SIMULAÇÃO ESTOCÁSTICA COMO FERRAMENTA DE GESTÃO DE LAVRA: APLICAÇÃO EM MINA DE OURO NO ESTADO DE GOIÁS, BRASIL Jonas R. Paulino1, Afonso H. Petta2, Tatiane Marin3, Giorgio De Tomi4 1, 3,4 Departamento de Engenharia de Minas e de Petróleo - EPUSP 2 Total Engenharia e Mineração Ltda - São Paulo, SP [email protected] RESUMO A variabilidade presente nas operações de lavra torna desafiante fornecer planos de lavra exequíveis e alinhados às práticas operacionais, desde a mina até a usina. Portanto é comum identificar planos de lavra baseados em valores médios, estimados, ou históricos, das principais variáveis do sistema. Essa situação tende a limitar a confiabilidade destes planos, o que leva a decisões intuitivas que nem sempre são as mais adequadas para a operação da mina. Visto que experimentações diretas em uma mina podem ser onerosas, este trabalho apresenta uma abordagem prática de planejamento e controle operacional utilizando técnicas de simulação estocástica de lavra. Essa abordagem foi posta em prática em uma mina de ouro a céu aberto, no estado de Goiás. Os resultados foram descritos associados a algumas recomendações para tornar essa abordagem uma alternativa viável de apoio às equipes de planejamento de lavra. Palavras-Chave: Simulação de lavra, planejamento de lavra, gerenciamento de produção, mina-usina. ABSTRACT The task of creating an applicable mine plan that is also lined up with the operational practices, can be very challenging. Normally this is caused by the variability of mine operations. Analyzing the whole mining process from mine to the processing plant, it becomes common to identify plans based on averaged, estimated, or even historical data of the key variables of a system. This situation tends to restrict the reliability of the mine plan, which usually leads to intuitive decisions that, not always, are the more appropriate ones. Considering that direct experiments with a mine can be very expensive, this paper presents a practical approach on mine planning and operational control using stochastic mine simulation techniques. This approach was led to field in a gold mine located in the State of Goiás, Brazil. The results are shown here combined with some considerations to enable this approach as a feasible alternative to support mine planning teams. Keywords: Mine simulation, mine planning, production management, mine-plant. INTRODUÇÃO Não é incomum identificar planos de lavra baseados em valores de produtividade históricos ou médios, como tempo médio de transporte, tempo de carregamento, dentre outros. Estes não levam em consideração a variabilidade das operações de lavra. Tal fato pode desalinhar os planos de lavra das operações, levando as equipes operacionais a tomarem decisões intuitivas que podem prejudicar os objetivos estabelecidos pelos planos. Na busca por um melhor alinhamento entre os planos de lavra e as práticas da operação de mina, considerando ainda sua variabilidade, a simulação estocástica aparece, então, como uma ferramenta viável de auxílio às equipes de planejamento e controle operacional. Botter (2002) descreve a simulação como o processo de elaborar um modelo de um sistema real, para que com ele se conduzam experimentos visando obter o comportamento desse sistema, ou mesmo avaliar várias estratégias para operá-lo. Já Prado (2004), considerando a exponencial evolução na área de processamento de dados, define a simulação como um método de resolução de problemas através da análise de um modelo que descreve o comportamento de um sistema real por meio da utilização de computadores. Segundo Freitas Filho (2001) e Prado (2004), a simulação no geral pode ser aplicada quando não há um sistema real ainda ou quando a experimentação com um deles pode se tornar onerosa ou inapropriada. Mais especificamente, a simulação estocástica reproduz um sistema que possui variáveis de entrada aleatórias e por isso é o mais adequado à mineração. Podemos citar como exemplo dessa aleatoriedade a variação do tempo de carregamento de caminhões por uma escavadeira. No tocante à mineração, a utilização da simulação data da década de 60 (Sturgul, 2001), e hoje é um processo consagrado. Desde que surgiram os primeiros algoritmos numéricos, a indústria mineral passou a utilizar este tipo de recurso para analisar problemas cujo tratamento se dava, até então, apenas de forma empírica. De uma maneira geral, a simulação de lavra visa aumentar a rentabilidade de operações sob implantação ou já existentes; permite ao engenheiro de minas ou administrador tirar conclusões sobre novos sistemas sem sua experimentação direta; e permite fazer mudanças ou testes de novas políticas nos sistemas já existentes sem perturbação da produção e sem os implementar efetivamente. A sua aplicação no processo de lavra se tornou mais efetiva a partir da década de 90, sendo utilizada no auxílio de diversas atividades acadêmicas e operacionais como na avaliação de técnicas de despachos, no dimensionamento de equipamentos, no estudo de alocações e nas mudanças em todo processo operacional. Tanto para a mineração a céu aberto quanto para a subterrânea, a simulação vem sendo utilizada nos mais diversos aspectos: na previsão de teores de minério oriundo de uma pilha pulmão, movimentação de frotas e produção de equipamentos de carga, dentre outros. Essa pesquisa descreve uma abordagem das técnicas de simulação estocástica aplicadas em uma mina de ouro localizada no estado de Goiás, Brasil. Além disso, o artigo contém também um conjunto de recomendações para gerenciamento de produção de forma a possibilitar a viabilização da abordagem proposta como uma alternativa de apoio às equipes de gestão de lavra. Mina Chapada A mina de ouro e cobre Chapada, onde esse estudo se desenvolveu, que sob exploração da Yamana Gold Inc., teve sua produção comercial iniciada em 2007 e está localizada no Estado de Goiás - Brasil, a dez quilômetros da cidade de Alto Horizonte. Contando com uma reserva mineral provada de 92,4 mil t de ouro, mais 1,04 milhões de t de cobre, a mina espera produzir cerca de 3,36 t de ouro e 70 mil t de cobre em 2012. Além disso, junto com a produção do depósito de ouro de Suruca, os planos de lavra estenderam a vida da mina de agora para mais 15 anos. Espera-se que a produção no novo depósito de inicie em 2014. Suruca foi descoberto em 2009 e se localiza a 6 km a nordeste de Chapada. Na mina chapada, emprega-se o método de lavra por cava. METODOLOGIA A metodologia aplicada no estudo segue a divisão dos seguintes itens: I. Estudo do processo nas operações de lavra e cominuição; II. Levantamento sobre as condições de aplicação do simulador de lavra na operação da mina; III. Gerenciamento de produção Mina-Usina, de forma que ela viabilizasse a aplicação do simulador; IV. Construção de um simulador computacional na forma de planilhas eletrônicas Excel© que representasse todo o processo envolvido entre lavra e usina; V. Aplicação do simulador proposto; VI. Análise dos resultados obtidos. CONDIÇÕES DE SIMULAÇÃO E APLICAÇÃO DO SIMULADOR Após a compreensão dos processos operacionais vigentes na mina e na usina, se tornou possível o estabelecimento das etapas a serem seguidas de forma a viabilizar a aplicação do simulador. Devido ao porte das escavadeiras (300 t) utilizadas na mina, se tronava impraticável realocar as frentes de lavra constantemente. Assim, uma vez escavada uma frente, ela permaneceria em operação por mais de um turno de trabalho. Nesse cenário, a opção mais adequada era a alteração na quantidade de caminhões e nas suas alocações, devido à rapidez da mudança. Um simulador deve ser sempre alimentado com dados precisos. No estudado em questão, pode-se citar como dados de entrada: dureza, teor de Au e Cu, diluentes, contaminantes, etc. A mina em estudo, por exemplo, possuía como principal contaminante a pirita (FeS) e no caso de ela alimentar a usina em teores acima dos tolerados, a flotação seria comprometida. Dessa forma, os dados da geologia deveriam ser confiáveis, mas também as marcações topográficas. Isso de forma a tornar mais precisa a alocação de caminhões, para que os equipamentos não fossem conduzidos a zonas mistas (minério-estéril, minério-diluente ou minério-contaminante). No simulador, a relação entre eventos e tempos de simulação é dinâmica e dependente das variações dos inputs. Dessa forma, uma vez iniciados os trabalhos, tendo como inputs iniciais os dados da geologia, possíveis novos eventos podem ser introduzidos como novos inputs à simulação. Dentre os mais comuns eventos se podem citar: quebra de caminhões, teor insuficiente na saída do moinho, e outros. O simulador desenvolvido consistia em planilhas eletrônicas Excel© que representassem todo o processo envolvido entre lavra e usina, com o horizonte de simulação equivalendo ao plano de lavra semanal, detalhado dia-a-dia, e atualizado turno-a-turno. A simulação compreendia detalhes das operações dia-a-dia e era atualizado a cada turno, tornando possível um planejamento mais representativo e resultados mais aderentes. Sendo assim, com o objetivo de avaliar o desempenho do simulador no planejamento de lavra semanal da mina, foi realizado um levantamento sobre as operações da mina desde o planejamento até o resultado obtido na usina após a cominuição. Para tanto, inicialmente foram analisados os procedimentos operacionais adotados antes da simulação (processo "AS-IS"). Modelo AS-IS Inicialmente, o processo de lavra era baseado numa lista de frentes de lavra selecionadas pelo Departamento de Geologia (DGEO) a partir de uma análise do modelo geológico de longo prazo. De acordo com estas informações, o Departamento de Planejamento (DPLAN) definia a prioridade de lavra das frentes de acordo com um plano de alocação semanal determinístico, com quantidades e teores estimados. Assim, o plano de alocação e a lista de frentes de lavra disponíveis eram disponibilizados para o Departamento de Operação da Mina (DMIN), que utilizava essas informações nas operações de produção. Características do Modelo • O DMIN não se preocupava se os teores informados pelo DPLAN estavam corretos; • O DMIN não verificava se havia desvios entre os teores e quantidades previstas e as obtidas; • O tempo de atuação em resposta era mais longo, pois dependia do fechamento no final de cada turno, ou mesmo no final do dia. Resultados do Modelo • O DMIN não participava do resultado, ou seja, dependia das previsões do DPLAN, sem rastreabilidade nem auditabilidade dos resultados; • O DMIN não atuava diretamente nos resultados da produção. Se houvessem desvios, a responsabilidade era do DPLAN; • No caso de desvios operacionais, por exemplo, quebra de uma máquina ou interdição de uma frente, o DPLAN era responsável por definir as mudanças na operação. A seguir, a figura 1 mostra o fluxograma com os procedimentos adotados antes da utilização do simulador proposto. Legenda 1. Disponibilização da lista de frentes; 2. Alocação semanal; 3. Operação do plano sem conferir ou acompanhar o processo; 4. Fechamento diário com comparação entre plano e fechamento, mas sem análise crítica; 5. Ajustes para o próximo plano com consolidação de dados e ajustes segundo a demanda. Figura 1: Fluxograma de procedimentos adotados antes da utilização do simulador proposto. Identificados os pontos que deveriam ser modificados para uma melhor adequação no ambiente operacional de forma a viabilizar a aplicação da simulação, o próximo passo foi a implantação de um novo modelo (Modelo "TO-BE"). Modelo TO-BE Características do Modelo • O planejamento tem início na usina de beneficiamento. Nesse setor se determinam as metas e as tolerâncias (quantidades e teores) para a produção segundo cada litologia de interesse; • Todos os envolvidos (DGEO, DPLAN e DMIN) passaram a frequentar a usina de beneficiamento diariamente para identificar e entender os desvios e, acima de tudo, presenciar o impacto destes desvios nos resultados usina e, consequentemente, nos resultados da empresa; • O DMIN assumiu a responsabilidade do controle da alocação durante a operação e, o que antes era denominado “Dpto. de Operação de Mina - DMIN” passou a ser chamado “Dpto. de Produção – DPROD”; • Todo o pessoal envolvido na mina (DGEO, DPLAN e DPROD) passou a responder operacionalmente a um Supervisor de Produção; • Definição de uma identidade para o responsável pela produção, ou seja, o Supervisor de Produção. Resultados do Modelo • Após a implantação do simulador de lavra, o papel do DGEO passou a ser a “Qualidade da Informação” repassada ao planejamento, ou seja, o foco do DGEO passou a ser o levantamento de massas, teores, recuperações, durezas e demais atributos de impacto no desempenho da usina de beneficiamento; • Neste modelo, o DPLAN tem como foco as atividades de disponibilização dos dados das frentes disponíveis e a montagem de cenários preliminares de produção com base na programação semanal da usina de beneficiamento; • O DPROD assume todas as demais responsabilidades do ciclo PDCA para a produção da mina, tendo como cliente final a usina de beneficiamento; • O pessoal do DPROD utiliza o simulador para verificar o cenário proposto, gerar novos cenários aprimorados e/ou ajustados às condições de momento da usina de beneficiamento, para interagir com todos os demais departamentos relacionados com a produção da mina (manutenção e infraestrutura, por exemplo) e, para o gerenciamento das operações unitárias de lavra. A Figura 2 mostra o fluxograma com os procedimentos adotados de acordo com a utilização do simulador proposto. 1. Alimentação de dados atualizados; 2. Disponibiliza informações do simulador de lavra; 3. Simula a execução e programa a lavra com interação com manutenção e demais setores; 4. Verifica com a usina: planejado vs. realizado. 5. Consolidação da aplicação do simulador na tomada de decisões. E interação com outras equipes. Figura 2: Fluxograma de procedimentos adotados com a utilização do simulador proposto. A figura 4 ilustra o simulador utilizado durante a entrada de dados para os três primeiros turnos de operação de um determinado dia. Podem-se ver todos os campos relevantes para que inputs fossem fornecidos dando inicio à simulação nos turnos de um determinado dia: frentes de lavra disponíveis, teores, litologias e durezas, que têm impacto na usina. Figura 4: Entrada de dados para simulação de três turnos. As figuras 5 e 6 mostram, respectivamente, o início e o total obtido na simulação para os três turnos do dia em questão. A simulação era executada hora-a-hora; Figura 6: Inicio das simulações nos três turnos. Figura 6: Total obtido pela simulação nos três turnos. Na figura 5, vemos calculada a simulação da alimentação da usina, a massa total acumulada, bem como a alocação de caminhões por frente e escavadeiras por destino. Enquanto na figura 6, vemos o resultado calculado para a simulação consolidada nos três turnos e a participação de cada frente de lavra alocada. Finalmente, na figura 7, podemos observar o resultado final para a simulação do dia. Figura 7: Simulação de lavra para o dia. RESULTADOS E DISCUSSÕES Antes da aplicação da abordagem proposta se fazia uso de um modelo geológico bastante estático, que acabava distanciando a usina da geologia e que não representava os resultados obtidos da produção de concentrados, em boa parte das vezes. Isso era constatado através de amostragens realizadas após a britagem, entretanto quando da observação do erro, o minério já havia sido lavrado e já estava na usina. Uma das consequências disso era que em busca da reparação dos teores havia movimentação excessiva da frota de equipamentos da mina. Nesse contexto, a aplicação da abordagem de planejamento e controle operacional utilizando técnicas de simulação estocástica de lavra por si só já implicou em mudanças na forma de gerenciar tanto topografia quanto geologia, que passaram a ser, gradativamente mais precisas. Outro ponto importante é o fato de que, com a abordagem, o controle de qualidade passou a ocorrer mesmo antes do minério ser colocado nos caminhões. As frentes de lavra, não mais eram re-amostradas a qualquer momento, diminuindo a reatividade do processo. Por fim, a integração mina-usina se consolidou ao longo dos trabalhos e se tornou prérequisito de gestão. Segundo a gerência da mina, o uso do simulador aliado a um novo método de gestão apresentou um aumento na assertividade do desempenho da usina de mais de 20% em relação ao procedimento utilizado antes de sua implantação. REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS 1. BOTTER, R. C. Tratamentos de dados em modelos de simulação discreta. São Paulo: Escola Politécnica, Universidade de São Paulo, 2002. 147p. (Tese de Livre Docência). 2. PRADO, D. S. Teoria das filas e da simulação. Belo Horizonte; Nova Lima: Desenvolvimento Gerencial: INDG Tecnologia e Serviços. 3. FREITAS, P. J. Introdução à Modelagem e Simulação de Sistemas - Com Aplicações em ARENA, Visual Books Editora, 2001. 4. STURGUL, J.R. Modeling and simulation in mining - its time has finally arrived, simulation. Transactions of The Society for Modeling and Simulation International, 76, 286, 2001.