende das receitas fiscais alocadas ao Ministério da Educação via orçamento geral da União. Com a atual Constituição, promulgada em 1992, ficou estabelecido que 20% dos recursos orçamentários seriam o mínimo aplicado à educação, excluídos empréstimos e doações. Também é destacado na Carta Magna um processo gradativo de descentralização destinando aos Departamentos e Municípios a administração da educação básica. 2490 O Uruguai, constituído como Estado unitário tem sua educação financiada pelo governo central, através dos recursos obtidos pelo mesmo. Contribuem também fontes extraorçamentárias como a participação de produtos e serviços e loterias. O Chile a partir do início da década de 1980 colocou em prática a mais “radical experiência de privatização do setor educacional” (GOMES, 1992, p.78). Ao contrário das décadas anteriores, quando o governo central assumia o provimento de recursos à educação, criando disparidades tais como o fato de 50% dos recursos serem destinados ao ensino superior que abrigava apenas 4% das matrículas, em claro prejuízo do ensino fundamental e médio, marginalizando os setores mais pobres da sociedade, a reforma transferiu ao setor privado as escolas de ensino médio profissionalizantes, municipalizou o ensino infantil, fundamental e médio. O Ministério da Educação do Chile estabeleceu uma subvenção calculada por aluno atendido às municipalidades. Estimulou também a participação das comunidades e da iniciativa privada no estabelecimento das escolas. Quanto ao ensino superior ocorreu um processo de cobrança das mensalidades e um programa de bolsas de estudo aos alunos de menor renda. Segundo Mello e Souza: No Chile, o sistema foi implantado no bojo de uma reforma educacional, que privilegiou a municipalização das escolas públicas e a competitividade entre escolas públicas e particulares, através da possibilidade de escolha dos alunos. Houve muitas mudanças ao longo dos anos, inclusive a possibilidade de financiamento compartilhado, ou seja, a cobrança de seus alunos pelas escolas subvencionadas, ainda que percam um a parte das subvenções. Entretanto, este regime favorece fortemente as escolas particulares. Assim, em 1997, 78% das matrículas em escolas particulares eram matrículas em escolas subvencionadas e destas, 65% estavam em escolas que adotaram o financiamento compartilhado. Já no caso das matrículas nas escolas municipais, apenas 3% das matrículas estavam em escolas que adotaram o financiamento compartilhado. (MELLO e SOUZA, 2002, p.21) O modelo de descentralização adotado no Chile atendeu claramente às propostas e ao modelo de reformas de redução do tamanho do Estado, ajustamento às reformas econômicas e privatizações que caracterizam o modelo neoliberal. Pode-se considerar que, em parte os objetivos do governo chileno foram atingidos ao observar-se um aumento das taxas de matrículas, sobretudo nas áreas rurais, um aumento na destinação de recursos às áreas mais pobres, e na redução da evasão e repetência. Entretanto, é preciso considerar as contradições deste modelo na medida em que politicamente os prefeitos eram indicados pelo poder central, o que limitava a autonomia municipal; o governo central mantinha a alocação de recursos o que levava a um reconcentração de poder; a recessão tornou o ensino pouco atrativo para os investidores, não acontecendo à privatização esperada e mantendo o governo 2491 com o papel de financiar algumas escolas privadas; houve um processo de desvalorização do magistério. Conforme Gomes (1999, p.80): “Hoje o balanço da experiência chilena mostra que, em longo prazo, a descentralização reduziu significativamente os custos. No entanto a crise econômica do inicio dos anos 80 dificultou a atualização do valor alocado por aluno, com a deterioração do seu valor a pouco mais de um terço do que se alcançava em 1981”. A partir de 1993 ocorreu um processo de financiamento compartilhado que estabelece uma tabela de descontos da subvenção fiscal que varia por faixas em função do nível de valor cobrado. O limite estabelecido é de 4 Unidades de Subvenção Educacional (USEs), cerca de US$ 80,00, a partir deste valor, o sistema converte-se em particular pago. Pode-se afirmar que a complementação do governo central aos municípios não é suficiente para assegurar eqüidade. Por outro lado, os pais podem complementar os vouchers (escolas de anuidades mais altas que os vouchers) e, ainda, pode haver organizações filantrópicas, no terceiro setor, que puxam os cordões à bolsa para melhorar as escolas subsidiadas, isto é, que são de dependência administrativa particular, mas recebem recursos do Estado por meio dos ditos vouchers e ainda põem dinheiro arrecadado junto à comunidade, igrejas etc., para melhorias, especialmente em áreas socialmente vulneráveis. Ficando sem resposta a seguinte pergunta: os custos que podem ser criados pelo financiamento compartilhado são, ou não, compensados pelos benefícios advindos de um aporte maior de recursos ao sistema. (GONZÁLEZ, 1999) O quadro1 sintetiza as formas de organização político-administrativa predominantes e os principais modelos de financiamento no Cone Sul. Quadro1: Organização político-administrativa e financiamento à educação básica no Cone Sul País Regime Financiamento da educação básica Argentina Federativo Acentuada descentralização a partir dos anos 90, com transferência dos encargos às províncias. Brasil Federativo Caminhando para a descentralização, subvinculação, experiência do Fundef e do Fundeb Chile Unitário Descentralizado desde a década de 80, com a presença de subvenções, calculadas por aluno atendido – vouchers. Paraguai Unitário Gradativa descentralização, com a presença da vinculação constitucional do mínimo de 20% à educação dos recursos orçamentários. Uruguai Unitário Centralizada, ficando a cargo somente do governo central 2492 Fonte: Pesquisa de Campo O Financiamento da Educação Básica no Brasil A Constituição Federal estabelece em seu artigo 212 os percentuais mínimos que devem se aplicados em educação pelas três esferas que caracterizam o regime federativo brasileiro, 18% da receitas de impostos arrecadados pela União e 25% da receita dos impostos estaduais e municipais. Essa vinculação constitucional de recursos à educação pode ser descrita como um movimento pendular: sua presença no texto constitucional (considerando a existência de oito Constituições, uma monárquica e sete republicanas, duas outorgadas e seis promulgadas), tendo por referência o período republicano (1889 ao dias atuais) é existente nos momentos de vigência do Estado de Direito, sua supressão ocorreu nos momentos de predomínio de regimes autoritários (GOMES, 1995; PINTO, 2000). Podemos afirmar que a busca pelo estabelecimento de valores mínimos à educação assumiu o contexto de resistência contra o modelo autoritário, caso expresso do Senador da República João Calmon, que entre 1976 e 1983, lutou pela criação de um mecanismo que vinculasse recursos à educação, atingindo seu objetivo em plenitude apenas em 1985, denominada Emenda Calmon que determinava a destinação à educação de 13% dos impostos da União e 25% dos impostos de Estados e Municípios. A batalha do Senador Calmon se estendeu até a promulgação da Constituição de 1988, quando por seu intermédio consagrou-se o dispositivo da vinculação, alterando o percentual mínimo da União de 13% para 18% da receita de impostos por ela arrecadados (GOMES, 1996). Os recursos destinados à educação brasileira através da vinculação são compostos pelos impostos, excetuando as taxas e as contribuições. A composição dos impostos e transferências entre os entes federativos destinados à educação está sintetizada no quadro2, observando que existem impostos federais, estaduais e municipais, além de transferências realizadas pela União aos Estados e Municípios. Quadro 2: Sistema de financiamento da Educação por esfera de Governo- (Constituição Federal de 1988) UNIÃO ESTADOS MUNICÍPIOS COMPETÊNCIAS: COMPETÊNCIAS: COMPETÊNCIAS: Educação superior e educação Ensino fundamental e médio Educação infantil e ensino 2493 profissional e educação superior fundamental RECURSOS: RECURSOS: RECURSOS: 1. ORÇAMENTÁRIOS 1.ORÇAMENTÁRIOS (Tesouro) (Tesouro) Ordinários do Tesouro Vinculação da receita de Vinculação da receita de impostos (25%) para MDE; impostos (18%) para MDE 15% para ensino fundamental 2.TRANSFERÊNCIAS 2. CONTRIBUIÇOES SOCIAIS Orçamentários da União Contribuição sobre o lucro líquido Contribuição para a seguridade social Receitas brutas de prognósticos 3.OUTRAS FONTES 3. OUTRAS FONTES Diretamente arrecadados Operações de Crédito Operações de crédito Renda líquida da loteria Diversos fede Diretamente arrecadados Diversos 1.ORÇAMENTÁRIOS (Tesouro) Vinculação da receita de impostos (25%) para MDE; 15% para ensino fundamental 2.TRANSFERÊNCIAS Orçamentários do Estado Orçamentários da União 3.OUTRAS FONTES Diretamente arrecadados Operações de crédito Diversos Fonte: Constituição Federal, LDB e demais leis ordinárias Elaboração: Castro e Duarte, s/d., com adaptações. Observação: MDE – despesas de manutenção e desenvolvimento do ensino, isto é, despesas estritamente educacionais, exclusive alimentação, saúde escolar etc. Financiamento da Educação Básica pública no Brasil: Do Fundef ao Fundeb Apesar da vinculação constitucional de recursos mínimos a educação, não havia entre os níveis de ensino uma distribuição eqüitativa das verbas, contrariando o disposto nos §§ 2º e 3º do artigo 211 da Constituição Federal e os artigos 10º e 11º da LDB, que determinam prioritariamente aos Municípios a responsabilidade pelo ensino fundamental e aos Estados pelo ensino médio. Com base nesta realidade e também em função da agenda internacional da década de 1990 em favor da educação básica, tendo como principal referência a Conferência Mundial de Educação para Todos, realizada em Jomtien, Tailândia, constituiu-se um mecanismo baseado na subvinculação dos recursos já vinculados constitucionalmente em favor do ensino fundamental visando a universalização da matrícula deste nível de ensino. Este processo resultou na criação do Fundo de Manutenção e Desenvolvimento do Ensino Fundamental e de Valorização do Magistério (Fundef). 2494 O Fundo foi criado pela Emenda Constitucional nº. 14/96, posteriormente regulamentada pela Lei nº. 9.424, de 24 de dezembro de 1996, que dispõe sobre o Fundef constituiu-se em uma ruptura num processo histórico de exclusão da maior parcela das crianças e adolescentes, particularmente dos setores de baixa renda quer do acesso, quer da permanência nos níveis básicos de educação. Isso ocorreu, sobretudo nas regiões onde o poder de mobilização social é menor ou, ainda, nos extremos de pobreza que caracterizam regiões como a Norte e a Nordeste, o processo se acentua. Entretanto, o Fundef excluiu parcela considerável da população escolar ao não contemplar a educação infantil, o ensino médio, o ensino especial e a educação de jovens e adultos. Particularmente, a lacuna do financiamento ao ensino médio, uma modalidade em expansão no país, resulta num processo de permanência de uma realidade histórica onde há uma escola para os “nossos e outra para os dos outros”, em outras palavras mantem-se uma perversa e excludente dualidade no ensino médio que tende a desembocar na educação superior e baixa qualificação para o mercado de trabalho, cada vez mais seletivo e exigente. A estrutura do Fundef Segundo a Lei e o seu regulamento (Decreto nº. 2.264/97), o Fundo apresenta as seguintes características: • O Fundef constitui-se em um fundo com duração de dez anos (1997-2006), criado no âmbito de cada estado, que não transfere recursos entre Estados, ou seja, cada um dos 27 Estados tem o seu próprio fundo, de natureza contábil e funcionando nos mesmos moldes dos Fundos de Participação dos Estados e Municípios (FPE e FPM); • O Fundo é formado pela vinculação direta de 15% de quatro das principais fontes de recursos estaduais e municipais relativas aos impostos de maior arrecadação e mais fácil controle.Os recursos são distribuídos na proporção das matriculas do ensino fundamental em cada município e na rede estadual, tendo como base o censo escolar realizado pelo Ministério da Educação e Cultura (MEC) no ano anterior. Estes dados são enviados pelos estados e municípios e os números são publicados no Diário Oficial da União (DOU), com prazo de 30 dias para contestação. Assim, há 27 fundos, onde se reúnem os recursos de cada Estado e seus Municípios, sendo o valor dividido pela matrícula equitativamente. 2495 No primeiro ano de implantação do Fundo o Governo Federal fixou um valor mínimo por aluno de R$ 300,001, e nos anos posteriores, segundo a Lei, o valor mínimo por aluno seria calculado dividindo-se o montante total do fundo pelo numero total de matriculas anuais do país. Quando qualquer dos fundos estaduais não atingisse esse valor, a União complementaria os recursos, de modo a garantir um padrão mínimo de ensino em todo o país. Outra importante característica é a de que no mínimo 60% dos recursos do Fundo devem ser utilizados exclusivamente no pagamento da remuneração dos profissionais do magistério em efetivo exercício. Os avanços e as limitações do FUNDEF Um dos aspectos de maior significação na discussão concernente ao Fundef está situado na realidade da população educacional atingida (ou não) pelos recursos do Fundo. Segundo o Relatório do MEC (BRASIL, 2003), ocorreu um crescimento de matrículas alcançando a significativa marca de 6% (nos anos imediatamente anteriores o crescimento anual era da ordem de 3%), representando quase dois milhões de crianças trazidas para as escolas. Quadro 3 – Taxa de escolarização de pessoas entre 5 e 24 anos 1996-2002 Taxa de escolarização 1996 2002 Variação 5 e 6 anos de idade 64,1 77,2 13,1% 7 a 14 anos de idade 91,3 96,9 5,6% 15 a 17 anos de idade 69,5 81,5 12,0% 18 a 19 anos de idade 43,8 51,1 7,3% Fonte: IBGE, PNAD 1996/2002 Outro aspecto observado constituiu-se na valorização dos profissionais do magistério (quadro 4). Tomando os resultados no período 1997-2001, registrou-se melhoria nos níveis salariais médios dos profissionais do magistério, com reajustes maiores nas redes municipais em todas as regiões, o que é ainda mais significativo quando se leva em conta que foi nessas redes que aumentou substancialmente o número de docentes. Os maiores índices foram concedidos aos profissionais dos municípios e regiões mais pobres, com o que se 1 Valor equivalente a US$ 258,62 – câmbio médio anual 2496 reduziu a distância entre seus vencimentos e a média das demais regiões e, por fim, os reajustes foram mais expressivos nas jornadas de 20 horas semanais. Quadro 4- Estimativa do salário base médio dos professores do ensino fundamental com carga horária de 20 horas semanais, em todas as redes de ensino , por nível de formação Variação em percentagem entre dez/1997 e jun/2001 Nível Médio Licenciatura Modalidade Normal Plena Norte 43,90 24,10 Nordeste 84,00 71,60 Sudeste 18,90 11,50 Sul 39,20 41,60 Centro-Oeste 43,10 32,70 Brasil 44,90 31,60 Fonte: MEC – Balanço do Fundef 1998-2002 - Pesquisa FIPE 2001. Região A redistribuição dos recursos públicos, uma das bases fundamentais preconizadas pelo Fundef, é observada em um estudo do Banco Mundial, onde é afirmado que: “dados de 2001 indicam que dos 5.386 municípios, 2.033 foram ‘ perdedores’ líquidos do Fundef, ou seja, contribuíram mais do que receberam, porque tinham poucas escolas e matrículas. A contribuição líquida total dos ‘perdedores’ foi de, aproximadamente R$0,8 bilhões. 3.342 municípios foram ‘ganhadores’ líquidos e a soma total do ganho líquido foi de aproximadamente R$3,6 bilhões” (BANCO MUNDIAL, 2002, p.28) O gráfico 1 demonstra a evolução dos recursos destinados ao ensino fundamental através do Fundef no período de 1998 – 2002, que foi afetada por crises externas e pelas políticas de austeridade fiscal e cambial. 2497 Gráfico 1: Evolução dos recursos para a educação fundamental 1998-2002 US$ médio anual 14 US$ bilhões 12 11,46 9,62 10 8,47 8,34 7,6 8 6 4 2 0 1998 1999 2000 2001 2002 anos Fonte: Dados originais da STN-MF Algumas das limitações apresentadas pela literatura foram: as desigualdades no país serem consideradas em níveis regionais, entretanto, a realidade de pobreza e miséria está disseminada em níveis nacionais, havendo municípios pobres em estados ricos e municípios ricos em estados pobres (DAVIES, 2001, 2003; ARELARO, 2006; MONLEVADE,1988, 2006). Desta forma, “faltou uma filosofia de financiamento cuja base deve ser a seletividade na aplicação dos recursos financeiros públicos, priorizando alunos mais pobres, das escolas mais pobres dos estados ricos e pobres” (MELCHIOR, 1997, p. 24-25). Estas observações são reforçadas por (MACHADO, 2000), pois a partir do Fundef os estados deixaram de investir em educação infantil (CASTRO e BARRETO, 2003), no ensino médio e na educação de jovens e adultos. Além disso, não foram criadas novas fontes de manutenção e desenvolvimento da educação e, por fim: “o custo mínimo aluno que vem sendo fixado pela União tem sido irrisório quando comparado a outros países” (MACHADO, 2000, p.82). Embora o Fundef não tenha o poder mágico de solucionar o problema da educação e não ser o único elemento a promover isoladamente esta transformação, faz-se necessário reconhecer sua participação no processo de retomada do desenvolvimento e valorização do ensino público fundamental no Brasil. As contradições e limitações do Fundef apontadas pela literatura, bem como a exigência da sociedade por uma educação básica de 2498 qualidade levaram o Poder Executivo a enviar ao Congresso Nacional a Proposta de Emenda Constitucional n. 415/05 que amplia valor e o escopo da destinação de recursos para toda a educação básica. O Fundeb – Fundo de Desenvolvimento da Educação Básica A proposta de organização do Fundeb tem como base o período compreendido entre 2006 e 2019, uma duração de quatorze anos. Ele abrengerá a educação infantil (creches e pré-escola), o ensino fundamental, o ensino médio, a educação de jovens e adultos e a educação especial, que não foram contemplados na criação do Fundef. Estabelece na proposta atual do Fundeb, a divisão em onze faixas de valores aluno/ano, com uma diferenciação entre as áreas urbanas e rurais, o ensino médio profissionalizante e, um aspecto significativo para as populações indígenas e remanescentes dos antigos refúgios dos escravos negros, denominados “quilombos”, que se organizam em comunidades mantendo aspectos culturais particulares. Também é destacado o fato de que um mínimo de 60% dos recursos do fundo será destinado ao pagamento do magistério em efetivo exercício. O objetivo do Fundeb é, progressivamente atingir, no quarto ano de vigência 47,2 milhões de alunos. É reforçada a política de complementação de recursos por parte da União quando os demais entes federativos não conseguirem alcançar o valor mínimo nacionalmente definido. A composição dos recursos do Fundeb mantém basicamente a mesma estrutura anterior. Em relação à Proposta de Emenda a Constituição Federal de n. 415/05, que cria o Fundeb, são apresentadas algumas contradições e limitações, dentre as quais destacamos: 1) a lógica de construção e aprovação do Fundeb pelo Congresso Nacional manteve praticamente inalteradas as bases do fundo anterior, fundo de natureza contábil, constituído de 27 fundos estaduais, compostos de 20% de todos os impostos transferidos pela União aos Estados e Municípios; 2) manteve o aspecto das desigualdades regionais, ao considerar um valor único aluno/ano nacional; 3) com a disputa fiscal que existe hoje entre os entes federativos a política universalista de expansão da educação pode sofrer dificuldades; 4) questiona-se se a União pode aumentar seu aporte em meio a uma política de ajuste fiscal e pagamento de juros e serviços da dívida pública, questiona-se o quanto poderia ter sido obtido com recursos suplementares e, por fim, destacamos o valor aluno/ano que por muitos é 2499 considerado ainda inferior ao mínimo necessário. Na visão do Deputado Federal Ivan Valente: A lógica de ajuste fiscal impediu um custo aluno/ano que assegurasse a qualidade no ensino público e a aprovação de imediato de um piso salarial nacional digno para quem trabalha com educação. Da mesma forma, inviabilizou que se estipulasse um limite de alunos por sala de aulas de acordo com cada etapa e modalidade de ensino, única forma de evitar o inchaço nas salas de aula como expediente de obter mais recursos e demitir professores. (VALENTE, 2006, p.02) Quadro 5 - comparação entre o Fundef e a proposta do Fundeb Em US$ de março de 2006 Parâmetro Fundef Fundeb 1) Vigência 2) Alcance 3) Número de alunos De 10 anos (até 2006) Apenas o ensino fundamental 30,7 milhões (Censo escolar de 2004) 15% dos principais impostos e de mais fácil arrecadação De 14 anos (após a criação) Educação infantil, ensino fundamental e médio 47,5 milhões de alunos a partir do 4º ano de vigência do Fundo Contribuição dos Contribuição dos estados, DF e estados, DF e municípios, de 5% no municípios, de primeiro ano até 16,25% no primeiro ano até chegando a 20% a partir do chegar em 20% a quarto, sobre seus partir do quarto ano, sobre os principais impostos principais impostos Considerando as estimativas (em valores de 2005): US$ 15,95 bilhões no primeiro ano chegando a US$ 20,32 bilhões no quarto ano 4) Fontes de recursos que compõem o Fundo 5) Montante de recursos previstos (contribuição de estados, DF e municípios) 6) Complementação da União US$ 14,51 bilhões (previsão 2005 sem complementação da União) 7) Total geral de recursos para o Fundo US$ 14,69 bilhões (previsto para 2005) 8) Distribuição dos recursos Com base no número de alunos do ensino fundamental regular e especial, de acordo com os dados do censo escolar do ano anterior 10) Valor mínimo nacional por aluno/ano Fixado anualmente com diferenciações Entre as série inicias e finais e com escolas urbanas e rurais US$ 183,9 milhões (previstos para 2005) Considerando as estimativas para 2005 US$ 930,23 milhões no primeiro ano chegando a 2,09 bilhões no quarto ano Previsões em valores de 2005: US$ 16,83 bilhões no primeiro ano, chegando a 22,3 bilhões no quarto ano Com base no número de alunos da educação básica (creche, pré-escola, fundamental e médio) de acordo com os dados do Censo Escolar do ano anterior observada a seguinte escala: Alunos do ensino fundamental regular e especial: 100% a partir do primeiro ano Alunos da educação infantil, ensino médio e EJA: 25% no primeiro ano; 50% no segundo ano; 75% no terceiro ano e 100% a partir do quarto ano. Fixado anualmente com diferenciações previstas para onze faixas de aplicação Fonte: parecer aprovado em 08/12/2005, na Comissão Especial encarregada e analisar a PEC 415/2005, na Câmara dos Deputados. 2500 Considerações Finais Considerando o financiamento da educação básica, podemos concluir que mecanismos como a vinculação e a subvinculação de verbas à educação podem ser analisados como uma pequena, mas, certamente muito significativa alternativa para as populações que pouco ou nenhum acesso possuem à escolarização, ou que vivem em situação de risco. Evidentemente que não se trata de uma panacéia, mas aliado a políticas públicas e programas sociais de complementação de renda, como “bolsa escola”, podem minimizar este processo desigualdade e ausência. Observando sinteticamente o quadro dos países do Cone Sul no que diz respeito ao financiamento da educação percebemos alguns pontos em comum: tendência à descentralização; manutenção de prerrogativas voltadas ao ensino superior, mas apresentando uma perspectiva de crítica aos aportes financeiros destinados a este setor; tentativas de expansão e democratização do ensino básico, entre outros aspectos. Em geral, o mecanismo de financiamento da educação, mesmo com as reformas econômicas, fiscais e as novas Constituições, após a vigência das ditaduras militares nas décadas de 60 e 70, permanece ainda sob o controle do poder central. Destacamos o caso do Uruguai que, como Estado de regime unitário, tem todo o financiamento dirigido pelo Governo Nacional. O Chile realizou uma experiência radical e, no momento atual passa por um processo de mudança. Argentina, afetada pela crise do início do séc. XXI e o Paraguai caminham no sentido de uma descentralização. O Brasil teve no Fundef e, a partir da implantação do Fundeb, a possibilidade de alguns avanços no sentido do financiamento da educação básica. Só o Brasil, porém, adotou processos como este para elevar o acesso e a equidade, embora o Paraguai mantenha a vinculação de recursos em sua Constituição. Acompanhando as tendências do Cone Sul, os fundos brasileiros também promovem a descentralização, sendo esta o único denominador comum no financiamento da educação nesta região. Por outro lado, o Brasil com outra sistemática, também adotou uma alocação de recursos por aluno, como uma base para buscar a equidade, além de introduzir mecanismos de quase mercado, levando Estados e Municípios a disputar alunos. Estes são em parte pontos de contato com o Chile. Fundef e Fundeb guardam algumas semelhanças como o fato de serem fundos de natureza contábil; a adoção de um valor ano/aluno; as matrículas serem o referencial para a transferência de recursos; a aplicação de um percentual para os salários dos professores; a complementação da União a Estados e Municípios quando o valor ano/aluno não for atingido 2501 entre outros. Entre as diferenças podemos apontar o fato de que o Fundeb amplia a população atingida, incorpora grupos étnicos e jovens e adultos, além das crianças que ficam nas creches. Entretanto, entre as semelhanças e diferenças persistem os velhos vícios: o valor ano/aluno fixado ainda é baixo, o percentual destinado às creches é inferior ao mínimo necessário, o Governo Federal mantem a perspectiva de ajuste fiscal e pagamento de juros e serviços da dívida como prioridade, a “guerra fiscal” entre Estados e Municípios somados aos problemas de controle e acompanhamento dos recursos e de sua aplicação precisam observados com o rigor e o critério. A educação, no Brasil como em todo o Cone Sul, precisa ser tratada como questão de Estado, política nacional, fazendo-se necessário ampliar e equalizar os recursos destinados à mesma. Estabelecer uma fiscalização para que os recursos não se percam nos descaminhos, ou continuaremos a permanecer eternamente condenados a uma posição secundária no sentido do desenvolvimento mundial e dos novos desafios do séc. XXI. REFERÊNCIAS ARCIA, G.; ALVAREZ, C.; SCOBIE, T. 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