Narração e tipos de discurso As várias vozes de um texto (Gloriosos (as), o exercício está no final da apresentação!) Prof.: Maria Anna Na etapa 1, nós estudamos a diferença entre ideologia, discurso e texto e também a relação intrínseca entre esses termos. Agora nós veremos que a palavra discurso, independentemente de ser a ideia veiculada através do texto, também se refere às “vozes” que aparecem no texto. No caso dos textos de caráter narrativo, temos a voz do narrador e a voz dos personagens. A essas vozes chamamos também de DISCURSO. O locutor • É o dono da voz; a voz que dialoga conosco, os ouvintes, ou os leitores de um texto. Eventualmente, pode abrir espaço para que os personagens se manifestem, falem , dialoguem. Teremos então outras vozes no texto, outros discursos além do discurso do locutor. Podemos ter várias outras vozes que se integram ao texto, seja por citações, menções, seja por referências intertextuais: uma polifonia, isto é, uma reunião de várias vozes. Tipos de discurso • No caso das falas dos personagens, o narrador pode transcrevê-las literalmente ou reproduzi-las com suas palavras. O mesmo acontece em textos não ficcionais (matérias jornalísticas, textos dissertativos, por exemplo), quando o locutor abre espaço para outras vozes, seja por citações diretas seja por citações incorporadas ao seu discurso. Assim teremos o discurso direto ou o discurso indireto. Discurso direto • Reprodução fiel da fala do personagem, via de regra, devidamente marcada por dois pontos, travessão ou aspas. Nesse caso, poderíamos dizer que um “locutor 1” abre espaço par um “locutor 2”, “3”, “4” etc. É o que ocorre no seguinte exemplo: “Inteirei-me de particularidades pouco interessantes, dei umas instruções a Seu Ribeiro e voltamos ao alpendre, onde Luís Padilha tinha recomeçado com Azevedo Gondim os elogios às pernas: - De quem são as pernas? -Da Madalena, respondeu Gondim. -Quem? -Uma professora. Não conhece? Bonita. -Educada, atalhou João Nogueira. -Bonita, disse outra vez Gondim. Uma lourinha, aí de uns trinta anos. - Quantos? Perguntou João Nogueira. - Uns trinta, pouco mais ou menos. - Vinte, se tanto. - É porque você não viu de perto, interrompeu Gondim. Se tivesse visto, não sustentava semelhante barbaridade. - Como não? Vi muito de perto, em casa do Magalhães, no aniversário da Marcela. Tem vinte. -É porque você viu à noite. De manhã é diferente. Tem trinta.” (RAMOS, Graciliano. São Bernardo.34.ed. Rio de Janeiro: Record, 1979.) Comentários: A fala inicial, em primeira pessoa, é do personagem-narrador Paulo Honório. Nos diálogos, temos a fala de três personagens – Luís Padilha, Gondim e João Nogueira – que divagam sobre a idade de Madalena, futura esposa do narrador Paulo Honório. As falas, reproduzidas integralmente e introduzidas por travessão, são exemplos de discurso direto. Via de regra, elas vêm acompanhadas de um verbo de elocução, ou seja, aquele que indica fala de personagem (dizer, falar, responder, perguntar, indagar, retrucar, afirmar etc.) seguido de dois-pontos. Alguns autores modernos dispensam o emprego dos verbos de elocução em favor de um ritmo mais veloz na narrativa. Ouros, em busca de maior expressividade, utilizam estruturas inovadoras e criativas para reproduzirem diferentes vozes do texto. Exemplo: romance Memorial do Convento de José Saramago Num estilo muito particular, temos parágrafos de aproximadamente uma página, com textos ininterruptos e falas inseridas em meio à narração sem o recurso dos dois pontos, do travessão ou das aspas: “Quando Baltasar entra em casa, ouve um murmúrio que vem da cozinha, é a voz da mãe, a voz de Blimunda, ora uma, ora outra, mal se conhecem e têm tanto para dizer, é a grande interminável conversa das mulheres, parece coisa nenhuma, isto pensam os homens, nem eles imaginam que esta conversa é que segura o mundo na sua órbita, não fosse falarem as mulheres umas com as outras, já os homens teriam perdido o sentido da casa e do planeta. Deite-me a sua bênção, minha mãe, Deus te abençoe, meu filho, não falou Blimunda, não lhe falou Baltasar, apenas se olharam, olharem-se era a casa de ambos.” A expressividade do discurso direto • “No plano expressivo, a força da narração em discurso direto provém essencialmente de sua capacidade de atualizar o episódio, fazendo emergir da situação a personagem, tornando-a viva para o ouvinte, à maneira de uma cena teatral, em que o narrador desempenha a mera função de um indicador das falas. Estas, na reprodução direta, ganham naturalidade e vivacidade, enriquecidas por elementos linguísticos tais como exclamações, interrogações, interjeições, vocativos e imperativos, que costumam impregnar de emotividade a expressão oral.” (CUNHA, Celso; CINTRA, Lindley. Nova gramática do português contemporâneo. Rio de Janeiro: Nova Fronteira, 1985.) Discurso indireto • Ocorre quando o narrador utiliza as próprias palavras para reproduzir a fala de um personagem. Temos assim a mistura de duas vozes ou de dois enunciadores: “Compreendi que estava velho e precisava de uma força, mas o Quincas Borba partira seis meses antes para Minas Gerais, e levou consigo a melhor das filosofias. Voltou quatro meses depois, e entrou-me em casa, certa manhã, quase no estado em que eu o vira no Passeio Público. A diferença é que o olhar era outro. Vinha demente. Contou-me que, para o fim de aperfeiçoar o Humanitismo, queimara o manuscrito todo e ia recomeçá-lo.” (ASSIS, Machado de. Memórias póstumas de Brás Cubas. São Paulo: Scipione, 1994) A expressividade do discurso indireto • “No discurso indireto, o narrador subordina a si a personagem, com retirar-lhe a forma própria e afetivamente matizada da expressão. Mas não se conclua daí que tal modalidade de discurso seja uma construção estilística pobre. O seu uso ressalta o pensamento, a essência significativa do enunciado reproduzido, deixando em segundo plano as circunstâncias e os detalhes acessórios que o envolvem.” (CUNHA, Celso; CINTRA, Lindley. Nova gramática do português contemporâneo. Rio de Janeiro: Nova Fronteira, 1985.) Comentário: No discurso indireto também há verbo de elocução (que é o núcleo do predicado da oração principal), seguido de uma oração subordinada (a fala do personagem complementa o significado do verbo de elocução – contou-me que... – desempenhando a função de complemento verbal.) Esquematizando: Oração principal + Oração subordinada substantiva objetiva direta Contou-me (verbo transitivo direto e indireto) + que queimara o manuscrito todo. “O discurso direto permite melhor caracterização da personagem, com reproduzir-lhes, de maneira mais viva, os matizes da língua afetiva, as peculiaridades da expressão (gíria, modismos fraseológicos etc.). No discurso indireto, o narrador incorpora na sua linguagem a fala das personagens, transmitindonos apenas a essência do pensamento a ela atribuído.” (GARCIA, Othon Moacyr. Comunicação em prosa moderna. 7.ed.Rio de Janeiro: FGV, 1978.) Exercício: 1- Reestruture o texto seguinte, dando-lhe a forma de discurso indireto. “Sensível ao apelo do governo para economizar gasolina, ele disse: -Mulher, prepare a sunga esportiva. -Por quê? Perguntou ela – ao que ele respondeu: -Amanhã, irei trabalhar de bicicleta.” 2- “João Soares está com razão. Eleição custa dinheiro. Um cabo eleitoral prático assim como o Pé-de-Meia garantia o serviço, mas cobrava vinte mil-réis por cabeça. E as despesas não ficavam nisso: poucos são os registrados, e cumpre fazer o registro; se o eleitor nasceu ou casou fora do município, tem-se de mandar buscar a certidão por um positivo de confiança. E lá se vai um dinheirão! Depois, a entrega dos títulos. Boia e pagode. E condução para muita gente – roceiro, quando viaja, carrega a família toda. A fila em frente do juiz se reveza, e isso custa mais um ajutório ao Pé-de-Meia, cuja presença o eleitor exige para assisti-lo na hora de passar o recibo. Lá está ele, botando coragem no povo: ‘- Não se afobe, capriche. Você está implicado à toa com o efe – a letra é facinha. Se não decorou direito a voltinha, deixe: o juiz não repara, não...” Mário Palmério, Vila dos Confins. a) Transcreva do texto um trecho em discurso direto, indicando o dono da voz e o interlocutor. b) Passe o trecho para a forma de discurso indireto.