O TAMANHO DAS PERNAS DA ARANHA Mesabolivar sp. INFLUENCIA A FREQUÊNCIA COM QUE SÃO AUTOTOMIZADAS? Anacy Miranda, Andressa B. Scabin, Fernando Gonçalves & Marília P. Gaiarsa INTRODUÇÃO A autotomizar uma ou mais pernas predação exerce uma poderosa força de seleção sobre (Gonzaga, 2007). A autotomia é a liberação diversas características das presas, voluntária que por sua vez respondem com uma estratégia de defesa freqüentemente variedade de estratégias de defesa adotada por diversos grupos, como que diminuem a probabilidade de sua por exemplo lagartos, opiliões e captura (Begon, 1986). Entre as aranhas (Arnold, 1994; Vitt et al., estratégias de defesa mais comuns 2008). A autotomia parece funcionar estão o mimetismo, o aposematismo, como estratégia de defesa porque, ao defesas e liberar o membro pelo qual o comportamentais (Neal, 2004). Em predador está agarrado, a presa aranhas, estratégias geralmente consegue escapar. Após a comportamentais de defesa estão autotomia, a aranha é capaz de relacionadas aos hábitos de vida (e.g., regenerar cursorial e construtor de teias), à contanto que a perda tenha ocorrido intensidade na fase inicial do período entre as morfológicas as de predação e às estratégias comportamentais de seus predadores. As estratégias de defesa de aranhas variadas, são extremamente abrangendo de o membros, membro uma perdido, mudas (Foelix, 1996). Apesar de a autotomia ser uma estratégia eficiente de defesa, ela os também possuí custos associados. permanecer Mesmo que um animal sobreviva a imóvel, adotar uma postura que uma injúria resultante de um ataque esconde o contorno do corpo, atacar de um predador, ele pode se tornar com as quelíceras e até mesmo incapaz comportamentos de de executar atividades cruciais para sua sobrevivência e MATERIAL E MÉTODOS reprodução. Desta forma, com uma A área do estudo está localizada parte do corpo perdida resultante da em uma região de floresta tropical autotomia, o animal injuriado pode úmida em terra firme, situada na sofrer reduções em seu sucesso de Fazenda Dimona (2º20’S; 60º06’O), forrageamento, Amazônia Central. A temperatura seu sucesso reprodutivo (Dodson & Beck, 1993), média local é de 26,7 o sua habilidade competitiva (Riechert, pluviosidade é 1988; Arnold, 1994) e/ou sofrer aproximadamente mudanças em seus padrões de estação seca ocorre entre julho e crescimento (Buck & Edwards, 1990; setembro e a chuvosa entre janeiro e Spivak, 1990; Uetz et al., 1996). Além março (Lovejoy & Bierregaard, 1990). disso, os diferentes pares de pernas Realizamos o estudo em um trecho de possuem diferentes comprimentos e igarapé onde aranhas da espécie desempenham diferentes funções Mesabolivar (Foelix, 1996), de forma que os custos abundantes. Sabe‐se que esta espécie da perda de cada um deles também realiza autotomia das pernas como devem ser distintos. estratégia de defesa (Gonzaga, 2007). Com base nessas informações, o anual sp. 2400 C e a de mm. (Pholcidae) A são Percorremos um trecho de objetivo deste trabalho foi testar se a aproximadamente diferença na frequência de autotomia margeando o igarapé. Observamos e entre os distintos pares de pernas de contamos as pernas de todos os aranhas está relacionada com o seu indivíduos comprimento. Nossa hipótese é que encontrados, registrando quais pernas pernas mais estavam ausentes (autotomizadas) susceptíveis a ataques de predadores, em cada indivíduo. Para a obtenção e portanto, a sua probabilidade de do comprimento médio de cada perna sofrer autotomia é maior. Assim, na população estudada, sorteamos 15 esperamos que a frequência de machos e medimos o comprimento de autotomia para cada par de pernas suas pernas com o auxílio de um seja diretamente proporcional ao paquímetro digital (0,01 mm). Para tamanho das mesmas. padronizar os dados, medimos apenas maiores estarão de 100 metros Mesabolivar sp. as pernas do lado direito da aranha, dois modelos testados, aquele que sempre que possível. Cada par de apresente o menor valor de qui‐ pernas foi considerado como uma quadrado será considerado o que classe, identificadas como: perna I, melhor explica a diferença na perna II, perna III e perna IV. freqüência de autotomia entre os Construímos dois modelos para diferentes pares de pernas da aranha estimar a freqüência de perdas Mesabolivar sp. esperadas para cada par de pernas. Para calcular esta freqüência esperada RESULTADOS no primeiro modelo (modelo de perdas iguais) multiplicamos Em um total de 55 indivíduos de a Mesabolivar sp. encontrados, 34 probabilidade de cada perna ser (61,8%) apresentavam evidências de perdida, nesse caso 0,25 para cada par terem sofrido autotomia de pelo de pernas, pelo total de indivíduos menos uma das pernas. Em relação à encontrados (n = 55). Para o segundo posição das 56 pernas autotomizadas, modelo perdas 36% (20 casos) eram a perna I, 30% (20 tamanho), casos) a perna II, 18% (nove casos) a procedemos da seguinte maneira: perna IV e apenas 16% (10 casos) a somamos o comprimento médio de perna III. Note que a perna I foi 2,2 todas as pernas direitas e dividimos o vezes mais autotomizada do que a tamanho médio de uma delas por esse perna III. (modelo proporcionais de ao somatório, de forma a obter a fração Em relação ao comprimento das que o comprimento de cada perna pernas, encontramos que, em média, possui a maior é a perna I (68,7 ± 6,07 cm), em relação a esse comprimento total. seguida da perna II (47,0 ± 2,69 cm), O ajuste de cada modelo aos da perna IV (45,3 ± 2,32 cm) e da perna dados foi comparado através do III (35,3 ± 2,19 cm). Note que a perna I cálculo do valor de qui‐quadrado, que é quase duas vezes maior que a perna é III. diretamente proporcional à O valor de qui‐quadrado diferença entre os valores esperados encontrado para o modelo de perdas e estudo, iguais foi 6,14 e para o modelo de adotamos o seguinte critério: entre os perdas proporcionais ao tamanho foi observados. Neste 1,73, ou seja, um valor 3,4 vezes estão apresentados abaixo (figura 1): menor. Os resultados do modelo a b Figura1. Frequência de autotomia observada (barras pretas) e esperada (barras brancas) para os modelos: (a) perdas iguais e; (b) perdas proporcionais ao tamanho. DISCUSSÃO Observamos que o modelo de a função sensorial das pernas é muito importante na e exploração do realização de perdas proporcionais ao tamanho é o ambiente que melhor explica as diferentes atividades freqüências de autotomia entre os forrageamento e reprodução (Foelix, diferentes pares de pernas da aranha 1996). Assim, a perda do primeiro par Mesabolivar sp. Assim como um de estudo realizado com Pardosa sp. custosa, pois haveria uma redução na (Uetz et al.,1996), nosso trabalho sensibilidade a estímulos externos. pernas na básicas seria como especialmente mostra que o primeiro par de pernas é Além do comportamento, a mais freqüentemente perdido que os posição das pernas per se também demais. As implicações da perda mais deve interferir na probabilidade de freqüente da perna I são ainda mais autotomia. Em um encontro com um interessantes se considerarmos a possível predador, o primeiro par de função das pernas, já que diferentes pernas provavelmente está mais pares de pernas possuem diferentes susceptível à autotomia por ser o que funções. Em aracnídeos, o maior par está localizado na parte frontal do de pernas normalmente tem função indivíduo. Porém, os resultados de sensorial (Borror et al., 1981). Esses nosso estudo não permitem dissociar organismos possuem visão limitada, e o fator tamanho de uma perna do fator posição da mesma, pois a perna nas análises estatísticas, e a Bruno A. maior se localiza necessariamente no Buzatto pela orientação e paciência. primeiro par de pernas. Assim, sugerimos REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS manipulem que estudos futuros experimentalmente o Arnold, E.N. 1984. Caudal autotomy as comprimento de cada par de pernas, a a defense, pp. 235‐273. Em: fim de dissociar a influência desse Biology of the Reptilia 16, Ecology comprimento da influência da posição B: Defense and Life History (C. de cada par de pernas sobre a sua Gans & R.B. Huey, eds.). Alan R. probabilidade de autotomia. Liss, New York. Independente do motivo da Begon, M.; C.R. Townsend & J.L. autotomia, também seria importante Harper. 1986. Ecology: from verificar se a perda das pernas Individuals compromete de fato as atividades dos Blackwell Publishing, Oxford. indivíduos. Estudos que comparassem Brueseke, M.A.; A.L. Rypstra; S.E. o sucesso reprodutivo de indivíduos Walker & M.H. Persons. 2001. de Mesabolivar sp. que realizaram Leg autotomy in the wolf spider autotomia e indivíduos que não Pardosa milvina: a common realizaram phenomenon with few apparent autotomia poderiam to Ecosystems. elucidar esta questão. De acordo com costs. Brueseke Naturalist, 146: 153‐160. (2001), em algumas American Midland espécies, a autotomia é seguida de Borror, D.J.; D.M. De Long, & C.A. uma diminuição na aptidão do Triplehorn, 1981. An Introduction indivíduo, enquanto que em outras to the Study of Insects. Editora espécies a perda de pernas não tem Saunders College, Philadelphia. nenhum efeito negativo sobre o sucesso reprodutivo dos animais. Buck, C. & J.S. Edwards. 1990. The effect of appendage and scale loss on instar duration in adult AGRADECIMENTOS Agradecemos a Adriano S. Melo e Glauco Machado pelo auxílio firebrats, Thermobia domestica (Thysanura). Journal of Experimental Biology, 151: 341‐ 347. Dodson, G.N. & M.W. Beck. 1993. Pre‐ copulatory guarding Neal, D. 2004. Introduction to of Population Biology. University penultimate females by male crab spiders, press, Cambridge. Misumenoides Riechert, S.E. 1988. The energetic cost formosipes. Animal Behaviour, of fighting. American Zoologist, 45: 289‐299. 28: 877‐884. Foelix, R.F. 1996. Biology of Spiders. Spivak, E.D. 1990. Limb regeneration Oxford University Press, Oxford. in a common South American littoral Gonzaga, M.O. 2007. Inimigos naturais crab Cyrtograppsus e defesas contra predação e angulatus. Journal of Natural parasitismo em aranhas, pp. 209‐ History, 24: 393‐402. 237. Em: Comportamento e Uetz, G.W.; W.J. McClintock; D. Miller; Aranhas E.I. Smith & K.K. Cook. 1996. Ecologia de (Gonzaga, M.O.; A.J. Santos & Limb regeneration H.F. Japyassu, eds.). Interciência, subsequent asymmetry in a male Rio de Janeiro. secondary sexual and character Lovejoy, T.E. & R.O. Bierregaard, 1990. influences sexual selection in Central Amazonian forest and wolf spiders. Behavioral Ecology the minimum critical size of and Sociobiology, 38: 393‐402. ecosystems’ project, pp. 60‐74. Vitt, L.; W. Magnusson; T.C.A. Pires & Em: Four Neotropical Rainforests A.P. Lima. 2008. Guia de Lagartos (A.H. da Reserva Adolpho Ducke – Gentry, ed.). Yale University press, Nova York. Amazônia Manaus. Orientação: Bruno A. Buzatto Central. Attema,