entrevista «Acho que vivi num tempo maravilhoso» Entrevista por Paulo Costa Dias, fotos Kenton Thatcher Elvira Fortunato é portuguesa e ganhou 2,25 milhões de euros. Não lhe saiu o Euromilhões nem protagonizou uma transferência futebolística. Foi, antes, o resultado da atribuição da maior bolsa jamais concedida a um investigador português. Há quem a considere uma espécie de Cristiano Ronaldo da eletrónica ou quem a ache mentora de uma revolução. A verdade é que Elvira Fortunato se tornou um caso sério de popularidade na comunidade científica internacional com o seu trabalho na área da eletrónica invisível. Mas não só. Ainda por cima, utiliza materiais comuns, amigos do ambiente, de baixo custo, 100 vezes mais rápidos e que fornecem melhores resoluções. Melhor é impossível – por sinal, um conceito inadmissível no ‘seu’ laboratório. Há quem julgue que fez história e há quem compare a importância do seu trabalho à invenção do transístor. Sente-se uma espécie de celebridade? Eu sou, acima de tudo, uma pessoa perfeitamente comum. Tenho tido alguma visibilidade por causa dos prémios que recebi, mas isso é fruto de um trabalho árduo, desenvolvido ao longo de um percurso profissional de 20 anos, sempre a remar contra a maré, defrontando muitas tempestades. Mas ainda bem, porque conseguimos! Não me considero uma celebridade; acho que faço, ou tento fazer, o meu melhor. Previa este seu sucesso em menina? Era daquelas crianças que via moscas ao microscópio, desmontava relógios ou torradeiras, abria televisões…? Não. Quer dizer, eu sempre fui muito curiosa, mas não ao ponto de desmontar as coisas, além dos legos que tinha, como qualquer criança. O que eu sempre quis, desde pequenina, foi ser engenheira, o que consegui. O fascínio pela investigação, a sério, só aconteceu na universidade. Como para qualquer docente universitário que se preze, a investigação científica é parte integrante da sua profissão. entrevista A educação em Portugal, como está? Não a vejo muito mal. Quando se diz que há problemas no ensino, eu não culpo só os alunos. Isto não é um ataque, mas temos de ver que, como em qualquer profissão, se o professor for bom e se se responsabilizar pelos alunos, conseguirá transformar pedras brutas em diamantes. Os nossos genes já vêm ‘programados’, é verdade, mas é a educação que nos molda e que faz o polimento. E a investigação? Eu tenho a ideia de que nunca Portugal teve tanta e tão competente gente. Sem dúvida. Mas também porque partimos de um patamar baixíssimo e estas coisas demoram gerações. Até ao 25 de abril, a investigação praticamente não existia em Portugal. Neste momento podemos dizer que foi feita uma aposta muito dirigida na área da investigação científica e, como é normal, os resultados começam a aparecer. A investigação, assim como a educação, são fundamentais se quisermos ser um país desenvolvido, criador e gerador de riqueza. A sua investigação é aplicada. Tem como objetivo a otimização, a rentabilização, a conversão da investigação em produto. Tem havido adesão do setor privado aos seus projetos? Como fazemos uma investigação muito dirigida à aplicação, de facto, acabamos por ter excelentes relações com a indústria. Daí termos várias patentes (60, neste momento), sendo uma internacional, com a Samsung, por exemplo. E com as indústrias portuguesas? Na área do papel, onde há empresas com peso e dimensão em Portugal, não despertámos o interesse de nenhuma e acabámos por desenvolver um projeto com uma empresa papeleira brasileira, a Suzano e iniciar outro com uma empresa alemã explorando áreas diferentes para a utilização daquilo que designamos por papel eletrónico. É uma questão de atitude ou de poder financeiro? É uma questão de atitude. Aqui, em Portugal, é mais difícil, às vezes, uma empresa grande apostar numa ideia inovadora que uma empresa mais pequena. Por vezes, as pessoas responsáveis pela área da inovação nessas grandes empresas não são muito inovadoras. No entanto, trabalha, a nível internacional, com a Fuji, a Fiat, a Samsung, a LG, a Saint Gobain, a HP, a Ferrari, e a IBM diz que o seu trabalho com a eletrónica transparente é revolucionário. Como lhe disse, transformar tijolos em materiais semicondutores, em transístores que podem pôr aquela televisão a funcionar, à temperatura ambiente, é uma revolução que vai decerto mudar a médio prazo as nossas vidas. Veio para esta faculdade na era do Spectrum. Não havia telemóveis nem computadores portáteis. A Elvira ainda é jovem: como é que vê o ritmo da evolução tecnológica, sobretudo estando no âmago de alguma dela? Não sei como será no futuro, mas eu sinto que sou extremamente sortuda. Vivi numa época que, de repente, passou do papel para os computadores. Acho que vivi num tempo maravilhoso, porque parti do nada para o tudo. E a Internet foi fundamental, claro, relativamente à comunicação e à informação. Está tudo na ponta dos dedos e à velocidade da luz. Há uma possibilidade de partilha de informação incrível, e isso é muito importante. No futuro, espero que todos possamos imprimir o nosso telemóvel e que o papel electrónico seja a base da electrónica descartável e conformável! Assusta-a a voracidade tecnológica em que vivemos? Não, não. Sou otimista, não perco o meu tempo com a parte mais negativa das coisas, embora saiba que ela existe. Outros cientistas portugueses, para obterem sucesso, emigraram. Esta questão pôs-se ou põe-se? Não. Nós no nosso caso fizemos uma aposta em Portugal, conseguimos construir uma infraestrutura laboratorial competitiva em qualquer parte do mundo. Ora se eu tenho aqui as melhores condições para fazer investigação, ainda por cima gosto muito do meu País, tenho aqui a minha família, tenho um excelente clima, uma excelente gastronomia, um excelente ambiente de trabalho, o mar aqui ao lado, não faz muito sentido sair daqui… apesar de saber que o esforço que fazemos é muito maior, em tudo! Há a ideia de que os cérebros portugueses fogem para o estrangeiro… Eu acho que é muito bom sair quando se veem horizontes turvos internos (por falta de meios, fundamentalmente) ou quando se pretende otimizar o que sabemos junto de equipas com elevada massa crítica e reconhecimento científico internacional. Contudo acho que este facto é muito amplificado pela comunicação social, que acha que só saiem os bons... Eu também estou nas bolsas de estudo e faço avaliações, e não há assim tantos cérebros a sair como se diz! Esta forma de ver as coisas tem de mudar e temos de ter mais orgulho e confiança naquilo que fazemos! Por outro lado devemos ver que há também excelentes investigadores a virem trabalhar para Portugal. A Fundação Champallimaud, por exemplo, está a atrair alguns dos melhores investigadores na área das neurociências, e isto não é uma coisa menor. Espero que esteja a estudar um processo para fazer do nosso Sporting campeão! Costumo ir ao estádio, mas…. Eu visto a camisola da investigação científica e no futebol nem sempre se veste a camisola, há outros interesses ….Contudo, sou uma leoa feroz, que nunca aceita a derrota como fatal! Aliás, nem aos alfinetes, gosto de perder… Há lugar para a ideia de Deus no admirável mundo novo que está a ajudar a construir? Eu sou católica. São coisas perfeitamente compagináveis. Mais, permite-me ver o mundo para além da minha simples existência terrena e pretender criar exemplos que perdurem e que sejam usados por outros. Isto é muito importante quando se pretende ajudar a criar um mundo novo… O Admirável Mundo Novo, made in Caparica Não é cinema, não é ‘um filme’. Muito em breve, os mostradores aparecerão no vidro pára-brisas de um automóvel, ou no do cockpit de um avião. A sua televisão será transparente e mais fina do que alguma vez imaginou. A Espiral do Tempo terá imagens em movimento, em vez de fotografias; os frigoríficos dos solteirões terão menos coisas fora de prazo porque as embalagens mudarão de cor quando isso acontecer. Os solteirões poderão, também, alterar, com um simples toque, a cor das paredes, consoante o gosto das namoradas(os); e as famílias numerosas pouparão na eletricidade, porque, além de se poder alterar a sua tonalidade, os vidros das janelas acumularão, durante o dia, a energia necessária ao consumo doméstico. Os campos da vigilância, das energias renováveis ou da medicina, com sensores de diagnóstico, são outras áreas onde serão aplicados os frutos das investigações de Elvira Fortunato e da sua equipa. Entrevista completa em www.espiraldotempo.com