ENTREVISTA 6
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E. Dona Céu ia-lhe perguntar: a sua idade?
e. 57 anos
E. E o seu estado civil?
e. Casada.
E. E a sua escolaridade?
e. quivalência ao 12º ano.
E. E agora, neste momento, eu sei que se encontra reformada.
e. Aposentada. (risos)
E. Aposentada. E o que é que fazia anteriormente?
e. Trabalhava na Câmara Municipal de Anadia.
E. Aqui em Anadia. Na secção de Recursos Humanos, não era?
e. Nos Recursos Humanos, sim!
E. Pronto, vamos então iniciar a nossa entrevista, já a contextualizei um bocadinho
antes de nós começarmos e eu ia perguntar-lhe: há quanto tempo é que é
voluntária aqui, neste hospital?
e. Neste hospital tive a primeira reunião há…
E. Já não se recorda bem!
e. Foi há um mês atrás!
E. Foi quando foi fazer aquela formação, não é?
e. Foi, foi, foi, foi há pouquinho tempo.
E. Há relativamente, foi há um mês que foram encaminhadas!
e. Foi, foi, foi há um mês, mês e…foi, foi, foi.
E. Entretanto…
e. Eu acho que a minha mãe já tinha morrido, porque a minha mãe fez ontem dois
meses…foi, foi p‟raí há um mês!
E. Que na altura eu até lhe perguntei se sempre queria vir à formação ou não e
recordo-me que foi por esse motivo que lhe perguntei.
e. Foi, foi, foi, foi, foi.
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E. Por isso é que tenho a certeza. Entretanto, fora do hospital, também já está a
fazer voluntariado noutro local.
e. Estou, na Santa Casa da Misericórdia de Sangalhos, aí desde Fevereiro de 2008.
E. Que já é há algum tempo, também. E como é que começou a ser voluntária?
e. Quando comecei o quê? Porquê, não?
E. Sim. Também lhe vou perguntar se teve algum motivo especial.
e. Tive, tive, foi uma coisa que sempre me agradou desde muito miúda, sempre gostei
de estar lá, estar lá, se precisassem de mim. Achei que tinha, tenho jeito para ouvir,
conheci uma senhora, a senhora Zulmira, que já morreu há também bastante tempo, e,
então, ela estava doente e eu todas as semanas ia lá, a casa dela, e ela no fim dizia”Ah,
então tenho dito ao meu marido tantas vezes, é tão bom a Céu vir aqui, assim, conversar
connosco, é mesmo bom, nós ficamos mesmo bem!”. Então, nessa altura, eu pensei:
“Quando me aposentar é mesmo isto que eu vou fazer!”.
E. E já foi há muitos anos que teve essa situação?
e. Sim, já foi p‟aí há uns 10 anos.
E. Ficou, então, essa vontade…
e. Já havia, já havia qualquer coisa e então ainda ficou a vontade maior!
E. E como é que, como é que começou? Eu sei que a dona Céu está inscrita no
Banco, não é?
e. Estou.
E. Os primeiros passos foi, então…
e. Foi a inscrição no Banco.
E. No, no Banco Local de Voluntariado e depois aguardar algum tempo…
e. Aguardar, entretanto veio a minha aposentação – coincidências ou não, foi logo a
seguir! (risos)
E. Exacto, calhou mesmo no timing certo!
e. Calhou mesmo bem! (risos)
E. Para além desse motivo de sentir, assim, essa, essa, vontade de querer ajudar
alguém, tem mais algum motivo que a levou a querer fazer especificamente aqui no
hospital? Algum, algum, algum… motivo, algum aspecto que …?
e. Na altura eu tinha pensado: bem, o hospital era diferente daquilo que é hoje, não é?
Havia, não sei como é que isto se chama, são serviços diferentes.
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E. Agora …
e. Pois, antigamente havia, não sei como é que se chamava o outro serviço, que existia,
mas a vontade para vir para o hospital de Anadia, aqui assim, bem, vou lá, ao hospital
de Anadia, porque estão lá pessoas, com certeza que terão alta, vão para casa e, depois,
eu pensava fazer o acompanhamento em casa. De vez em quando, não é? Dada à
situação da senhora Zulmira que eu já conhecia. E, claro, isto agora é diferente.
E. É uma unidade de convalescença, não é?
e. É uma unidade de convalescença, agora é diferente, por aqui, por a experiência que
eu tenho vindo a ter aqui, assim, são pessoas, que, de longe, a maior parte são de longe,
Águeda, às vezes vêm de Ovar, desde que eu aqui estou, Ovar, para o lado de Leiria,
também. Não sei se dá para fazer isso, que eu estou, que eu tinha pensado.
E. Se calhar em algumas dará, porque algumas serão aqui também do concelho,
mas, mas não todos, não é?
e. Algumas darão, pois, claro, sim. Do concelho, pois, sim. Mas não todos. Porque são
situações completamente diferentes, não é?
E. Em que sentido?
e. Parece-me que, assim, já são pessoas com outro tipo de doença, e talvez ou vejo
muita gente, embora isto ainda não seja de doenças terminais, mas parece-me que uma
boa parte, será mais de doenças terminais.
E. Tem alguns casos que têm patologias já assim…
e. Sim, sim. Crónicas já, assim já quase no final da vida, penso eu!
E. Sim, sim. Se calhar alguns estão enquadrados aqui dessa forma, como está a
referir, porque até em conversa com os técnicos sei que isso é verdade. No entanto
a unidade especificamente, …
e. É de convalescença.
E. É de convalescença.
e. É, é.
E. O que à partida nós pensamos que só alguns, são pessoas que vêm aqui
recuperar.
e. Mas não é isso, quer dizer, mas também há situações, porque ainda agora e aí um
senhor da Muleita e ele recuperou! Não sei ele, ele não soube dizer qual era a doença
dele, mas também não interessa para o caso, mas o que é certo é que ele, desde o
primeiro dia que entrou aqui, e até teve alta na 6ª feira passada, notava-se melhoras,
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portanto, há convalescença, há situações em que há, mas por aquilo que eu tenho visto,
não devem ser muitos.
E. Pois, já são pessoas noutra, noutra fase.
e. Pessoas noutra fase.
E. Por um lado, se calhar, até é bom, para a dona Céu, no sentido de pensar que se
fossem todos daqui, também não conseguia fazer aquele acompanhamento a todos,
assim só alguns pode ser que… (risos)
e. Ah pois, sim. É natural, é natural, é natural, sim, é natural.
E. …que consiga fazer esse apoio! Para além de… diga, diga, ia dizer alguma
coisa?
e. Não.
E. Para além desse motivo que me estava a dizer, da senhora que conheceu, teve
algum outro motivo relacionado com algum episódio de saúde da sua família, com
alguma coisa que a levasse, de certo modo, a estar mais ligada a esta questão de
querer fazer no hospital? Não ou…?
e. Não, não, apesar da minha irmã ter tido cancro, não é, pois, não, não foi a doença
dela, não. Da minha mãe, apesar dela também ter estado doente, também não foi.
Porque a minha mãe, sempre é minha mãe, e a minha irmã, portanto, sempre tiveram
companhia, sempre a família, esteve sempre, sempre por perto.
E. Com elas?
e. Relativamente à senhora Zulmira, a situação já era diferente, já era outra, pois. Ela
também tinha a família, só que os filhos trabalhavam muito longe e ela estava isolada,
sozinha em casa. Ela e o marido e o marido cego.
E. Humm, humm.
e. Entretanto eu apercebi-me da situação e eles só comiam quando a filha, uma das
filhas chegava a casa, que era por volta das três, três e meia. Era mais…
E. Claro, era…
e. E, então hoje sei também que há muita gente doente e não só, velhotes também, que
estão isolados, só que eu não sei onde é que eles estão.
E. Humm, humm. E essa senhora não recebeu, então, ajuda de nenhuma
instituição, que fosse lá, da alimentação ou..
e. Ela não gostava.
E. Pois, há casos assim.
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e. Ele não gostava, pois, também. O problema também era esse! (risos). Penso que ainda
lá levaram comida algum tempo, mas, mas depois também era o mesmo problema! Eles
deixavam a comida em cima da mesa e depois… [ouve-se um estalo com os dedos, a
representar o som de alguém a escapulir-se rapidamente]. Ela não conseguia andar, o
marido era cego, depois também…
E. Precisava de outro apoio!
e. Precisava de outro apoio.
E. Ó dona Céu, tem…como é que se caracteriza enquanto voluntária? Como é que
acha que é enquanto voluntária?
e. Oh, eu acho que sou dedicada, faço por ser disponível, penso que sou atenciosa…
E. E, e na maioria das vezes quando faz voluntariado aqui ou no lar, não sei se tem
muitas diferenças ou não, qual é que acha que é, assim, o que tem de dar mais de
si? Tem que ser ouvinte, tem que ser conversadora, tem que ser…o que é que tem
que fazer?
e. Eu acho que, essencialmente, é ouvinte. Pelo menos a parte de Sangalhos e até aqui,
aqui, aqui…é a doença, portanto, é a doença, as pessoas, às vezes, retraem-se muito em
falar delas próprias, tanto que há aí uma senhora, nem sei se já teve alta de vez, que “a
minha família e a minha situação não vem par o caso”, portanto, as pessoas quando
ficam doentes quase que acham que aquilo é um mal, que é peste, que é não sei quê e, e
não gostam muito de falar, das situações. Enquanto que em Sangalhos, no lar de
Sangalhos, as pessoas gostam de falar, parecem-me mais acolhedoras. (risos)
Engraçado, não é?
E. Só querem que chegue alguém para as ouvir!
e. É, que, que chegue alguém para as ouvir, nem que seja para dizer mal da comida, nem
que seja para dizer mal da colega do lado que ressona muito e não conseguem ouvir e
por isto e… mas, engraçado, parecem-me acolhedoras!
E. Se calhar, porque são esses os aspectos também que, no fundo, fazem parte do
dia-a-dia deles, não é? Tipo, são o que eles lidam todos os dias!
e. Pois, pois, claro., pois. E depois lá em Sangalhos, também há muitas situações de
Alzheimer, ora isso, isola a pessoa. A pessoa não é conversadora, não fala, não… e,
depois, os que falam, meu Deus! (risos) mas é bom!
E. Tem que ser, então, muito, muito ouvinte, não é?
e. Gosto, sim, sim, sim.
E. Também lhe queria perguntar: em que serviços do hospital é que é voluntária?
É, é na unidade, não é?
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e. É, na unidade de convalescença.
E. Penso que vocês fazem voluntariado…
e. Sim, nós também viemos aqui ao piso, ao piso ali de cima das cirurgias, mas… mas é,
é, essencialmente, lá em cima, na convalescença.
E. Teve algum tipo de formação específica antes de iniciar o voluntariado?
e. Não, não tive. Não tive, considerando que no início de Fevereiro de 2001, entrou um
papel da formação, não sei se isso é considerado…
E. É uma formação geral, para todos, não é?
e. É geral, para todos, pois. Eu pensei que era individual, não.
E. Tiveram aquela cá no hospital com os técnicos, não foi?
e. Também tivemos, agora este ano, sim.
E. E, e acha que esse dia foi importante?
e. Foi, foi importante. Se bem que para mim não foi novidade nenhuma, não é? (risos)
para os doentes em casa não foi novidade, mas foi bom, mas é bom, é sempre bom.
E. Essa, então, foi no hospital?
e. Foi, foi.
E. Foi específica?
e. Sim, sim.
E. Relativamente, aqui, ao hospital.
e. Sim.
E. Ia-lhe perguntar: que tipo de apoio é que é prestado pelo hospital ou outras
entidades às voluntárias? A nível de apoio que vocês possam receber enquanto
voluntárias.
e. Não estou a perceber.
E. Quer dizer, se aqui no hospital há alguém, a quem vocês podem recorrer?
e. Há, há a coordenadora.
E. Se calhar vocês não vêm sempre, mas se precisarem de alguma coisa em termos
de apoio…
e. Pois, pois. A nível das voluntárias, pois, acho que é a Dr.ª Paula, a coordenadora e lá
no lar de Sangalhos, é com a Dr.ª Graça.
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ENTREVISTA 6
E. É a directora técnica, não é, neste serviço?
e. É. Lá no lar de Sangalhos fomos muito bem recebidas.
E. É. Já tive oportunidade de trocar também algumas impressões com ela. Há
regras específicas por parte do hospital que vocês têm que seguir? Alguma regra
específica do que é que nunca podem fazer? Alguma indicação, assim, precisa?
e. Há. A indicação é que nós não devemos interferir no serviço. Nós somos voluntários,
não temos que substituir funcionário nenhum e temos que respeitar a hierarquia e as
regras do hospital.
E. Especificamente, no sentido de, de, do…por exemplo, de os mobilizar ou não,
não é? Portanto, na relação com o próprio doente, não é? Não interferir com…
e. Sim, sim.
E. Então acha que essa é a regra número um? Respeitar todas as…
e. Ai, eu acho que sim, sim.
E. …todos os profissionais…
e. Exacto, sim, vários. Sim.
E. … e a equipa que está no hospital? Então, qual é que acha que é o papel do
voluntário que vem cá ter com os doentes?
e. É estar ao lado, é tentar apoiá-lo, é tentar ajudá-lo, dar-lhe força, é estar com eles!
E. É ter aquele momento de estar…
e. É, de estar … partilhar com ele a doença dele, gostar dele, acho que é isso.
E. No fundo, é dedicar-lhe aquele momento a 100%.
e. É, sim, sim, sim. Acho que sim.
E. E quando a dona Céu diz “encorajar” – como é que se deve encorajar uma
pessoa que está doente?
e. A minha irmã costumava dizer que, esteve doente um ano, e ela ia ao IPO e dizia”Ai,
olha que eu estou mal, mas olha que há lá pessoas mais doentes que eu!”. É mais ou
menos isto que se tenta fazer.
E. É mostrar que há sempre outra parte…
e. É mostrar que há sempre outros que estão muito piores. Pelo menos as pessoas que
estão aqui estão doentes, mas estão a ser acompanhadas, têm a sua família, que também
os acompanha, não é? Enquanto que há outros que não têm nada, que estão sozinhos.
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ENTREVISTA 6
E. É na perspectiva de valorizar aquilo que cada um tem?
e. É, é isso.
E. Quanto tempo é que dedica a este voluntariado, aqui no hospital?
e. No hospital, neste momento é à 4ª feira, das 10 até às 12, 12 e qualquer coisa.
E. E já agora vou-lhe perguntar também: e no lar quanto é que faz, de
voluntariado?
e. No lar, normalmente é à 2ª feira, das 2 até às 5, 5 e pouco. Quando tenho mais algum
dia livre, vou lá sempre, vou lá de vez em quando, não é?
E. Fora dos dias de…
e. Sim, sim, porque está lá uma senhora cega e ela gosta de andar, também gosta de
falar, tem boas pernas, não vê, então quando eu tenho, assim, uns bocadinhos livres, lá
vou eu para dar uma voltinha com a dona Inês.
E. (risos) Leva-a a ir lá, no sentido de saber que ela precisa daquele, daquele
momento.
e. É, e também sei que ela aguarda sempre o dia com muita ansiedade. É de Lisboa, está
lá sozinha.
E. Essa questão que está a referir de guardar, de aguardar com ansiedade,
também nos leva um bocadinho para pensar, aquela questão que também é muitas
vezes visada, que é a questão do compromisso. Quando o voluntário vai fazer
voluntariado nalgum local, ter que ter este compromisso, não é? Porque…
e. Um compromisso. Ah, claro! Ah, pois! Eu costumo dizer que tudo o que faço, faço a
sério. Mesmo a brincar, faço tudo com um compromisso muito a sério.
E. Porque, no fundo, esta, por exemplo, esta senhora que está a dizer, a sua ida lá
é, é, é, digamos, uma coisa que ela anseia com muita vontade.
e. É, é, é, é, é.
E. E o não ir implica que uma pessoa fique completamente defraudada, não é, das
suas expectativas?
e. Uuuiiiii! Pois, claro! É isso, é, é.
E. É fácil organizar a sua vida para fazer aqui e lá? Como é que organiza a sua
vida, para poder ir? É fácil gerir?
(risos)
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ENTREVISTA 6
e. Eu costumo dizer que “querer é poder”! Claro, que há sempre qualquer coisinha que
fica para trás, não é? Mas, por exemplo, costumo dizer, p‟ra, p‟ra fazer outras coisas, à
2ª feira de tarde não, porque tenho que ir p´ra Sangalhos, à 4ª feira de manhã não,
porque tenho que ir p´ro hospital, portanto…
E. É uma prioridade!
e. É, é uma prioridade a ida para Sangalhos, a ida para aqui ou fazer a catequese, são as
três prioridades que eu tenho.
E. Tenta conciliar e colocar noutro dia se, se tiver outra coisa.
e. Sim, sim. Pois, claro. Se tiver outra coisa. Às vezes há jantares ou almoços ou assim e
eu digo não; sim, sim, mas não, nestes dias não! (risos)
E. E, depois, ainda sobram alguns durante a semana, não é? (risos)
e. Pois, ainda sobram. Ainda sobram p‟a música também.
E. „Tá a aprender música. Já me tinha dito, não já,não?
e. Sou artista!
E. Ai é?
e. Já fiz duas audições, de guitarra.
E. É ali na escola de Mogofores?
e. De Mogofores.
E. Já, já me tinha dito que eu sabia, agora ia perguntar para ver se tinha mesmo,
mas já me lembrei! (risos) então, e está a correr bem?
e. ´Ta, tá.
E. E fez duas audições aonde?
e. Já fiz uma em Mogofores, no dia 27 de Março e agora, no dia 27 de Junho, outra ali
aE. ssim, na…no cineteatro.
E. Aahh, na nossa infra-estrutura, a nova do concelho!
e. (risos) Trabalho com os meninos da música….
E. Toca com eles, então?
e. Sim
E. Toca com eles…então Como é que é um dia aqui no hospital? Queria que me
descrevesse assim: desde o momento que entra, quando entra, o que é que a dona
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ENTREVISTA 6
Céu a seguir vai buscar? O que é que vai fazer? Como é que é o dia em termos de,
o dia não, neste caso a manhã.
e. As tardes, neste caso a manhã. Ora, nós entramos, dirigimo-nos lá acima, à salinha
dos voluntários, para trocarmos de equipamento deixarmos as coisas e depois, portanto,
vamos ali para a unidade da convalescença. Então, procuramos estar em contacto com,
com os doentes.
E. Começam nalguma parte específica ou não?
e. Começamos na salinha da convalescença. Assim à hora que nós chegamos, estão ali
já pessoas a fazer fisioterapia e tal e, portanto, nós esperamos ali um bocadinho,
estamos ali um bom pedaço, e depois vamos correndo as enfermarias, os quartos.
E. É à entrada daquela sala do ginásio entre aspas, que eles têm de…
e. É, sim, de funcionar.
E. Sim, sim, sim.
e. Depois, ainda, quando temos tempo de ir ao piso da cirurgia e depois voltamos a ir lá
acima e voltamos, voltamos de volta!
E. Então a vossa prioridade é sempre a unidade?
e. É a unidade, é, sim.
E. Se vos sobrar…
e. Vamos às outras! À cirurgia.
E. No fundo se sobrar, é a questão de se houver, digamos, doentes muito faladores
ou menos faladores, não é? A questão do tempo – porque é que nuns dias sobra o
tempo e noutros não?
e. Depende, porque há dias em que há doentes que têm alta e esses doentes, depois, não
estão, não é? Há menos doentes; outras vezes eles são mais, muito…são mais isolados,
mais… não querem falar, mesmo! Não querem falar, pronto, e nós respeitamos isso.
E. E quando eles não querem falar acha que é porquê? Porque eles estão, por
causa da doença, mal, mal por isso ou estão num quadro psicológico que não lhes
permite?
e. Não, eu penso que é a doença. Eu penso que é a doença que…eu penso que é a
doença, porque vê-se muita situação de Alzheimer e eu sei que isso isola as pessoas e
eles não querem mesmo falar, não é?
E. Porque se calhar já nem conseguem muito bem comunicar, não é?
e. Pois, deve ser isso, deve ser.
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ENTREVISTA 6
E. E o que é que mais gosta no seu trabalho como, de voluntária? Quando está a
fazer voluntariado, o que é que gosta mais?
e. Ai, eu acho que gosto de tudo! (risos) Eu acho que gosto de tudo, mesmo! O
voluntário de Sangalhos é um bocadinho diferente deste voluntário! Gosto mais lá em
Sangalhos, há mais diversidade, empurra-se uma cadeira de rodas, podemos, podemos,
há lá a dona Rosa Belém, quando me vê, chama-me logo, também não fala, chama-me
porque quer mudar de sítio e como ela sabe que eu tenho jeito para, ela nem espera que
se chame a auxiliar; é costume até haver pouca gente a trabalhar, então, há autonomia
para ajudar um, ajudar outro. Portanto, é um bocado diferente. Por vezes ajudo,
também, a dar o lanche a pessoas que têm mais dificuldade.
E. Lá no lar, não é?
e. No lar, sim.
E. Aqui algumas voluntárias também referiram essa questão de dar o lanche, mas
como vem de manhã, já não apanha…
e. Mas o que eu me apercebi aqui do lanche, não há aquela necessidade do lanche, que
acho que as pessoas têm todas autonomia…
E. Sim, sim.
e. Têm mais autonomia do que lá, propriamente, no lar em Sangalhos. Tirando um ou
outro, uma ou outra situação, mas…mas pelo menos desde o mês que eu estou aqui,
assim, não tenho visto muito essa situação.
E. Referiu uma coisa interessante que é, no fundo, o facto de o hospital ter uma
série de recursos, não é? De pessoas específicas para fazer alguma coisa, os
médicos, os enfermeiros, os auxiliares e que o lar, se calhar, tem ali uma
quantidade de pessoas e que existe um bocadinho menos de número, de
funcionários, não é?
e. Sim, sim.
E. E portanto, se calhar, a necessidade; também se junta a vossa maior actividade
em termos de lar, é também porque é necessário fazer coisas!
e. É necessário, também é necessário fazer coisas, se for caso disso. Se virmos o pessoal
lá, as empregadas atrapalhadas, nós, nós ajudamos. (risos)
E. Exacto! Nesse sentido, se calhar, como não é uma unidade de saúde, se calhar,
também não será tão rígido, no sentido de aqui. Como estas pessoas estão doentes,
se houver alguma coisa, algum passo em falso, digo eu, em termos de saúde é mais
complicado do que alguém que …
e. É, pois, é muito mais complicado, porque é assim, a saúde não sabemos bem se
podemos fazer, se podemos dar um copo de água, se podemos fazer isto…
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ENTREVISTA 6
E. Têm que perguntar, não é?
e. É, é. Tem que se perguntar.
E. E se calhar lá já é uma situação um bocadinho diferente.
e. Pois, lá é diferente, sabemos o que podemos, se pedem um copo de água podemos
dar, se querem isto, se querem aquilo… lá, por exemplo, quando é para dar ou
chocolates ou que se leve, assim, um bombonzinho, por exemplo, podemos dar.
Também sabemos que poderá haver situações de diabéticos e não podem comer nada
disso, dessas coisas.
E. Claro.
e. Mas quando há, assim, uma novidade em Sangalhos, nós também perguntamos
sempre, depois eles dão-nos…
E. Claro, para tudo correr pelo melhor, não é?
e. Claro. Claro.
E. E, dona Céu, o que é que menos gosta? ´Tava-lhe a perguntar o que é que mais
gosta no trabalho de voluntária e o que menos gosta. Tem alguma coisa que menos
gosta?
e. Não, até ver, não. (risos)
E. Não tem assim nada…
e. Não, não.
E. Ia-lhe perguntar: como é que é a relação entre as voluntárias e o pessoal do
hospital? Já falámos que cada um tem as suas funções e que vocês respeitam, não,
o espaço de cada um, como é que é a relação? Como é que é a relação entre os
médicos, os enfermeiros, os auxiliares e os voluntários?
e. Olhe eu estou aqui há um mês só, mas acho, acho o pessoal muito simpático.
E. Humm, humm.
e. Colabora, atencioso, portanto, acho…
E. Ainda não tem, assim, muito para…
e. Ainda não tenho. Não, não. Para já penso que está tudo bem.
E. E…
e. Há boa colaboração entre uns e outros.
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ENTREVISTA 6
E. E, e, portanto, coloca-se sempre essa premissa, que já referi, que é: antes de
qualquer coisa perguntar a qualquer um deles.
e. Perguntar.
E. Alguma vez teve algum tipo de conflito cá dentro do hospital?
e. Não.
E. E no lar?
e. Também não.
E. E como é que é a relação entre o voluntário e os doentes?
e. O voluntário e os doentes… Como eu já disse, eu penso que uma boa parte dos
doentes, não gosta de falar na doença, na situação, a outra parte do doente, parece que
há, assim, como uma desconfiança – “O que é que esta quer?”. Quer dizer, não sentem
aquele à-vontade para, para se…para conversar, para falar, para desabafar. Penso que
não há muito aquela, essa situação. Contêm-se, na existência delas.
E. Humm, humm.
e. Por isso em Sangalhos, não sei se posso falar ou não.
E. Pode falar, pode falar!
e. No início, em Sangalhos, pois, em Sangalhos já lá estamos há um ano e tal, já nos
conhecem, portanto… é assim, a Josefina, agora, não está a ir a Sangalhos, e eles todos
me perguntam:”A sua colega? Atão, quando é que ela vem?”. Portanto, já são pessoas,
que não… no início era: como é que se chama, qual é a sua idade, de onde é que vem?
Havia lá uma senhora que dizia assim:”Ai, credo! Não percebo nada disto, toda a gente
agora me pergunta que idade é que eu tenho!” (risos) Mas, então, lá, já há abertura, já, já
não têm medo, já falam, por vezes, muitas, muitas das vezes já sem se perguntar nada,
já falam, pronto, já…
E. Também é pelo tempo que já lá estão!
e. Pois, lá está, pois, pois.
E. E aqui acha…?
e. E aqui não, é de passagem. Tanto que eu criei laços lá em Sangalhos! E acho que
dificilmente os vou quebrar, estes laços, não é? Porque podem morrer uns, mas depois
vêm sempre outros, mas vou estar sempre a criar laços de amizade e assim…vou…e
aqui não! Aqui, da maneira como está, pois está no internamento um mês, um mês e
pouco, o pessoal vai-se embora e penso que é…quase termina a relação aí.
E. Quando tem alta, não é?
13
ENTREVISTA 6
e. Sim, sim.
E. No fundo, também tem a ver com as características da própria unidade. Porque,
no fundo, é isso que acontece.
e. Claro. É isso, é.
E. Porque as pessoas mais velhas que estão no lar acabam por chegar àquela
instituição e ali vão permanecer, não é?
e. Permanecer…
E.…que é contínuo, até Deus lhes permitir, não é?
e. Pois.
E. E, aqui, acaba por ser uma estrutura de passagem.
e. É de passagem. É.
E. Então, também „tá cá há relativamente pouco tempo, mas em relação à ligação,
acha que por essas condições não vai ter uma relação tão, tão próxima, tão
profunda, mais profunda com os utentes, os doentes?
e. Pois, penso que talvez não.
E. Vamos ver, não é? O futuro o dirá! (risos)
e. Sim. Sim.
E. Ia-lhe perguntar a seguir, no fundo, o que já estamos a falar, que é: quando os
doentes têm alta, se as voluntárias têm algum contacto. Ou seja, a dona Céu, „tavame a dizer há pouco que tinha esta vontade: se saísse alguém de cá, poder fazer um
acompanhamento após a saída, não é? Expressou logo isso.
e. Sim, fazer um acompanhamento. Sim, sim, claro, sim.
E. Se até ao momento isso já aconteceu, se não aconteceu…
e. Não, ainda não aconteceu.
E. Se as pessoas que estão cá não são de cá…
e. A maior parte não é de cá.
E. E isso é um dos motivos que…
e. Sim, eu acho que sim, que há imensos motivos. Agora se houvesse essa parte
organizada em que o doente está, pois, o doente tem alta, se houvesse parte de
voluntários organizada nesse sentido, penso que talvez, aí, as coisas funcionassem mais.
Porque lá está, tem que ser, é um compromisso. (riso)
14
ENTREVISTA 6
E. Humm, humm. Porque acha que, depois, também há uma grande quebra? Se
deixar de ver as pessoas rapidamente?
e. Eu não direi todos os casos, não, não é? Mas pelo menos aqueles casos mais
carenciados.
E. Conhece outros voluntários, fora do hospital ou aqui no hospital?
e. Conheço, no hospital.
E. As colegas aqui voluntárias, não é? E lá em Sangalhos? Também tinha a dona
Jesuína e tem mais voluntários?
e. ´Tão mais, são voluntários, mas não estão ligados ao banco. Há os outros
voluntários…
E. Que já tinham ligações com a instituição, não é?
e. Sim, sim. Vão lá rezar o terço, vão lá animar a eucaristia…
E. Se calhar, também já têm uma relação com a instituição há muitos anos.
e. Sim, sim, sim.
E. Até antes de existir, propriamente dito. E como é que é a relação com as suas
colegas? Com a dona Josefina já sei que era boa, só que ela agora não „tá lá, e aqui
também, vocês também não se cruzam muito, né? Se não foram p‟raqui, aqui no
hospital!
e. É boa…tá…é..sim, é, é. A Graça, a Graça Almeida, não, eu penso que não, também é
minha colega de catequese, a minha colega das farras também. (risos) A dona Idalina,
também encontro muitas vezes, fui colega do marido, em Leiria, as outras senhoras,
também as conheço!
E. Tem uma boa relação com elas?
e. Tenho, tenho, tenho.
E. Depois, falámos aqui só de dois dos seus voluntariados, no hospital e também no
lar, mas ainda tem o outro, que é o da catequese, que também é uma missão de
voluntariado!
e. É.
E. E já faz há quantos anos?
e. Eu acho que desde sempre! (risos)
E. É? Desde os seus vinte e pouco?
e. Ai, muito menos! Desde os meus, sei lá, 13, 14, desde muito nova, mesmo.
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ENTREVISTA 6
E. E dedica quanto tempo? É só naquele espaço? Depois, também há coisas que
tem de preparar provavelmente, não é?
e. Ah, essas, pois, é. Na catequese…
E. Mas faz quanto? Qual é o dia?
e. Este ano foi à 3º feira, costuma ser só uma hora, mas depois temos as preparações,
temos as festas, temos as actividades…é, regra geral, estou nessas actividades todas.
E. Sim, e „tá aqui na freguesia de Arcos? Na paróquia…
e. Na paróquia de Arcos.
E. E aí, já são com outro tipo de idades, não é? Pois claro, crianças!
e. Pois, crianças, crianças. Os jovens.
E. E esses meninos, vão na mesma, durante esses anos todos à catequese, não vão?
Tem muitos meninos, tem poucos meninos?
e. Eu este ano „tou, „tive…‟tou com o 7º ano, são 11.
E. Isso já não são bem meninos, já são…
e. São rebeldes.
E. …adolescentes, não é?
e. 12, 13 anos. Este ano fiz um tipo de catequese diferente, utilizei o meu computador,
utilizei um trabalho, que eram powerpoints, pronto e fui investigar, porque não queria
só lá pôr as, as letras, as palavras , as frases, tive que ir à Internet, tive que ir pesquisar
aquilo que queria, não é? Foi engraçado.
E. Para os cativar, não é? É um esforço para…
e. Acho, acho que eles que gostaram.
E. …para os atrair mais.
e. Sabe que eles são pestinhas? (risos)… ser tratados como gente crescida!
E. Estava a dizer que os levou ao duas vezes café, não é?
e. Ao café, sim, a lanchar.
E. No fundo também é…
e. “Catequista posso pedir isto? Posso pedir pizza?”; “Podes, então não podes?!” – ah,
ficaram encantados!
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ENTREVISTA 6
E. Pois no fundo, é também adaptar este voluntariado aplicado à catequese e, no
fundo, esse esforço é também adaptar a missão e as filosofias e tudo o que envolve
a igreja, não é, aos tempos de hoje, porque é uma forma de também os juntar…
e. Pois, é, é, acho que é engraçado, que eles gostam. Tanto que eles dizem: “ Ai,
nenhuma catequista fez isso!”. Mando sempre um postalzinho de aniversário, no dia em
que eles fazem anos.
E. Sim, sim, sim. E eles sentem-se…
e. Eles, sente-se que eles gostam. As minhas filhas costumam dizer que eu que os
compro! (risos) Eu acho que não. (risos) Acho que também é uma maneira de
evangelizar desta maneira, não é?
E. Sim, porque no fundo é mais uma pessoa que se lembra que eles são especiais e
que aquele dia é o dia que eles nasceram!
e. Claro, claro. É um dia especial.
E. É um dia especial! Ia-lhe pergunta, para me contar ou relatar um
acontecimento, como voluntária, um positivo e um negativo. Uma coisa positiva
que a tenha marcado e uma coisa negativa. De alguma história, de alguma pessoa,
de…
e. A positiva que eu tenho para marcar é daquela senhora, já contei, quer que eu conte
outra vez?
E. Só se quiser! É aquela senhora que referiu, não é?
e. Que referi no início, sim.
E. Foi a pessoa que a marcou mesmo, não é?
e. Que marcou mesmo. Uma pessoa que não sabia ler, mas, mas, mas super-simpática,
super-atenciosa, super-disponível. Mesmo na doença, que foi complicada, tinha duas
filhas, como já lhe disse, uma trabalhava na Mealhada, outra trabalhava em Estarreja,
uma casada e a outra solteira. O que ela dizia era assim: “Ai, dona Céu, eu tenho, tenho
o céu, tenho os dias contados, mas gostava tanto de ver a minha filha arrumada!”.
E. Que era a filha?
e. O dia em que a filha me disse, foi pelo Natal, ela disse: ”Olha, mãe, já falámos com
o…”, o namorado, na altura, ele chamava-se Luís,”… e resolvemos e vamos casar
agora”. Veio o conservador a casa, durou uma semana! Deixou-se morrer, portanto, a
filha já estava arrumada.
E. Era um desejo forte, não era?
e. Era, acho, mas marcou-me muito, muito, assim, pela doença da senhora.
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ENTREVISTA 6
E. Ela também tinha uma doença a nível cancerígeno ou não?
e. Era, era.
E. É assim! Há pessoas que nos marcam, não é, durante a vida e que…
e. Marcam pela positiva, a doença da minha irmã, também me marcou pela positiva,
apear se ainda não ser voluntária, a da minha mãe também.
E. Claro.
e. Também já tive uma amiga, a dona Teresa, que era a freira na Congregação da Justiça
e que teve uma autorização especial para vir tomar conta da mãe… Também foi um mal
que me marcou pela positiva. Nós, às vezes, vimos a morte, assim, como um ponto
negro, e não é, não é. Acho eu. Porque quando se morre tranquilamente, pelo menos as
mortes a que eu tenho assistido, quando se morre tranquilamente é bom, ao mesmo,
tempo, a gente temos essa experiência.
E. E acha que esse tranquilamente é porque as pessoas aceitaram e se sentem em
paz ou acha que é porquê, dona Céu?
E. Eu acho que é porque as pessoas estão em paz.
E. E isso, assim, é que torna tudo mais fácil, não é?
e. Ah, sem dúvida! Sem dúvida nenhuma!
E. Para quem fica cá…
e. Para quem fica e para quem parte.
Negativo acho que, que não tenho.
E. Não tem nada…
e. Não!
E. …que lhe ocorra. Dona Céu, vive, assim, alguma frustração, alguma dificuldade
enquanto voluntária? Alguma coisa que lhe dificulte ou que gostaria de fazer e não
consegue? Ou que consegue ultrapassar de alguma forma?
e. Não acho que não há nada.
E. Não? Não se recorda de nada. Estava a dizer que, de vez em quando, vocês
levam alguma coisa lá p‟ros, p‟ros idosos que estão no lar. Por vossa iniciativa?
e. Sim, sim, levamos.
E. Levam o quê? Um bombom?
e. Leva-se um bombom, um bolito, assim, de vez em quando…
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(risos) Ok!
E. E qual é a sua opinião, assim a opinião geral, sobre o Hospital José Luciano de
Castro?
e. A opinião geral, eu acho que isto é muito bom… pessoal, limpeza, parece-me, pelo
menos ainda não me apercebi que, às vezes vê-se pessoal muito brusco com os doentes
e eu aqui ainda não me apercebi disso. Acho que é tudo como deve ser.
E. Acha que de certa forma, aquela questão que é muito falada na comunicação
social, etc, em termos de humanização, é isso que já ´tá…
e. Sim, sim, sim.
E. …que vê isso nesse prisma daqui…
e. Vejo, vejo, vejo. Isto mais parece um hotel do que um hospital! (risos)
E. Ainda bem!
e. Ainda bem!
E. Qual é o significado para si, dentro de si, ser voluntária? O que é que significa?
Já é há tantos anos…
e. Eu acho que significa que eu, afinal de contas, sou útil, não é? Tenho alguma
utilidade, não é? Nós, às vezes, pensamos: “Vou-me reformar, estou a ficar velha, não
sirvo para nada!”. Não, não acho. Acho que nós, nós servimos sempre para muito,
temos sempre muita coisa para dar, é preciso é querer!
E. E inovar e… e reflectir!
e. Claro!
E. O que estava a dizer dos powerpoints e etc, é um pouco isso também, não é? É
não estar para do, é…
e. É sim, aprendi, depois de sair da Câmara.
(risos)
E. A trabalhar no powerpoint? Nunca é tarde, não é? Sabe porquê? Porque se
calhar na Câmara também não precisava de aprender para fazer nada. Então,
como não precisava, …
e. Não precisei, pois, claro… sabia o mínimo dos mínimos. De resto não era preciso
nada. (risos)
E. Se for programas de água ou programas de luz também não sei, não é preciso,
não é? (risos)
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e. Não é preciso, pois.
E. Depois chegou a precisar para o voluntariado específico da…?
e. Estava na Câmara, não tinha tempo para fazer essas coisas! Isso dá trabalho, pelo
menos para quem começa!
E. Sim, e para quem não começa também! Porque temos de pensar o que é que
temos de colocar lá, etc.
e. Claro.
E. Então, para além de ser útil, mais alguma coisa de significado para si? Em
termos de ser voluntária?
e. Não me está a ocorrer.
E. É a maior de todas que pesa para si é, é poder ser útil aos outros?
e. É, é, ser útil aos outros, sim.
E. E, na sua opinião, as práticas dos voluntários e dos profissionais, nomeadamente
aqui do hospital, chocam-se ou complementam-se? O espaço de cada um.
e. Penso que se complementam.
E. E porque é que acha que se complementam?
e. Porque é assim, os profissionais, pois, pois têm as suas tarefas para executar, não é? E
com certeza que não têm disponibilidade ou aquela disponibilidade toda para estar ao pé
do senhor A, B ou C. ….apesar deles serem poucos. Mas com certeza que não terá
aquele tempo que nós temos. Nós, nós, voluntários, não é? Que é para isso que nós cá
estamos.
E. Até porque eles a seguir, se calhar têm que ir fazer outras funções, não é?
e. Pois.
E. … Que ficar a conversar.
e. Nós não podemos fazer duas coisas ao mesmo tempo, não é?
E. Claro. Claro. Cada um tem o seu papel.
e. Claro.
E. Pretende continuar a ser voluntária no hospital?
e. Sim.
E. Por quanto tempo?
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ENTREVISTA 6
e. Até me quererem, até poder, até…
E. E o que é que a leva a querer continuar?
e. Lá está, eu acho que sou útil, acho que alguém precisa de mim.
E. E o que é que a levaria a desistir?
e. Não gosto de desistir, não. Eu quando começo qualquer coisa gosto de a levar até ao
fim. Acho que não, não deve haver nada que me faça desistir. A não ser, assim, que
surja, não sei, uma doença, na família ou eu própria. Se fosse uma doença grave, nesse
caso, não sei, talvez seja difícil, talvez seja isso que me leve a desistir, não é?
E. Nesse caso é um motivo de força maior, não é?
e. Sim, sim.
E. Já estamos quase a terminar. Na sua opinião, como é que a sociedade vê os
voluntários? A sociedade em geral?
e. Na sociedade em geral, penso que não dão valor aos voluntários.
E. E porque é que a dona Céu acha isso?
e. Porque ouço dizer, por exemplo a Graça, é voluntária em cada hospital, conhece
pessoas que lhe dizem: “Mas, afinal de contas, você é voluntária, faz o quê? Não faz
nada! O que é que vai para lá fazer?”. Também sei, porque a Santa Casa da Misericórdia
de Sangalhos não tem voluntários agora, porque havia lá funcionários que lhes iam
perguntando, perguntavam-lhes: “Mas, afinal de contas, vocês vêm para aqui fazer o
quê? Não vêm para aqui fazer nada, não são precisas aqui!”. (???????) Portanto, isto
deve ser só um exemplo do que a sociedade pensa. Pelo menos no nosso meio, não é?
E. Sim, sim. Sim, acha que isso ocorre, por exemplo, porque as pessoas não estão
bem esclarecidas ou formam uma ideia geral? E também não querem conhecer, no
fundo, senão perguntavam, não é?
e. Porque, pois, pelo menos no nosso meio, talvez Lisboa, Coimbra, grandes cidades
como, como… há os voluntários que vão levar comida, à noite, como dos sem-abrigo,
talvez aí vejam os voluntários de uma forma diferente. No nosso meio…
E. Porque já estão mais familiarizados, é isso? Com o voluntário nesses locais…
e. Não, porque vê-se que eles vão levar qualquer coisa, com…palpável, não é? Comida,
roupa, calçado, não sei quê… nós aqui é mais a palavra, é mais a companhia, é
mais…não é? É mais estar com eles. E a gente, e eu penso, pelo menos mais aqui no
nosso meio, não vêem isso como um serviço. Não valoriza. Valorizam mais, é assim, se
eu for, se for rezar o terço, se eu for ajudar à missa, se eu for, se for cantar, se eu for…
agora o resto, estar com a pessoa, conversar, fazer-lhes companhia, eu penso que aí, não
valorizam.
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ENTREVISTA 6
E. Porque, no fundo, é o que a dona Céu acaba por fazer no lar em Sangalhos e
aqui, não é? O que referiu, fazer companhia.
e. É, é.
E. É o estar…
e. É o estar.
E. Se calhar, em Sangalhos um bocadinho mais, na questão de os mobilizar, ou de
dar comida, não é? Mais uma tarefa que, que acresce.
e. Si, sim.
E. E a sua família e os seus amigos? Sem ser a sociedade. As pessoas que conhecem,
a sua família e os seus amigos, como é que acha que vêem as voluntárias?
e. A minha família aceita bem, aceita. Claro, o meu marido é sempre do contra! (risos) é
sempre do contra, mas agora aceita bem. A minha irmã mais velha diz: ”Ai, se eu não
trabalhasse fazia o que tu andas a fazer!”. É assim.
E. Deixe lá que não é a única voluntária que diz que o marido é do contra, por isso!
(risos) Há mais, há mais aqui no grupo! Não vou referir quem, mas também me
referiram a mesma coisa! (risos)
e. Há mais há.O meu marido está sempre a dizer que me canso… mas eu estou cá!”
(risos)Pois, mas depois, pronto. Então! Que remédio tem ele senão aceitar! É a
realidade! As minhas filhas aceitam muito bem, acham que eu que faço bem.
E. E o Estado ou o Governo? Tem alguma ideia de como é que eles vos vêem? Os
voluntários, as voluntárias?
e. Não, não tenho.
E. Não tem nenhuma opinião específica. Usufrui de algum benefício, da lei, por ser
voluntária?
e. Sei que a lei refere qualquer coisa, mas não sei o quê.
E. Não tem…
e. Nós lá em Sangalhos temos o seguro.
E. Sim, sim, que é para se vos acontecer alguma coisa durante a, a…o
voluntariado. Tem orgulho em ser voluntária?
e. Claro, que tenho!
E. Então porquê? (risos)
e. Lá volta ao mesmo, à mesma história! Porque sou útil.
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E. E porque é isso que a mobiliza todos os dias para ir para os diferentes sítios, não
é?
e. É, é, claro. É, é.
E. E na sua opinião, onde é que se situa o voluntário? Entre a razão e o coração,
qual é o local? Onde se situa?
e. Eu acho que é no coração.
E. E porque é que acha que é no coração?
e. Faço, faço voluntariado porque gosto, vivo muito com paixão.
E. E o coração é que nos leva para esses sentimentos?
e. Oh claro, claro, claro, é. A razão, a razão, muitas vezes, a razão, muitas vezes, diz
“deves fazer isto, não deves fazer aquilo”; “ a sociedade quer que faças isto, mas não
quer que faças aquilo”. Por isso, não é a razão.
E. É o coração?
e. É o coração!
E. E acha que os voluntários que usufruem da vossa companhia também recebem
o que vocês dão, com o coração ou mais com a razão? A quem, quem vocês
chegam, também acabam por receber? O que vocês acabam de dar chega mais
rapidamente ao coração de cada um?
e. Eu penso que chega mais rapidamente ao coração de cada um! Acho eu que é o que
move, no fundo, o voluntário às suas causas.
E. Tem algum episódio marcante ou algo que gostaria de acrescentar e que eu não
lhe perguntei, sobre o voluntariado?
e. Não!
E. Então, pronto. Resta-me dizer-lhe muito obrigada, já terminámos, já fiz aqui
muitas questões (risos). Obrigadíssima por ter vindo mais cedo, „tá bem?
e. „Tá. Espero que tenha sido útil de alguma maneira…
E. É útil é. É aquilo que vem de dentro de vocês e aquilo que acontece na vida de
cada um até chegar aqui, a esta fase de poder fazer o voluntariado dentro do
hospital. Obrigada!
e. De nada. Obrigada também!
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