1 A PRODUÇÃO CIENTÍFICA ACERCA DA HISTÓRIA DO ENSINO DA LÍNGUA PORTUGUESA NO BRASIL Danilo Morais Lima (PG-UEMS)1 [email protected] Estela Natalina Mantovani Bertoletti (UEMS)2 [email protected] RESUMO: O presente estudo pretende contribuir para a compreensão da produção científica acerca da história do ensino da língua portuguesa no Brasil. Faz parte de pesquisa (em andamento), cuja investigação preliminar objetiva fornecer, também, subsídios teóricometodológicos a um trabalho de dimensão mais aprofundada, que culminará na produção de uma dissertação de mestrado acerca da história do ensino da língua portuguesa na Bahia. A temática de que trata este trabalho justifica-se pelo fato de as pesquisas históricas em educação terem alcançado, nas últimas décadas, abrangência e prestígio acadêmico. Neste estudo, os trabalhos científicos: resumos de dissertações e teses do Banco de Teses da CAPES, periódicos qualificados pela CAPES, disponíveis no meio eletrônico e Anais de programas de pós- graduação em Educação e Letras / Linguística serão analisados numa perspectiva da História Nova / História Cultural. Esta pesquisa insere-se num campo de pesquisa denominado História das Disciplinas Escolares, que objetiva investigar as mudanças ocorridas numa determinada área do saber ao longo dos anos. Os procedimentos metodológicos adotados para a execução deste estudo são os que se seguem: levantamento bibliográfico da produção científica acerca da história do ensino da língua portuguesa no Brasil, mediante seleção e ordenação e leitura de tais produções científicas. Os resultados parciais do exame das produções científicas em questão evidenciam que entre os anos de 1987 e 1999, estas restringem-se, em sua maioria, à análise sincrônica de concepções teóricas e práticas escolares que caracterizam o ensino de língua portuguesa brasileiro contemporâneo. Não há, claramente, um interesse pela abordagem histórica, com vistas a uma melhor compreensão do presente. A partir dos anos de 2000, os trabalhos científicos, ainda escassos, apresentam a adoção de uma perspectiva “panorâmico–evolucionista” em estudos que se voltam para a análise de manuais didáticos adotados por escolas consideradas modelos ou instituições escolares confessionais, história da leitura ou literatura. Há, em muitas dessas pesquisas, interpretações marcadas pela desvalorização do passado, que é concebido como “tradicional”, passível de uma substituição rápida pelo “novo”, “moderno”. À escola é dado um caráter reducionista e reprodutivista. Existe uma demanda pela relevância de se pesquisar as disciplinas escolares, produtos da cultura escolar, a partir de fontes, como: cadernos de alunos, provas, exercícios escolares, material didático e iconográfico. Além disso, os estudos de fundo histórico sobre o ensino da língua portuguesa recentes mostram que as concepções teóricas e as práticas escolares são elementos indissociáveis. Palavras – chave: Produção Científica. História das Disciplinas Escolares. Ensino de Língua Portuguesa. DISCIPLINAS ESCOLARES COMO CAMPO DE INVESTIGAÇÃO Na contemporaneidade, os avanços tecnológicos e a globalização da economia desencadeiam mudanças aceleradas nos diferentes campos da vida social. A rapidez e a 2 agitação, características do nosso tempo, propiciam a crença de que tudo envelhece de maneira célere. Neste contexto, é atribuído ao passado um papel irrelevante para as novas gerações. O comportamento imediatista peculiar à contemporaneidade propicia às pessoas a ideia de que o passado representa experiências até dignas de conhecimento, porém condenadas ao esquecimento. No bojo das pesquisas educacionais de fundo histórico, tem crescido o interesse, nos últimos anos, por um campo de estudos que pretende investigar as mudanças ocorridas, numa determinada área do saber. Trata-se de um conjunto de conhecimentos que, vínculos à escola, propiciam novas relações de saber por meio das ações dos seus agentes principais – professores e alunos. A produção científica acerca da história do ensino da língua portuguesa evidencia que, apesar da propagação de pensamentos, ideias e conceitos inovadores e de aspectos específicos de que a prática pedagógica em cada sociedade e época, aquilo que, contemporaneamente, permeia o fazer pedagógico tem raízes históricas. Um mapeamento a respeito das teses e dissertações que elegem como objeto de investigação, a história do ensino da língua portuguesa defendidas no Brasil, entre 1987 e 2011, conforme resumos disponíveis no Banco de Teses da CAPES, em periódicos qualificados pela CAPES e Anais de programas de pós-graduação em educação e Letras/Linguística, aponta um quantitativo ínfimo de estudos nessa tendência teóricometodológica, porque a maioria das investigações dos meios eletrônicos pesquisados volta-se para a análise de situações de ensino/aprendizagem sincrônicas. Não há, ainda, uma demanda proeminente e clara pela pesquisa educacional de fundo histórico. O movimento pela destruição do passado impõe a toda sociedade atual e, especialmente, a quem se propõe ao estudo da pesquisa histórica, o combate ao esquecimento e a promoção da preservação da memória coletiva. Por esta razão, o historiador possui a tarefa de guardião da memória coletiva. A este respeito, Hobsbawm (1995, p. 13) assevera que: A destruição do passado, ou melhor, dos mecanismos que vinculam a nossa experiência pessoal à das gerações passadas, é um dos fenômenos mais característicos e lugares do final do século XX. Quase todos os jovens de hoje crescem numa espécie de presente contínuo, sem qualquer relação orgânica como passado público da época em que vivem, por isso, os historiadores cujo ofício é lembrar o que os outros esquecem, tornam-se mais importantes que nunca no final do segundo milênio. 3 Dois elementos são fundamentais ao estudo da História: o caráter humano que ela possui e as relações que o passado e o presente mantêm entre si. O historiador March Bloch em Introdução à História (1993) advoga que: “a incompreensão do presente nasce da ignorância do passado”. Bloch ressalta, também, que não é válido conhecer o passado se nada se souber acerca do presente. O fazer histórico não pode furta-se à necessidade de indagações do tempo presente. Assim, no trabalho investigativo empreendido pelo historiador, deve haver um método do duplo movimento: conhecer o passado por meio do presente e conhecer o presente por meio do passado. Todos os vestígios que fornecem informações sobre as ações humanas ao longo do tempo são documentos que servem de fonte para os estudos históricos: documentos oficiais, (livros, cadernos de alunos, portfólios, depoimentos orais, fotografias, desenhos, filmes, objetos, roupas e inúmeras outras evidências da vida de sujeitos e de uma época). Este estudo considera fundamentais as relações existentes entre a cultura escolar as disciplinas escolares como componentes do sistema educativo. Dominique Julia (2001, p.10) concebe a cultura escolar como: [...] um conjunto de normas que definem conhecimentos a ensinar e condutas a inculcar, e um conjunto de práticas que permitem a transmissão desses conhecimentos e a incorporação desses comportamentos; normas e práticas coordenadas a finalidades que podem variar segundo as épocas [...]. É possível notar como o tempo é fator relevante na questão da variação das normas e práticas que atendem a certas finalidades. Além disso, é cultura escolar, segundo Julia (2001), que demarca normas que, por sua vez, definem o que ensinar; condutas a adquirir, bem como a operacionalização desses conhecimentos, propiciadora da transmissão de saberes, bem como a assimilação de comportamentos. Para uma melhor compreensão dos sentidos que, historicamente, foram atribuídos às disciplinas escolares, podemos recorrer a André Chervel que, no artigo “História das disciplinas escolares: reflexões sobre um campo de pesquisa”, publicado em 1990, evidencia que, até o final do século XIX, o termo “disciplina escolar”, relacionava-se unicamente à vigilância dos estabelecimentos e a repressão às más condutas. Posteriormente, a flutuação de sentidos continuou sendo um traço característico dessas produções próprias da Escola e, em 1870, o termo fez par com o verbo disciplinar, denotando um sinônimo de ginástica intelectual a disciplinar a inteligência das crianças. Nos dicionários do século XIX, não é possível encontrar o termo designando conteúdos escolares. Nos primeiros anos do século 4 XX, porém, adquire o significado de “matéria de ensino suscetível de servir de exercício intelectual”. (CHERVEL, 1990, p. 179). Após as primeiras décadas do século XX, período em que “a evolução da sociedade e dos espíritos permite contrapor à disciplina literária uma disciplina científica” (CHERVEL, 1990, p. 180). André Chervel (1990) afirma que a escola é possuidora de uma cultura própria, capaz de empreender mudanças à cultura da sociedade. A escola, neste caso, é dotada de um poder ativo e criativo. As disciplinas escolares são, portanto, produtos desse poder ativo e criativo, que permeia a instituição escolar. Julia (2001, p. 12-13), enfatiza a relevância das contribuições oferecidas pela história das disciplinas escolares à pesquisa educacional, asseverando que: Ela tenta identificar, tanto através das práticas de ensino utilizadas na sala de aula como através dos grandes objetivos que presidiram a constituição das disciplinas, o núcleo disso que pode constituir uma história renovada da educação. Ela abre, em todo caso para retomar uma metáfora aeronáutica a “caixa preta” da escola, ao buscar compreender o que ocorre nesse espaço particular. Os fenômenos sobre os quais a história das disciplinas escolares tem analisado estão assentados numa base teórica, que leva em consideração o conceito de cultura escolar (JULIA, 2001). Tais pesquisas atestam que a prática escolar é um elemento que, historicamente, sofre poucas mudanças na história da educação. A despeito da disseminação de conceitos, pensamentos e ideias inovadores e de aspectos específicos que assume em cada sociedade e época, a prática escolar tem materializado certos papéis e ações que estão arraigados em sua operacionalização cotidianística. Galvão e Lopes (2010, p. 45), advogam a importância da história das disciplinas escolares, no que tange à investigação da progressiva transformação da escola num espaço nuclear de transmissão do saber nas diferentes épocas e sociedades: O estudo das disciplinas e dos saberes escolares tem sido fundamental para compreender o papel dos contextos culturais na definição daquilo, que deve ser ensinado na escola e, em contrapartida, o papel da escola ao produzir e reelaborar o conhecimento, principalmente pelos processos de didatização. Esses estudos são comumente realizados por pesquisadores especializados na teoria do currículo ou por professores que,instigados por questões da pratica escolar contemporânea, se interessam em conhecer o passado dos saberes com que lidam no cotidiano. A história das disciplinas e dos saberes escolares, ao abordar os conteúdos de ensino, os programas, as provas, os manuais e os exercícios escolares contribui para conhecer melhor o que ocorria dentro da escola, relativizando as abordagens macrossociológicas. 5 Por sua vez, os estudos sobre manuais escolares começam a tentar compreender os procedimentos de seleção e transmissão de saberes diferentemente do que ocorria há alguns anos, quando tinham como foco à propagação de ideologias. Os procedimentos de seleção e transmissão de saberes não são estanques, mas dinâmicos. Segundo Vinão (2008, p. 2004), para o estudo das disciplinas escolares, é interessante considerá-las organismos vivos, o que propicia concebê-las, também, como campos de poder social e acadêmico de um poder a disputar, de espaços onde se mesclam interesses e atores, ações e estratégias. Esta é, então, a concepção de disciplinar escolar que este estudo adota. A PRODUÇÃO CIENTÍFICA ACERCA DA HISTÓRIA DO ENSINO DA LÍNGUA PORTUGUESA NO BRASIL: mapeando teses e dissertações A produção científica acerca do ensino de diferentes corpos de conhecimentos, disciplinas escolares, tem alcançado, nos últimos anos, uma franca expansão, principalmente no que se refere às áreas de Educação Física e História. No artigo. “A produção em história das disciplinas escolares escrita por pesquisadores brasileiros”, publicado na Revista Brasileira de História da Educação, nº 23, p.225-221, maio/ago.2010, a doutoranda do Programa de Pós-graduação em Educação da Universidade Federal Fluminense, Mariana Tassab, faz um mapeamento da produção brasileira em história das disciplinas escolares. Os resultados desse estudo apontam uma predominância de trabalhos voltados à história da Educação Física Escolar em relação às demais disciplinas. No bojo da análise realizada por Tassab (2010) dos 23 artigos mapeados, os quais tematizam a história das disciplinas escolares, apenas 01 deles propõe-se a investigar o ensino da Língua Portuguesa no Brasil, o que pode ser considerado um contingente ínfimo de pesquisas de fundo histórico, no campo da HDE. O artigo “Histórico das disciplinas escolares armazenadas nos arquivos da Escola Estadual Maria Constança de Barros”, de autoria da pesquisadora e professora da Universidade Federal de Mato Grosso do Sul (UFMS) Eurides Pessanha, por meio de uma análise das pesquisas produzidas no Observatório de Cultura Escolar grupo de pesquisa cadastrado no Diretório de grupos de pesquisa - CNPq, criado em 2005 por pesquisadores da linha de pesquisa Escola, Cultura e Disciplinas Escolares do Programa de Pós-graduação em Educação da Universidade Federal de Mato Grosso do Sul, destaca que, das doze pesquisas realizadas no grupo, oito tiveram como lócus a Escola Estadual Maria Constança de Barros, 6 referência na história da educação da cidade de Campo Grande-MS e, destas (oito), apenas uma delas elege como objeto de estudo a história do ensino da Língua Portuguesa, o que reforça a tese da escassez de pesquisas na área. Não se busca, neste texto, esgotar as discussões a respeito da produção científica acerca da história do ensino da Língua Portuguesa visto que, a despeito do número ainda exíguo de dissertações e teses, que promovem, por meio de conceitos e ideias concernentes à cultura escolar, à historia do currículo, à historia das disciplinas escolares, o crescente aumento do número de programas de Pós-graduação em Educação e Letras/ Linguística em diferentes estados brasileiros não permite abarcar todos os trabalhos acadêmicos publicados no Banco de Teses da CAPES, periódicos disponíveis no meio eletrônico e Anais de programas de pós-graduação em Educação e Letras/linguística, conforme atesta o quadro que se segue: 7 Dissertação/tese Autor(a) PUC SP Ano de Publicação 1987 UFG 1995 Rossana Guimarães Ramos PUC SP 2005 A disciplina Língua Portuguesa nos trilhos da lei, na prática dos livros didáticos e na memória de alunos e professores em Campo Grande – MS. A proposta curricular para o ensino de Língua Portuguesa no estado do Rio de Janeiro no início do séc. XXI; uma orquestra discursiva de vozes Revisitando o ensino tradicional de Língua Portuguesa Histórias de professoras de Língua Portuguesa e saberes da profissão docente Rosemeri Silva Pereira UFMS 2005 Vanessa Souza da Silva UFF 2008 Primeiros corrente. Graziela Lucci de Angelo UNICAMP 2005 Anos de 1970 e 1980 Campinas – SP. Neurilene Martins Ribeiro UNEB 2008 A história do ensino de Língua Portuguesa nos livros didáticos brasileiros em dois tempos: a obra de Hermínio Sargentim (1974-199) A tradição e os singulares – o ensino de Português proposto nos livros didáticos por professores universitários do Paraná (1944 – 1980) Aspectos constitutivos da história do ensino de Língua Portuguesa no Oeste do Paraná (1960 – 1979) Ioná Vieira Guimarães Venturini UFU 2004 Não há. As professoras entrevistadas possuem de um a cinco anos de profissão. 1974-1980 Municípios da Chapada Diamantina – BA. Não há. Suzete de Paula Bornatto UFPR 2011 1944- 1980 Não há. Carmen Teresinha Baumgartner UEL 2009 1960-1979 Não há. A Linguística na escolarização do Português: referências a uma obra didática construída entre 1965 e 2002. Tany Mara Monfredini de Moura UFMG 2005 1965-2002 Não há. Novos caminhos para o ensino/aprendizagem da Língua Portuguesa Uma ressignificação do ensino de Língua Portuguesa Cartilhas: um paradigma didáticolinguístico da alfabetização Maria Lygia de C. Barros Cristovão Giovanni Burgarelli I.E.S. Recorte Temporal Inexiste. (Estudo sincrônico das relações textuais no discurso) Inexistente. No resumo do trabalho, há a informação de as três cartilhas analisadas são de décadas distintas. 1960-1980 anos da década Recorte Espacial Não há. Dois colégios Goiânia – GO. Não há. de Colégio Estadual Maria Constança de Barros Machado. Não há. 8 A partir, portanto, da reunião e análise das dissertações e teses em questão, como mediadoras dos objetivos que se pretende alcançar, pode-se evidenciar concepções teóricometodológicas desses trabalhos. Durante o período compreendido entre 1987, ano a partir do qual os trabalhos disponibilizados pela CAPES podem ser acessados e 1999 há um número significativo de dissertações e teses que empreendem análises no ensino de Língua Portuguesa. Limitam-se, porém, a aspectos constituídos sincrônicos, contemporâneos do ensino de língua materna. Há, ainda, estudos acerca da formação histórica do português, os quais se pautam, somente, na pretensão de investigar as estruturas interna e externa da língua. Desse modo, esses estudos voltam-se para questões como supressão e acréscimo de elementos mórficos que, historicamente, caracterizam as mudanças pelas quais o português contemporâneo passou. Nesta investigação, constatou-se que a produção científica acerca do ensino de Língua Portuguesa, no período de 1987 a 1999 não emprega a pesquisa histórica como encaminhamento teórico-metodológico das dissertações e teses disponíveis no meio eletrônico. Para ilustrar essa tendência, num universo de vários trabalhos produzidos nesses moldes acadêmicos, recorremos a duas dissertações de Mestrado. Na dissertação de Mestrado, intitulada Novos caminhos para o ensino-aprendizagem de Língua Portuguesa, de autoria de Maria Lygia de Barros, defendida na Pontifícia Universidade Católica de São Paulo, em 1987, é possível notar um estudo sincrônico das relações textuais no discurso. Não há, neste caso, recorte temporal, que propunha estudos teóricos acerca de elementos que, historicamente, caracterizaram o ensino de um corpo sistematizado de conhecimentos, a disciplina Língua Portuguesa. De modo similar, na dissertação, Uma ressignificação do ensino de Língua Portuguesa, de autoria Cristovão Giovanni Burgarelli, defendida na Universidade Federal de Goiás (UFG), em 1995, propõe que o ensino dessa disciplina necessita desvencilhar–se da tradicional ideia de que existem regras exatas e perenes para apropriar-se dos diversos usos da linguagem. Nos últimos dez anos, tem havido um interesse, no que tange à história e à descrição da língua portuguesa, por estudos histórico-historiográficos, aplicando os princípios da historiografia linguística às cartilhas utilizadas no processo de alfabetização no Brasil. A tese de Doutorado, intitulada Cartilhas: um paradigma didático-linguístico da alfabetização no Brasil, defendida na Pontifícia Universidade Católica de São Paulo (PUC/SP), em 2005 reflete tal inclinação teórico-metodológica. 9 No mesmo ano de 2005, a dissertação de mestrado de autoria Rosimeri da Silva Pereira, A disciplina Língua Portuguesa nos trilhos da lei, na prática dos livros didáticos e na memória de alunos e professores em Campo Grande (1960-1980), defendida na Universidade Federal de Mato Grosso do Sul (UFMS), ancora-se no Campo da história das disciplinas escolares, aliando a análise de livros didáticos adotados por uma escola considerada referência, modelo, da cidade Campo Grande-MS, as disposições legais concernentes ao ensino de Língua Portuguesa à memória de ex-alunos e ex-professoras da aludida unidade escolar. Nas palavras – chave do trabalho em questão é citada como primeira delas, a expressão “História das Disciplinas Escolares”, o que é um dado novo, visto que as produções científicas anteriormente elencadas não fazem menção a tal campo de estudo. A tese de Doutorado, A tradição e os singulares o ensino de português proposto em livros didáticos por professores universitários do Paraná (1944-1980), de autoria de Suzete de Paula Bornatto, apresentada ao Programa de Pós-graduação em Educação da Universidade Federal do Paraná, em 2011, objetiva investigar, a partir de obras didáticas de três gerações de professores que atuaram tanto no ensino básico quanto no superior no estado do Paraná ,apoiando-se num conceito desenvolvido por Bakthin: o autor como organizador e orquestrador de diferentes vozes sociais, o trabalho relativiza afirmações correntes sobre a historia da disciplina, quando à sua falta de cientificidade, de atualidade e sua desvinculação dos estudos linguísticos, comuns em estudos que atribuem à escola um papel, meramente reprodutivista de conteúdos escolares e das mazelas sociais. Na tese de Doutorado, A Linguística na escolarização do Português: referências a uma obra didática construída entre 1965 e 2002, defendida na Universidade Federal de Minas Gerais, no ano de 2005, por Tany Mara Monfredini de Moura, são apresentadas hipóteses interpretativas acerca da trajetória das referências da Linguística na escolarização do Português.Assim, neste trabalho, é estudado o caso de uma mesma autoria, representada por cinco coleções didáticas , editadas ou reformuladas entre os anos de 1965 e 2002. No estudo em questão, defende-se que, como um objeto de cultura, o português é escolarizado em função das demandas sociais e do retorno que a escola pode dar ao qualificar esse objeto como seu. A dissertação de mestrado, intitulada “História de professoras de Língua Portuguesa: dilema e saberes da profissão”, defendida por Meurilene Martins Ribeiro, orientada pelo Professor Dr. Elizeu Clementino de Souza, apresentada ao Programa de Pós-Graduação em Educação e Contemporaneidade da Universidade do Estado da Bahia (UNEB), vinculada ao grupo de pesquisa (Auto)biografia, Formação e História Oral que, objetivando compreender 10 as teias de relações constitutivas dos processos que forjam a construção das identidades e subjetividades docentes que caracterizam o início da carreira professoral, a partir de histórias de vida e narrativas orais e escritas, que tem como espaço empírico, municípios da Chapada Diamantina/BA. Este trabalho, embora não se insira no campo da história das disciplinas escolares, mas da História Oral reflete a escassez de produções científicas a respeito da língua portuguesa na Bahia, uma vez que a maioria dos estudos existentes no meio eletrônico, que tem como espaço empírico o Estado da Bahia, relaciona-se às disciplinas Educação Física Escolar e História. A dissertação de mestrado apresentada ao Programa de Pós-graduação em Educação, da Universidade Federal de Uberlândia, intitulada A história do ensino de língua portuguesa nos livros didáticos brasileiros em dois tempos: a obra de Hermínio Sargentim (1974-199), produzida por Ioná Guimarães Venturi, no ano de 2004, sob a orientação do professor Dr. Décio Gatti Júnior investiga as mudanças e as permanências que os livros didáticos de língua portuguesa de autoria de Hermínio Sargentim, dos anos de 1974 a 1999 apresentam em relação ao ensino da disciplina na 5ª série do ensino fundamental. Na tese de doutorado, Revisitando o ensino tradicional de língua portuguesa, apresentada ao curso de Linguística Aplicada do Instituto de Estudos da Linguagem da Universidade Estadual de Campinas, defendida por Gaziela Lucci de Angelo, orientada pela professora Drª Raquel Salek Fiad, objetiva investigar que outros sentidos podem estar vinculados ao ensino tradicional de língua portuguesa, além da imagem construída pelo saber acadêmico. Para a recuperação dessa imagem, foram analisados seis textos de linguistas, dois documentos oficiais voltados ao ensino de língua materna publicados nos anos de 1970 e 1980. A dissertação de mestrado, A proposta curricular para o ensino de língua portuguesa no estado do Rio de Janeiro no início do séc. XXI: uma orquestra discursiva de vozes, apresentada ao Programa de Pós-graduação em Educação da Universidade Federal Fluminense, em 2008, produzida por Vanessa Souza da Silva, orientada pela professora Drª Cecília Maria Goulart, pretende, a partir da teoria da enunciação de Mikhail Bakhtin, analisar como se organiza o discurso oficial da Secretaria Estadual de Educação do Rio de Janeiro para o ensino da língua portuguesa nas escolas públicas do estado. Busca, também, compreender como se articulam as vozes discursivas que organizam esse discurso, considerando que o professor é leitor privilegiado. Para isso, toma-se como objeto de análise a proposta curricular para o ensino de Língua Portuguesa, produzida no documento de 11 Reorientação Curricular entregue às escolas em 2006, incluindo os materiais didáticos elaborados pelos professores. A tese de doutorado, intitulada Aspectos constitutivos da história do ensino de Língua Portuguesa no Oeste do Paraná (1960 – 1979), produzida por Carmen Teresinha Baumgartner, sob a orientação da professora Drª Alba Maria Perfeito, apresentada ao Programa de Pósgraduação em Estudos da linguagem, da Universidade Estadual de Londrina, no ano de 2009, é ancorada na perspectiva sócio-histórica, em diálogo com a Linguística Aplicada e com uma área da História da Educação, denominada História das Disciplinas Escolares. Há, nesse estudo, a valorização de aspectos descritivos e percepções pessoais, com vistas a recuperar os fios constitutivos da história da disciplina escolar em questão, no Oeste do Paraná, no período de 1960 a 1979. CONSIDERAÇÕES FINAIS A partir das reflexões aqui fomentadas, fica evidente que à escola, instituição social permeada por um ativo e criativo, não deve ser atribuído um caráter reducionista ou reprodutivista que limita as suas diferentes funções à reprodução de conteúdos escolares, prescritos pela sociedade e pela cultura que a cercam. Sob esse prisma, a prática escolar, seria alheia a uma cultura escolar capaz de selecionar, organizar e sistematizar os conteúdos das disciplinas escolares. A produção científica acerca da história do ensino da língua portuguesa, de acordo com a análise empreendida a respeito das dissertações e teses mapeadas, neste estudo, que, teórica e metodologicamente, podem ser inseridas no campo da História das Disciplinas Escolares torna claro que, apesar da propagação de pensamentos, ideias e conceitos inovadores e de aspectos específicos de que a prática escolar é dotada em cada sociedade e época, aquilo que, contemporaneamente, permeia o fazer pedagógico tem raízes históricas, não se constituindo, portanto, em algo novo e original. É preciso deixar claro, porém, que não se busca com tal afirmação invalidar, cientificamente, o que, atualmente, é visto nas aulas de língua portuguesa, mas evidenciar a existência de deslocamentos existentes na prática pedagógica que, ora apontam para a manutenção, ora para a ruptura. Nas décadas de 1980 e 1990, dissertações e teses que elegem o ensino de Língua Portuguesa como objeto de investigação, em sua maioria, voltam-se para a análise de situações de ensino-- aprendizagem sincrônicas. Não há, ainda, uma franca demanda pela abordagem histórica nas pesquisas educacionais, com vistas a uma melhor compreensão dos 12 aspectos constitutivos do ensino contemporâneo, a partir do passado. Há uma quantidade de trabalhos nesses moldes, considerável. Este estudo vale-se, porém, de duas dissertações de mestrado que exemplificam tal tendência teórico-metodológica. No início dos anos 2000, há trabalhos que adotam uma perspectiva “panorâmicoevolucionista” e, de maneira intencional ou não, reforçam a desvalorização do passado, que é concebido como “tradicional”, passível de uma substituição pelo “ novo”, “moderno”. A partir de meados dos anos de 2000, as produções científicas já se inserem, claramente, no campo da história das disciplinas escolares, incluem como palavra-chave tal expressão. Nessa perspectiva, as disciplinas escolares são concebidas como produtos da cultura escolar. Além disso, sob esse prisma, concepções teóricas e práticas escolares são elementos indissociáveis. A despeito do prestígio acadêmico alcançado pela pesquisa histórica em educação, nos últimos anos, é inegável a existência de lacunas que podem propiciar novos estudos, especialmente no campo da história das disciplinas escolares. A história do ensino da língua portuguesa, neste contexto permeado pela escassez de investigações científicas, constitui-se num terreno favorável e promissor aos desenvolvimentos de estudos que, sem suscitar preconceitos de nenhuma ordem, inclusive teórico-metodológica contribuam, significativamente, com o fazer científico. 1 Mestrando em Educação pela Universidade de Mato Grosso do Sul – UEMS. Membro do Grupo de Estudos e Pesquisas em História e Historiografia da Educação Brasileira – GEPHEB. 2 Doutora em Educação pela Universidade Estadual Júlio de Mesquita Filho e Estágio de Pós-Doutorado pela Universidade Estadual Júlio de Mesquita Filho; Docente da Universidade Estadual de Mato Grosso do Sul – UEMS. 13 REFERÊNCIAS ANGELO, Graziela Lucci. Revisitando o ensino tradicional de língua portuguesa. Tese (Doutorado em Linguística Aplicada). UNICAMP, 2005. BARROS, Maria Lygia C de. O desenvolvimento da linguagem: novos caminhos para o ensino/ aprendizagem da língua portuguesa. 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