Grande número de pegadas e pistas atribuídas a
dinossáurios tem sido recentemente descoberto, descrito e
analisado, constituindo uma ferramenta essencial para o
estudo destes animais, que o registo osteológico por vezes
não permite. Muitas vezes, o registo icnológico documenta
a ocorrência de vertebrados Mesozóicos desconhecidos;
as suas dimensões podem ser deduzidas; podem ser feitas
estimativas da velocidade de progressão; podem ser
inferidos vários tipos de comportamentos; a anatomia,
postura e até a sua evolução locomotora. podem ser
deduzidas. As pegadas também ajudam a interpretação
dos ambientes que os dinossáurios preferiam, constituindo
fontes importantes em análises de biodiversidade,
alterações ambientais, censos taxonómicos, biomassa
presente. São ainda importantes em estudos de
icnoestratigrafia e biocronologia.
Neste relatório preliminar descrevemos e interpretamos
uma icnocenose do Jurássico superior descoberta por nós,
produzida por uma comunidade biológica que pode ser
caracterizada por critérios morfológicos. Inferimos que esta
paleocomunidade era dominada por teropodes de grandes
dimensões, incluindo alguns que possuíam uma
excrescência óssea autopodial, que poderá revelar
dimorfismo sexual. Os herbívoros estavam representados
por tireoforanos, ornitopodes e sauropodes gigantescos.
Em parte, e com excepção do eventual esporão
metapodial, o significativo registo osteológico descoberto
na região, ainda não descrito, espelha a diversidade
icnológica documentada. O nível da água ter-se-á elevado
temporariamente, obrigando os teropodes a nadarem /
flutuarem, eventualmente perseguindo presas.
A great number of tracks and trackways of dinosaurs has been
recently discovered, described and named, providing an important
source of information concerning these animals that cannot be
retrieved from their osteological record. Often, the icnological record
documents the occurrence of dinosaurs not known from any skeletal
material; the range of sizes of these animals can often be deduced;
estimates of the speeds of progression can be made; examples of
different kinds of behaviours can be infered; the anatomy, posture,
gait and even their locomotor evolution can be deduced. Tracks can
also help on the interpretation of the environment in which they were
made and therefore their study has a wide ranging application to
themes such as biodiversity, environmental change, taxonomical
census, biomass paleopresent. They can also be significative in
tetrapod footprint biostratigraphy and biochronology.
In this preliminary report we describe and interpret a new Upper
Jurassic ichnocoenosis discovered by us, produced by a biological
community that can be characterized by morphological criteria. We
infer that this paleocommunity was dominated by theropods of great
dimension, some revealing a autopodial bone excrecence, that can
be a signal of sexual dimorphism. It also includes thyreophorans,
ornithopods and gigantic sauropods, on the herbivory side. In part,
and with the exception of the eventual metatarsal spur, the vast
osteological record of the dinosaurs discovered in this region, not yet
described, agrees with this biological icnodiversity. Sometime in the
Tithonian of the area, the water level rose and the theropods «were
forced» to swim / float / flounder, perhaps while stalking on prey.
Índice
Descreve-se um conjunto de pegadas e pistas que se atribuem a
vários grupos de dinossáurios encontradas em três níveis do
Jurássico final, Titoniano (Portlandiano, na terminologia de
Zbyszewski et al. 1955), da praia das Gentias, freguesia de São
Pedro da Cadeia, concelho de Torres Vedras (Fig.1.) Esta
descoberta decorreu da informação fornecida em Maio de 2006
pelo Sr. Joaquim Santos, um extraordinário colector amador de
elementos esqueléticos de dinossáurios encontrados na região
(Fig.2.), segundo a qual duas pegadas tridáctilas tinham sido
encontradas por um familiar numa lage desta praia, normalmente
imersa, mesmo durante as marés-baixas.
Uma visita que efectuámos nesse mês à praia das Gentias permitiu
confirmar a existência de pelo menos duas pistas, integrando
várias pegadas aparentemente tridáctilas. Duas caracteristicas
saltaram à vista: as duas pistas eram formadas por pegadas, em
número indeterminado, com uma longa impressão posterior, com
colocação central; e eram perfeitamente paralelas, indicando que
os autores se deslocaram no mesmo sentido e a pouca distância
um do outro (o interespaçamento ronda 1,5 m), a velocidades
idênticas e deixando impressões com preservação semelhante
(Fig.3.; Fig. 10., pistas A e A’).
Figura 1. Localização da praia das Gentias, onde se situa a nova icnojazida.
Figura 2. Parte da enorme amostra de ossos de dinossáurios
encontrados no Jurássico superior da região pelo Sr. Joaquim
Santos.
Figura 3. Uma das pegadas, funcionalmente tridáctila e com impressão
posterior, ainda imersa, mesmo durante uma das marés mais baixas do ano.
Figura 10. Esquema global da localização e orientação de
pistas e pegadas encontradas em três níveis distintos da praia
das Gentias. Para a região A, as pistas assinaladas com as
letras coorespondem a pistas de teropodes, com excepção da
pista G, atribuída a um tireoforano e da pista ORN. Em B,
onde não reconhecemos pistas, a amostra icnológica é
proveniente de dois níveis distintos do da região A. O
NORTE e a pista C coincidem. Todas as pegadas e pistas
estão assinaladas e referenciadas por GPS.0
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Página 1/3 da Introdução
Índice
Em Setembro de 2006, aproveitando o facto de
promovermos uma iniciativa no âmbito do Geologia no
Verão numa jazida próxima (“As pegadas de dinossáurios na
Serra do Bouro”) e a maré vazia, uma nova deslocação a esta
jazida permitiu-nos descobrir um total de 8 pistas, formadas
por pegadas de grandes dimensões, funcionalmente
tridáctilas, quase todas com uma saliente impressão alongada
posterior, revelando a passagem de animais bípedes. No
Carnaval de 2007 e em Março deste ano, aproveitando as
marés mais baixas do ano, descobrimos novas pegadas e
pistas.
Duas fiadas de pegadas, perfeitamente paralelas e afastadas
etre elas cerca de 60cm, alternam-se sucessivamente,
sugerindo a passagem de um quadrúpede, com ângulo de
passo médio relativamente baixo - cerca de 100º-110º,
deixando uma pista wide-guage. O estado de preservação
desta amostra é mau e não se distinguem impressões de mãos
das de pés, o que também pode sugerir a passagem de dois
bípedes, lado a lado, com ângulo de passo muito elevado,
quase 180º. Favorecemos a primeira hipótese, inferindo que,
tendo em conta as proporções das pegadas / largura interna
da pista e a idade do estrato, o candidato mais provável será
um dinossáurio tireoforano (Fig.4.).
Entre estas amostras e ainda no mesmo nível
(zona A) encontrámos uma pista formada por
quatro pegadas tridáctilas consecutivas, de
comprimento e largura quase iguais (cerca de
27cm), preservadas como moldes e como
contra-moldes, situação pouco vulgar para o
nosso País. Esta pista poderá ter afinidade
ornitopode (Fig. 5.).
Figura 4. Passagem para acetato de uma pista aparentemente
produzida por um quadrúpede
Figura 5. Parte da pista que atribuímos a um ornitopode com progressão “pé à frente de
pé”, deixando pegadas tridáctilas com comprimento e largura semelhantes, com ligeira
rotação interna e preservadas como moldes e como contra-moldes. A passada é
proporcionalmente curta e o animal deslocava-se apenas entre 2,7 e 3,3 km / h (segundo
a estimativa da altura da anca, ou h = 4,7 x l ou h = 4 x l, respectivamente). A disposição
e o espaçamento das pegadas numa pista de bípede também são por vezes diagnósticas de
teropodes / ornitopodes. Em geral, as pistas de teropodes têm passo porporcionalmente
mais longo, ângulo de passo mais elevado, menor rotação para dentro da linha média da
pista.
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Página 2/3 da Introdução
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Índice
Em dois níveis superiores, na região B, destacam-se:
• Pegadas de sauropodes, incluindo impressões de pés e de mãos,
com excelente preservação, e de grandes dimensões. Não
identificámos qualquer segmento de pista. A nível mundial, e
tendo em conta a excelente preservação, é seguramente um dos
maiores exemplares reconhecidos (Fig. 6A.). Outro aspecto
significativo é a co-ocorrência, neste nível, de dois tipos de
impressões de mãos de sauropodes, implicando que dois taxa
biológicos afastados frequentavam estas zonas, provavelmente em
manadas multi-específicas (Fig. 7.).
• Grandes pegadas de teropodes, tridáctilas e sem
impressão posterior. Alguns destes exemplares
digitígrados alcançam os 75 cm de comprimento,
permitindo inferir que os autores teriam uma altura de
anca rondando os 3 m e um peso superior a 3,5
toneladas! (Fig. 8.).
• Pela primeira vez em Portugal, identificámos, num
nível distinto, uma abundante amostra de pegadas que
incluímos no icnogénero Characichnos, atribuído a
teropodes nadando / boiando em águas relativamente
profundas (Fig. 9.).
Situando-se a icnojazida da praia das Gentias perto de Torres Vedras, cidade
famosa pelos festejos de Carnaval, que incluem desfiles em que «matrafonas» são
calorosamente saudadas; ocorrendo nestes níveis dos finais do Jurássico pegadas
atribuídas a vários tipos de animais de enormes dimensões, incluindo alguns com
características anatómicas aparentemente bizarras e comportamentos
relativamente invulgares; estão criadas as condições que justificam o título e
subtítulo deste trabalho: “As matrafonas do Jurássico superior” - Uma nova
icnocenose do Titoniano inferior da praia das Gentias, Torres Vedras (Fig. 10.).
Figura 7. Esquema de duas pegadas de mãos de sauropodes,
muito distintas, da região B da praia das Gentias (realizados
sobre acetato). Está assinalada a posição dos dígitos I e V,
quando é possível identificá-los.
Figura 8. Pegada tridáctila digitígrada preservada como
epirrelevo côncavo. Todas as caracteristicas indicam uma
origem teropode: grande dimensão (comprimento de 71 cm
e muito superior à largura), «calcanhar» assimétrico,
impressões de dígitos II - IV que se vão adelgaçando e
terminando por uma longa garra, curvatura sigmoidal da
extremidade distal do dígito III.
Figura 9. Marcas alongadas, dispostas em trios,
em que o sulco central é o mais longo,
ligeiramente sinuosas, com disposição paralela e
em alguns casos com presença de uma ligeira
elevação posterior, são atribuídas a teropodes
nadando em águas profundas e incluídas no
icnogénero Charachicnos.
(Figura 10 já referenciada na página 1/3 da
introdução)
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Página 3/3 da Introdução
Índice
2.1. O animal responsável pelas pegadas fósseis é chamado autor ou
produtor e a superfície de sedimentos sobre a qual caminhou é chamada
“superfície com pegadas” (sensu Fornos et al. (2002)). A pegada
deixada na superfície com pegadas é chamada “verdadeira pegada”. O
preenchimento sedimentar da pegada forma um “molde natural” da
pegada ou contra-molde. Se o autopode do autor penetra profundamente
no sedimento, então as partes verticais da pegada são chamadas “paredes
da pegada”. Se as paredes da pegada estão inclinadas como
consequência do movimento dinâmico do autopode durante a passada,
então a impressão da pegada vai surgir maior à superfície do que no
fundo da pegada. Neste caso, no fundo está a verdadeira pegada e a
cavidade na superfície do sedimento é chamada “pegada global”. Na
superfície em torno da pegada, pode-se formar um rebordo marginal de
material deslocado e, dependendo da consistência do substrato, podem
ser formadas fracturas radiais em torno da pegada (Allen 1997). As
medidas standard das pegadas e pistas são tomadas no interior do
rebordo erguido e não sobre ele ou no seu exterior (Lockley et al. 2002).
O peso do autopode do produtor é transferido radialmente para fora e no
sedimento em torno e abaixo do seu autopode. Se a pegada é feita em
sedimentos estratificados, forma-se uma impressão da pegada nos
horizontes subjacentes à superfície com pegadas; estas pegadas são
chamadas sub-impressões, ou “pegadas-fantasma” ou “pegadas
transmitidas” (Thulborn 1990). As sub-impressões diferem das
verdadeiras pegadas por apresentarem menos detalhes em profundidade.
2.2. Para descrever os movimentos dos autopodes durante a
progressão é adoptada a terminologia proposta por Thulborn e
Wade (1989). O ciclo de progressão é dividido em três fases
distintas. A primeira fase é a aproximação ao solo (T), quando o
autopode se estende para a frente e assenta no solo, enquanto os
dígitos divergem. Segue-se a fase do suporte do peso (W), em
que os metatarsos / metacarpos se movem para a frente e o
centro de gravidade do produtor passa sobre o autopode, que fica
impresso no substrato. Sucede-se a fase do erguimento (K),
quando as partes proximais do pé / mão são levantadas e o peso
é transferido para as partes distais dos dígitos, à medida que o
corpo se move para a frente. Subsequentemente o membro é
erguido, preparando uma nova fase T.
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Página 1/2 de Clarificação de alguns conceitos
Índice
2.3. As inferências apresentadas relativas à
afinidade taxonómica a nível mais elevado
dos autores dinossaurianos incluem a
utilização de sinapomorfias e de
iluminantes recíprocos, a construção de
previsões de pegadas de mãos e de pés
(para comparação com os icnitos
analisados) e a análise das respectivas
distribuições espaço-temporais.
2.4. Consideramos os icnotaxa de
vertebrados como aproximações dos biotaxa.
No estudo das antigas icnofaunas existem
duas tradições distintas: a etológica e a
biotaxonómica. Com apenas uma excepção
(a utilização de características morfológicas
que reflectem comportamento como base na
icnotaxonomia de vertebrados), utilizamos a
aproximação biotaxonómica, tentanto
relacionar pegadas e pistas com a taxonomia
dos produtores.
2.5. O termo icnocenose foi originalmente proposto por
Dvitashvili (1945) para representar os vestígios de uma
comunidade biológica. Subsequentemente, foi utilizado de
diferentes formas. Actualmente, parece existir um consenso na
sua definição - um agregado icnológico produzido por uma
comunidade biológica que pode ser caracterizada por critérios
morfológicos, independentes do ambiente deposicional ou das
afinidades biológicas (Hunt e Lucas 2007). O termo icnofauna
também tem sido utilizado para descrever uma ou múltiplas
icnocenoses. Mas Lockley et al. (1994) consideram o termo
vago, que só “deve ser empregue como um termo descritivo nos
casos em que as icnocenoses e icnofacies ainda não tenham sido
definidas com precisão”.
Um icnoagregado é um agregado de icnofósseis conceptualmente
equivalente a um agregado de elementos esqueléticos fósseis,
proveniente de uma única unidade de litológica. Este termo não tem
implicações sobre a origem dos icnofósseis e é raro que este tipo de
fósseis sejam retrabalhados. Mesmo assim, os agregados de pegadas e
pistas podem não reflectir as comunidades do seu tempo porque o tempo
prolongado resultante de taxas de deposição lentas podem resultar em
estruturas produzidas por sucessivas comunidades que se sobreponham
na mesma unidade de rochas.
Como as icnocenoses representam os vestígios de diferentes
comunidades, apresentam extensões temporais e geográficas que
representam as extensões dessas comunidades animais, portanto
normalmente bastante limitadas. Mas, Lockley (2005) sugere e acredita
que as icnocenoses não são uma (simples) colecção de agregados e que
incluem informação biológica e ambiental.
O paradigma da icnofacies é um dos principais princípios / dogmas da
icnologia de invertebrados. Mas também é aplicado à icnologia dos
vertebrados (Lockley et al. 1994; Lockley e Meyer 1999),apesar de nem
sempre bem compreendido - se múltiplas jazidas (icnocenoses)
representam amostras encontradas em facies sedimentares semelhantes e
consistentemente produzem dados similares (por exemplo,
“associações” icnofaunísticas semelhantes), podemos falar de uma
icnofacies distinta. “Nestes casos, as proporções repetidamente
semelhantes dos icnotaxa devem ser um reflexo da estrutura taxonómica
das paleocomunidades e não podem ser consideradas como distribuições
ocasionais aleatórias (Lockley 2007).
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Página 2/2 de Clarificação de alguns conceitos
Índice
O material analisado ocorre numa exposição na praia das Gentias, em três níveis distintos, datados do Jurássico final (Titoniano). As
estruturas - pegadas de vertebrados que ocorrem como impressões superficiais - estão distribuídas por calcário e por calcário margoso,
numa área relativamente grande, embora raramente fiquem emersas. Sobre estes horizontes a deslocação das areias é contínua ao longo
do ano, de forma que podem estar perfeitamente destapados, embora imersos, e no mês seguinte já estarem totalmente cobertos por
areias. Realizou-se o mapeamento para acetato de algumas pistas e pegadas individuais, tendo sido registada a orientação e o sentido de
deslocação dos produtores. Uma dificuldade adicional relaciona-se com a passagem / replicação das pegadas individuais e das pistas
para acetato, já que trabalhar com água salgada destrói / apaga facilmente os esquemas (Fig.4.). A localização de pegadas e pistas foi
registada em GPS. Procedeu-se à recolha de contra-moldes (epirrelevos côncavos). Este trabalho de campo envolveu várias sessões.
Índice
“A caça aos fósseis é, de longe, o mais fascinante dos desportos. Nele
encontramos a incerteza, a excitação e o arrepio dos jogos de azar, sem
nenhum dos seus aspectos negativos... Na próxima arriba pode estar
enterrada a grande descoberta... Além do mais, o caçador de fósseis
não mata, ressuscita!”.
George Gaylord Sympson 1972
Índice
Pegadas e pistas de afinidade teropode - identificadas, até ao final de Março de 2007, 15 pistas distintas.
A maior parte destas pistas apresenta a mesma
orientação e revela que os produtores se dirigiam no
mesmo sentido, sugerindo um comportamento social,
deixado por um grupo gregário e deslocando-se
numa frente ampla (Fig. 10.). Este tipo de
comportamento, comum para outros grupos de
dinossáurios, é ainda relativamente raro, a nível
mundial e para todo o Mesozóico, para os
dinossáurios considerados como predadores
(Lockley e Matsukawa 1999).
Uma parte significativa desta amostra é formada por
pegadas funcionalmente tridáctilas, de dimensões médias
a grandes, incluindo uma longa impressão posterior e, por
vezes, a impressão correspondente ao dígito I (hallux),
com orientação posteromedial. Outras pistas, paralelas a
estas, integram pegadas de morfologia e dimensões
semelhantes, mas sem as impressões posteriores e do
hallux. Mas o tipo / grau de preservação da amostra global
parece ser semelhante, indiciando que todos os animais
devem ter passado sobre substrato com propriedades
idênticas, mais provavelmente num mesmo instante ou
perto dele, do que em ocasiões distanciadas
temporalmente.
Embora o grau e tipo de preservação das pegadas individuais
seja relativamente mediocre, várias pistas são facilmente
identificáveis e os segmentos analisados estão completos, ou
seja, a morfologia e orientação de pegadas sucessivas
mostram que elas representam as impressões sucessivas dos
pés esquerdo e direito (passo) e que as pistas não estão
incompletas (Fig. 11.). Isto implica que se podem aplicar as
várias equações sugeridas para a estimativa da velocidade de
deslocação. E algumas destas pistas sugerem que os autores
se deslocavam a velocidades relativamente elevadas, quer
por comparação com o registo icnológico mundial atribuído
a teropodes, quer com o mesmo registo encontrado no nosso
País.
Figura 10. Esquema global da localização e orientação de pistas e pegadas encontradas em três níveis distintos da praia das
Gentias. Para a região A, as pistas assinaladas com as letras coorespondem a pistas de teropodes, com excepção da pista G,
atribuída a um tireoforano e da pista ORN. Em B, onde não reconhecemos pistas, a amostra icnológica é proveniente de dois
níveis distintos do da região A. O NORTE e a pista C coincidem. Todas as pegadas e pistas estão assinaladas e referenciadas
por GPS
Figura 11.Esquemas das pistas F e I, realizados através da passagem para acetato.
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Página 1/12 da Região A
Índice
Uma das pistas (M) integra três pegadas sucessivas com
comprimento rondando os 65 cm, descontando o comprimento da
longa impressão posterior. A passada aproxima-se dos 5,0 m, o que
permite estimar a velocidade em cerca de 13,5 km / h (Fig. 12). O
produtor da pista H deixou 9 pegadas sucessivas, com comprimento
médio de 60 cm (não incluindo o comprimento do metapodium) e
com uma passada média rondando os 4, 1 m. A velocidade deste
grande teropode aproximava-se dos 11 km / h. Uma outra pista (O),
integrando também três pegadas sucessivas de menores dimensões
- comprimento médio de 40 cm - apresenta uma passada de 3,5 m,
indicando que o teropode se deslocava a cerca de 13,2 km / h (Fig.
13.). Em todas as amostras o ângulo de passo é relativamente
elevado (cerca de 165º - 170º) e as pistas estão muito longe de
poderem ser consideradas como do tipo «wide-guage».
Pegadas de pés funcionalmente tridáctilos com impressões do
hallux estão presentes em amostras atribuídas a ornistiquianos, mas
também são reconhecidas para pegadas de afinidade teropode.
Alguns exemplos destes últimos: Buckeburgichnus, sensu Lockley
2000; Eutynichnium; “Gigandipus”; “Hyphepus”; Jalingpus;
Kayentapus soltykovensis; Megatrisauropus; Picunichnus;
Saurexallopus; Theroplantigrada; Tyrannosauripus; pegadas do
Cretácico inferior de Glen Rose, Texas (Kuban 1989). Outras
apresentam apenas impressões atribuídas a longos metatarsos, mas
sem vestígio do dígito I - Lockley et al. 2003, para uma pegada
Megalosauripus; Gierlinski (1994), para uma pegada Kayentapus
soltykovensis . Algumas apresentam impressões metapodiais
«incompletas», associadas por vezes com a impressão de um
pequeno hallux, como é reconhecido para uma amostra de pegadas
do Jurássico superior da Itália.
Figura 12. Terceira pegada da pista M, com uma longa impressão posterior. As três pegadas
consecutivas, com uma passada rondando os 5 m, passam a constituir o «record» de velocidade
registado para um dinossáurio em Portugal.
A impressão caudal é quase tão larga na base como na parte distal: não se nota diferença na
profundidade entre as suas regiões anterior e posterior, e entre estas e a pegada propriamente dita
Figura 13. Uma das pegadas da pista O, um dos teropodes de dimensões
médias que progredia a maior velocidade
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Página 2/12 da Região A
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Muitas destas amostras representam pegadas muito profundas, o que pode
explicar a sua origem e preservação, embora um estilo de locomoção
peculiar semidigitígrado e plantígrado possa estar envolvido. A amostra
mais conhecida interpretada como evidência de agachamento provem da
colecção de Hitchcock, do Jurássico inferior do Super Grupo Newark,
New England, região oriental da América do Norte. Dois destes
exemplares representam o icnotaxon Grallator. O exemplar AC 1/1, com
provável impressão da mão esquerda; e o famoso AC 1/7, em que a
impressão do abdomen foi interpretada como revelando impressões de
proto-penas (Gierlinski 1996, 1997). Em ambos são observadas
impressões da calosidade isquíadica (Fig. 15.). Para estes exemplares
revelando agachamento, têm sido sugeridas várias posições, tendo em
conta a morfologia global das pegadas, dos dígitos impressos e das
variações nas impressões abdominais.
Os trabalhos de Kuban (1989) sobre pegadas “alongadas” de dinossáurios
do Albiano da Formação Glen Rose, Texas, são considerados como o
primeiro passo na descrição de amostras com estas características, e,
simultaneamente, um marco na desmistificação destas amostras poderem
ter origem humana. Kuban demonstrou que muitas destas pegadas eram
simplesmente pegadas de teropodes com impressões metatarsais
posteriores preservadas na parte posterior de impressões tridáctilas.
Figura 15. O famoso exemplar AC 1/7, representando um teropode que se agachou.
A - Fotografia, em que se observam as duas pegadas tridáctilas com impressões de longos
metatarsos (a e b), acompanhadas pela impressão púbico-abdominal (c) e pela impressão isquíadica
(d).
B - Esquema interpretativo, segundo Gierlinski (1966). As setas indicam a eventual presença de
impressões regulares semelhantes a tufos de pelos ou de proto-penas, cada um com 1 cm de
comprimento e 33 mm de largura (Sabath e Gierlinski 2005). Mas esta interpretação tem sido posta
em causa por vários investigadores.
Para além das dimensões - as amostras atribuídas a pegadas de
ornitopodes do Jurássico superior apresentam dimensões bastante
inferiores às dos icnitos de origem teropode (Lockley e Meyer 1999) outras características das pegadas da zona A da praia das Gentias
permitem não as atribuir a este grupo de dinossáurios, muitas vezes
também com progressão bípede: impressões de dígitos mais alongados e
esguios, terminando com impressões de unguais mais longos;
«calcanhar» mais assimétrico; comprimento superior à largura; rotação
interna menos acentuada (eixo longo do dígito III muito coincidente com
o eixo da pista) (para um resumo, consultar Whright 2004). As pegadas
metatarsais de teropodes, como a própria pegada, são geralmente mais
alongadas do que as associadas com icnitos de ornitopodes (Lockley et al.
2003), seguindo uma tendência morfodinâmica (ou heterecrónica)
(Lockley 2000 a, b) em que existe compensação entre pés longos e
membro posterior curto (nos teropodes) e pés mais curtos e membros
posteriores mais longos (nos ornitopodes) (também assinalada por
Thulborn 1990).
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Página 3/12 da Região A
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Kuban (1989) sugeriu que os comportamentos dos teropodes que deixaram
impressões longas dos metatarsos poderiam incluir agachamento, como
integrando actividades predatórias. Mas Kuban analisou bípedes que
progrediam, ou seja, que apresentavam movimento contínuo, em / sobre
substratos brandos, encharcados. As evidências em que ocorrem duas
pegadas situadas lado a lado associadas com impressões da cintura pélvica
e até das mãos sugerem comportamentos distintos associados com
substratos mais firmes, indicando que o animal se agacharia/deitaria, para
descansar e/ ou para se alimentar ou beber, pelo menos temporariamente.
As pegadas analisadas por Kuban (1989), em que este investigador sugere
a presença de teropodes plantígrados ou «quase-plantígrados», têm
comprimento variando entre 55 e 70 cm, incluindo o segmento metatarsal ,
e formam muitas vezes pistas. Mas só uma delas permite estimar a
velocidade de progressão como superior a 10 km /h - cerca de 36 km /h, de
acordo com Kuban. E estas três pegadas sucessivas não apresentam
qualquer impressão posterior dos metatarsos nem qualquer evidência de
impressão do hallux . Todas as outras amostras referidas apresentam
comprimento proporcional de passo relativamente curto (Fig. 19.), algumas
formando pistas do tipo mais «wide», com ângulo de passo inferior.
Outras, como a amostra incluída em Theroplantigrada, do Cretácico
inferior de La Rioja, Espanha, apesar de serem pistas do tipo «narrow»,
apresentam passo proporcionalmente curto e até uma eventual evidência de
membrana interdigital (Casanovas et al. 1993).
Figura 23. Enormes pegadas de teropodes com longas impressões posteriores, do Cretácico «médio» do
New Mexico.
A - Esquema das pistas que co-ocorrem com as grandes pegadas de teropodes (pista 1)
B - Esquema de duas das pegadas (1 e 2 do esquema A) (retirado de Lockley et al. 2006).
Uma pista formada por apenas três pegadas de origem teropode e
associadas a longas impressões posteriores foi recentemente descrita para o
Cretácico «médio» (Albiano - Cenomaniano) do New Mexico (Lockley et
al. 2006) (Fig. 23.). As pegadas são muito profundas (chegando a alcançar
os 25 cm) e as impressões posteriores ao calcanhar estão, como na praia
das Gentias, alinhadas com a linha média da pista. Segundo Lockley et al.
(2006), “é possível que as marcas posteriores representem impressões
metatarsais, mas isto não pode ser demonstrado com segurança”. E
também é óbvio que não representam marcas de arrastamanto do hallux,
que, embora reduzido, ficou preservado em duas das pegadas. Estes
investigadores indicaram que o comprimento médio da amostra, sem a
longa impressão posterior, e de forma conservadora, rondaria os 50 cm;
como a passada é de 3,7 m, a velocidade estimada de deslocação
aproxima-se dos 11 km / h.
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Página 4/12 da Região A
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Para Portugal, é reconhecida uma amostra do Jurássico final de Buarcos
que Lockley et al. (2000b) acabaram por integrar em Eutynichnium
lusitanicum, atribuída a teropodes, representada por pegadas com
impressão do hallux e de longo metatarso, atribuídas à natureza dos
substratos pisados / grande profundidade (10 - 15 cm) (Fig. 24.). Também
para o Jurássico final da jazida da praia dos Salgados descobrimos vários
exemplares de origem teropode associados a longas impressões posteriores
dos metatarsos. A amostra tem comprimento médio de 35 cm (excluindo a
impressão metatarsal) e uma grande profundidade. Só conseguimos
identificar dois passos, que são proporcionalmente curtos. Todas as
evidências sugerem que os bípedes progrediam em terrenos muito
encharcados, a velocidade muito reduzida e apoiando no substrato os
metatarsos (Fig. 25.).
Todas as pegadas referidas que apresentam associadas longas impressões
metapodiais e do hallux foram produzidas por teropodes de dimensões
pequenas a médias. A amostra semelhante da praia das Gentias distinguese também pelas dimensões dos autores, alguns verdadeiramente
gigantescos, mesmo em termos de teropodes globais.
Irby (1996) descreveu uma icnojazida dominada por pistas de teropodes
para o Jurássico inferior do Arizona, conhecida actualmente por Cameron
Dinosaur Tracksite. Numa superfície de 9 x 16 m encontram-se mais de
300 pegadas, incluindo 34 pistas de dinossáurios bípedes. as pegadas têm
comprimento variando entre os 4 e os 44 cm; as pistas integram entre 3 e 9
pegadas consecutivas. Esta investigadora não conseguiu encontrar
evidência de passagem gregária dos carnívoros. A maior parte das pegadas
foi incluída o icnogénero Anchisauripus. Algumas das pegadas que
integram uma amostra que Irby (1996) incluíu no grupo de “dimensões
médias” (comprimento entre 16 e 23,5 cm) apresentam um sulco rectílíneo
projectando-se a partir da margem posterolateral.
Esta característica levou Irby (1995) a sugerir que a amostra deve representar
uma nova icnoespécie, A. madseni. Cinco pistas apresentam, no mínimo, uma
pegada, ora direita, ora esquerda, revelando esta característica: “um sulco
estreito e rectilíneo, não aguçado, que se projecta a partir da margem
posterolateral do dígito IV; o seu eixo é aproximadamente paralelo ao do dígito
III; tem cerca de 3,6 cm de comprimento e uma largura rondando 1 cm; a
divergência entre o dígito IV e esta projecção é de 154,5º” (Fig. 26.). Apesar de
alguns dos teropodes terem passado a grande velocidade, nenhum dos autores de
Anchisauripus madseni se deslocava a velocidade elevada, ou seja, nenhum dos
autores das pegadas com a saliente marca posterolateral progredia a velocidade
superior aos valores geralmente encontrados para a enorme maioria das pistas de
teropodes Mesozóico (Farlow et al. 2000).
Figura 24. Pegadas Eutynichnium lusitanicum (sensu Lockley et al. 2000b).
Nopsca (1923) tinha incluído este material em E. lusitanicum, mas Lockley et
al. (1996, de onde é modificado o esquema A) incluíram-na em
Megalosauripus lusitanicum. Posteriormente, Thulborn (2001) corrigirá o
nome para E. lusitanicus.
A - Esquema de 4 exemplares de Buarcos, que fazem parte da primeira jazida
com pegadas de dinossáurios descoberta em Portugal. Foi relatada por Jacinto
Pedro Gomes em 1884 e descrita, num trabalho póstumo, em 1915 - 16.
Representam as primeiras pegadas do Jurássico final conhecidas na Europa.
B- Fotografia do exemplar a, lectotipo de E. lusitannicum, segundo Lockley et
al. (2000b). O comprimento deste contramolde é de 37 cm (com metatarsos e
hallux é de 46 cm) para uma largura de 27 cm (sem hallux) A amostra incluía
provavelmente 14 pegadas preservadas como epirrelevos profundos num
calcário margo-legnítico, preenchidas por arenito ferruginoso da camada
sobrejacente, quase todas com impressão de metatarsos alongados e, em
alguns exemplares, do hallux, que formavam 3 ou 4 pistas
Figura 25. Pegada com longa impressão posterior, que atribuímos a um teropode que se
enterrava profundamente à medida que ia dando passos curtos - jazida da praia dos Salgados.
Figura 26. Fotografia e esquema de uma das pegadas,
correspondente ao pé direito de Anchisauripus madseni
(escala da esquerda em cm; escala da direita: 18,5 cm)
(modificado de Irby 1995).
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As dimensões da projecção posterolateral, a sua posição relativa e as
dimensões e morfologia global da amostra tridáctila (e nunca tetradáctila)
em que elas ocorrem em Anchisauripus madseni permitem distingui-las da
amostra tetradáctila da praia das Gentias, para além da óbvia separação
temporal.
Para a pista M a passada relativa (P / h) ronda 1,8 e a razão entre os
comprimentos da passada e das pegadas (P / l) aproxima-se de 8. Para a
pista H, estes valores são, respectivamente, de 1,6 e de 7. Para o teropode
O, são estimados em 2,2 e 8,7.
Note-se que para uma amostra de 577 pistas bípedes, de teropodes e de
ornitopodes, Farlow et al. (2000) verificaram que a relação entre os
comprimentos da passada e das pegadas apresenta valores muito distintos,
mas com a esmagadora maioria entre os 4, 8 e os 8,0 (Fig. 27.). Os valores
inferiores a 4,0 são quase todos atribuídos a ornitopodes. Para as três pistas
da praia das Gentias os valores desta razão são superiores a 7 e alcançam
mesmo os 8,7.
Figura 27. Gráfico referente à razão entre os comprimentos da
passada e das pegadas para 577 pistas bípedes (ornitopodes e
teropodes). Retirado de Farlow et al. (2000).
Gatesy et al. (1999) documentaram e explicaram a ocorrência de
impressões alongadas posteriores em pegadas de teropodes do Triássico
final da Groelândia como resultando da penetração e movimento do pé em
substratos muito brandos e incompetentes, deixando pegadas muito
profundas. Mas esta longa impressão metatarsal ocorre como perdendo
sucessivamente a inclinação para a parte posterior. Nem esta condição,
nem a presença de pegadas profundas, estão presentes na amostra da praia
das Gentias.
Uma deslocação a velocidades relativamente elevadas por parte de animais
bípedes com pesos corporais «gigantescos» implica que as pegadas não
podem ser consideradas como semi ou totalmente plantígradas. Por outras
palavras, a marca longa posterior não pode ser atribuída, pelo menos nestes
casos, a uma impressão alongada dos metatarsos, que seria produzida
quando os animais se agachavam, progredindo a baixa velocidade em
substratos muito brandos e encharcados, onde facilmente se enterravam.
Um bípede com 2,6 m de altura de anca e com peso rondando as 3
toneladas, não poderia / conseguia progredir a 13 km/h se os membros se
enterrassem consecutivamente na lama - o peso muscular para elevar o
animal do solo e para o impelir com um passo de 2,5 m seria praticamente
igual ao peso corporal total (Hutchinson e Garcia 2002; Hutchinson e
Gatesy 2006), uma situação insustentável. De facto, estes bípedes podem
ser considerados como cursoriais, eventualmente correspondendo o
teropodes tetanuranos basais, em que o dígito I não estava reduzido,
nenhum deles arrastando alguma vez a cauda no substrato.
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Estas inferências, juntamente com o facto de pelo menos duas pistas, também do tipo
narrow-guage, serem formadas por pegadas morfologicamente semelhantes mas sem
a impressão posterior metapodial nem a impressão do hallux, levam-nos a sugerir
que esta característica não está relacionada com distorções preservacionais nem com
variabilidade esquelética.
Por outro lado, inferimos também que os teropodes progrediam em grupo, numa
frente ampla, e integrando simultaneamente animais que deixavam os dois «tipos» de
pegadas. Outras hipóteses alternativas podem também ser excluídas, mesmo
considerando que Gierlinski et al. (2005) tenham referido que “as pegadas
plantígradas com impressões do metatarso nem sempre apresentam impressões do
hallux, sugerido que o hallux pode ter estado dirigido dorsal ou anteriormente, ou até
que não existia”:
•Os animais atravessavam sedimentos muito brandos, lodosos, escorregadios
•Os autores descansavam, abrigando-se, agachando-se, para beberem, alimentaremse junto ao solo
•Os predadores estavam emboscados
•Uma progressão plantígrada estava associada a deformidade /lesão/ ferimento
•Os bípedes deslocavam-se, descendo, em terrenos inclinados, com alguns deles
progredindo a velocidade elevada devido a esta inclinação e assentando no solo a
parte posterior do pé
Ao contrário da amostra incluída em Anchisauripus madseni, a impressão
posterior não poderia resultar do arrastamento do dígito III e/ou dos metatarsos
(note-se que a própria Irby (1995) excluíu esta hipótese). Repare-se que estas
impressões posteriores alongadas não devem ser consequência de variação
comportamental, qualquer que seja a sua origem, já que as características
comportamentais exibem normalmente algum grau de variabilidade, que não
ocorre na amostra da praia das Gentias. Também excluímos algumas hipóteses
muito mais especulativas e sem base de apoio, como constituirem impressões de
um eventual dígito V (desconhecido para qualquer clade de teropodes) que teria
rodado.
A variabilidade entre as amostras com e sem a referida e longa impressão
posterior pode reflectir diversidade taxonómica ou apenas variação dentro de
uma espécie. Neste último caso, a variação pode resultar de ontogenia (diversos
estádios do crescimento), de diferenças individuais, de variação geográfica ou
estratigráfica (diferenças regionais entre populações), de dimorfismo sexual, ou
de uma combinação destes factores.
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Estas impressões, considerando globalmente dimensões e morfologia, são
consistentes, devendo portanto reflectir diferenças anatómicas na estrutura do pé
dos autores. Sendo assim, podemos propor várias hipóteses para as explicar:
•Podem resultar da impressão de um esporão ou de uma lasca óssea coberta por
uma calosidade
•Podem ser consequência da existência de uma excrescência óssea
metatarsofalangeal
Em todos os casos, a sua inserção localizava-se pouco acima da extremidade distal
dos metatarsos, numa posição paralela ao substrato e ficando impresso em quase
toda a sua extensão.
Se estas duas últimas hipóteses são favorecidas e se análises posteriores vierem a
confirmar que essas impressões (dois icnomorfotipos) têm distribuição que se
aproxima da bimodal, sem qualquer morfotipo intermédio, então elas podem estar
relacionadas com uma característica esquelética dimórfica sexual, que o registo
osteológico ainda não permitiu reconhecer. Como acontece com vários taxa
reptilianos actuais, estes caracteres sexuais secundários poderiam estar relacionadas
com comportamento de exibição sexual, desencorajamento de potenciais
predadores, competição macho - macho, escolha de parceira (Sampson 1997;
Lailvaux et al. 2006). E como é sugerido por Lailvaux (in press), se elas estiverem
apenas associadas com o sexo que incluia animais progredindo a maior velocidade,
então, tal como acontece com muitos répteis modernos, este seria, com maior
probabilidade, o género masculino.
Apesar de vários grupos de dinossáurios serem quase instantaneamnete
reconhecidos por estruturas morfológicas «bizarras» (cornos, colarinhos, pregas,
placas, escudos cristas, ...) (Chapman et al. 1997; Sampson e Ryan 1997), a
presença/ocorrência de dimorfismo sexual em Dinosauria é um assunto ainda
controverso. Recentemente, Padian et al. (2005) sugeriram que estas estruturas
podem ser explicadas como actuando para reconhecimento específico. De facto,
quando temos estruturas bizarras gostamos que tenham funções bizarras. Mas, tal
como acontece com os actuais bovídeos e muitos outros artiodáctilos (e para os
dinossáurios stegossaurídeos e ceratopsianos), observamos vários tipos distintos de
disposição dos cornos e hastes, mas não temos necessariamente de arranjar
explicações funcionais para estes padrões distintos. Podem ser explicados como
permitindo a distinção entre os indivíduos de espécies diferentes ou como
reconhecimento de parceiros sexuais. Pensando nos vertebrados actuais, é provável
que pelo menos algumas espécies de dinossáurios fossem sexualmente dimórficas,
mas a demonstração conclusiva deste fenómeno é, sem surpresa, problemática.
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Mas os estudos sobre dimorfismo sexual em Dinosauria são
importantes: têm o potencial de reduzir a sobreposição
taxonómica, permitem saber mais sobre o ciclo de vida e
comportamentos. A determinação das características sexuais
dimórficas e a identificação de cada sexo são questões de
resposta difícil, tendo em conta a não existência de tecidos moles
representando os órgãos sexuais e de exibição.
Como contra-argumento, poderíamos referir que a impressão
alongada posterior poderia derivar de uma lesão óssea, de uma
deformidade. Mas a sua ocorrência num tão grande número de
indivíduos (pelo menos 8 pistas distintas e que atribuímos a 8
animais separados, de acordo quer com as diferentes dimensões
das respectivas pegadas, quer com os argumentos apresentados
por Lockley 1997), sempre com morfologia e dimensões
idênticas, não parece justificar esta hipótese. Por outro lado, e
representando a impressão de um espigão metatarsal, isso
significaria que os teropodes padeciam em algum grau de
osteoartrite, reconhecível através da presença de osteofitos ou
espigões ósseos e que muitas vezes já foram identificados nas
vértebras de dinossáurios, mas muito raramente nas articulações
dos ossos dos membros (Rothschild 1990). De facto, “os dois
únicos exemplos (entre mais de 10 000 de exemplares
analisados) de verdadeira osteoartrite surgem em dois dos trinta e
nove exemplares de Iguanodon bernirssartensis” (um
dinossáurio da linhagem ornitopode) (Rothchild 1997;
Rothschild et al. in press).
Esta característica, aparentemente bizarra, poderia ainda ser o
resultado do arrastamento do pé dos animais, deixando os
metatarsos impressos. Mas a comparação entre as dimensões da
porção digitígrada das pegadas e da marca de arrastamento
implica que o metapodium teria ficado impresso ao longo de
(quase) todo o seu comprimento. E se a deslocação bípede de um
animal de peso enorme com esta postura é já qualquer coisa de
díficil explicação, uma progressão a velocidade relativamente
elevada permite excluir essa hipótese (tal como contraria a
hpótese de lesão / deformidade).
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Uma questão pertinente merece ser colocada - será que existe algum
exemplo icnológico Mesozóico sugerindo que as amostras fósseis revelem a
provável presença de dimorfismo intraespecífico entre vertebrados
terrestres?. Tanto quanto sabemos, estão descritos dois eventuais exemplos,
mas nenhum inclui amostras atribuídas a dinossáurios. Tresise (1996)
especulou que os dois grandes «tipos» de pegadas Chirotherium, do
Triássico médio, da Alemanha e da Inglaterra, devem reflectir diferenças no
género (macho / fêmea) dos seus produtores. E Avanzini e Lockley (2002)
interpretaram a co-ocorrência de pegadas que distribuíram por dois grupos
incluídas na icnoespécie Isochirotherium delicatum, do Triássico médio de
Itália, como indicação de dimorfismo sexual. No primeiro caso, a
característica que distingue as pegadas é apenas a dimensão. No segundo
caso, são algumas características morfológicas, como a razão comprimento /
largura, o ângulo interdigital I - V e o ângulo do eixo cruzado.
E se a característica “longa impressão posterior” distinguir dois morfotipos
como duas icnoespécies, isso significa que terão co-ocorrido dois tipos de
grandes teropodes num mesmo habitat e numa mesma idade. Não há razão
para que a dois icnotaxa distintos não correspondam dois taxa osteológicos
diferentes. Tendo em conta que ocorre uma «mistura» entre as pistas dos
dois tipos e que a ocorrência de pistas paralelas e como mesmos sentido
permite inferir que os teropodes apresentavam comportamento gregário,
deslocando-se num grupo organizado, então estes bandos integravam duas
espécies distintas (que até poderiam não apresentar grande afinidade
filogenética, segundo Farlow 2001). Se este for o caso, será apenas a
segunda vez que temos evidência de grupos multiespecíficos progredindo e
interagindo em conjunto para dinossáurios predadores a nível mundial. A
única evidência provem do Jurássico médio de uma jazida de Vale de Meios
e foi assinalada por nós. Mais de 30 grandes predadores progrediam juntos
numa frente ampla, e o bando integrava dois morfotipos de pegadas, mas a
variação aparente é de ordem morfológica restrita. Por esta razão, também
sugerimos que a amostra global pode ser incluída num mesmo icnotaxon e
que “a variação possa ser resultante de diferenças de sexo”. Um argumento
importante contra esta sugestão deriva do facto de um dos sexos estar muito
sub-representado, ocorrendo um domínio numérico substancial por parte dos
indivíduos de um dos sexos.
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Página 10/12 da Região A
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Se a longa e bem visível impressão posterior encontrada numa ampla amostra
de pegadas de grandes teropodes da jazida da praia das Gentias constituir um
carácter de dimorfismo sexual, uma excrescência óssea deste tipo poderia ter
algum papel / função social e/ou sexual. Para além da óbvia função de arma de
defesa contra predadores, poderia também estar integrada nos comportamentos
de comunicação que permitem assinalar membros de uma espécie, atrair
parceiro(a)s e/ou até nos comportamentos agonísticos, com exibições de
ameaça e conflitos reais para afastar rivais, como acontece com muitos
teropodes avianos modernos (Fig. 31.).
Relativamente à afinidade icnotaxonómica desta amostra optamos pela
precaução. O registo icnológico está repleto de nomes sem qualquer
significado, num «oversplitting» constante (Lockley e Hunt 1995), já que as
amostras base não estão bem preservadas, como é o caso das pegadas de
teropodes da praia das Gentias. Será necessário instituir um novo icnogénero
para incluir a amostra? A nossa resposta é negativa. Material do Cretácico
inferior do Canadá, há muito que foi incluído por Sternberg (1932) no
icnotaxon Irenesauripus. Este investigador criou duas icnoespécies de
Irenesauripus: I. mclearni e I. acutus. A primeira inclui pegadas com
impressões de dígitos alargados, robustos e, segundo Gierlinski (comunicação
pessoal 2006), poderá ser sinónimo junior de Megalosauripus, de
Bueckeburgichnus e das pegadas tradicionalmente chamadas “Eubrontes”
glenrosensis. Segundo este investigador Polaco, I. mclearni com metapodium
poderá ser ainda sinónimo de Theroplantigrada e de Eutynichnium.
Figura 31. Um esporão é uma projecção cónica encontrada no lado interior
do membro posterior de algumas aves sexualmente maduras, como galos,
perdizes, faisões e perús; e de outras aves macho pertencentes à ordem das
Galliformes. É um crescimento externo do osso, rodeado por um cone de
material córneo (queratinizado). É utilizado como uma arma e
aparentemente cresce continuamente, tal como os outros unguais dos dígitos
do pé. No frango macho o esporão surge como uma projecção inicial,
chamada papila. À medida que a ave atinge o estado adulto, esta papila
cresce, endurece, enrija e começa a curvar-se.
Se Gierlinski tiver razão, então I. mclaerni é o icnotaxon com maior
distribuição mundial no Jurássico superior e no Cretácico inferior. Segundo
Gierlinski, o registo icnológico de teropodes do final do Jurássico médio do
Utah e dos inícios do Cretácico da Bacia de Cameros, em Espanha, é dominado
pelos icnotaxa I. mclearni e Therangospodus.
A amostra originalmente incluída em I. acutus apresenta as impressões dos
dígitos mais esguias e alongadas, com uma divergência total (II - IV) superior.
Para além da amostra do Canadá, material do Jurássico superior das Astúrias e
do Cretácico da região Adriática poderá ser incluído nesta icnoespécie. Assim,
é muito possível que a amostra de grandes dimensões da praia das Gentias
possa ser incluída no icnogénero Irenosauripus, eventualmente em I. mclearni
(Fig. 32.). Mas esta amostra está distanciada temporalmente (e
geograficamente) do material holótipo de Irenosauripus. Material suplementar
e melhor preservado poderá ajudar a responder à questão: será que esta amostra
é suficientemente semelhante a outras com nome formal? Será que é distinta,
implicando que a anatomia dos seus produtores também fosse distinta,
justificando assim a instituição e inclusão num novo icnotaxon?
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Página 11/12 da Região A
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Para o Jurássico final existe uma notável icnocenose.
Lockley e colegas (2000 c, d) demonstraram a natureza
penetrante dos icnoagregados caracterizados pelos icnotaxa
teropodes Megalosauripus e Therangospodus, que ocorre
na Ásia (Uzbequistão, Turkemenistão), Europa (Portugal,
Alemanha) e zona ocidental da América do Norte (Arizona,
Utah, New Mexico, Oklahoma). Hunt e Lucas (2007 c)
deram o nome de Megalosauripus a esta icnocenose, por
este ser o icnogénero mais característico. A icnocenose da
praia das Gentias poderá constituir um exemplo adicional
desta icnocenose.
Esta icnocenose, dominada pelos dois icnotaxa de origem
teropode, tem utilidade potencial em bioestratigrafia, já
que, pelo menos na América do Norte e na Ásia está perto
do limite Oxfordiano - Kimmeridgiano. Na Europa
ocidental, especialmente na Inglaterra, Polónia e Espanha
há evidências de que estes taxa poderão apresentar uma
distribuição temporal mais vasta. Também sugerimos que
as amplas amostras do Jurássico médio encontradas em
várias jazidas do PNSAC podem ser incluídas em
Megalosauripus.
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Página 12/12 da Região A
Se as duas fiadas de pegadas, perfeitamente alternadas e paralelas
(observam-se dois momentos de viragem, totalmente idênticos e
sincrónicos), com dimensões e tipo de preservação semelhantes,
corresponderem à passagem de um dinossáurio, os candidatos mais
prováveis, tendo em conta a idade, seriam os sauropodes e os tireoforanos.
De facto, a distância entre duas pegadas consecutivas em ambas as fiadas
aumenta e diminui de forma precisamente idêntica e no correspondente
mesmo local. Para 4 passos consecutivos e correspondentes nas duas
fiadas, o passo médio é de 2,83 m (2,86 m e 2,80 m para cada uma das
fiadas). O mesmo acontece com o ângulo de passo, considerando a
passagem de um quadrúpede (Fig. 4.; Fig. 33.).
Os prosauropodes há muito que estavam extintos e os ceratopsianos só são
conhecidos para o Cretácico (e até para outras regiões fora da Europa de
então). Geralmente, é assumido que sauropodes e tireoforanos seriam
quadrúpedes. Nesta pista não se distinguem impressões de mãos das de
pés, como é típico das pistas atribuídas a estes quadrúpedes.
Figura 4. Passagem para acetato de uma pista aparentemente produzida por um
quadrúpede
Figura 33. Esquema de um segmento da pista que
atribuímos a um quadrúpede. A pista prolonga-se por 21
m adicionais.
Assumimos que as impressões observadas correspondem às pegadas dos
pés, já que para todos esses quadrúpedes as mãos seriam mais largas e mais
curtas, enquanto que os pés teriam comprimento superior, quanto muito
igual, à respectiva largura. Para dez pegadas sucessivas de ambas as fiadas,
o comprimento médio é de 44,5 cm (45 cm e 44 cm, para cada uma das
fiadas), enquanto que a largura média é de 30,5 cm.
Podemos procurar os motivos pela não impressão das mãos:
Simplesmente, o animal progredia de forma bípede; esta é uma ideia
recentemente debatida por vários investigadores para o estilo de
locomoção adoptado pelos tireoforanos (Gierlinski 1999, 2001; Gierlinski
et al. 2005; Le Loeuff et al 1999; Lockley e Meyer 1999), a partir de uma
hipótese apresentada originalmente por Bakker (1986).
As pegadas das mãos foram sobrepostas pelas impressões dos pés do
mesmo lado do corpo, ficando totalmente obliteradas ; este estilo de
locomoção deve ser esperado especialmente quando consideramos as
formas de torso curto, como é o caso de Stegosaurus; mas formas como
Kentrosaurus, com um corpo muito mais alongado, não seriam candidatos
a esta opção.
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Página 1/3 da Pista Tireoforano
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A deslocação do centro de massa para a parte posterior do corpo implicava
que as pegadas das mãos ficassem pouco impressas e profundas, a erosão
subsequente permite apenas observar as pegadas profundas, as dos pés, sobre
os quais assentava grande parte do peso; uma hipótese semelhante está
relacionada com o “sindrome das sub-impressões ou pegadas - fantasma”seriam transmitidas aos sedimentos subjacentes as pressões mais fortes, as dos
membros posteriores; a erosão subsequente apagaria a camada em que as
verdadeiras pegadas foram produzidas, sendo apenas observáveis as subimpressões; o centro de gravidade de Stegosaurus e de muitos outros
membros de Stegosauridae estava localizado muito atrás, perto da região
pélvica.
Esta última hipótese pode ser colocada de lado, tendo em conta que a amostra
apresenta uma grande profundidade - mesmo que sobre as mãos o peso fosse
muito inferior, as condições do substrato pisado, muito encharcado e brando,
permitiriam, ainda assim, observar qualquer vestígio.
Duas características favorecem a hipótese de passagem de um autor
tireoforano sobre um sauropode. A grande largura interna da pista,
desconhecida para um registo icnológico imenso de sauropodes. Mesmo para
as pistas do tipo wide-guage, quase sempre incluídas no icnogénero
Brontopodus, a largura interna não ultrapassa o valor da largura das
respectivas pegadas dos pés, condição oposta à que ocorre nesta pista. O
registo icnológico atribuído a sauropodes revela pistas com progressão
quadrúpede e não bípede, mesmo quando as amostras são dominadas pelas
impressões dos pés, com uma única e controversa excepção (FerrusquiaVillafranca et al. 1996).
Aparentemente, a velocidade de deslocação do eventual quadrúpede era
relativamente «rápida». Considerando uma altura de anca como o produto do
comprimento das pegadas dos pés por 4 e uma passada média de 2,83 m (a
distância entre pegadas consecutivas é, em média de 2,86 m e 2,80 m, para
cada uma das fiadas), o autor deslocava-se a cerca de 8 km /h, valor elevado
para as pistas atribuídas a sauropodes. Para pistas de provável origem
tireoforana, estes valores só foram estimados, por falta de material
apropriado, para anquilossaurios; geralmente, estão abaixo dos 4 km / h, mas
Mcrea et al. (2002) descreveram e ilustraram uma pista revelando uma
velocidade estimada como 11 - 12 km / h. Note-se que se as duas fiadas
representarem a passagem de dois animais bípedes, as estimativas das suas
velocidades seriam na ordem dos 19,5 - 20, 5 km / h, com a relação entre os
comprimentos da passada e das pegadas aproximando-se de 11 e com a
passada relativa muito próximo de 2,7. Dois bípedes, deslocando-se lado a
lado a velocidade elevada, percorrendo assim uma distância superior a 30 m
seria (mais) um caso bizarro e não revelado pelo registo icnológico.
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Página 2/3 da Pista Tireoforano
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O registo icnológico de eventual origem tireoforana é
escasso e até muito controverso. As pegadas destes
dinossáurios constituiem um enigma e um quebra-cabeças
para os icnologistas. Entre os tireoforanos a diversidade
morfológica é intensa, de forma que é de esperar variação
significativa nos padrões das pistas fósseis, incluindo mesmo
várias hipóteses alternativas, como a bipedia e a quadripodia.
Várias pegadas de pés do Jurássico inferior (Hetangiano) das
Montanhas Holy Cross da Polónia incluídas na icnoespécie
Moyenisauropus natator revelando impressões de quatro
dígitos e de um alongado metatarso, geralmente profundas
(Niedzwiedzki e Niedzwiedzki 2004), apresentam uma
morfologia global e dimensões susceptíveis de se
encaixarem com grande parte da amostra incluída na pista da
praia das Gentias. Note-se que este icnotaxon é geralmente
atribuído a tireoforanos basais.
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Página 3/3 da Pista Tireoforano
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Encontrámos ainda uma outra pista, formada por quatro
pegadas consecutivas (Fig. 5.), com a particularidade de três
delas estarem preservadas simultaneamente como epirrelevos
côncavos (epichnia ou epirrelevos negativos) e como
hiporrelevos convexos, situação muito pouco habitual no
nosso País. Estes epicnhia, todos de grande profundidade,
foram removidos e um deles revelou um bom estado de
preservação, que por isso é tomado como «modelo» (Fig. 36.).
De qualquer forma, assinalamos a diferença morfológica entre
pegadas sucessivas deixadas pelo mesmo animal e em
substratos aparentemente com características idênticas (Fig.
37.).
As pegadas estão perfeitamente alinhadas, com um passo
proporcionalmente curto, rondando os 65 cm, para pegadas
com comprimento de 27 cm. O bípede narrow-guage
movimenta-se lentamente, a cerca de 2,3 km / h. O melhor
exemplar apresenta largura e comprimento praticamente
iguais, com impressões de três dígitos relativamente largos e
com os dois exteriores terminando por uma impressão de um
pequeno e estreito ungual (no dígito III perdeu-se a parte mais
distal). O ângulo interdigital total (II - IV) é relativamente
elevado, cerca de 78º. Não são visíveis almofadas digitais nem
a presença de uma almofada metatarsofalangeal.
Aparentemente, a margem proximal é simétrica, sem a
presença de uma indentição que muitas vezes distingue as
pegadas dos teropodes; mas poderá ocorrer uma impressão de
um reduzido dígito I, com orientação posteromedial. Não é
possível inferir a orientação do eixo das quatro pegadas
relativamente ao eixo da linha média da pista, que, para os
ornitopodes, apresenta rotação interna, para o interior da linha
média da pista. Algumas das características assinaladas são
típicas de ornitopodes bípedes. E é esta a interpretação que
preferimos. Mas não podemos excluir totalmente uma origem
teropode, eventualmente muito semelhante à amostra
Therangospodus (Lockley et al. 2000).
Figura 5. Parte da pista que atribuímos a um ornitopode com progressão “pé à frente
de pé”, deixando pegadas tridáctilas com comprimento e largura semelhantes, com
ligeira rotação interna e preservadas como moldes e como contra-moldes. A passada é
proporcionalmente curta e o animal deslocava-se apenas entre 2,7 e 3,3 km / h
(segundo a estimativa da altura da anca, ou h = 4,7 x l ou h = 4 x l, respectivamente).
A disposição e o espaçamento das pegadas numa pista de bípede também são por
vezes diagnósticas de teropodes / ornitopodes. Em geral, as pistas de teropodes têm
passo porporcionalmente mais longo, ângulo de passo mais elevado, menor rotação
para dentro da linha média da pista.
Fig. 36. Vista palmar da «pegada modelo» do pequeno segmento de pista que
atribuímos a um ornitopode e correspondendo à impressão do autopode esquerdo.
Note-se que, como se refere no texto, não excluímos um produtor teropode, com
afinidade com o autor de Therangospodus. Esta sugestão é sustentada, não só pelas
características da pegada e da pista, como pela eventual ocorrência nestes níveis da
icnocenose do Jurássico final Megalosauripus - Therangospodus.
Fig. 37. Este epirrelevo apresenta uma morfologia muito distinta da pegada produzida pelo pé
esquerdo do mesmo bípede. Devemos ter bem presente a possibilidade desta significativa variabilidade
ocorrer, mesmo entre pegadas sucessivas integrando uma mesma pista. De facto, o mesmo animal pode
deixar impressões com morfologia e até dimensões muito distintas, dependentes de vários factores:
. perturbações erosivas logo após a passagem do animal
. diferenças na compactação dos sedimentos pisados - tipo e composição do sedimento, textura,
conteúdo de água intersticial, plasticidade, ...
. alterações devidas a acções tectónicas posteriores
. perturbação erosiva posterior ao momento em que a superfície com as pegadas ficou exposta.
Índice
Existe uma relação directa entre as dimensões dos predadores e as das suas presas.
Hunt e Lucas 2005
Todas as pegadas encontradas em dois níveis distintos desta região estão preservadas como hiporrelevos convexos.
Índice
Num dos níveis calcários descobrimos grandes
pegadas de teropodes, já que alguns exemplares
têm um comprimento alcançando os 75 cm,
aproximando-se das maiores pegadas tridáctilas
conhecidas para todo o Mesozóico (Fig. 8.). Estes
exemplares não apresentam qualquer evidência de
impressão posterior alongada, nem do hallux,
como acontece com muitas pegadas da região A.
De facto, todas as características permitem atribuir
esta amostra, que não inclui qualquer segmento de
pista, aos predadores do Jurássico final:
mexaxónicas, comprimento superior à largura,
dígitos alongados, terminando com impressões de
garras aguçadas, calcanhar assimétrico, com
indentição posterior assinalando a extremidade
proximal do dígito II, ungual do dígito III com
rotação interna (Fig. 38.).
Neste mesmo nível encontrámos também pegadas
de sauropodes, tanto de pés como de mãos, mas
sem inter-associação óbvia. Acompanhando a
grande dimensão dos teropodes, uma das pegadas
de pés de sauropode tem um comprimento de 99
cm, revelando um herbívoro com uma altura de
anca superior a 4 m! (Figura 6.). Este exemplar,
para além das dimensões, apresenta um óptimo
grau de preservação, implicando que não constitui
uma sub-impressão, muitas vezes com dimensões
superiores às da pata que de facto imprimiu o
substrato. São bem visíveis as impressões dos
unguais / dígitos I - IV, diminuindo
progressivamente de dimensões.
Outra pegada de pé de menores dimensões
(comprimento de 76 cm), com uma morfologia
global distinta, é também significativa pela
preservação - no seu interior observam-se
elevações que correspondem à sucção do substrato
pela pata quando se ergue (Fig. 39.).
Figura 6.
Em A, impressão deixada pelo pé esquerdo de um enorme sauropode. Com um comprimento de 99 cm, o quadrúpede teria uma altura
de anca entre os 4 m - 4,2 m e um peso que se pode estimar como superior a 30 toneladas (Thulborn 1990). São bem visíveis as
impressões dos unguais / dígitos I - IV, tipicamente voltadas para o exterior da pegada. Tanto a zona adjacente à margem interna como
a impressão do dígito I são mais profundas, implicando uma distribuição assimétrica do peso do animal quando progredia. Para
sustentar pesos / pressões dessa ordem de grandeza, os pés dos sauropodes tornaram-se semi-digitígrados, enquanto as mãos
permaneceram digitígradas. A parede interna vertical e não inclinada constitui um argumento adicional para inferirmos que se trata de
uma verdadeira pegada, espelhando a dimensão e anatomia do pé do sauropode, e não de uma sub-impressão.
Em B, esquema de um pé esquerdo de um sauropode em movimento dinâmico (retirado de uma ilustração de Hallet, M. para Gillette,
D. 1995. True Grit. Natural History 6. American Museum of Natural History).
Figura 8. Pegada tridáctila digitígrada preservada como epirrelevo côncavo. Todas as
caracteristicas indicam uma origem teropode: grande dimensão (comprimento de 71 cm e
muito superior à largura), «calcanhar» assimétrico, impressões de dígitos II - IV que se vão
adelgaçando e terminando por uma longa garra, curvatura sigmoidal da extremidade distal do
dígito III.
Figura 38. Pegada tridáctila com 72 cm de comprimento.
Figura 39. Impressão de pé esquerdo de sauropode, com cerca de 75 cm de comprimento.
A morfologia global permite distingui-la da pegada de maiores dimensões, encontrada a pouca
distância (Fig. 6.).
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Este tinha algumas qualidades que permitiam a
aderência à face inferior do pé do sauropode, mas
não estava empapado «demais», já que se observam
nitidamente as impressões dos unguais / dígitos,
situação não vulgar para pegadas de sauropodes
(este grau de humidade baixo revela-se também pela
ocorrência de rebordos pouco elevados nas margens
das pegadas). A preservação dos unguais / dígitos é
ainda mais significativa para a pegada de maiores
dimensões, já que normalmente as pegadas
produzidas por estes gigantes não deixavam
impressos os detalhes da parte distal, aquela onde se
exerceria um poder de elevação notável a partir do
solo durante a fase K. Outras características desta
amostra - paredes internas verticais e não inclinadas;
margem interna quase direita e impressão do dígito I
mais profundas (implicando uma distribuição
assimétrica do peso) indicam também que estamos
na presença das «verdadeiras pegadas» produzidas
por estes animais, permitindo inferir que a pegada
corresponde à dimensão e anatomia do pé do autor e
que desde o momento em que foi produzida até à
actualidade a erosão não a afectou (Henderson
2006).
Figura 7. Esquema de duas pegadas de mãos de sauropodes, muito distintas,
da região B da praia das Gentias (realizados sobre acetato). Está assinalada a
posição dos dígitos I e V, quando é possível identificá-los.
Figura 40. Impressão direita de mão de sauropode, eventualmente de um
eusauropode macronariano / braquiossaurídeo basal, sendo bem visível a
impressão de um saliente ungual I.
As características indicadas e as impressões dos
dígitos / unguais I - IV voltadas para o exterior das
pegadas sugerem que o sauropode produtor do
maior exemplar seria um eusauropode avançado
(Carrano e Wilson 2001); Wilson 2005).
Duas pegadas adicionais, não associadas com
quaisquer destes dois exemplares, mas encontradas a
apenas alguns metros de distância e igualmente bem
preservados, constituem impressões de mãos de
sauropodes. Estes exemplares são significativos
porque as suas morfologias indicam a presença de
dois tipos de eusauropodes derivados distintos (Fig.
7.). Uma das pegadas apresenta uma típica forma de
crescente, com uma vísivel impressão do ungual I,
com comprimento superior à largura (Fig. 40.).
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A outra tem uma forma de meia-lua, sem evidência de impressões de unguais / dígitos, com
comprimento igual à largura. É assumido que as duas extremidades da pegada em U
representem as impressões dos metacarpos I e V. Enquanto que a primeira poderá
corresponder a macronariano basal, provavelmente um braquiossaurídeo, a segunda deve ter
sido produzida por um titanossaurio. Eventualmente, a primeira poderia estar associada à
impressão do pé de maiores dimensões, enquanto que a segunda poderia ter como autor o
sauropode que produziu pegadas de pés de menores dimensões (Wright, J. 2005). De
qualquer modo, o grau de preservação desta amostra sugere que dois taxa sauropodes
passaram na zona em tempos não muito distantes. Provavelmente, até podem ter passado ao
mesmo tempo, tal como uma outra icnojazida do Jurássico superior (Kimmeridgiano) da
zona oeste de Portugal parece evidenciar. De facto, na jazida de Bouro I identificámos a
passagem em grupo de dois tipos distintos de sauropodes. E evidências para grupos
multiespecíficos de sauropodes são bastante escassas.
A pegada de maiores dimensões, com quase 1 m de comprimento, e com um grau de
preservação muito bom, é uma associação relativamente rara a nível mundial. Em Portugal,
pegadas de pés de sauropodes com esta grandeza ocorrem nas jazidas da pedreira do
Galinha (Jurássico médio) (Santos et al. 1994) e da praia dos Salgados, descoberta por nós
(Oxfordiano - Kimmeridgiano, Jurássico final) . E nenhum destes exemplares apresenta
pormenores, detalhes, tão visíveis como a pegada da praia das Gentias. A nível mundial são
conhecidas pegadas de pés de sauropodes ultrapassando 1 m de comprimento; mas, mais
uma vez, e porque pelo menos parte significativa está representada por sub-impressões, não
são mais do que depressões ovais sem detalhes.
Dimensões desta grandeza para animais terrestres são, só por si, espectaculares. Mas as
dimensões são também biologicamente importantes, porque estão co-relacionadas como
metabolismo, dieta, história de vida, parâmetros populacionais, distribuição geográfica e
taxas de especiação e extinção. E nos estratos do Jurássico final da região ocidental a norte
de Lisboa não são casos isolados. O aparente domínio por parte dos grandes teropodes
também coloca questões interessantes. Onde encontravam alimento suficiente? Como é que
o habitat suportava tantas bocas esfomeadas? Será que as cadeias alimentares desse tempo
se baseavam na predação, ao contrário do padrão moderno? Será que estes grandes
sauropodes eram as presas habituais dos enormes predadores bípedes? Mas as dimensões
dos herbívoros eram excepcionalmente grandes, mesmo quando comparadas com as
dimensões dos predadores de topo. Será que a evidência de passagem dos teropodes em
grupo, inferida para a região A, teria permitido a realização de caçadas mais eficientes e
menos perigosas, para além de permitirem ataques a presas demasiado grandes para serem
predadas por um único caçador? Segundo o padrão actual das pirâmides ecológicas, se estes
teropodes representassem os predadores de topo, a biomassa dos produtores e dos
consumidores primários teria de ser gigantesca.
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Note-se que em saídas anteriores e mais para sul, também já tinhamos
identificado a presença de pegadas de sauropodes, sendo o exemplar mais
sgnificativo um par mão - pé esquerdo, com dimensões relativamente
reduzidas (pé com comprimento de 53 cm). Este exemplar apresenta uma
preservação dupla, uma situação mais uma vez rara, mesmo considerando
que o contramolde do pé está incompleto (Fig. 45.).
A descoberta de outras pegadas e, sobretudo, de pistas de sauropodes poderá
contribuir para verificar estas inferências. As pistas de sauropodes são
especialmente importantes porque nelas estão muitas vezes expressas as
sinapomorfias osteológicas que permitem distinguir os sub-grupos mais
significativos.
Figura 45. Par mão - pé esquerdo de
sauropode, preservado como hiporrelevo
e como epirrelevo (parcial).
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Num terceiro nível, calcário-margoso, encontrámos uma abundante amostra de pegadas, com morfologia
afastando-se dos padrões considerados «normais». Nuns casos trata-se de pegadas sub-digitígradas, em que
apenas são visíveis as partes distais, quase completas das impressões dos dígitos. Noutros, estamos perante
impressões sub-paralelas alongadas e esguias, quase sempre agrupadas em trios, ligeiramente curvadas. A
melhor explicação para a interpretação destes sulcos / incisões é a de que representam a presença de
bípedes funcionalmente tridáctilos nadando e/ou boiando, tocando levemente no fundo, em alguns casos
empurrando o lodo para trás e deixando um pequeno montículo na zona posterior (Fig. 46.). Algumas
impressões semelhantes, mas mais arqueadas, e por vezes, incluindo pares ou quartetos de sulcos, foram
atribuídas a crocodilianos nadando (Mickelson et al. 2006) (Fig. 47; Fig. 48.).
Whyte e Romano (2001) instituíram um novo icnogénero monoespecífico, Characichnos tridactylus, para
incluir “pegadas com dois ou quatro bordos hipoicnos (ou concavidades epicnos), que podem ser
rectilíneas, ligeiramente curvas ou sinuosas. As extremidades devem ser rectas ou aguçadas. As pistas são
formadas por duas fiadas de pegadas e numa pista recta os eixos das pegadas são paralelos entre si, e
paralelos ou oblíquos à linha média da pista” (Fig. 49.).
Figura 50. Aparentemente, uma
porção significativa desta
amostra apresenta uma direcção
paralela e sugere que os
teropodes nadavam no mesmo
sentido
Este tipo de icnotaxon pode ser considerado como intermédio entre uma definição comportamental e uma
definição biológica. É difícil inferir as dimensões dos animais que as produziram, mas os sulcos são
relativamente reduzidos. O mesmo acontece com as impressões mais nítidas das extremidades dos três
dígitos. Podemos inferir que seria uma zona em que o nível da água estaria elevado e que seria atravessada
por teropodes de dimensões reduzidas. Uma aparente distribuição paralela destes sulcos pode sugerir que os
animais nadavam / patinhavam preferencialmente num determinado sentido, mas não temos evidências da
direcção de uma eventual corrente (Fig. 50; Fig. 51.). O que faziam estes predadores? Provavelmente,
apenas atravessavam um curso de água. Mas também poderiam estar a caçar, eventualmente grandes
peixes, que poderiam constituir um recurso alimentar essencial (Kirkland et al. 2005; Deblieux et al. 2005).
Aliás, Hunt e Lucas (2005), num excelente poster, apresentaram vários argumentos para que muitos dos
teropodes Jurássicos e do Cretácico inferior tivessem optado por regime alimentar piscívoro.
A identificação deste tipo de impressões permite, para além de inferências relativamente aos hábitos e
comportamentos dos autores, algumas inferências sobre o antigo ambiente frequentado por eles. As
características do substrato - fauna e flora associadas, presença ou não de ripples, de evidências de
correntes fortes, ... -fornecem informações suplementares, tal como indicações relativamente à altura de
água que cobria esses antigos ambientes sedimentares (Coombs 1980). A amostra que identificámos neste
nível permite concluir que os teropodes não teriam uma altura de anca superior a 1,20 m (pegadas
dígítigradas reconstruídas com um comprimento máximo de 30 cm), que será uma estimativa aproximada
da profundidade da água (Fig. 52.).
Evidência, numa única pista, de pegadas sucessivamente mais esbatidas, em que as impressões se tornam
cada vez mais sub-ditígradas, até que apenas se observam pequenos sulcos mais ou menos rectílineos, em
grupos de três, constitui uma base para a interpretação de outras amostras mais incompletas. E Mickelson et
al. (2006) relataram a presença de uma pista deste tipo para o Jurássico médio da Formação Gypsum
Spring, Wyoming (Fig. 53.)..
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“A Natureza tem relutância em mostrar os segredos do passado,
só fornecendo pistas fraccionadas e incompletas”.
Stephan Jay Gould
A importância desta nova jazida deriva de:
•Reconhecimento de elevada icnodiversidade presente num pacote condensado de horizontes
•Poderem ser inferidos diversos comportamentos pouco comuns
•Existência de exemplares com excelente preservação
•Evidência de anatomia autopodial distinta e não reconhecida através do registo osteológico conhecido.
A passagem de um grupo social de grandes teropodes, incluindo bípedes com e sem excrescência óssea / esporão, a
velocidade relativamente elevada, permite excluir hipóteses alternativas para a interpretação e justifica a sugestão de
provável sinal de dimorfismo sexual (Fig. 54.).
A icnojazida da praia das Gentias apresenta um enorme potencial para futuras descobertas. Para além dos constantes
transportes de areias, que ora destapam ora colocam à vista novas exposições, marés vazias de maior amplitude
permitirão também encontrar pegadas e pistas adicionais. Estas amostras contribuirão significativamente para verificar se
algumas das inferências comportamentais apresentadas são ou não sustentadas, permitindo também testar hipóteses
alternativas.
Figura 54. Grande pegada de teropode,
integrando a pista B, sem evidência de
qualquer tipo de impressão posterior.
Todas as outras características,
métricas e angulares, das pegadas e da
pista, são idênticas às observadas na
restante amostra.
Schad (1994) referiu que muitas das novidades evolucionárias são expressas, em primeiro lugar, nos membros dos
animais. “O que sugere que o registo das pegadas seja o primeiro lugar onde as novas tendências evolucionárias ficam
registadas” (Lockley 1999). E se estas transformações tiverem acontecido nos ambientes baixios de planícies inundadas
periodicamente, estes são precisamente os locais onde as probabilidades de formação e preservação de pegadas são
maiores. Este é outro aspecto significativo da contribuição desta jazida para inferências sobre evolução da anatomia dos
autopodes, membros, postura, estilo de locomoção, ..., de linhagens muitas vezes desconhecidas através do registo
osteológico.
Estes estudos adicionais permitirão também análises de caracter icnotaxonómico mais precisas, de forma a que as
inferências biológicas sobre os seus autores e referentes a estimativas de icnodiversidade, censos taxonómicos, biomassa
e icnoestratigrafia, apresentem menor grau de incorrecções. Estes estudos deverão ser complementados pela análise do
abundante material esquelético recolhido na zona, de forma a permitirem, em conjunto, uma reconstrução mais rigorosa
das paleocomunidades terrestres do Jurássico final (Whyte et al. 2007). A utilização global dos fósseis permitirá
estimativas das antigas densidades populacionais como um indice de ecossistema baseado em modelos de transferência
de energia e de cadeias alimentares (Shinbata et al. 2005; Matsukawa et al. 2006).
Por outras palavras, a icnojazida da praia das Gentias promete um enorme potencial para penetrarmos nos segredos da
vida das “matrafonas Jurássicas”.
Índice
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Vedras. Serviços Geológicos de Portugal.
Referências às descobertas realizadas pelo Grupo de Paleontologia podem ser
encontradas no nosso site
http://oficina.cienciaviva.pt/~pw011
Nota: por falta de espaço, são apresentadas apenas as
figuras que consideramos mais relevantes.
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Jurássico final da praia das Gentias