MOVIMENTO SOCIAL DE EDUCADORES: PARTICIPAÇÃO NA ELABORAÇÃO DOS PLANOS NACIONAIS E ESTADUAIS DE EDUCAÇÃO Iria Brzezinski UCG/UnB O presente trabalho é resultante de uma pesquisa teórica, baseada na análise documental relativa ao objeto deste estudo, qual seja: o movimento nacional de educadores, entendido como movimento social, que vem se mantendo atento e vigilante ao processo de implantação das atuais políticas da educação brasileira. Para buscar certa verticalidade fez-se um recorte que enfoca a partici pação dos intelectuais/professores, como representantes da sociedade civil, muitas vezes reunidos em associações, entidades, sindicatos ou fóruns para a elaboração dos Planos Nacionais de Educação(PNEs), com especial destaque, à participação no Fórum Nacional em Defesa da Escola Pública, no processo de elaboração do PNE/2001-2010, bem como nos diferentes Planos Estaduais de Educação. O referencial teórico deste estudo é tecido, sobretudo, a partir dos fundamentos encontrados na literatura específica, que conceitua e caracteriza os movimentos sociais e que permite reconhecer o movimento nacional de educadores como um desses movimentos; com estudos sobre políticas públicas e reorganização do Estado; com a documentação produzida tanto pelo “mundo do sistema” (oficial) como pelo “mundo real” (dos educadores) acerca dos processos de elaboração dos planos nacionais e estaduais de educação. O marco histórico das discussões para a elaboração dos planos é o Manifesto dos Pioneiros, uma proposta da sociedade civil, elaborada em 1932, por um grupo de intelectuais brasileiros preocupados com a reconstrução nacional da educação e que passou a ser considerado pelos pesquisadores da área de políticas educacionais como o primeiro Plano Nacional da Educação Brasileira. 1. Movimentos sociais e movimento social de educadores Para Bobbio, Matteucci e Pasquino, organizadores do Dizionario di Politica (1983) reeditado pela Universidade de Brasília (1986), embora o tema movimentos sociais ocupe lugar central nas análises sociológicas tanto de estudiosos clássicos como contemporâneos, talvez por isso, ainda “não foi elaborada uma teoria totalmente abrangente e inteiramente satisfatória da problemática” (p. 787). No entanto, esses autores apontam a teorização de Touraine sobre movimentos sociais como aquela que consegue inserir-se em um esquema de interpretação global da sociedade e permite entender que “os movimentos sociais pertencem aos processos pelos quais uma sociedade cria a sua organização a partir do seu sistema de ação histórica, através dos conflitos de classe e dos acordos políticos (TOURAINE, apud BOBBIO et al, 1986, p. 789). Dessa forma, os movimentos sociais existem em sociedades dividas em classes, sob o modo capitalista de produção, e, no caso dos países 2 da América Latina, particularmente o Brasil, país marcado pela perversa distribuição de renda que distância cada vez a classe trabalhadora e a classe detentora do capital. Conforme assevera Melucci (1989), um movimento social é uma forma de ação coletiva baseada na solidariedade. Essa ação desenvolve um conflito e rompe os limites do sistema em que a ação ocorre. Então, tais movimentos são vistos como lutas não só pela ampliação do acesso ao espaço político, mas também pelo reconhecimento das aspirações populares, pois se concentram em vários problemas específicos, que, de modo geral, colocam os militantes em posição contrária à do poder instituído. Os movimentos sociais tentam impedir o poder público de resolver problemas particulares e setorializados, sem a participação dos cidadãos inseridos na concretude desses problemas. Tais ações permitem que os movimentos sociais sejam múltiplos, diversos, cíclicos, com fluxos e refluxos. A aparente fragilidade evidenciada nos momentos de refluxo, paradoxalmente, é sinal de fecundidade. Movimentos resultam de idéias e de práticas. Estas fluem e refluem. As idéias persistem e se transformam, agregando elementos novos, ou negando velhos elementos, segundo a conjuntura dos tempos. Os movimentos são históricos e têm uma historicidade particular, que se expressa em sua prática, em sua composição, em suas articulações e demandas. Os estudos de Cardoso (1984), Calderon e Jelin, Jacobi, Oliveira (1987), Sader (1987, 1988), Frank e Fuentes e Melucci (1989) sobre a origem, natureza e papel dos movimentos sociais apontam que, no cenário da história das sociedades capitalistas da América Latina, os movimentos sociais se constituem de forma mais vigorosa quando a sociedade civil é dominada por regimes autoritários. Ou como sugere Cardoso (1984), quando a sociedade é dominada pelos "regimes de exceção", tal como ocorreu, no Brasil, com o regime implantado pelos militares em 1964. Esses estudos evidenciam que os largos anos de regime puramente arbitrário que predominaram na América Latina favoreceram a reorganização dos movimentos sociais, engendrados, muitas vezes, na sociedade civil, em condições de clandestinidade. No contexto de resistência ao autoritarismo, numa sociedade que procurava consolidar o modelo econômico capitalista na etapa monopolista, os movimentos sociais ficaram prontos para entrar em ação tão logo o cenário político mostrou um pequeno sinal de abertura. Essas investidas, mesmo fracas e descontínuas, tornaram o regime militar brasileiro mais vulnerável, pois as lutas e reivindicações pela democracia e pela conquista da cidadania partiam da sociedade civil, que se organizava. A reorganização do Estado e da Sociedade Brasileira a partir do movimento inicial de retorno à democracia (década de 1980) revelou novas formas de associações, sindicatos e outras modalidades associativas ou corporativas, que, embora tivessem uma diversidade de perfis de 3 organização e um desempenho que lhes são próprios, específicos e particulares, possuíam um objetivo comum: a "liberalização" para constituir ou reconstituir o sistema e a ordem democráticos. A própria força de trabalho, explorada pela classe dominante e oprimida pelo determinismo econômico, encontrou formas de expressão política nos movimentos sociais. Esse sujeito coletivo − força de trabalho − questionava a dominação imposta pelo sistema e mantinha o embate com seu opositor bastante definido − o detentor do capital. Com base em Touraine (1973) pode-se afirmar que o movimento social de educadores, conhecido como Movimento Nacional de Educadores, que surgiu no final da década de 1970 no Brasil pode ser reconhecido como social, pelo fato de apresentar as três dimensões 1 − identidade, oposição e totalidade − que definem os movimentos sociais. Essas dimensões são tratadas por Touraine (1973) quando o autor discute a natureza dos movimentos sociais. No caso do Movimento Nacional de Educadores, segundo os princípios defendidos por Touraine, a identidade do movimento social é o sujeito coletivo − força intelectual do mundo vivido dos educadores − opositor dos ditames e arbitrariedades do sistema educacional, que traça políticas educacionais pautadas em uma agenda internacional, agredindo a própria herança cultural da área da Educação. A oposição, por sua vez, é expressa pelo conflito instalado entre dois projetos distintos de sociedade, educação, homem e mundo e que se excluem radicalmente. É nítido o antagonismo entre as políticas educacionais do mundo oficial e as ensejadas pelo mundo real. Finalmente, a totalidade é a ação histórica dos atores sociais pertencentes ao movimento, em uma determinada sociedade, neste caso, com o objetivo de promover transformações nas relações de dominação x dominado. A ação histórica dos atores coletivos, num estágio superior, ultrapassa as críticas ao capitalismo e à organização do trabalho e pretende atingir um outro objetivo: transformar a sociedade capitalista, em uma sociedade não capitalista, livre da apropriação privada dos meios de produção, portanto, inventando uma outra sociedade. Segundo o autor não é possível falar de um movimento social se não se pode, ao mesmo tempo, definir o contramovimento ao qual ele se opõe. O movimento dos operários só é um movimento social se, além das reivindicações contra as crises da organização social e das pressões para a negociação, ele coloca em causa a dominação da classe dirigente (TOURAINE, p.344). Neste sentido, entende-se que a força de trabalho coloca em causa a dominação da classe dirigente e luta pelos direitos e pela dignidade dos trabalhadores, procurando “[...]a 1 . Este tema é tratado com detalhes por Alain Touraine em Les mouvements sociaux. In: Production de la société. Paris, Éditions du Seuil, 1973, p.347-389 e Idem. Critique de la modernité. Paris, Fayard, 1992, p. 278-280. 4 transformação não apenas do Estado, da vida política, da produção econômica ou da estrutura jurídica e social, mas também do cotidiano” (TOURAINE, p.345). O Movimento Social de Educadores tem clareza do seu contramovimento materializado no Ministério da Educação e Cultura (MEC) que se coloca frontalmente contrário aos princípios de uma educação pública, gratuita e de qualidade social para todos e em todos os níveis de ensino e admite a formação aligeirada de professores para atuar na Educação Básica. O contramovimento (MEC) adota uma política educacional que tem como foco a qualidade total e restringe a gratuidade do ensino ao Ensino Fundamental, usando estrategicamente o princípio constitucional de gratuidade restrita a esse nível de ensino e dessa forma sustenta a negação da escola pública e gratuita para os que necessitam da Educação Infantil e do Ensino Médio. O MEC ainda adota a política de formação de professores, expressa nas Diretrizes Curriculares para a Formação de Professores para a Educação Básica definidas pelo Conselho Nacional de Educação (CNE) e homologadas em 19.02.2002 pela Resolução CNE/CP n. 001, que contrariam a política de formação e profissionalização docente proposta pelo Movimento Nacional de Educadores. Uma análise das mencionadas Diretrizes permite identificar que se trata de uma carta de intenções para desqualificar a formação/titulação de professores em cursos de duração plena (mínima de 4 anos), uma vez que retira a responsabilidade dessa formação da universidade, admitindo outro locus de formação, os Institutos Superiores de Educação, com oferta de cursos com 3 anos de duração, o que evidência, claramente, um forte caráter de treinamento/certificação em cursos aligeirados de formação inicial, que podem inclusive ser semi -presenciais ou totalmente a distância. As propostas de políticas educacionais e de formação de professores formuladas pelo MEC/CNE vêm afrontando a cidadania do brasileiro que necessita da escola pública com professores qualificados. Diante disso, é preciso lembrar que, historicamente, a cidadania tem sido o elemento de união entre movimentos sociais e educação. O conceito de cidadania, categoria essencial de uma sociedade democrática, é revisto por Gohn (1992) sob várias abordagens, do ponto de vista teórico-metodológico, à luz do processo de mudança e de transformação da sociedade. A autora percorre as acepções de cidadania sob a ótica do liberalismo e explicita o conceito de cidadania coletiva. A educação, por sua vez, ocupa lugar central no conceito de cidadania coletiva, posto que essa se constrói no processo de luta, que é, em nele mesmo, um movimento educativo. Para Ianni (1992), a superação da não-cidadania passa pela cidadania coletiva, que é concreta e histórica e pressupõe a realização dos direitos, seguida dos deveres do cidadão. No entanto, a cidadania do cidadão do mundo está apenas em esboço, pensada, prometida e 5 imaginada e precisa ser conquistada. A propósito, Touraine destaca que a cidadania é uma conquista do sujeito como ator coletivo que [...] “luta pelos direitos e a dignidade dos trabalhadores ... inventando uma outra sociedade e não se contentando em criticar o capitalismo e a organização do trabalho”. Essa outra sociedade deve desenvolve -se tendo presente [...]”a execução social da racionalização e da subjetivação” (TOURAINE, 1992, p. 224-255) e a ação do sujeito como ator coletivo que tem presente a concepção de movimento social que ao mesmo tempo é conflito social e projeto cultural. A elucidação do autor supracitado sobre a condição de um movimento social apresentar-se ao mesmo tempo como conflito social e projeto cultural permite reconhecer como um movimento social de educadores, o Movimento de Reconstrução Educacional, organizado por intelectuais pertencentes à Associação Brasileira de Educação (ABE), fundada na década de 1920. Em que pesem as diferenças ideológicas marcantes no conjunto de educadores que se congregavam na ABE e nas Conferências Brasileiras de Educação (CBEs) 2 promovidas pela Associação, o Movimento de Reconstrução Nacional a dotava uma idéia comum de que a reconstrução social seria feita pela reconstrução educacional. Para tanto, advogava que a escola deveria se democratizar e ser mais eficiente, o espírito científico imprimiria qualidade ao ensino, a Psicologia seria a ciência que permitiria uma revolução no processo educacional, educando o estudante conforme suas diferenças e capacidades individuais e a administração escolar seria responsável pela racionalização do sistema educacional e escolar. Não resta dúvida de que esse movimento, denominado escolanovista e embasado em estudos pragmatistas europeus e americanos, viria romper com o ensino defendido pelos católicos segundo os quais deveria permanecer academicista, intelectualista e classista (escola para poucos). Resultado fecundo do movimento foi o compromisso firmado em 1932, por 26 signatários, no documento “A Reconstrução Educacional no Brasil − ao povo e ao governo” −, que passou a ser divulgado pela história da educação brasileira como “Manifesto dos Pioneiros da Escola Nova”. 2. Do Manifesto dos Pioneiros e ao Plano Nacional de Educação 2001-2010 Mesmo não atendendo aos critérios convencionais do macro planejamento educacional, o Manifesto dos Pioneiros constitui um marco histórico das discussões para a elaboração dos planos nacionais de educação, pois os educadores reivindicavam um plano unitário de ensino, uma solução para o problema educacional, não desvinculada do aspecto econômico. O planejar e o 2 .As CBEs tiveram o mérito de reunir profissionais da educação, a fim de debater seu campo de trabalho e de proporcionar “oportunidade para o debate largo sobre doutrinas e reformas freqüentemente de conteúdo intelectual confuso e contraditório (Azevedo, 1944, p. 383). 6 definir recursos para execução do planejado, isto é – o prever associado ao prover – era idéia que tomava corpo naquela época. O citado Manifesto, proposta da sociedade civil elaborada por um grupo de intelectuais brasileiros e sistematizada por Fernando de Azevedo, lançou bases para a defesa da função essencialmente pública da educação (escola comum ou única para todos) e dos princípios da laicidade, obrigatoriedade e gratuidade da escola “primária”. Tais princípios foram incorporados à Constituição Federal de 1934, que introduziu profundas mudanças sociais e previu pela primeira vez no Brasil como competência da União “traçar as diretrizes da educação nacional” (art. 5º, inciso XIV), bem como “fixar o plano nacional de educação, compreensivo do ensino de todos os graus e ramos, comuns e especializados; e coordenar e fiscalizar a sua execução em todo o território nacional”(art. 150, letra a). Em atendimento ao preceito constitucional, o Conselho Federal da Educação (CFE) pertencente ao Ministério da Educação e Saúde Pública (MESP), à época, incumbiu-se de colher informações em um questionário que continha 207 quesitos, para elaborar o primeiro Plano Nacional de Educação (PNE). Apesar de a coleta de dados ter envolvido associações, sindicatos, embaixadas, ginásios, colégios, centros de cultura, exército, professores catedráticos, do ensino superior e médio, não se pode dizer tratou de um movimento da sociedade civil, pois o CFE centralizou em seu interior as discussões sobre as respostas obtidas e encaminhou ao Congresso Nacional um anteprojeto de lei, composto por 506 artigos. A amplitude do PNE contrariava a posição da ABE, associação que representava a sociedade civil organizada, como registrado anteriormente, a qual defendia um texto sintético, “[...]tomando como argumento a estrutura federativa do país”Cury, 1998, p. 166). O anteprojeto não logrou êxito diante do fechamento do Congresso, com a implantação do regime autoritário ditatorial, conhecido como Estado Novo (1937), capitaneado por Getúlio Vargas. Com efeito, o primeiro PNE só chegou à população brasileira em 1962, median te um decreto do Presidente João Goulart. Em atendimento ao art. 92, § 2º, da primeira Lei de Diretrizes e Bases da Educação Nacional (Lei n. 4.024/61), que prescrevia a elaboração de Plano Nacional referente aos fundos nacionais do ensino primário, médio e superior, com prazo determinado para sua execução e CFE tomou para si a tarefa. Curioso é que coube a um dos signatários do Manifesto dos Pioneiros da Escola Nova − o educador Anísio Teixeira −, nesta ocasião conselheiro do CFE, articular em um único doc umento as metas quantitativas e qualitativas e as normas reguladoras da distribuição de cada fundo, no que, em última instância, consistia o PNE/1962. Embora Anísio Teixeira tenha demonstrado em seus escritos e ações, o seu incondicional apreço à democracia e a que o cidadão participasse nos destinos da Nação, não há 7 notícia, pelo menos nos documentos que se pode analisar que a construção desse documento tenha tido a participação da sociedade civil organizada no CFE, porém, ela manifestava-se em defesa da educação em outros espaços. O início da década de 1960 configura-se por um contexto marcado pelo movimento das reformas de base (inclusive a educacional) que, com forte participação dos movimentos sociais no governo de João Goulart, constitui uma aliança policlassista contra a burguesia industrial, o que prenunciava um momento decisivo da reorganização da sociedade política e civil e mudança do regime do governo para o socialismo. Em 1964, as forças armadas sentindo o país ameaçado, pela possível instalação do regime em vigor em Cuba e no Leste Europeu, ocuparam o Estado mediante um golpe militar. Novamente em regime de ditadura, a história da educação brasileira registra a suspensão do PNE e uma nova era nas políticas educacionais. Essas passaram a ser orientadas pelos planos globais de desenvolvimento nacional e planos setoriais, elaborados sob a ideologia tecnocrática, assentada em um economicismo monetarista, assumido pelos tecnocratas do governo comprometidos com o desenvolvimento econômico. Com a setorialidade dos Planos de Desenvolvimento vai se deslocando a noção de plano para execução de programas. Esse novo procedimento suscitou o seguinte comentário de Gusso: Ao contrário da concepção preconizada nas sugestões de Anísio Teixeira, esses novos planos correspondem a uma “verticalização” do processamento das políticas. Explicitada a articulação da matriz de políticas públicas educacionais ao projeto global de desenvolvimento nacional, essas políticas se inscreviam e se articulavam em programas governamentais mais amplos, determinados pelas estratégias de desenvolvimento adotadas pelo regime burocrático-autoritário (GUSSO, 1993, p. 4). No advento da Nova República, marcado pelos governos Sarney e Collor, o Plano Nacional de Desenvolvimento teve semelhante destino ao dos planos do regime militar. Em 1988, o país é contemplado com uma nova Constituição Federal, diploma legal que simboliza a conquista da redemocratização do país. Para tanto, houve uma intensa mobilização da sociedade civil, conduzindo o processo de retorno à democracia de dentro desta para o Estado. Florestan Fernandes ao se referir a essa mobilização assegura: “[...]a presente revolução democrática não vai do Estado para a sociedade civil. Vai desta para o Estado“ (FERNANDES, 1986, p. 59). Por força constitucional foi homologada em 1996 a atual Lei de Diretrizes e Bases da Educação Nacional (Lei n. 9394), após um doloroso processo de golpes no projeto de LDB construído pelas associações, sindicatos e entidades estudantis que integravam o Fórum Nacional em Defesa da Escola Pública na LDB. Essa Lei prescreve no art. 9, inciso I a incumbência da 8 União de “elaborar o Plano Nacional de Educação, em colaboração com os Estados, o Distrito Federal e os Municípios”. Mais um período de mobilização do Movimento Nacional de Educadores delimita as diferentes participações no processo de elaboração do Plano Nacional de Educação, que acabou tendo duas formulações. Essas foram conseqüência do espaço/tempo tensionado pelos antagonismos surgidos durante a feitura do Plano do Executivo, coordenado pelo Instituto Nacional de Pesquisas Educacionais (INEP) e da do PNE: Proposta da Sociedade Brasileira”, coordenado pelo Fórum em Defesa da Escola Pública. A sociedade civil, representada pelas associações e entidades reunidas no mencionado Fórum, teve consolidada a sua proposta de PNE em novembro de 1999, em Belo Horizonte, por ocasião do II Congresso Nacional de Educação (CONED). O resultado da tramitação no Congresso Nacional dos dois anteprojetos de PNE foi sancionado pelo Presidente da República por meio da Lei n. 10.172/2001, que aprovou o Plano Nacional Educação, com vigência no período 2001-2010. Embora em vigor, o PNE aprovado pela Lei n. 10.172/2001 ainda é motivo de luta dos movimentos sociais de educadores, pelo fato de que o Presidente da República vetou nove artigos do PL n.42 (número atribuído ao substitutivo de Nelson Marquezan, relator do anteprojeto de PNE na Câmara dos Deputados e aprovado no Congresso Nacional). Tais vetos presidenciais são entendidos como uma afronta às expectativas da melhoria da qualidade social da educação brasileira, pois, segundo denúncia feita pela Campanha Nacional pelo Direito à Educação, eles foram definidos pela equipe econômica do governo Fernando Henrique Cardoso “[...]co m a intenção de impedir a ampliação de recursos para a Educação” (2001, p.1). Diante disso, está muito clara a distinção entre os dois projetos de PNE: o do mundo real e o do mundo oficial, bem como é evidente que o financiamento para a implementação das metas previstas está aquém do que é necessário. Insiste-se, mais uma vez, que o prover está dissociado do prever. Em nossos dias é imprescindível uma grande mobilização dos movimentos sociais para atuarem no processo de elaboração Planos Estaduais e Munic ipais de Educação em desenvolvimento no País por força do art. 10, inciso III da LDB/96 e reafirmado na Lei n. 10.172/2001, em seu art. 2º com a seguinte redação: “a partir da vigência desta Lei, os Estados, o Distrito Federal e os Municípios deverão, com base no Plano Nacional de Educação, elaborar planos decenais correspondentes”. Compelido à ação pelo que reza esse dispositivo legal o MEC/INEP colocou em circulação em todo país um documento que deve subsidiar a elaboração dos Planos Estaduais e Municipais. Neste documento está resguardado o princípio da participação como garantia de legitimação do processo democrático, uma vez que a sociedade civil organizada em movimentos sociais, 9 entidades, associações, sindicatos, outros é partícipe do processo de elab oração dos referidos planos. O processo de elaboração dos PNEs pelos Estados brasileiros tem sido acompanhado pelo Conselho de Secretários Estaduais de Educação (CONSED) que de modo panorâmico demonstra a etapa que cada Estado já cumpriu. Estão em andamento os PNEs do Acre, Espírito Santo, Goiás, Maranhão, Minas Gerais, Mato Grosso do Sul, Pernambuco, Piauí, Rio Grande do Norte, Rio Grande do Sul, Roraima, Santa Catarina, Sergipe, São Paulo e Tocantins. Não iniciaram o Distrito Federal e os Estados do Amaz onas, Ceará, Mato Grosso, Paraíba (somente discussões preliminares), Paraná, Rio de Janeiro e Rondônia. Finalizaram a elaboração a Bahia e o Pará. Ressalta-se que cada Estado segue um ritmo próprio no processo de elaboração, mas, notável é que de todos eles, exceto o Estado do Pará, não divulgou se houve participação da sociedade civil organizada em movimentos sociais. A participação da sociedade civil na elaboração dos diversos planos estaduais pode ser entendida, por um lado, que os movimentos estão reconquistando espaços de participação e, por outro, que o mundo oficial está reconhecendo esta reconquista − um direito que lhe fora usurpado há muito. Creio, todavia, que a sociedade civil deverá continuar conquistando espaços plurais de participação não só para elaborar planos, mas também assegurar seu papel de defensora dos interesses da maioria da população brasileira, exercendo o controle social, por meio do acompanhamento e avaliação desses planos, dando especial atenção ao financiamento e à gestão dos recursos alocados para a educação. Dessa forma estará evitando o que historicamente acontece em nosso País: planos são feitos, porém condenados a permanecer somente no papel ou na letra da lei. 3. Aproximando conclusões Os resultados da presente investigação mostram a nítida separação entre as políticas traçadas pelo movimento social de educadores, ao longo da historia da educação brasileira, como forma de colaborar na elaboração dos planos nacionais de educação, e a definição dos planos pelo Governo/Ministério da Educação, quer sejam propostas do Executivo, quer sejam propostas do Legislativo. Outro resultado refere-se à questão do financiamento das políticas definidas nos PNEs, como fator primordial para assegurar a implantação dos mencionados planos. O estud o demonstra que a sociedade civil, desde o primeiro plano nacional tem como preocupação o respeito ao princípio do prever associado ao prover condições para a execução das políticas proclamadas, enquanto que o sistema, apresenta uma forte tendência a prever em demasia sem prover adequadamente, condenando os planos, de modo geral, a permanecerem letra morta nos documentos de planejamento educacional. 10 Bibliografia AZEVEDO, F. A cultura brasileira. São Paulo: Cia Editora Nacional, 1944. BRASIL/PR. Lei n. 10.172, de 09 de janeiro de 2001 “Aprova o Plano Nacional de Educação e dá outras providências”. BRASIL. MEC.INEP. O manifesto dos pioneiros da educação nova. RBEP, Brasília, MEC/INEP, v. 65, n. 150, mai/ago. 1984, p. 407-425. _____.PNE. Subsídios para a elaboração dos planos estaduais e municipais de educação. Brasília; MEC, 2001. BOBBIO, N, MATTEUCCI, N. e PASQUINO, G. Dicionário de política. Brasília; Editora da UnB, 1986. BRZEZINSKI, I. 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