O cadastro positivo é positivo? O ano de 2010 será um bom ano para o crédito. O custo do dinheiro começará num piso histórico e o cenário é de que ficará num patamar baixo nos anos seguintes. Tudo indica que haverá liquidez abundante, as margens (spreads) estarão se reduzindo, a composição do crédito deve melhorar, os recursos dos aportes de capital em bancos públicos e privados irão fluir, o crescimento do PIB estimulará a demanda de financiamentos e dois avanços institucionais podem melhorar ainda mais a estrutura da oferta de crédito no país. O primeiro é a Resolução 3.721 do Banco Central que entrará em vigor no próximo ano e estabelece padrões de políticas, processos, sistemas e procedimentos que devem ser adotadas por instituições financeiras. Prescreve um gerenciamento do risco de crédito criterioso de acordo com as melhores práticas internacionais. O outro é a aprovação do cadastro positivo. O projeto de lei, que tramita no Congresso Nacional desde 2003, pode ser sancionado em breve. Como já há empresas estabelecidas no Brasil com capacidade reconhecida para implantálo, com destaque para a Associação Comercial de São Paulo (ACSP) e a Serasa, copatrocinadoras do projeto, o mesmo pode entrar em funcionamento rapidamente. Atualmente, os cadastros contêm apenas as informações negativas, protestos, que são públicas. Dados como o histórico de pontualidade nos pagamentos e o volume de empréstimos anteriores quitados, que proporcionariam um maior conhecimento dos tomadores de crédito, seriam incluídas nos registros compartilhados por bancos e comércio, com a sanção do dispositivo legal. O cadastro positivo possibilitaria uma aferição mais precisa do risco de crédito. As vantagens, de acordo com seus defensores, seriam: a redução dos custos dos financiamentos e um aumento da oferta de crédito em razão da melhoria do cálculo da inadimplência esperada e a eliminação dos subsídios cruzados a maus pagadores pelos bons, fruto do conhecimento individual mais apurado. Induzirá a um ciclo de mais crédito, mais consumo e mais investimento. A concorrência também contribuiria para a redução das margens financeiras, pois o acesso ao conhecimento dos adimplentes aumentaria a oferta de recursos a eles. Instituições menores, entrantes no mercado e grandes conglomerados teriam as mesmas informações, estimulando uma competição pelos melhores clientes, ofertando recursos a taxas menores. Todavia, seu efeito será tênue em razão da rigidez dos relacionamentos bancários e do processo de precificação do crédito no Brasil. Apesar do sistema financeiro brasileiro ser sofisticado e competitivo, a mobilidade dos clientes bancários é baixa. A possibilidade de um correntista de uma instituição rival transferir seu relacionamento é da ordem de 0,5% em um ano. Os custos não financeiros de transferência são elevados e, dessa forma, não há um estímulo a fazer uma concorrência via redução de taxas para reter clientes. O outro motivo para justificar o efeito diminuto do cadastro positivo no custo dos financiamentos é que a variável inadimplência esperada tem pouco peso na precificação do crédito. Uma análise do espectro das margens nas diferentes modalidades de crédito mostra isso. Ilustrando o ponto, mais da metade da receita líquida do crédito livre é oriunda das linhas emergenciais: conta garantida, cartão e cheque especial, que são oferecidas facilmente e respondem por menos de um sétimo do estoque total de empréstimos. É uma distorção a ser corrigida. A concepção do cadastro positivo, calcada em aprimorar a oferta de crédito, deve ser complementada com medidas apoiando a demanda. Quatro normas adicionais catalisariam os efeitos benéficos do cadastro positivo: transparência, precificação, qualificação e interatividade. A primeira medida é divulgar o risco de crédito de cada operação para tomadores. Três componentes seriam de seu conhecimento: risco do tomador (em razão de características individuais, fluxo de entradas, relação compromissos fixos/renda e contingências), risco da operação (prazo, volume e tipo de financiamento) e mitigadores (garantias e avais). A transparência na percepção do próprio risco pode induzir a ações para diminuí-lo. Outra proposta é a de preço único. Cada instituição financeira e comercial tem total liberdade para fixar as taxas consistentes com sua estratégia, todavia, para o mesmo risco e tamanho de operação deveriam cobrar o mesmo preço. E essa informação seria pública e disponível e os correntistas receberiam em seu extrato as linhas e limites disponíveis, riscos e custos. Poderiam comparar rapidamente as alternativas na mesma instituição e com as concorrentes. Seria algo semelhante ao que o comércio pratica: o mesmo preço para todos. A terceira sugestão é qualificação de gestores de crédito. Hoje há uma certificação compulsória para os consultores de investimentos, algo parecido seria feito para auxiliar os tomadores de financiamento. O processo de endividamento teria um aconselhamento técnico e evitaria decisões de crédito irresponsáveis. Um gestor qualificado poderia inclusive indicar que medidas um tomador deveria adotar para melhorar seu perfil de endividamento e sua nota (scoring) de crédito e responderia por recomendações insustentáveis. A última sugestão é desenhar o cadastro positivo interativo. Possibilitando que o usuário acompanhe, via eletrônica, suas informações. Por um lado, haverá mais precisão com o interesse do tomador de crédito pela atualização de seus dados cadastrais e a retificação de erros. Por outro, o mesmo serve como um instrumento de educação financeira para o usuário (pessoa física e jurídica) para conhecer melhor o que determina sua qualificação e o custo de seu dinheiro. Cadastros positivos existem desde o século XIX e operam em cerca de 40 países, com efeitos benéficos no custo e no volume de crédito. Democratizam os benefícios das qualificadoras de risco (empresas de rating) de grandes corporações para os pequenos tomadores; conseguir-se-á, com o cadastro positivo, o "investment grade" para milhões de brasileiros. Entretanto, a concepção atual do cadastro positivo está voltada para aprimorar a oferta de crédito, é meritória, mas é pouco. Falta o complemento de medidas do lado dos demandantes para tornar o cadastro positivo mais positivo. Roberto L. Troster – Economista e Sócio da Integral. Artigo publicado no jornal Valor Econômico em 26/10/09.