MOVIMENTO SOCIAL DE EDUCADORES: PARTICIPAÇÃO NA ELABORAÇÃO
DOS PLANOS NACIONAIS E ESTADUAIS DE EDUCAÇÃO
Iria Brzezinski
UCG/UnB
O presente trabalho é resultante de uma pesquisa teórica, baseada na análise documental
relativa ao objeto deste estudo, qual seja: o movimento nacional de educadores, entendido como
movimento social, que vem se mantendo atento e vigilante ao processo de implantação das atuais
políticas da educação brasileira.
Para buscar certa verticalidade fez-se um recorte que enfoca a partici pação dos
intelectuais/professores, como representantes da sociedade civil, muitas vezes reunidos em
associações, entidades, sindicatos ou fóruns para a elaboração dos Planos Nacionais de
Educação(PNEs), com especial destaque, à participação no Fórum Nacional em Defesa da Escola
Pública, no processo de elaboração do PNE/2001-2010, bem como nos diferentes Planos Estaduais
de Educação. O referencial teórico deste estudo é tecido, sobretudo, a partir dos fundamentos
encontrados na literatura específica, que conceitua e caracteriza os movimentos sociais e que
permite reconhecer o movimento nacional de educadores como um desses movimentos; com
estudos sobre políticas públicas e reorganização do Estado; com a documentação produzida tanto
pelo “mundo do sistema” (oficial) como pelo “mundo real” (dos educadores) acerca dos processos
de elaboração dos planos nacionais e estaduais de educação.
O marco histórico das discussões para a elaboração dos planos é o Manifesto dos Pioneiros,
uma proposta da sociedade civil, elaborada em 1932, por um grupo de intelectuais brasileiros
preocupados com a reconstrução nacional da educação e que passou a ser considerado pelos
pesquisadores da área de políticas educacionais como o primeiro Plano Nacional da Educação
Brasileira.
1. Movimentos sociais e movimento social de educadores
Para Bobbio, Matteucci e Pasquino, organizadores do Dizionario di Politica (1983) reeditado
pela Universidade de Brasília (1986), embora o tema movimentos sociais ocupe lugar central nas
análises sociológicas tanto de estudiosos clássicos como contemporâneos, talvez por isso, ainda
“não foi elaborada uma teoria totalmente abrangente e inteiramente satisfatória da problemática” (p.
787). No entanto, esses autores apontam a teorização de Touraine sobre movimentos sociais como
aquela que consegue inserir-se em um esquema de interpretação global da sociedade e permite
entender que “os movimentos sociais pertencem aos processos pelos quais uma sociedade cria a sua
organização a partir do seu sistema de ação histórica, através dos conflitos de classe e dos acordos
políticos (TOURAINE, apud BOBBIO et al, 1986, p. 789). Dessa forma, os movimentos sociais
existem em sociedades dividas em classes, sob o modo capitalista de produção, e, no caso dos países
2
da América Latina, particularmente o Brasil, país marcado pela perversa distribuição de renda que
distância cada vez a classe trabalhadora e a classe detentora do capital.
Conforme assevera Melucci (1989), um movimento social é uma forma de ação coletiva
baseada na solidariedade. Essa ação desenvolve um conflito e rompe os limites do sistema em que a
ação ocorre. Então, tais movimentos são vistos como lutas não só pela ampliação do acesso ao
espaço político, mas também pelo reconhecimento das aspirações populares, pois se concentram em
vários problemas específicos, que, de modo geral, colocam os militantes em posição contrária à do
poder instituído.
Os movimentos sociais tentam impedir o poder público de resolver problemas particulares e
setorializados, sem a participação dos cidadãos inseridos na concretude desses problemas. Tais
ações permitem que os movimentos sociais sejam múltiplos, diversos, cíclicos, com fluxos e
refluxos. A aparente fragilidade evidenciada nos momentos de refluxo, paradoxalmente, é sinal de
fecundidade. Movimentos resultam de idéias e de práticas. Estas fluem e refluem. As idéias
persistem e se transformam, agregando elementos novos, ou negando velhos elementos, segundo a
conjuntura dos tempos. Os movimentos são históricos e têm uma historicidade particular, que se
expressa em sua prática, em sua composição, em suas articulações e demandas.
Os estudos de Cardoso (1984), Calderon e Jelin, Jacobi, Oliveira (1987), Sader (1987, 1988),
Frank e Fuentes e Melucci (1989) sobre a origem, natureza e papel dos movimentos sociais apontam
que, no cenário da história das sociedades capitalistas da América Latina, os movimentos sociais se
constituem de forma mais vigorosa quando a sociedade civil é dominada por regimes autoritários.
Ou como sugere Cardoso (1984), quando a sociedade é dominada pelos "regimes de exceção", tal
como ocorreu, no Brasil, com o regime implantado pelos militares em 1964.
Esses estudos evidenciam que os largos anos de regime puramente arbitrário que
predominaram na América Latina favoreceram a reorganização dos movimentos sociais,
engendrados, muitas vezes, na sociedade civil, em condições de clandestinidade.
No contexto de resistência ao autoritarismo, numa sociedade que procurava consolidar o
modelo econômico capitalista na etapa monopolista, os movimentos sociais ficaram prontos para
entrar em ação tão logo o cenário político mostrou um pequeno sinal de abertura. Essas investidas,
mesmo fracas e descontínuas, tornaram o regime militar brasileiro mais vulnerável, pois as lutas e
reivindicações pela democracia e pela conquista da cidadania partiam da sociedade civil, que se
organizava. A reorganização do Estado e da Sociedade Brasileira a partir do movimento inicial de
retorno à democracia (década de 1980) revelou novas formas de associações, sindicatos e outras
modalidades associativas ou corporativas, que, embora tivessem uma diversidade de perfis de
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organização e um desempenho que lhes são próprios, específicos e particulares, possuíam um
objetivo comum: a "liberalização" para constituir ou reconstituir o sistema e a ordem democráticos.
A própria força de trabalho, explorada pela classe dominante e oprimida pelo determinismo
econômico, encontrou formas de expressão política nos movimentos sociais. Esse sujeito coletivo −
força de trabalho − questionava a dominação imposta pelo sistema e mantinha o embate com seu
opositor bastante definido − o detentor do capital.
Com base em Touraine (1973) pode-se afirmar que o movimento social de educadores,
conhecido como Movimento Nacional de Educadores, que surgiu no final da década de 1970 no
Brasil pode ser reconhecido como social, pelo fato de apresentar as três dimensões 1 − identidade,
oposição e totalidade − que definem os movimentos sociais.
Essas dimensões são tratadas por Touraine (1973) quando o autor discute a natureza dos
movimentos sociais. No caso do Movimento Nacional de Educadores, segundo os princípios
defendidos por Touraine, a identidade do movimento social é o sujeito coletivo − força intelectual
do mundo vivido dos educadores − opositor dos ditames e arbitrariedades do sistema educacional,
que traça políticas educacionais pautadas em uma agenda internacional, agredindo a própria herança
cultural da área da Educação.
A oposição, por sua vez, é expressa pelo conflito instalado entre dois projetos distintos de
sociedade, educação, homem e mundo e que se excluem radicalmente. É nítido o antagonismo entre
as políticas educacionais do mundo oficial e as ensejadas pelo mundo real.
Finalmente, a totalidade é a ação histórica dos atores sociais pertencentes ao movimento, em
uma determinada sociedade, neste caso, com o objetivo de promover transformações nas relações
de dominação x dominado. A ação histórica dos atores coletivos, num estágio superior, ultrapassa
as críticas ao capitalismo e à organização do trabalho e pretende atingir um outro objetivo:
transformar a sociedade capitalista, em uma sociedade não capitalista, livre da apropriação privada
dos meios de produção, portanto, inventando uma outra sociedade.
Segundo o autor
não é possível falar de um movimento social se não se pode, ao mesmo tempo,
definir o contramovimento ao qual ele se opõe. O movimento dos operários só é um
movimento social se, além das reivindicações contra as crises da organização social
e das pressões para a negociação, ele coloca em causa a dominação da classe
dirigente (TOURAINE, p.344).
Neste sentido, entende-se que a força de trabalho coloca em causa a dominação da classe
dirigente e luta pelos direitos e pela dignidade dos trabalhadores, procurando “[...]a
1
. Este tema é tratado com detalhes por Alain Touraine em Les mouvements sociaux. In: Production de la société. Paris,
Éditions du Seuil, 1973, p.347-389 e Idem. Critique de la modernité. Paris, Fayard, 1992, p. 278-280.
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transformação não apenas do Estado, da vida política, da produção econômica ou da estrutura
jurídica e social, mas também do cotidiano” (TOURAINE, p.345).
O Movimento Social de Educadores tem clareza do seu contramovimento materializado no
Ministério da Educação e Cultura (MEC) que se coloca frontalmente contrário aos princípios de
uma educação pública, gratuita e de qualidade social para todos e em todos os níveis de ensino e
admite a formação aligeirada de professores para atuar na Educação Básica. O contramovimento
(MEC) adota uma política educacional que tem como foco a qualidade total e restringe a
gratuidade do ensino ao Ensino Fundamental, usando estrategicamente o princípio constitucional
de gratuidade restrita a esse nível de ensino e dessa forma sustenta a negação da escola pública e
gratuita para os que necessitam da Educação Infantil e do Ensino Médio.
O MEC ainda adota a política de formação de professores, expressa nas Diretrizes
Curriculares para a Formação de Professores para a Educação Básica definidas pelo Conselho
Nacional de Educação (CNE) e homologadas em 19.02.2002 pela Resolução CNE/CP n. 001, que
contrariam a política de formação e profissionalização docente proposta pelo Movimento
Nacional de Educadores.
Uma análise das mencionadas Diretrizes permite identificar que se trata de uma carta de
intenções para desqualificar a formação/titulação de professores em cursos de duração plena
(mínima de 4 anos), uma vez que retira a responsabilidade dessa formação da universidade,
admitindo outro locus de formação, os Institutos Superiores de Educação, com oferta de cursos
com 3 anos de duração, o que evidência, claramente, um forte caráter de treinamento/certificação
em cursos aligeirados de formação inicial, que podem inclusive ser semi -presenciais ou
totalmente a distância.
As propostas de políticas educacionais e de formação de professores formuladas pelo
MEC/CNE vêm afrontando a cidadania do brasileiro que necessita da escola pública com
professores qualificados. Diante disso, é preciso lembrar que, historicamente, a cidadania tem sido
o elemento de união entre movimentos sociais e educação. O conceito de cidadania, categoria
essencial de uma sociedade democrática, é revisto por Gohn (1992) sob várias abordagens, do
ponto de vista teórico-metodológico, à luz do processo de mudança e de transformação da
sociedade. A autora percorre as acepções de cidadania sob a ótica do liberalismo e explicita o
conceito de cidadania coletiva.
A educação, por sua vez, ocupa lugar central no conceito de cidadania coletiva, posto que
essa se constrói no processo de luta, que é, em nele mesmo, um movimento educativo.
Para Ianni (1992), a superação da não-cidadania passa pela cidadania coletiva, que é
concreta e histórica e pressupõe a realização dos direitos, seguida dos deveres do cidadão. No
entanto, a cidadania do cidadão do mundo está apenas em esboço, pensada, prometida e
5
imaginada e precisa ser conquistada. A propósito, Touraine destaca que a cidadania é uma
conquista do sujeito como ator coletivo que [...] “luta pelos direitos e a dignidade dos
trabalhadores ... inventando uma outra sociedade e não se contentando em criticar o capitalismo e
a organização do trabalho”. Essa outra sociedade deve desenvolve -se tendo presente [...]”a
execução social da racionalização e da subjetivação” (TOURAINE, 1992, p. 224-255) e a ação do
sujeito como ator coletivo que tem presente a concepção de movimento social que ao mesmo
tempo é conflito social e projeto cultural.
A elucidação do autor supracitado sobre a condição de um movimento social apresentar-se
ao mesmo tempo como conflito social e projeto cultural permite reconhecer como um movimento
social de educadores, o Movimento de Reconstrução Educacional, organizado por intelectuais
pertencentes à Associação Brasileira de Educação (ABE), fundada na década de 1920.
Em que pesem as diferenças ideológicas marcantes no conjunto de educadores que se
congregavam na ABE e nas Conferências Brasileiras de Educação (CBEs) 2 promovidas pela
Associação, o Movimento de Reconstrução Nacional a dotava uma idéia comum de que a
reconstrução social seria feita pela reconstrução educacional. Para tanto, advogava que a escola
deveria se democratizar e ser mais eficiente, o espírito científico imprimiria qualidade ao ensino,
a Psicologia seria a ciência que permitiria uma revolução no processo educacional, educando o
estudante conforme suas diferenças e capacidades individuais e a administração escolar seria
responsável pela racionalização do sistema educacional e escolar. Não resta dúvida de que esse
movimento, denominado escolanovista e embasado em estudos pragmatistas europeus e
americanos, viria romper com o ensino defendido pelos católicos segundo os quais deveria
permanecer academicista, intelectualista e classista (escola para poucos). Resultado fecundo do
movimento foi o compromisso firmado em 1932, por 26 signatários, no documento “A
Reconstrução Educacional no Brasil − ao povo e ao governo” −, que passou a ser divulgado pela
história da educação brasileira como “Manifesto dos Pioneiros da Escola Nova”.
2. Do Manifesto dos Pioneiros e ao Plano Nacional de Educação 2001-2010
Mesmo não atendendo aos critérios convencionais do macro planejamento educacional, o
Manifesto dos Pioneiros constitui um marco histórico das discussões para a elaboração dos planos
nacionais de educação, pois os educadores reivindicavam um plano unitário de ensino, uma
solução para o problema educacional, não desvinculada do aspecto econômico. O planejar e o
2
.As CBEs tiveram o mérito de reunir profissionais da educação, a fim de debater seu campo de trabalho e de
proporcionar “oportunidade para o debate largo sobre doutrinas e reformas freqüentemente de conteúdo
intelectual confuso e contraditório (Azevedo, 1944, p. 383).
6
definir recursos para execução do planejado, isto é – o prever associado ao prover – era idéia que
tomava corpo naquela época.
O citado Manifesto, proposta da sociedade civil elaborada por um grupo de intelectuais
brasileiros e sistematizada por Fernando de Azevedo, lançou bases para a defesa da função
essencialmente pública da educação (escola comum ou única para todos) e dos princípios da
laicidade, obrigatoriedade e gratuidade da escola “primária”. Tais princípios foram incorporados
à Constituição Federal de 1934, que introduziu profundas mudanças sociais e previu pela
primeira vez no Brasil como competência da União “traçar as diretrizes da educação nacional”
(art. 5º, inciso XIV), bem como “fixar o plano nacional de educação, compreensivo do ensino de
todos os graus e ramos, comuns e especializados; e coordenar e fiscalizar a sua execução em todo
o território nacional”(art. 150, letra a).
Em atendimento ao preceito constitucional, o Conselho Federal da Educação (CFE)
pertencente ao Ministério da Educação e Saúde Pública (MESP), à época, incumbiu-se de colher
informações em um questionário que continha 207 quesitos, para elaborar o primeiro Plano
Nacional de Educação (PNE). Apesar de a coleta de dados ter envolvido associações, sindicatos,
embaixadas, ginásios, colégios, centros de cultura, exército, professores catedráticos, do ensino
superior e médio, não se pode dizer tratou de um movimento da sociedade civil, pois o CFE
centralizou em seu interior as discussões sobre as respostas obtidas e encaminhou ao Congresso
Nacional um anteprojeto de lei, composto por 506 artigos. A amplitude do PNE contrariava a posição
da ABE, associação que representava a sociedade civil organizada, como registrado anteriormente,
a qual defendia um texto sintético, “[...]tomando como argumento a estrutura federativa do
país”Cury, 1998, p. 166). O anteprojeto não logrou êxito diante do fechamento do Congresso,
com a implantação do regime autoritário ditatorial, conhecido como Estado Novo (1937),
capitaneado por Getúlio Vargas.
Com efeito, o primeiro PNE só chegou à população brasileira em 1962, median te um
decreto do Presidente João Goulart. Em atendimento ao art. 92, § 2º, da primeira Lei de
Diretrizes e Bases da Educação Nacional (Lei n. 4.024/61), que prescrevia a elaboração de Plano
Nacional referente aos fundos nacionais do ensino primário, médio e superior, com prazo
determinado para sua execução e CFE tomou para si a tarefa. Curioso é que coube a um dos
signatários do Manifesto dos Pioneiros da Escola Nova − o educador Anísio Teixeira −, nesta
ocasião conselheiro do CFE, articular em um único doc umento as metas quantitativas e
qualitativas e as normas reguladoras da distribuição de cada fundo, no que, em última instância,
consistia o PNE/1962. Embora Anísio Teixeira tenha demonstrado em seus escritos e ações, o seu
incondicional apreço à democracia e a que o cidadão participasse nos destinos da Nação, não há
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notícia, pelo menos nos documentos que se pode analisar que a construção desse documento
tenha tido a participação da sociedade civil organizada no CFE, porém, ela manifestava-se em
defesa da educação em outros espaços.
O início da década de 1960 configura-se por um contexto marcado pelo movimento das
reformas de base (inclusive a educacional) que, com forte participação dos movimentos sociais
no governo de João Goulart, constitui uma aliança policlassista contra a burguesia industrial, o
que prenunciava um momento decisivo da reorganização da sociedade política e civil e mudança
do regime do governo para o socialismo. Em 1964, as forças armadas sentindo o país ameaçado,
pela possível instalação do regime em vigor em Cuba e no Leste Europeu, ocuparam o Estado
mediante um golpe militar.
Novamente em regime de ditadura, a história da educação brasileira registra a suspensão do
PNE e uma nova era nas políticas educacionais. Essas passaram a ser orientadas pelos planos
globais de desenvolvimento nacional e planos setoriais, elaborados sob a ideologia tecnocrática,
assentada em um economicismo monetarista, assumido pelos tecnocratas do governo
comprometidos com o desenvolvimento econômico.
Com a setorialidade dos Planos de Desenvolvimento vai se deslocando a noção de plano
para execução de programas. Esse novo procedimento suscitou o seguinte comentário de Gusso:
Ao contrário da concepção preconizada nas sugestões de Anísio Teixeira, esses novos
planos correspondem a uma “verticalização” do processamento das políticas.
Explicitada a articulação da matriz de políticas públicas educacionais ao projeto global
de desenvolvimento nacional, essas políticas se inscreviam e se articulavam em
programas governamentais mais amplos, determinados pelas estratégias de
desenvolvimento adotadas pelo regime burocrático-autoritário (GUSSO, 1993, p. 4).
No advento da Nova República, marcado pelos governos Sarney e Collor, o Plano Nacional
de Desenvolvimento teve semelhante destino ao dos planos do regime militar.
Em 1988, o país é contemplado com uma nova Constituição Federal, diploma legal que
simboliza a conquista da redemocratização do país. Para tanto, houve uma intensa mobilização da
sociedade civil, conduzindo o processo de retorno à democracia de dentro desta para o Estado.
Florestan Fernandes ao se referir a essa mobilização assegura: “[...]a presente revolução
democrática não vai do Estado para a sociedade civil. Vai desta para o Estado“ (FERNANDES,
1986, p. 59).
Por força constitucional foi homologada em 1996 a atual Lei de Diretrizes e Bases da
Educação Nacional (Lei n. 9394), após um doloroso processo de golpes no projeto de LDB
construído pelas associações, sindicatos e entidades estudantis que integravam o Fórum Nacional
em Defesa da Escola Pública na LDB. Essa Lei prescreve no art. 9, inciso I a incumbência da
8
União de “elaborar o Plano Nacional de Educação, em colaboração com os Estados, o Distrito
Federal e os Municípios”.
Mais um período de mobilização do Movimento Nacional de Educadores delimita as
diferentes participações no processo de elaboração do Plano Nacional de Educação, que acabou
tendo duas formulações. Essas foram conseqüência do espaço/tempo tensionado pelos
antagonismos surgidos durante a feitura do Plano do Executivo, coordenado pelo Instituto
Nacional de Pesquisas Educacionais (INEP) e da do PNE: Proposta da Sociedade Brasileira”,
coordenado pelo Fórum em Defesa da Escola Pública. A sociedade civil, representada pelas
associações e entidades reunidas no mencionado Fórum, teve consolidada a sua proposta de PNE
em novembro de 1999, em Belo Horizonte, por ocasião do II Congresso Nacional de Educação
(CONED). O resultado da tramitação no Congresso Nacional dos dois anteprojetos de PNE foi
sancionado pelo Presidente da República por meio da Lei n. 10.172/2001, que aprovou o Plano
Nacional Educação, com vigência no período 2001-2010.
Embora em vigor, o PNE aprovado pela Lei n. 10.172/2001 ainda é motivo de luta dos
movimentos sociais de educadores, pelo fato de que o Presidente da República vetou nove artigos
do PL n.42 (número atribuído ao substitutivo de Nelson Marquezan, relator do anteprojeto de
PNE na Câmara dos Deputados e aprovado no Congresso Nacional). Tais vetos presidenciais são
entendidos como uma afronta às expectativas da melhoria da qualidade social da educação
brasileira, pois, segundo denúncia feita pela Campanha Nacional pelo Direito à Educação, eles
foram definidos pela equipe econômica do governo Fernando Henrique Cardoso “[...]co m a
intenção de impedir a ampliação de recursos para a Educação” (2001, p.1).
Diante disso, está muito clara a distinção entre os dois projetos de PNE: o do mundo real e o do
mundo oficial, bem como é evidente que o financiamento para a implementação das metas previstas está
aquém do que é necessário. Insiste-se, mais uma vez, que o prover está dissociado do prever.
Em nossos dias é imprescindível uma grande mobilização dos movimentos sociais para
atuarem no processo de elaboração Planos Estaduais e Munic ipais de Educação em
desenvolvimento no País por força do art. 10, inciso III da LDB/96 e reafirmado na Lei n.
10.172/2001, em seu art. 2º com a seguinte redação: “a partir da vigência desta Lei, os Estados, o
Distrito Federal e os Municípios deverão, com base no Plano Nacional de Educação, elaborar
planos decenais correspondentes”.
Compelido à ação pelo que reza esse dispositivo legal o MEC/INEP colocou em circulação
em todo país um documento que deve subsidiar a elaboração dos Planos Estaduais e Municipais.
Neste documento está resguardado o princípio da participação como garantia de legitimação do
processo democrático, uma vez que a sociedade civil organizada em movimentos sociais,
9
entidades, associações, sindicatos, outros é partícipe do processo de elab oração dos referidos
planos.
O processo de elaboração dos PNEs pelos Estados brasileiros tem sido acompanhado pelo
Conselho de Secretários Estaduais de Educação (CONSED) que de modo panorâmico demonstra
a etapa que cada Estado já cumpriu. Estão em andamento os PNEs do Acre, Espírito Santo, Goiás,
Maranhão, Minas Gerais, Mato Grosso do Sul, Pernambuco, Piauí, Rio Grande do Norte, Rio
Grande do Sul, Roraima, Santa Catarina, Sergipe, São Paulo e Tocantins. Não iniciaram o Distrito
Federal e os Estados do Amaz onas, Ceará, Mato Grosso, Paraíba (somente discussões
preliminares), Paraná, Rio de Janeiro e Rondônia. Finalizaram a elaboração a Bahia e o Pará.
Ressalta-se que cada Estado segue um ritmo próprio no processo de elaboração, mas,
notável é que de todos eles, exceto o Estado do Pará, não divulgou se houve participação da
sociedade civil organizada em movimentos sociais. A participação da sociedade civil na
elaboração dos diversos planos estaduais pode ser entendida, por um lado, que os movimentos
estão reconquistando espaços de participação e, por outro, que o mundo oficial está reconhecendo
esta reconquista − um direito que lhe fora usurpado há muito.
Creio, todavia, que a sociedade civil deverá continuar conquistando espaços plurais de
participação não só para elaborar planos, mas também assegurar seu papel de defensora dos
interesses da maioria da população brasileira, exercendo o controle social, por meio do
acompanhamento e avaliação desses planos, dando especial atenção ao financiamento e à gestão
dos recursos alocados para a educação. Dessa forma estará evitando o que historicamente
acontece em nosso País: planos são feitos, porém condenados a permanecer somente no papel ou
na letra da lei.
3. Aproximando conclusões
Os resultados da presente investigação mostram a nítida separação entre as políticas
traçadas pelo movimento social de educadores, ao longo da historia da educação brasileira, como
forma de colaborar na elaboração dos planos nacionais de educação, e a definição dos planos pelo
Governo/Ministério da Educação, quer sejam propostas do Executivo, quer sejam propostas do
Legislativo. Outro resultado refere-se à questão do financiamento das políticas definidas nos
PNEs, como fator primordial para assegurar a implantação dos mencionados planos. O estud o
demonstra que a sociedade civil, desde o primeiro plano nacional tem como preocupação o
respeito ao princípio do prever associado ao prover condições para a execução das políticas
proclamadas, enquanto que o sistema, apresenta uma forte tendência a prever em demasia sem
prover adequadamente, condenando os planos, de modo geral, a permanecerem letra morta nos
documentos de planejamento educacional.
10
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