A concepção romântica da arte Latuf Isaias Mucci* Abstract This essay considers Romanticism as an aesthetics characterized by profound antinomies, and aims to find a common denominator for the plural romantic artistic manifestations in its conception of mimesis, symbol and allegory, which founds a revolutionary Weltanschaaung. Seria “romântico” fazer coincidir o surgimento do Romantismo com a queda da Bastille; no entanto, o erudito pensador Otto Maria Carpeaux mapeia, não só “as origens do romantismo”, como toda a história desse movimento, pari passu com a história das revoluções: foi produzido pela revolução de 1789 e 1793; foi desviado pelo acontecimento contra-revolucionário da queda de Napoleão, em 1815; reencontrou o élan inicial pela revolução de 1830; e acabou com a revolução de 1848. 1 Foi na Alemanha que, a partir de 1800, o termo “Romantismo” recebeu sua primeira acepção artística, com Schiller (1759-1805) e, principalmente, de maneira decisiva, com Goethe (1749-1832), que estabeleceu a oposição essencial entre “clássico” e “romântico”. Se o Romantismo não nasceu na França, foi todavia, a Revolução Francesa que fez explodir em toda a Europa, e, igualmente, no continente americano, um estado de espírito que começara a grassar desde a última década do século XVIII — o “Século das Luzes”—, e que se caracterizava, nas várias expressões artísticas, por um desdém, pela frieza e sujeição às normas acadêmicas do neoclássico. Ao invés da lógica e do método reinantes na estética tradicional, os artistas sob a égide do individualismo total e num * 1 Professor do Departamento de Arte, no Instituto de Artes e Comunicação Social da Universidade Federal Fluminense (UFF). CARPEAUX (1987, p.1107-8). Latuf Isaias Mucci registro de instinto, emoção e entusiasmo, desejavam a plena liberdade de ação, evocavam a abrangente espiritualidade e privilegiavam o sentimento mais profundo. Após o reino da certeza que as normas clássicas inspiravam, erigia-se o império da dúvida, do temor e do tremor, em cujo cortejo vinham as alusões ao luar, à noite e à morte. Originando-se, historicamente, nas revoluções sociais e industriais, o fenômeno romântico funda suas raízes estéticas no Sturm und Drang, movimento filosófico e literário surgido na Alemanha, na segunda metade do século XVIII. Denominado a partir do título de um drama de Friedrich Maximilien de Klinger (1752-1831), representado em Leipzig, em 1777, esse movimento pré-romântico assumiu atitudes ditadas por seu próprio nome em vernáculo “Tempestade e ímpeto”: através de manifestações irracionalistas, representou uma veemente reação contra o racionalismo (Aufklärung) e reivindicou os direitos do sentimento contra a razão, os direitos da originalidade contra a convenção, os direitos da experiência mística e da fé contra a finitude racional. Se Kant ( 1724-1804) demarcara limites à razão — a razão finita —, os artistas românticos haveriam de buscar o infinito, só alcançável pela emoção. Porque radicada na tradução da emoção, a arte gozará, na revolução romântica, de um status privilegiado em oposição à filosofia fundada na racionalidade; expressão do absoluto. O romantismo considera o universo como uma obra de arte, um poema que o artista lê, traduz e manifesta2 . Crítica radical à primazia da razão que alardeava o pensamento ilustrado, o Romantismo postulava a prioridade do subjetivismo: o indivíduo, o “eu” – monossílabo onipresente na linguagem romântica — adquiria preeminência absoluta. Face ao conhecimento objetivo e às verdades objetivas, que o empirismo filosófico tinha sustentado com todo vigor, de que é bom exemplo a influente obra do escossês David Hume (1711-1776), a estética romântica fazia apelo ao élan da imaginação, às forças do sonho e da paixão. Primeiro movimento estético de cunho realmente universal (“global”, dir-se ia em tempos pós-modernos), o Romantismo matizou-se, contudo, de diferenças culturais nos diversos países em que medrou. Tendo como base o subjetivismo emocional, não se pode abarcar num único conceito, a natureza romântica, eivada de paradoxos; dando primazia, por exemplo, ao nacionalismo, o movimento romântico espalhou-se pela Europa e pela América, adquirindo, em cada cultura, de acordo com as circunstâncias históricas,“cores tumultuosas.” Daí, falar Otto M. Carpeaux de “romantismos”, pois a forma plural daria conta de “três pontos de partida diferentes” nos países-chave dessa estética fulcral do Ottocento: o ponto de partida é préromântico na Alemanha, pré-revolucinário na França, contra-revolucionário na Inglaterra3. Ao fim e ao cabo as tendências se misturam, confirmando as antinomias, até porque não se pode aplicar ao Romantismo a rigidez de um 2 3 118 MUCCI (1987). CARPEAUX, op. cit.. Ipotesi: revista de Estudos Literários. Juiz de Fora, v 3 - n 1 - p. 117 a 131 A concepção romântica da arte cânon clássico. Embora combatendo contundentemente o código iluminista, a estética romântica tornou-se tributária da filosofia kantiana à medida que, na Crítica da faculdade do juízo, ampliou-se o espectro das possibilidades estéticas em relação à categoria do belo, definida segundo o pensamento neoclássico, e estabeleceu-se a categoria do sublime: forma inapreensível, obscura e grandiosa da beleza.4 Aceitas, mas separadas na filosofia kantiana, essas categorias estéticas serão refundidas pelos românticos, que proclamam a forte crença na beleza, em que a serenidade e a vertigem, a ordem e o caos, a luz e a obscuridade, o heróico e o trágico acham-se indissoluvelmente unidos. Se, à luz revolucionária do Romantismo, a Idade Média ressurge das “trevas” para aparecer como a verdadeira origem da cultura e como a época paradigmática que suscita a exaltação das tradições e das instituições, também o mundo grego deve ser contemplado, contudo não mais mediante a serenidade e o equilíbrio cultuados pelos neoclássicos e por Winckelmann (1717-1768), mas antes pela vigorosa tensão refletida na literatura helênica, sobretudo na tragédia. Dessarte, os românticos reclamavam do caráter exemplar do mito de Prometeu, que consideravam o núcleo mesmo do espírito grego e que pretendiam projetar em sua própria concepção da existência: o roubo sacrílego do fogo celeste que Prometeu oferece aos homens correspondia ao desejo de totalidade e à ânsia de plenitude da alma romântica, ao passo que a condenação do titã era o espelho onde se refletia tragicamente o fracasso e a insatisfação da alma romântica. Seria didático querer configurar a estética romântica através dos temas que aborda: o amor, a natureza, a pátria, a religião, o povo, o passado —, temas também visitados por outras estéticas. A esse elenco, tradicional em certa medida na história da arte, os românticos lançaram um novo olhar; nessa temática, déjà vue, imprimiram uma outra estrutura significativa; esse corpus enformaram-no com uma arte revolucionária, cujas ressonâncias persistem em fundamentais movimentos filosóficos estéticos do nosso século, como o existencialismo, o surrealismo, o expressionismo, a estética da recepção. Consoante a interpretação de Karl Mannheim, o Romantismo expressa os sentimentos dos descontentes com as novas estruturas: a nobreza, que já caiu, e a pequena burguesia que ainda não subiu: de onde, as atitudes saudosistas ou reivindicatórias que pontuam todo o movimento5 . Com efeito, foi visto o Romantismo como manière de sentir (Baudelaire), “o perpétuo esforço para apreender aquilo que se esvanece” (Kierkegaard) e o 4 5 KANT, (1992). Apud BOSI, (1985, p. 100). Ipotesi: revista de Estudos Literários. Juiz de Fora, v 3 - n 1 - p. 117 a 131 119 Latuf Isaias Mucci romântico foi definido por Kierkegaard (1813-1855) como “o homem do desejo”. Exilado em seu próprio tempo, desiludido com as novas estruturas sociais, desencantado com o rumo da História, o artista do Romantismo apresentava, em qualquer quadrante onde o movimento se alastrou, uma sensibilidade à flor da pele estética. Evadindo-se febrilmente da realidade, o romântico buscou refúgio na arte, topos securíssimo para uma angústia criativa e rebelde; afrontando a sociedade burguesa e capitalista avassaladora. O artista romântico criou, com sua arte, um mundo de possível utopia. Fenômeno estético e civilizatório, o Romantismo constituiu uma nova sensibilidade, oposta a preponderante em sua época (o racionalismo e o pensamento ilustrado), e criou uma nova concepção de vida em busca da plenitude. É , aliás, o último dos movimentos artísticos e intelectuais da tradição ocidental que pretendeu, face à crescente dispersão dos conhecimentos e à pulverização iminente dos saberes, conceber uma unidade cultural. Em virtude da irreversível especialização do saber científico e à primazia do empirismo e da técnica, os românticos defenderam afincadamente, uma total harmonia entre o ser humano e o seu entorno natural. A angustiante incerteza quanto ao futuro da humanidade o movimento romântico opõe um derradeiro esforço titânico para conjugar, na obra de arte, as dimensões totalizadoras de que o carecia o cotidiano da existência. Projeto utópico gestado no entusiasmo cultural do Renascimento, a obra de arte total (Gesamtkunstwerk) encontrou, na estética romântica, seu lugar ideal. Enfrentando um diagnóstico pessimista do futuro, o romântico exerceu um voluntarismo estético desmesurado, em que a obra de arte total, sonhada, entre muitos, por Goethe e Beethoven (1770-1827), e ficticiamente realizada por Wagner (1813-1883), apresentouse como signo utópico. Almejando ser mais nacional e mais nacionalista do que o classicismo, o movimento romântico tornou-se — eis mais uma de suas complexas antinomias — o movimento mais internacional até então ocorrido na Europa. A conjunção de uma série de circunstâncias históricas estabeleceu um novo conceito europeu de literatura, em que se aboliram todas as fronteiras literárias, como “o romance histórico à maneira de Scott, o poema narrativo à maneira de Byron, o teatro à maneira de Hugo.”6 Segundo o código romântico, a criação estética não dependia, pelo menos primordialmente, da razão, mas originava-se dos planos intrínsecos à subjetividade: a emoção, o sentimento, a imaginação. Tampouco está determinado o processo criativo pelo trabalho objetivo e consciente do artista; embora necessário, o lavor artístico só se torna possível se o artista estiver possuído pela força transbordante da ânsia criativa ou da inspiração. O conceito romântico de “inspiração” remete, de um lado, à teoria platônica do raptus ou possessão que impele o artista à criatividade, e, de outro, aponta para a 6 120 CARPEAUX, op. cit. Ipotesi: revista de Estudos Literários. Juiz de Fora, v 3 - n 1 - p. 117 a 131 A concepção romântica da arte psicologia moderna quanto à questão do inconsciente como fonte da criação artística. Para o Romantismo, o mundo do não-consciente, do anímico, dos sonhos, era a fonte primeira de que fluíam os sucessivos materiais do ato estético: as sensações, as idéias e, finalmente, a forma artística. Narciseamente voltado para seu fazer artístico, o romântico desenvolveu toda uma poética, na qual o termo “mimesis”, apesar de ausente nos textos críticos do Romantismo, assume uma significação esteticamente revolucionária. Fincado no coração de toda reflexão estética, o conceito de “mimesis”, herdado da filosofia em sua mais lídima fonte grega, equivale à origem e essência da arte. Qualidade da arte e sua dimensão totalizadora, a recepção estética da “mimesis” reveste-se, no entanto, de uma ambigüidade inquietante, esquiva e embaraçosa, o que, certamente, terá levado os românticos a um certo desprezo por esse conceito. Contudo, operam esses artistas com a categoria da “mimesis” nos inúmeros fragmentos de ars poetica romântica. O velho barco da “mimesis” tem navegado por mares revoltos, inclusive na aventura romântica que buscou, até ao desespero e com um entusiasmo inédito, o belo e o estético confundidos com a verdade e o ético. Fundamentalmente, os românticos conceberam a arte como expressão das emoções do artista e o enfoque cognitivo da arte prevaleceu no conceito de imaginação como faculdade imediatamente captadora da verdade, faculdade distinta e superior à razão. No registro do romantismo, a imaginação é tanto criadora quanto reveladora da natureza e do que se oculta por detrás dela. Com o mesmo radical grego do verbo mimeomai, a “mimesis” é o fato e o fazer-se de fato, cuja tradução seria “repetição criadora” ou “recriação”; no curso da história estética, “mímesis” tem recebido várias leituras e, consoante Luiz Costa Lima, “a experiência da mimesis é histórica e culturalmente variável” (...), “se cumpre dentro de um circuito específico, o da experiência estética”7. Durante séculos, a “mímesis” traduziu-se como espelho da realidade, ideal em Platão, empírica em Aristóteles, sendo a arte, desvalorizada no caso do filósofo de A república, ou valorizada pelo pensador de Poética. Irrompendo o Romantismo, como um furacão, que varre as regras, os gêneros, nobres ou não, os conceitos, os preceitos e os preconceitos de uma arte de classe, longe do povo, filha direta e dileta da razão, senhora absoluta da verdade, rainha do Ancien Régime, a “mímesis” recebeu um outro encaminhamento e a estética romântica define, segundo Abrams: una obra de arte es, esencialmente, algo interno que se hace externo, resultante de un proceso creador que opera bajo el impluso del sentimiento y en el cual toma cuerpo el producto combinado de las percepciones, pensamientos y sentimientos del poeta8 . 7 8 LIMA, (1984, p. 68). ABRAMS, (s.d., p. 39). Ipotesi: revista de Estudos Literários. Juiz de Fora, v 3 - n 1 - p. 117 a 131 121 Latuf Isaias Mucci Com o Romantismo, a mimesis assume um valor originário e original, à medida que potencializada em sua capacidade criativa e não como mera imagem da natureza, do real, modelo de outro modelo, ou, em degradantes termos platônicos, reflexo de uma sombra. Stendhal, aliás Henri Beyle (17831842), toma como epígrafe ao capítulo XIII de seu romance Le rouge et le noir (1830) uma frase de Saint-Réal (1639-1692), abade francês, que consagra a mimesis romântica: “un roman c’est un miroir qu’on promène le long d’un chemin”9; em Pensées et reflexions , livro póstumo, Stendhal relê a epígrafe: “o romance é um espelho transportado por uma estrada. Às vezes reflete, ante seus olhos, o azul dos céus, às vezes a lama das poças da estrada”10. Para Paolo d’Angelo, “a poética romântica nasce como antítese claríssima à poética do classicismo francês, que no século XVII se traduzira nas teorias de D’Aubignac (1604-1676) e Boileau (1636-1711), no século XVIII nas de Voltaire (...)”11. Ao mesmo tempo que “uma espécie de manifesto do movimento”, o famoso fragmento 116 da revista Atheneum , publicada, de 1798 a 1800, pelos irmãos August (1767-1845) e Friedrich Schlegel (1772-1829), pode ser considerado o retrato escrito da mimesis romântica; articulado esse longo fragmento com um outro da mesma revista, o de número 252, têm-se os dois batentes da teoria estética romântica. Ambos os fragmentos são de autoria de Friedrich Schlegel: o fragmento 25212 aborda diretamente “uma teoria estética da poesia”, precisando seu começo como a “antítese absoluta”, a “separação eternamente infranqueável entre a arte e a beleza bruta. Descreveria sua luta e concluiria com a harmonia perfeita da poesia artística e natural”. A seu modo, os românticos retomam, em sua teoria poética, a Antigüidade greco-latina, revalorizando, inclusive a mitologia, que andava encerrada dentro do espartilho do classicismo `a la française. Friedrich Schlegel identifica estética e filosofia: “uma filosofia da poesia como tal começaria com a autonomia do belo”, que se converte na autonomia da mimesis em relação à realidade, tendo a obra de arte um poder transfigurador do real e recriador de uma “segunda natureza”. A filosofia poética ou teoria estética estuda a relação entre poesia e filosofia, “entre a poesia e a práxis; a poesia em geral e os gêneros e espécies, e conclui com sua união total”. Já o fragmento 11613 começa e termina pela definição da “poesia romântica”, que está acima de todos os gêneros, constituindo-se na “própria arte da poesia” que, como enunciado no fragmento 252, tende para a união, para a fusão e mistura de elementos aparentemente separados, como “poesia e prosa, inspiração e crítica, poesia da arte e poesia da natureza (...)”. A poesia romântica é expressão da “totalidade do espírito”, à medida que os autores “que desejavam apenas escrever um romance acabaram nos fornecendo 9 10 11 12 13 122 DE STENDHAL. (1928, p. 75). Apud LOBO (1987, p.146). D’ANGELO, Paolo. (1998, p. 143). LOBO, op. cit. p. 63. Ibid. p.55-6. Ipotesi: revista de Estudos Literários. Juiz de Fora, v 3 - n 1 - p. 117 a 131 A concepção romântica da arte um retrato de si mesmos”. A arte se torna, portanto, o retrato de uma realidade interior. À imagem do retratado F. Schlegel associa outra imagem colada à poesia, quando escreve o que consideramos o cerne deste célebre fragmento: (...) a poesia (...), um espelho do mundo circundante, imagem da época. E entretanto, é ela que pode também — mais que qualquer outra forma —, livre de qualquer interesse real ou ideal, pairar a meio caminho entre o retratado e o retratista, nas asas da reflexão poética, e elevar incessantemente esta reflexão a um poder cada vez mais alto, multiplicá-lo numa sucessão infinita de espelhos14. Ao falar de “espelho”e de movimento, esse trecho reporta ao fragmento de Stendhal, acima citado, que define o romance como “um espelho transportado por uma estrada”. Evolução, progresso, dinamismo são características da mimese romântica, que é mimese orgânica, energética como a vida. Em sua criatividade, o poeta romântico tem liberdade absoluta, sem que “nenhuma lei” o domine em sua busca incessante, infinita mesmo, de seu “ideal”, que se sabe tratar-se do ideal da totalidade, da harmonia, da união. O movimento egotista do Romantismo centra-se no pólo do imaginário e a mimese é total; dessarte, a “verdadeira essência”da poesia romântica, “universal progressiva” é “o eterno devenir”, já que se encontra in fieri, um gênero “sem jamais se dar por acabado”. Schlegel termina seu “manifesto”declarando que a poesia se confunde com a própria poesia romântica, “pois num certo sentido toda poesia é ou deveria ser romântica”. Em Teorias do símbolo, Todorov considera que o fragmento 116 do Atheneum condensa “todos os traços característicos da estética romântica (...).”15 Embora fundamentalmente antiga, a idéia de que obra de arte é, em certo sentido, um símbolo, adquiriu no Romantismo nova relevância. Se Goethe distinguira a alegoria — uma combinação mecânica do universal e do particular — do símbolo — unidade concreta —, os irmãos Schlegel seguiram-no. Os poetas ingleses, sobretudo Wordsworth (1770-1850), elaboraram uma nova poesia lírica, na qual a paisagem visível se apropriava dos atributos da experiência humana. Quando o fragmento 116 de F. Schlegel, falava de uma “sucessão infinita de espelhos” (mais tarde, essa expressão traduzir-se-ia por mise en abyme), aí poderíamos ver o emblema da estética romântica, tomada num de seus pontos axiais: o símbolo. Sintetizando na palavra “símbolo”, a estética do Romantismo, Todorov pondera que “(...) toda a estética romântica seria, então, no fim das contas, uma teoria semiótica”. 16 Etimologicamente, o termo “símbolo” vem do grego symballein, que significa “arremessar junto”, e era, originariamente, um comprovante, como, 14 15 16 Ibid. p. 56. TODOROV (1979, p. 201). Ibid. p. 203. Ipotesi: revista de Estudos Literários. Juiz de Fora, v 3 - n 1 - p. 117 a 131 123 Latuf Isaias Mucci por exemplo, as duas metades de uma tabuleta, que as partes contratantes recebiam. Mais tarde, “símbolo” tornou-se sinal distintivo, denotando filiação a uma religião ou uma dignidade recebida, como o cetro e a coroa. Como a téssera dos romanos o símbolo surgiu como senha identificadora. Em “O simbolismo nas artes plásticas”, Aniela Jaffé afirma: A história do simbolismo mostra que tudo pode assumir uma significação simbólica(...). Com sua propensão para criar símbolos, o homem transforma inconscientemente objetos ou formas em símbolos (confe rindo-lhes assim enorme importância psicológica e lhes dá expressão (...). 17 A partir da filosofia de Schelling, que vê na obra de arte a reconciliação duma dissonância, uma aspiração contida em infinito, o símbolo emerge na estética romântia como a articulação entre o real e o ideal. Quando a idéia se encarna, torna-se símbolo. Uma vez que a obra de arte é produto da intuição do artista, a intuição artística é a intuição intelectual objetivada. O idealismo absoluto da doutrina de Fichte (1762-1814) encontra a unidade, a síntese indissolúvel do sensível e do intelectual que, através do processo indefinido da evolução, se reconciliam na história. Realiza-se, então, no curso da história, a harmonia entre o consciente e o inconsciente. Luiza Lobo vê na articulação das doutrinas de Fichte e de Schelling, a base da “ênfase existente na visão estética do mundo durante o Romantismo”. 18 Tendo como solo um sistema filosófico idealista, os românticos construíram uma teoria poética igualmente idealista, transcendental, símbólica, na qual o finito representa o infinito, que é a beleza. Escrever poemas singifica, em suma, simbolizar, tornando-se o sentido da arte a interpenetração do significante e do significado, a convergência total, o encontro indissolúvel das duas parte de um “contrato”. Em alemão, língua do préromantismo, do Romantismo clássico e do Romantismo moderno, “símbolo” se diz sinnbild, que junta duas palavras orientadoras de significação: de um lado, sinn quer dizer “sentido”, e de, outro, bild traduz-se por “imagem”. Em sua mais legítima origem, o símbolo romântico é uma imagem com sentido. O fragmento 119 do Atheneum alerta para a importância do símbolo, quando diz que: “mesmo aquelas metáforas que parecem simplesmente arbitrárias têm com freqüência profunda significação (...)”. 19 Além de Prometeu, um dos símbolos recorrentes do Romantismo, Satã faz sua aparição fantástica como símbolo especial, como se pode ler no fragmento 379, de F. Schlegel: 17 18 19 124 JAFFÉ, (s.d., p. 232). LOBO, op. cit. p. 13. Ibid. p. 56. Ipotesi: revista de Estudos Literários. Juiz de Fora, v 3 - n 1 - p. 117 a 131 A concepção romântica da arte É possível que o Satã dos poetas italianos e ingleses seja mais poético, mas o Satã alemão é mais satânico; nesta medida, podese dizer que Satã é uma invenção alemã. Inquestionavelmente, ele é um dos favoritos dos poetas e filósofos alemães (...).20 O homem torna-se ele próprio um símbolo, como se pode ler no já citado fragmento 406 do Atheneum: “Se cada indivíduo infinito é Deus, então há tantos deuses quantos ideais (...)”. 21 O homem alter deus, a religião da arte: eis a estética romântica, definindo-se transcendental, propugnando por um ideal, buscando um mundo divino na terra, almejando a harmonia e a “poesia cuja essência está na relação entre o ideal e o real (...)”. 22 Como sempre, a mistura romântica da poesia e da filosofia, segundo a meditação de Novalis, em seu “fragmento logológico” de número 45: A poesia transcendental é um misto de filosofia e de poesia. No fundo, ela abraça todas as funções transcendentais e de fato contém o transcendente na totalidade. O poeta transcendente é, em suma, o homem transcendente em sua totalidade.23 Para o filósofo-poeta (ou poeta-filósofo, pois a ordem dos fatores não altera a produção artística) Novalis o mundo é, em sua “construção simbólica”, um símbolo. Com os românticos surge, na literatura e na teoria literária, uma distinção que se tornará fulcral e obterá uma longa fortuna crítica: a distinção entre símbolo e alegoria. Se antes do Romantismo já existia o tropo “alegoria”, com a estética romântica o sentido de alegoria inverte-se totalmente, dando margem a especulações, reflexões e mudanças de rumo. Recorrendo à etimologia, vemos que “alegoria” deriva do grego: allos significa “outro” e o verbo agoreuien quer dizer “falar na ágora”, “dizer”; “alegorizar” significa, portanto, em sua origem, “dizer o outro”, “falar uma coisa para significar outra”. A retórica greco-latina considerou a alegoria como um ornatus, um ornamento do discurso, uma metáfora além desse sentido de construção do discurso, de técnica metafórica, existiu, na Antigüidade clássica e na Idade Média, um outro sentido para “alegoria”, que consistia na interpretação religiosa dos textos sagrados; a alegoria literária ficou, então, conhecida como “alegoria dos poetas”, ao passo que a alegoria interpretativa foi chamada de “alegoria 20 21 22 23 Ibid. p. 68. Ibid. p. 69. Ibid. p. 56. Ibid. p. 83. Ipotesi: revista de Estudos Literários. Juiz de Fora, v 3 - n 1 - p. 117 a 131 125 Latuf Isaias Mucci dos teólogos” ou “alegoria dos padres”. Os românticos deixaram de lado a alegoria interpretativa ou hermenêutica e só consideraram a alegoria literária aquela que estabelece a fronteira entre sentido próprio e sentido figurado. Se a retórica clássica não distingue muito claramente os tropos “metáfora”, “alegoria”, “metonímia” e “sinédoque”, os artistas românticos romperam com essa condensação, essa fusão de termos e conceitos literários, que muitas vezes até incluía a alegoria eclesiástica. Acabando com uma inocência original a estética romântica rompeu a união secular do símbolo com a alegoria. Todorov localiza já em Karl Philipp Moritz (1756-1793) o ponto de “nascimento da semiótica ocidental”e o gérmen de toda a doutrina estética do romantismo”. 24 Depois de demonstrar que Goethe deve muitas de suas idéias a Moritz, a quem “protegia”, o autor de Teorias do símbolo estabelece a doutrina de Goethe como o início romântico da separação entre símbolo e alegoria. Conforme Schelling já o fizera, Goethe conceitua a alegoria como invólucro ou revestimento exterior de uma abstração, como processo do “particular para o universal”, enquanto que o símbolo representa uma maneira intuitiva e sensitiva de apreensão das coisas. Sendo temporalmente sucessiva, a alegoria é, então, considerada pelo intuitivismo e expressionismo da poética romântica uma forma inferior de conceito, à medida que o símbolo é o universal no particular, e a alegoria é o particular para o universal. Partidários do orgânico e do mito, os românticos viam a alegoria como mecânica, artificial e convencional, ao passo que o símbolo define-se como orgânico, expressão do gênio-poeta, revelada a partir do interior espiritual com contato com a natureza. Arbitrária, porque imotivada, a alegoria é o contrário do símbolo, que é motivado, com significantes inesgotáveis. O símbolo exprime o indizível e “(...) a face simbolizante e a face simbolizada estão em constante interpenetração; por outras palavras, o simbolizante significa, mas não é por essa razão que deixa de ser”. 25 Como a mimese, o símbolo possui na concepção romântica da arte, autonomia, mesmo se, em seguida, significa; inversamente, a alegoria só existe para significar, é uma imitação. Parodiando Abrams, diríamos que o símbolo é um sol (“o sol brilha por si”, entoa um lancinante blue do Djavan) e a alegoria é um refletor. Na beleza da casa romântica, resplandece o símbolo - flor essencial — e é relegada a alegoria - flor de plástico. No fragmento 105, F. Schlegel sentenciou: “a filosofia de Schelling que poderia ser chamada de misticismo repassado de crítica - se conclui, como o Prometeu de Ésquilo, em terremoto e ruínas”. 26 De fato, um dos mais importantes contributos dos autores românticos foi o caráter crítico de sua 24 TODOROV, op. cit. p. 157. 25 Ibid. p. 218. 26 LOBO, op. cit. p. 55. 126 Ipotesi: revista de Estudos Literários. Juiz de Fora, v 3 - n 1 - p. 117 a 131 A concepção romântica da arte reflexão poético-filosófica, que alterou a face da literatura causando sismos na estética. Sem dúvida que uma das principais alterações refere-se à mimese que, considerada até o século XVIII como cópia, imagem e mero espelho, passou a ser entendida e praticada como representnação autônoma, recriação, “lâmpada””; o itinerário da mimese não parou no movimento do Romantismo, que já tinha declarado em seu “manifesto”, ser a poesia romântica, vale dizer toda poesia, “progressiva”, cuja evolução está essencialmente articulada com a investigação filosófica da poesia. Transgressão radical do modelo clássico, a mimese romântica inaugurou aberturas que prepararam a modernidade da obra de arte. O Romantismo fez com que a mimese voltasse às suas reais origens, que compreendiam uma dimensão verbal — imitare — e uma dimensão substantiva — imitatio —, à medida que deslocava o foco para uma tríplice instância: a criação, o sujeito criador e o objeto criado. Opondo-se à estética romântica, mas na sua esteira questionadora da tradição, os marxistas negam o conceito de criação, porque o consideram como resultante de uma ideologia alienada, uma vez que vinculada ao humanismo e à arte como religião. Em lugar da mimese como criação, os seguidores de Marx colocam a mimese como produção. Segundo Vítor Manuel de Aguiar e Silva: Em Marx o vocábulo “produção” apresenta um espectro bastante amplo: “produção social”, “relações de produção”, “modo de produção da vida material”, “produção das idéias, das representações da consciência”, produção espiritual, tal como ela se manifesta na linguagem da política, das leis, da moral, da religião, da metafísica, etc., de um povo, “produção artística”. 27 A autonomia da mimese romântica representou a autonomia da obra de arte face ao real, caracterizando a ruptura da causalidade realista, quando, por suas próprias transfigurações, a irrealidade começou por adquirir existência, enquanto que, na mimese da produção o que conta é “o autor como produtor”, segundo a expressão de Walter Benjamin, estando o objeto de arte dependente das relações sociais e das técnicas de produção. Outra etapa da evolução da estética moderna é o formalismo russo, que parece desconhecer ou ignorar os conceitos de criação e de criador, tão relevantes no Romantismo, dirigindo sua atenção quase exclusivamente para uma leitura imanente do texto, que rejeita análises originadas de perspectiva histórica metafísica, biográfica, psicológica. Para os formalistas de qualquer cepa, a ”tecnologia literária” torna-se praticamente absoluta, constituindo-se o texto a única realidade, que tem como essência a intransitividade, a opacidade, a nãoreferencialidade. No entretanto, esse caráter de intransitividade não esteve de 27 AGUIAR E SILVA, (1986, p.211, passim). Ipotesi: revista de Estudos Literários. Juiz de Fora, v 3 - n 1 - p. 117 a 131 127 Latuf Isaias Mucci todo ausente da estética romântica, conforme assinala Todorov, em Teorias do símbolo28, e de acordo com a observação de Luiza Lobo: Com Humboldt, Schelling e Herder, a linguagem não é ergon (obra), mas atividade (energeia). Passa-se, assim, no Romantismo, do eixo da expressão para o da mimese dentro da linguagem, do eixo das formas vazias , prévias ao discurso, metafísicas e transcendentais, para uma arte criadora, atualizada, enquanto real e existência.29 Desvinculada da verossimilhança que fizera uma carreira plurissecular, a mimese trabalha, segundo o código romântico, no pólo da linguagem, elaborandoa com tintas místicas, míticas e intimistas, no sentido do imaginário, da fantasia, do fantástico e do sobrenatural. Com efeito, a investigação da linguagem, na instância da imaginação, consituiu-se uma das linhas-mestras da literatura romântica. Ao mesmo tempo que vigorou no Romantismo a estética do símbolo, surgiu ou preparou-se, paradoxalmente, a estética do fragmentário, a “estética do instante” (Bachelard), em que viria a se constituir a arte do modernismo e do pósmodernismo. Postulado fundamental da estética contemporânea o fragmento teve suas origens em pleno Romantismo. Os românticos elaboraram e vivenciaram paradoxos essenciais, dentro os quais assoma sua ânsia de totalidade, de união e o seu refletir e fazer poético-filosófico fragmentários. No fragmento 24 do Atheneum, F. Schlegel afirma que “muitas das obras dos antigos se tornaram fragmentos. Muitas das obras modernas já foram escritas como fragmentos”.30 A escrita fragmentária “é o literário que duvida de si mesmo, que se instaura e questiona ao mesmo tempo; ensaio em proveta ou arcabouço de ensaio”.31 O texto romântico é “uma coroa de fragmentos” ou são memórias, e “as memórias constituem um sistema de fragmentos”, como enuncia o fragmento 75.32 O fragmento, esse “porco-espinho”, como o designou F.Schlegel no fragmento 20633, ressurgiu no Romantismo para fazer uma carreira de ruínas no modernismo e no pós-modernismo. Se a estética do Romantismo é a estética do símbolo, a estética do modernismo é a estética da alegoria, e o símbolo romântico é aquela “agústia feita coisa”, de que fala Sartre, ao contemplar uma tela de Tintoretto (1518-1594): Cette déchirure jaune du ciel au-dessus de Golgotha, le Tintoret ne l’a pas choisie pour signifier l’angoisse, ni non plus pour la provoquer; elle est angoisse, et ciel jaune em même temps. 34 28 29 30 31 32 33 34 128 TODOROV, op. cit. p. 180-3. LOBO, op. cit. p. 14. Ibid. p. 51. LOBO, op. cit. p. 13. LOBO, op. cit. p. 54. Ibid. p. 60. SARTRE (1948, p. 61). Ipotesi: revista de Estudos Literários. Juiz de Fora, v 3 - n 1 - p. 117 a 131 A concepção romântica da arte Conceito estratégico da literatura moderna, a alegoria deve sua “regeneração” a Walter Benjamin (1892-1940), em seu livro Origem do drama barroco alemão. Ao conceito romântico da obra de arte como “promesse de bonheur “ (Stendhal), Benjamin opõe a noção de perda, “ruína”, já expressa por Charles Baudelaire (1758-1867) — inaugurador da modernidade em literatura —, sobretudo no célebre poema “A une passante”35 — que celebra, no espetáculo das ruas parisienses, “la douceur qui fascine et le plaisir qui tue”, oxímoro que o sintagma “fugitive beauté” emblema com perfeição. Questionando o ideológico na estética do símbolo, que concebia a arte como expressão da totalidade, o pensador alemão reabilitou a alegoria que os românticos consideraram artificial, convencional, uma arte capciosa; ao valorizar o símbolo e ao conceber a arte como captação da totalidade do real, o Romantismo professava, segundo Benjamin, uma filosofia de substrato teológico. A estética benjaminiana da alegoria vê a obra de arte como “ruína” de algo que não houve, dado que a literatura versa sobre um mundo ficcional. Trata-se, portanto, de uma radical rejeição da ótica romântica que considerava a alegoria uma forma essencialmente antiartística, simples técnica de ilustrar visualmente uma idéia abstrata, em oposição ao símbolo, que representa “a busca, pelos estetas românticos, de um saber absoluto, brilhante e em última instância inconseqüente (...)”. 36 No entanto, há o reconhecimento do contributo dos autores românticos: Mas é precisamente o uso fraudulento do “simbólico” que permite investigar em toda a sua “profundidade” todas as formas de arte, contribuindo desmedidamente para o conforto das investigações artísticas.37 Benjamin afirma até que a teoria do símbolo de Friedrich Creuzer (1771-1885) “é indiretamente de grande valor para o conhecimento do fenômeno alegórico”38; ora, Creuzer celebrizou-se pelo livro Símbólico e mitologia dos povos da Antigüidade, que data de 1810, e sobre o qual pondera também Todorov: Creuzer acrescentou ao repertório romântico uma categoria em que não se pensara antes, mas que se vai voltar a encontrar na estética do século XX (e que será reavivada particularmente por Benjamin).39 35 36 37 38 39 BAUDELAIRE (1986, p. 68-9). BENJAMIN (1984, p.181). Ibid. p.182. Ibid. p. 185. TODOROV, op. cit. p. 220. Ipotesi: revista de Estudos Literários. Juiz de Fora, v 3 - n 1 - p. 117 a 131 129 Latuf Isaias Mucci A “categoria” a que se refere a citação acima diz respeito ao tempo: o símbolo é simultâneo, ao passo que a alegoria é sucessiva; o primeiro liga-se ao desenrolar do tempo, ao narrativo, ao passo que a segunda “suspende o tempo”. Ruína, ou caveira, a alegoria, na clave benjaminiana, expressa-se “sob a forma de um enigma” e fere a velha estética romântica: Na esfera da intenção alegórica, a imagem é fragmento, ruína. Sua beleza simbólica se evapora, quando tocada pelo clarão do saber divino. O falso brilho da totalidade se extingue.40 Ainda pagando tributo à estética romântica, o escritor de Origem do drama do barroco alemão (1928) considera fundamental a relação entre o fragmentário e o alegórico e reconhece Jean Paul Richter (1763-1825), dito Jean Paul, como “o maior alegorista entre os poetas alemães”. 41 Criticando a concepção da arte como símbolo, propõe Benjamin a alegoria como noção central para uma estética moderna; na alegoria, o que é representado é a morte que, ao mesmo tempo, permite construir a alegoria. Se a crítica da concepção romântica da arte permitiu a Walter Benjamin construir toda uma reflexão sobre a alegoria moderna, pode-se dizer que tanto a modernidade quanto a pós-modernidade constituem-se, em sua condição de fragmentos, estilhaços, “cenários em ruínas”, herdeiras incontestes do Romantismo. No fragmento número 424 do Atheneum, lemos: Pode-se considerar a Revolução Francesa como o maior e o mais notável fenômeno da história política, como um terremoto quase universal, uma imensa inundação no universo político, ou como um arquétipo de revolução, a Revolução per se. São esses os pontos de vista habituais. Mas pode-se também encará-la como o centro e o ápice do caráter francês nacional, na qual se acumulam todos os paradoxos; como o aspecto mais assustadoramente grotesco da época, ou onde os mais profundos preconceitos e os mais brutais pressentimentos se misturam num temível caos e se tecem tão bizarramente quanto possível para formar uma monstruosa comédia humana. Para se desenvolver estas visões históricas, só se encontram traços isolados.42 Mutatis mutandis, não se figura esse longo fragmento um símbolo, ou uma alegoria, da própria Revolução Romântica, com seus fausta dicção de paradoxos? 40 BENJAMIN, W. op. cit. p. 198. 41 Ibid. p. 210. 42 LOBO, op. cit. p. 70. 130 Ipotesi: revista de Estudos Literários. Juiz de Fora, v 3 - n 1 - p. 117 a 131 A concepção romântica da arte Referências Bibliográficas ABRAMS, M.H. El espejo y la lámpara. Buenos Aires: Editorial Nova, s.d. AGUIAR E SILVA, Vítor Manuel de. Teoria da literatura. 7.ed. Coimbra: Almedina, 1986. BAUDELAIRE, Charles. Les fleurs du mal. In: ___ Oeuvres complètes. Paris, Robert Laffond, 1986. BENJAMIN, Walter. Origem do drama barroco alemão. São Paulo, Brasiliense, 1984. BOSI, Alfredo. História concisa da literatura brasileira. São Paulo Cultrix, 1984. CARPEAUX, Otto Maria. História da literatura universal. Rio de Janeiro: Alhambra, 1987, v. V. D’ANGELO, Paolo. A estética do Romantismo. 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